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Qual a importância de ambientes de biodiversidade na natureza?
A biodiversidade é o legado biológico que temos à nossa disposição e que resulta de milhões de anos de evolução. Permitiu que connosco co-existissem um conjunto muito amplo de espécies de diferentes grupos. Neste momento conhecemos cerca de dois milhões de espécies, sendo que isso representará talvez um quinto do conjunto de espécies que podem existir. A ciência conhece, e identificou em algum tempo da história uma espécie, que agora também devia ser objeto de reanálise. Muitas destas espécies estão hoje em gavetas de museus, portanto não voltaram a ser estudadas, porque infelizmente também não temos capacidade, recursos humanos suficientes ou especialistas nos diferentes grupos de organismos à escala do que seria necessário. Hoje percebemos cada vez mais a importância da biodiversidade. Cada espécie é um repositório evolutivo fantástico de um processo longo, muitas vezes muito mais longo que o nosso, de grupos de organismos que são relevantes.
No essencial conhecemos as plantas superiores, organismos mais visíveis, mais fáceis de reconhecer. Há grupos de organismos que conhecemos pior, mas nas últimas décadas o que temos percebido claramente é que essas espécies têm uma relevância extraordinária na composição e no funcionamento dos sistemas vivos. Aliás, também nós temos um conjunto de diversidade, microbiana nomeadamente, que é essencial para o nosso equilíbrio e bem-estar. É inequívoco que o nosso microbioma é uma parte essencial da nossa saúde.
Temos uma intenção muito grande de continuar a estudar a biodiversidade, todos os dias descobrimos espécies novas em muitos locais do mundo. Continuamos com esse objectivo de estudar e conhecer. Há grupos que também hoje percebemos que são da maior relevância e conhecemos mal, por exemplo os fungos. Conhecemos talvez 2% ou 4% dos fungos que poderão existir. Os fungos têm uma relevância incrível quer na relação com as plantas, na forma como podem intervir na cadeia alimentar, na simplificação dos sistemas, como podem decompor, são os únicos organismos capazes de decompor a matéria vegetal e com isso contribuir para o ciclo da vida.
Na ciência, o grupo mais expressivo do que conhecemos são os insectos. Têm uma expressão muito significativa no conjunto da vida. Mas é certo que se conseguíssemos ter acesso à diversidade bacteriana ou fúngica por ventura teríamos ainda muito mais em termos de número.
Quais são as principais razões da perda de biodiversidade aqui em Portugal?
Havia um grande biólogo, o Edward Wilson – a ele se deve esta ideia da biodiversidade -, que dizia que são cinco as grandes ameaças. Em inglês é hippo. H para a perda do habitat, o I para a invasive species, as espécies invasoras, ou exóticas, que são levadas para outros ambientes e ameaçam as espécies nativas (no caso português 20% da flora já é exótica), o P para poluição, o outro P para população, a expansão demográfica – tendemos a anexar activamente as grandes florestas tropicais, os grandes habitats para a expansão das nossas cidades, agrossistemas da monocultura industrial -, e o O para overexploitation, o abuso de utilização de recursos.
Essas são as grandes causas, no mundo inteiro e em Portugal também, para a perda da biodiversidade. Há uma destruição enorme dos habitats naturais, designadamente aqueles que dependem da água, as nossas zonas húmidas, os nossos rios, mas também as áreas protegidas. Nas nossas florestas, com os incêndios sucessivos, a expansão das espécies exóticas é visível, o que significa que as espécies nativas não têm condições de competição, porque não são espécies de crescimento rápido.
Em relação às zonas húmidas e aos rios, existe uma preocupação particular no papel que têm no ecossistema?
Há uma preocupação enorme. Estamos a perder as zonas húmidas, e as zonas húmidas mais temporárias, que eram muito características. Os charcos no sul de Portugal, no Alentejo, estão tremendamente ameaçados, desde logo porque os cenários climáticos também impõem uma nova realidade. Os sistemas dependentes da água sofrem uma alteração no seu ciclo de vida. Não é por acaso que é maior a susceptibilidade a doenças de vários anfíbios. Isso é visível à escala global, e em Portugal também. Não temos uma monitorização tão regular que permita ter essa ideia muito assertiva para Portugal, mas é notório e são vários os investigadores que transmitem isso.
Ainda há dias vi nas notícias o desaparecimento de um pequeno peixe que era endémico de uma ribeira no Alentejo – as águas estão poluídas, o fluxo hídrico não é o mesmo e o caudal não é o mesmo.
Em Inglaterra estão neste momento a oxigenar artificialmente muitas massas de água para conseguir manter a vida lá dentro. As formas de vida, sejam plantas, sejam peixes, que vivem na água precisam de oxigénio, tal como nós. Havendo um aumento muito grande da poluição, diminuindo o fluxo hidrológico e com isso a oxigenação destes sistemas, as formas de vida ressentem-se.
Nós estamos a entrar numa rota de colapso da biodiversidade, que resulta de uma conjugação muito grande de fatores, mas que tem tudo a ver com as opções que temos tidos. Aquela intenção de “do not harm”, na verdade não estamos a conseguir implementar. Não é monitorizado, não é penalizado quem não o faz, portanto é verdade que estamos a destruir os recursos biológicos e a vida, sendo que nós somos parte dela. É chocante a forma como nos desligámos.
Para começar a haver essa proteção da biodiversidade, e conseguir que ela se desenvolva mais em certas áreas, onde iria demorar muitos milhares de anos e podemos proporcionar um aceleramento, é preciso mais legislação ou consciencialização?
Tipicamente o que temos feito para conservar a biodiversidade é identificar áreas que ficam consignadas à conservação da natureza, e acreditamos que os parques naturais e as áreas protegidas de uma forma geral é um sistema que nos garante que essas áreas estão intocáveis ou que pelo a biodiversidade está salvaguardada. Se formos honestos, sabemos que não é bem assim.
Há uma série de estatutos e classificações que foram criadas com o desígnio de conservar a natureza, mas é verdade também que não tem havido o investimento necessário para garantir ao nível da governança, da monitorização, do cumprimento da legislação. Sabemos que há muita permeabilidade no sistema.
Hoje, em resultado da Convenção para a Biodiversidade, que aconteceu em Montreal no final do ano passado, assinámos um acordo que tem como um dos objectivos ter 30% de terra e mar consignado à conservação da natureza. São mais de 190 Estados signatários que se comprometeram, é um desafio para todos. Mas mais importante do que a área em si seria garantir a sua eficácia. Infelizmente sabemos que isso é mais difícil, mas a minha esperança é sempre que a natureza seja cada vez mais parte da forma como equacionamos quaisquer soluções de progresso, seja num meio urbano ou parque natural, na forma como planeamos as novas construções, tendo em atenção as soluções baseadas na natureza, no reforço de mitigar a questão climática. A natureza devia ser central na economia de uma forma geral, e não apenas nas áreas protegidas. Na economia e na nossa forma de pensar o mundo e a vida.
A agroecologia pode ser uma das soluções?
A agroecologia é tremendamente importante para conseguir a transição ecológica, que penso que é uma inevitabilidade, e consagrar a civilização ecológica, aquela capaz de viver em harmonia com a natureza. Só essa consagração permitirá a própria sobrevivência da espécie humana. E para que isso aconteça a transição ecológica é fundamental a alteração do sistema alimentar.
O sistema alimentar depende dos ecossistemas. A forma como nós produzimos alimento atualmente é perversa a todos os níveis. Desde logo socialmente, quando temos grande parte do mundo que não tem acesso a alimento, e outra parte que sofre de doenças causadas por alimentos que são nocivos, ou porque incorporam elementos poluentes, ou porque nos fazem mal, ou porque consumimos em excesso. É um sistema que nós construímos e que está nas mãos de um conjunto de corporações que escolhem aquilo que nós comemos. Nós vamos ao supermercado comprar aquilo que escolhem por nós. Com isto abdicamos de uma atividade que nos ligava à terra.
Sou cientista, acho que a ciência nos vai ajudar, que a tecnologia e a inovação nos vão ajudar, mas a agroecologia diz-nos que nós temos de ser capazes de produzir alimento sem fazer mal aos solos, à água, à biodiversidade, e contando com a biodiversidade para nos ajudar neste processo. Por outro lado, é fundamental que as soluções agro-ecológicas também penetrem na agricultura convencional e industrial.
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