segunda-feira, 12 de maio de 2025

Machosfera “não é brincadeira de rapazes”, é bomba relógio


Escolhem as mulheres como inimigo, são orgulhosamente misóginos, transformam a violência de género em espetáculo ‘online’, doutrinam crianças e lucram com isso – eis a machosfera, uma “bomba relógio que já explodiu”, alertam especialistas.

“Temos uma sociedade pornificada, com plataformas digitais desreguladas, onde a misoginia e a violência contra as mulheres é espetacularizada, monetizada, comercializável. É uma bomba-relógio, um problema social que já explodiu nas nossas mãos”, sublinha Maria João Faustino, especialista em violência sexual.

Isto “não é uma mera brincadeira de rapazes”, garante Inês Amaral, investigadora do Observatório de Masculinidades do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Segundo a especialista, a misoginia “vende”, enquanto propaga filosofias “doentias e assustadoras”, num universo onde homens partilham “filmagens não consentidas de encontros com mulheres, ou até vídeos sem nada de sexual das mulheres, mães, irmãs, até das filhas”.

As “culturas digitais reacionárias e patriarcais” estão a construir “novas gerações que promovem ideias distorcidas sobre intimidade, consentimento, prazer mútuo e igualdade”, aponta Diana Pinto, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.

As narrativas misturam “ressentimento, violência e nostalgia por uma ordem patriarcal perdida”, vendo como ameaça a emancipação feminina.

“Nos fóruns, nas redes sociais e nas plataformas de ‘streaming’, proliferam discursos misóginos que promovem uma cultura que sexualiza, desumaniza e até responsabiliza as raparigas e as mulheres pela violência que sofrem”, indica.

Esta “cultura digital violenta” é “potenciada por algoritmos e pela monetização de conteúdos sexistas, altamente lucrativos para alguns, nomeadamente para as plataformas”, assegura.

O problema de raiz é “muito profundo e está sedimentado em muitos séculos de desigualdade e supremacia masculina”, ganhando no ‘online’ “novas avenidas e dimensões de impunidade”, sinaliza Maria João Faustino, alertando que é “muito fácil aliciar, capturar e radicalizar jovens rapazes” para estes discursos.

A machosfera “tem muitos ecos e muitas alianças” com “a pornografia ou a extrema-direita” e “não está só nas catacumbas da internet”.

“Os misóginos são homens que partilham da vida em sociedade connosco, que vivem connosco, nas nossas casas, nas nossas famílias. É preciso fazer o reconhecimento doloroso de que são homens como nós, e muitas vezes homens que amamos, que são os nossos filhos, os nossos pais, homens em quem confiamos”, sublinha.

Maria João Faustino alerta que o problema é estrutural e tem passado “sem uma resposta preventiva ou uma abordagem séria”.

O britânico Andrew Tate, auto-denominado misógino, é para estes homens “uma espécie de herói” e propaga discursos “de uma violência atroz e uma promoção de ódio muito substancial, consumidos por centenas de milhares de jovens numa base quotidiana”, relata Inês Amaral.

“As crianças não vão ativamente à procura destes conteúdos, mas são o alvo destas pessoas”, avisa a investigadora.

Depois, “há o passa a palavra e o consumo de determinadas plataformas, nomeadamente de jogos, cheias destas ideias”, destaca, encontrando uma “ligação direta” entre a machosfera e os movimentos de Alt-Right (direita alternativa focada na supremacia branca) dos Estados Unidos da América.

É um “problema terrível”, fomentado “pelos discursos conservadores dos grupos e partidos de extrema-direita, que legitimam um discurso mais duro, de recurso à violência e de menorizar o papel das mulheres”, sinaliza Sandra Cunha, da FEM – Feministas em Movimento.

Tiago Rolino, jurista, gestor de investigação e ativista, olha para o machismo como “manifestação do sistema patriarcal”, o “topo da pirâmide de privilégios” que “está sempre presente”, bloqueando “a igualdade plena de direitos e oportunidades”.

“As primeiras vítimas do machismo são as mulheres. Mas os homens também. Têm mais suicídios, sofrem mais de doenças evitáveis porque não vão ao médico, consomem mais drogas, comentem mais crimes e têm mais depressões”, afirma.

Ser “provedor, corajoso, forte, bem constituído fisicamente, esconder as emoções, ser mulherengo e bem-sucedido” são os “pilares da masculinidade que o homem de verdade tenta atingir”, mas “nenhum os atinge a todos”, o que “causa problemas de frustração” e recurso à “violência para se imporem”, explica.

Exploração mineira não poupa zonas de proteção da natureza



A corrida ao ouro, e à prata, entre outros, está lançada em Portugal e quase sem travões para zonas protegidas, como o Parque de Montesinho, que agora podem vir a beneficiar de um puxão de orelhas da União Europeia a Portugal.

O aviso europeu, feito na sexta-feira, pode ter impacto em projetos mineiros em fase de consulta pública para autorização de direitos de prospeção e pesquisa no Parque Natural de Montesinho, em Trás-os-Montes, e nas Zonas Especiais de Conservação “Serra de Monfurado” e “Cabrela”, no Alentejo. Segundo a União Europeia, a legislação portuguesa tem em conta medidas compensatórias quando avalia projetos que podem afetar sítios protegidos pela Rede Natura 2000, “minando o resultado da avaliação dos efeitos.” 

Segundo a Diretiva Habitats, “se um projeto fere um local da rede Natura 2000, não pode ser aprovado simplesmente na base de que o estrago será compensado”, alerta a UE, que ameaça levar o estado português ao Tribunal Europeu. Portugal tem dois meses para responder, promovendo alterações à legislação atual, que tem merecido críticas dos ambientalistas, por ser incapaz de travar projetos, independentemente da oposição das populações e dos pareceres negativos das autarquias.

“A Lei atual é muito lata e deixa muitas válvulas de escape para se poder avançar de forma um bocadinho discricionária", observa Nuno Forner, ambientalista da associação Zero. "É necessário mudar. A lei devia ser explícita e dizer que em áreas protegidas não vamos autorizar exploração mineira", acrescentou aquele especialista em minas. 

Só cobre entra no top dos mais pesquisados
Em Portugal, há atualmente 123 contratos de concessão mineira ativos, e 63 pedidos de prospeção identificados pela Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), 21 contratualizados e 42 em publicação ou avaliação. Dos minerais críticos à transição ecológica, segundo Regulamento Europeu Matérias-Primas Críticas, apenas o cobre aparece entre os mais pretendidos, em segundo lugar, atrás do metal mais ambicionado de sempre pela humanidade: o ouro, com 25 pedidos de pesquisa, 15 concedidos e 10 em publicação ou apreciação. A prata aparece em terceiro lugar, com 23 pedidos, 14 autorizados e nove em espera. 

Entre as chamadas terras raras há ainda pedidos de prospeção de nióbion, antimónio, tântalo e trípoli. Na análise aos pedidos de prospeção na DGEG, destaque para o regresso do volfrâmio,  e para uma solicitação de pesquisa de cobalto, um componente das baterias automóveis mais usadas atualmente, e que está incluído num pedido de prospeção denominado “Valongo 2”, com cerca de 105 km2, nos concelhos de Vinhais e Bragança, abrangendo a Zona Especial de Conservação (ZEC) Montesinho/Nogueira.

Os municípios de Bragança e Vinhais estão contra a prospeção solicitada por uma empresa privada, a GMRConsultores, com sede em Braga, que teve também parecer negativo do Instituto de Conservação da Natureza e da Fauna (ICNF). Há ainda mais dois pedidos de prospeção que abrangemos concelhos de Bragança e Vinhais, denominados "Revelhe" e "Castrelos". 

"Escândalo" em Montemor o Novo
Não é o único projeto mineiro a Zonas Especiais de Conservação, classificadas no âmbito da Rede Natura 2000. Há um projeto de cerca de 70 km2 nas barbas do Porto, que engloba a ZEC de Valongo, aprovada esta semana, e ainda o pedido de atribuição de direitos de prospeção, designada “Montemor”, para prospeção e pesquisa de cobre, chumbo, zinco, ouro e prata, numa área de 447,5 km2 nos concelhos alentejanos de Montemor-o-Novo, Évora, Viana do Alentejo e Vendas Novas onde se inclui as Zona Especial de Conservação (ZEC) de Monfurado e Zona Especial de Conservação (ZEC) de Cabrela.

"É um escândalo", comenta Ana Pires, que em 2011 fez parte de um movimento de cidadãos que se opôs a uma mina de ouro na Boa Fé e agora acompanha com preocupação este novo projeto. "Como? Como?" repete incrédula com a ideia de se abrir uma mina numa área que apanha duas áreas de ZEC. "Quando se declara um parque natural, é porque há volta está tudo mal, já não há saúde para os bichos e as plantas", diz Ana Pires. 

O projeto para Montemor-o-Novo, que tem a oposição do presidente da Câmara, Olímpio Galvão, estima tirar 500 toneladas de ouro em cinco anos, considerando que a concentração é de dois gramas daquele metal precioso por cada tonelada de solo que será preciso remover, triturar e lavar com recurso a produtos químicos. “Será que vale a pena?”, questiona Ana Pires. "Desde que a zona foi incluída na Rede Natura, as pessoas tiveram que adaptar a vida. As atividades económicas mudaram para se adaptar, e está a viver equilibrado", acrescenta. 

“Isto é um contrassenso. Temos áreas protegidas, temos valores naturais que temos de proteger e depois temos a atribuição de direitos para prospeção e pesquisa que podem futuramente levar a  exploração com impactos muito significativos”, alerta Nuno Forner. “É um receio para nós, porque quando é atribuído o direito de prospeção e pesquisa, está ali quase praticamente implícito que as pessoas têm direito a apresentar depois um projeto para exploração. Não há uma salvaguarda”, acrescenta.

Novas concessões no Barroso e o perigo ambiental
“É claro que vão ter que ter um estudo de impacto ambiental, que tem de ser aprovado, mas sabemos que a maior parte dos estudos de impacto ambiental têm parecer favorável condicionado”, alerta, preocupado como a existência de "uma corrida muito predatória, que é explorar o mais rapidamente possível", que ameaça áreas com estatuto de proteção ambiental e agrícola, como por exemplo em Covas do Barroso, classificado como Património Agrícola Mundial da FAO.

Ao projeto de exploração de lítio, da Savannah Resources, com uma área total de cerca de 6km2, juntaram-se mais cinco, alguns encostados às concessões atualmente autorizadas, com Estudo de Impacto Amabiental condicionado, para exploração, prevista durante 17 anos. “O impacto ambiental que vamos ter ali é algo já mais alargado”, alerta Nuno Forner.  Lembrando que Portugal não tem uma estratégia nacional para os recursos naturais, argumenta que a análise é feita caso a caso, pelo que “é muito difícil que os promotores façam uma avaliação séria dos efeitos cumulativos ao nível do ambiente, que podem ser muito maiores que somar um, mais um e mais um.”

Os projetos da Savannah Resources, que detém a concessão da exploração do lítio na mina do Barroso e da Lusorecursos, que espera iniciar a extração  de lítio da mina do Romano, em Montalegre, foram incluídos na lista dos 47 projetos estratégicos selecionados pela Comissão Europeia para “assegurar e diversificar” o acesso às chamadas matérias-primas críticas. São contestados pelas populações, que prometeram recorrer para as instâncias europeias.

Receita para produzir ditadores


John Shattuck, enquanto presidente da Universidade Centro-Europeia em Budapeste, viu de perto como Viktor Orbán assumiu o controlo da democracia húngara e a transformou num Estado autoritário. 
Quando Trump foi eleito, em 2016, Trump apoiou Orbán, e Orbán começou a atacar universidades — forçando a Universidade Centro-Europeia a sair da Hungria. 
John acredita que Trump está a imitar o manual de Orbán. (Steve Bannon declarou uma vez que “Orbán era Trump antes de existir Trump.”)
O manual de Orbán tem 10 partes, segundo John: 
Um: Assuma o controlo do seu partido e imponha disciplina interna usando ameaças políticas e intimidação para acabar com toda a dissidência partidária. 
Dois: Construa a sua base apelando ao medo e ao ódio, rotulando os imigrantes e as minorias culturais como perigos para a sociedade e demonizando os seus adversários como inimigos do povo.
Três: Use desinformação e mentiras para justificar o que está a fazer.
Quatro: Use a sua vitória eleitoral para reivindicar um mandato abrangente — especialmente se não obtiver a maioria.
Cinco: Centralize o seu poder destruindo o serviço público.
Seis: Redefinir o Estado de Direito como regra por decreto executivo. Armar o estado contra todos os adversários democráticos. Demonize quem não apoia o líder como um “inimigo do povo”. 
Sete: Eliminar os freios e contrapesos e a separação de poderes, assumindo o controlo do poder legislativo, dos tribunais, dos meios de comunicação social e da sociedade civil. Aplicar aos opositores penalidades regulatórias, como auditorias fiscais, penalidades educacionais, como negação de acreditação, penalidades políticas, como investigações de assédio, penalidades físicas, como retirada de proteção policial, e penalidades criminais, como processo judicial. 
Oito: Confie nos seus oligarcas — líderes empresariais e financeiros extremamente ricos — para supervisionar a economia e recompensá-los com acesso especial a recursos estatais, cortes de impostos e subsídios. 
Nove: Alie-se a outros autoritários como Vladimir Putin e apoie os seus esforços para minar as democracias europeias e atacar países soberanos como a Ucrânia.
Dez: Faça o público acreditar que tudo isto é necessário e que resistir é inútil.

John observou que a influência de Orbán chega agora a toda a Europa.

Traduzido de Robert Reich

domingo, 11 de maio de 2025

O paradoxo militar e autoritário de Israel


Quando Israel bombardeia a Síria, o Líbano e Gaza, é “autodefesa”. Quando o Iémen responde, de repente é “antissemitismo”.

Os 10% mais ricos do mundo causaram dois terços do aquecimento global desde 1990


A investigação, publicada na revista Nature Climate Change e citado na quarta-feira pela agência Efe, avaliou até que ponto os diferentes grupos e sociedades contribuem para as emissões e revelou que o 1% mais rico do mundo contribuiu 26 vezes mais do que a média global para o aumento dos extremos de temperatura global e 17 vezes mais para as secas na Amazónia.

O trabalho, conduzido pela ETH Zurich (Suíça), mostra a relação entre a desigualdade de emissões baseada no rendimento e a injustiça climática, revelando que o consumo e os investimentos dos ricos tiveram e continuam a ter um impacto desproporcional nos eventos climáticos extremos.

Estes efeitos são "especialmente graves em regiões tropicais vulneráveis, como a Amazónia, o Sudeste Asiático e o Sul de África", que historicamente têm contribuído menos para as emissões globais.

O estudo mostra que os impactos climáticos extremos não são apenas o resultado de emissões globais abstratas, mas "podem estar diretamente ligados a estilos de vida e escolhas de investimento, que por sua vez estão ligados à riqueza", sublinhou Sarah Schöngart, investigadora da ETH Zurique, ex- aluna Young Scientists Summer Program (YSSP) e principal autora do estudo.

"Verificámos que os emissores ricos desempenham um papel significativo na condução dos extremos climáticos", e isso "fornece um forte apoio às políticas climáticas que visam reduzir as suas emissões", salientou Schöngart.

Utilizando um modelo que combinava dados económicos e simulações climáticas, os investigadores conseguiram rastrear as emissões de diferentes grupos de rendimentos globais e avaliar a sua contribuição para extremos climáticos específicos.

Assim, descobriram que as emissões dos 10% mais ricos da população dos Estados Unidos e da China, somente, multiplicaram as temperaturas extremas em regiões vulneráveis em duas ou três vezes.

"Se todos tivessem emitido como os 50% mais pobres da população global, o aquecimento global teria sido mínimo desde 1990", garantiu Carl-Friedrich Schleussner, coautor do estudo e diretor do Grupo de Investigação de Impactos Climáticos Integrados do IIASA.

"Corrigir este desequilíbrio é crucial para uma ação climática justa e eficaz", lembrou o investigador.

O estudo também destaca a importância das emissões ligadas a investimentos financeiros e afirma que focar-se nos fluxos financeiros e nas carteiras de indivíduos com rendimentos elevados pode gerar benefícios climáticos substanciais.

Os autores acreditam que estas descobertas podem ajudar a lançar instrumentos de políticas progressistas dirigidas às elites sociais e realçam que fazer os poluidores ricos pagarem também pode fornecer o apoio muito necessário para a adaptação e perdas e danos em países vulneráveis.

Reequilibrar a responsabilidade pela ação climática de acordo com o contributo real para as emissões "é essencial", não só para conter o aquecimento global, "mas também para alcançar um mundo mais justo e resiliente", concluem os autores.

Marjan Farsad - Khooneye Ma

Devido às restrições ao canto feminino no Irão, a música alternativa tem sido tradicionalmente dominada por homens.No entanto, nos últimos dez anos, isso começou a mudar.
O disco de 2014 de Marjan Farsad foi considerado como um catalisador dessa mudança, pois foi um sucesso tão grande que influenciou muitas cantoras mais jovens, incluindo artistas como Golsa e Banu.
O tema 'Khooneye Ma' (O nosso lar/A nossa casa) é uma das músicas mais conhecidas e gravadas entre todos os iranianos, especialmente entre a diáspora.

11 de maio é o Dia Mundial do Kuffiyeh, símbolo da Palestina, identidade e cultura



Este tradicional acessório representa a identidade nacional palestiniana e a ligação com a sua terra. Adoptado por milhões de pessoas em todo o mundo, representa a solidariedade com a Palestina e a sua luta pela liberdade e justiça.

O keffiyeh palestiniano, foi reconhecido como Património Cultural Imaterial pela UNESCO. O anúncio foi feito pelo Ministério da Cultura da Palestina em 16 de novembro de 2024, por ocasião do “Dia Nacional do Keffiyeh”. Este reconhecimento é um importante marco na preservação do legado cultural palestiniano e reforça a identidade e a resiliência do povo palestiniano.

Originalmente usado por pastores e agricultores nómadas, o keffiyeh "tornou-se uma peça de vestuário icónica usada globalmente por revolucionários anticolonialistas, ativistas e afins, embora continue a ser usado como um toucado tradicional pelos anciãos e agricultores", disse Majeed Malhas, jornalista palestino-canadiano e candidato a doutoramento em antropologia na Universidade de Toronto.

Fonte: aqui

Pastilha elástica liberta microplásticos na saliva e no ambiente quando deitada fora


Os plásticos encontram-se em produtos do quotidiano como roupa ou panos de limpeza, utensílios que libertam diariamente pequenas partículas de micrómetros de largura denominadas microplásticos, e, segundo um novo estudo, também a pastilha elástica está entre estes produtos.

Um estudo piloto da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA) descobriu que a pastilha elástica pode libertar centenas a milhares de microplásticos por unidade na saliva, o que pode provocar a sua ingestão. Além disso, uma vez utilizada e deitada fora, a pastilha elástica é uma fonte de poluição ambiental.

Os resultados do estudo foram apresentados em 25 de Março na reunião da American Chemical Society (ACS), noticiou a agência Efe.

"Não queremos alarmar ninguém", frisou Sanjay Mohanty, investigador principal do projeto e professor de engenharia na UCLA, mas vários estudos com células animais e humanas indicam que os microplásticos podem ser prejudiciais.

Por isso, enquanto se tiram conclusões mais definitivas, uma opção prudente seria "reduzir a exposição aos microplásticos", aconselhou.

Estima-se que cada pessoa consuma dezenas de milhares de microplásticos (entre 1 micrómetro e 5 milímetros de largura) todos os anos através de alimentos, bebidas, embalagens de plástico e processos de produção ou fabrico.

Mas, apesar da sua popularidade global, a pastilha elástica como potencial fonte de microplásticos não tinha sido completamente estudada.

Mohanty e a sua equipa queriam determinar a quantidade de microplástico que uma pessoa poderia ingerir ao mascar pastilha elástica natural e sintética.

A pastilha elástica é feita a partir de uma base de pastilha elástica, adoçantes, aromatizantes e outros ingredientes. Enquanto a pastilha elástica natural utiliza um polímero de origem vegetal, como a seiva de árvore, outros produtos utilizam bases de pastilha elástica sintéticas feitas de polímeros derivados do petróleo.

Os autores testaram cinco marcas de pastilha elástica sintética e cinco marcas de pastilha elástica natural e, para reduzir o fator humano de diferentes padrões de mastigação e salivação, pediram a uma única pessoa que testasse sete pastilhas elásticas de cada marca.

Numa experiência, o sujeito mascou a goma durante quatro minutos, depois foram recolhidas amostras de saliva a cada 30 segundos.

Ao medir o número de microplásticos presentes em cada amostra de saliva, encontraram uma média de 100 microplásticos por grama de goma, embora alguns pedaços individuais de goma tenham libertado até 600 microplásticos por grama.

Um pedaço típico de pastilha elástica pesa entre 2 e 6 gramas, o que significa que um pedaço grande pode libertar até 3.000 partículas de plástico. E se uma pessoa comum mastigar 160 a 180 pedaços pequenos de pastilha elástica por ano, os autores estimam que pode ingerir cerca de 30.000 microplásticos.

Além disso, surpreendentemente, tanto as pastilhas sintéticas como as naturais apresentaram quantidades semelhantes de microplásticos libertados quando mastigadas.

A maioria dos microplásticos foi libertada da goma nos primeiros dois minutos de mastigação e, após oito minutos de mastigação, 94% das partículas de plástico recolhidas durante os testes foram libertadas.

Por isso, a equipa sugere que é melhor mascar pastilha elástica durante mais tempo do que usar uma nova.

Os autores reconheceram ainda que são necessárias mais investigações para avaliar a potencial libertação de plásticos de tamanho nanométrico a partir da pastilha elástica.

sábado, 10 de maio de 2025

A vergonha absoluta


"Acho que nunca escrevi um artigo em estado de maior indignação. O que se passa em Gaza e no território da Autoridade Palestiniana convoca não só a política, a geopolítica, as relações de forças entre Estados, o mundo do “Ocidente” e do Oriente, todos os conflitos em curso, o “Sul global”, o papel das Nações Unidas, mesmo o direito internacional, convoca tudo o que quiserem, mas tudo está abaixo de um repto moral, de uma obrigação de falar, de um dever de protestar e actuar perante um massacre cruel, diante dos nossos olhos, de um povo, o palestiniano. Só conheço uma comparação para esta indiferença, vergonhosa e também, ao mesmo tempo, a mais certeira e, num certo sentido, a mais diabólica: o encolher de ombros de todos os que sabiam que o Holocausto estava em curso – e havia muitos altos responsáveis entre os inimigos dos alemães que sabiam – e nada fizeram.

E não me venham com a história do anti-semitismo, que é um argumento insultuoso para justificar os crimes de Israel, da mesma natureza que o canto “desde o rio até ao mar” serve para justificar o massacre do Hamas. Estão bem uns para os outros.

Já sabemos que tudo começou com um massacre perpetrado pelo Hamas e que devia ter uma resposta israelita dura, como teve. Mas o que se passa nos dias de hoje é outra coisa, é outro patamar político, racial, nacional, que nada tem a ver com uma resposta com qualquer racionalidade militar para combater o Hamas. É uma política de destruição em massa de um povo e do seu “lugar”, e conheceu mais um agravamento na semana passada, com o anúncio da anexação de mais uma parte do território de Gaza ao Estado de Israel. Trata-se, certamente, de preparar a “Riviera” que um Presidente demente diz querer fazer. Bastava esta declaração de Trump, com a aquiescência cínica e interesseira de Bibi, para nós percebermos o grau de loucura que está à frente da maior potência mundial.

Ah! Sim, muita gente diz-se preocupada todas as vezes que Trump abre a boca, ou move as mãos para fazer aquela assinatura infantil em mais uma ordem executiva à margem da Constituição e dos poderes do Congresso, mas isso não chega. Em particular, não chega para a hipocrisia moral de muitos países da União Europeia, como Portugal, que nem sequer o passo de reconhecer o Estado palestiniano são capazes de dar. É uma atitude quixotesca? Se for levada a sério, com a instalação de embaixadas no novo Estado, a assinatura de acordos económicos, políticos e militares, com um Estado soberano, então a coisa fia mais fino. Acresce que Israel, violando todas as regras do direito internacional, conduzindo um massacre quotidiano, não tem sanções.

No entretanto, todos os dias se mata gente inocente, crianças, mulheres, velhos, sem sequer qualquer racionalidade militar que não seja destruir, matar ou atirar para fora da sua terra milhões de pessoas, para depois terraplanar as ruínas e lá instalar colonos israelitas, os mesmos que andam também a matar palestinianos nas terras da Autoridade Palestiniana, a base eleitoral dos partidos da extrema-direita que estão no governo de Bibi. Quem acredita que o que Bibi quer é dar a Trump os hotéis de luxo e as praias da costa de Gaza para fazer vários Mar-a-Lago, e que alguma vez alguém vai lá por o seu rico dinheiro para fazer uma estância turística, rodeada, por terra, por três muros e um pequeno exército de segurança e, por mar, por patrulhas em lanchas, está tão demente como Trump. Não é o caso de Bibi que quer outras coisas, todas locais, todas no Médio Oriente, todas culminando num ataque ao Irão. Para isso, ele até é capaz de construir a tal Riviera vazia de gente, como as aldeias Potemkin em cartão, deslocadas de quarteirão em quarteirão, para a glória de Trump e depois, conseguindo o que quer, trazer o seu eleitorado de extrema-direita para tomar banho na sua Riviera.

E, já agora, não convinha perguntar, em plenas eleições, algo de verdadeiramente importante ao PS, ao PSD, ao CDS, ao Chega, por aí adiante, se, chegando ao Governo, estão dispostos a reconhecer o Estado palestiniano, estão dispostos a impor sanções a Israel e a usar todos os meios ao dispor de um Estado da União Europeia para punir os criminosos? E, para além disso, o que é que eles acham do que se está a passar com as crueldades de Israel em Gaza?

As respostas seriam até uma razão bem mais sólida e moral para decidir o voto."

P.S. Historiador que é, tem obrigação, todos temos, de saber que um 6 de outubro de 2023 existia, e que já nesse 6 de outubro a ocupação criminosa da Palestina conhecia novos picos de brutalidade. Que nunca deixou de conhecer desde 1948. Sem essa percepção, sem esse reconhecimento dos muitos crimes hediondos dos últimos 77 anos, nunca o povo palestiniano conhecerá justiça.

É português uma das pessoas que mais irrita Trump - chama-se Alberto M. Carvalho



1. Chama-se Alberto Carvalho o português que mais admiro entre todos os portugueses que considero admiráveis.
Quase ninguém o conhece aqui, mas o seu nome tem dividido as águas nos Estados Unidos – de um lado, tornou-se bandeira dos que consideram Trump um símbolo do mal; do outro, tornou-se um alvo para os que juram estar com Trump até à morte.

2. Em Portugal, poucos são os que o conhecem.
Só alguns amigos da sua juventude ainda se lembram de que morava numa casa miserável sem casa de banho, luz e água potável. No Bairro Alto dos marinheiros e fadistas, da gatunagem e dos jornalistas, das prostitutas e escritores, Alberto e os seus cinco irmãos faziam o que podiam para ajudar o pai e a mãe que costurava sem parar.
Foi o único a pedir ao pai para prosseguir os estudos, não queria desistir, tinha sonhos.
E assim foi: terminou o liceu em 1982 e tornou-se o orgulho da família.

3. Tinha 17 anos, mas o liceu não lhe bastava.
Juntara dinheiro em segredo e poucas semanas após o último exame já estava na América.
Ao desembarcar em Nova Iorque, com um visto para três meses e o deslumbre da Estátua da Liberdade, atacou o seu primeiro problema. Precisava de arranjar trabalho, fazer o que fosse preciso pois nem sequer tinha dinheiro para jantar nesse primeiro dia.
Quatro horas depois de ter chegado já estava a lavar pratos. Esteve na cozinha de um restaurante de vão de escada, mas arranjou um emprego infindavelmente melhor: acartar sacas de cimento e tijolos em obras.
Entretanto o visto caducou e Alberto ainda era menor.
Passou a dormir na rua, a dormir literalmente debaixo da ponte.
Foi sem-abrigo durante dois meses. E um dia, coisas de um destino que não se cansa de nos surpreender, um professor deu-lhe uma moeda e ficou um bocadinho à conversa.

4. Alberto maravilhou-o com os seus sonhos.
O professor americano ajudou-o a legalizar-se e o miúdo português voltou a estudar. Ao fim de um ano já recebia bolsas de mérito e licenciou-se com brilhantismo em Biologia. Tornou-se professor de Física num liceu em Miami.
A sua capacidade de fazer coisas encantou toda a gente e rapidamente o convidaram para vice-diretor da escola.
Imaginou projetos, escreveu livros sobre educação e somou diplomas e honrarias – durante mais de dez anos revolucionou o ensino na Florida e enquanto superintendente, com a tutela de 400 mil alunos, tornou-se icónico.
Durante a pandemia, muito influenciado pela família Obama, aceitou o convite para liderar todas as escolas de LA, o segundo maior distrito escolar americano, com a tutela de 660 mil alunos e de largas centenas de escolas.

5. Alberto Carvalho é o português que mais admiro.
Tem 60 anos e está nas bocas da América. Já há entre os fanáticos quem o ameace de deportação.
E sabes porquê?
Porque a polícia quis entrar pelas suas escolas para prender e deportar miúdos para El Salvador.
Alberto pôs-se à frente e moveu mundos e fundos para que tal não acontecesse. Na escola ou em casa.
A escola não podia ser um lugar de medo, a escola era um lugar de esperança, futuro e proteção. Por isso, se quisessem entrar e levar as suas crianças teriam de o levar a ele.
Alberto é uma lição de coragem.
Nascido num bairro de fadistas, ladrões, poetas, má fama e jornais, é um dos mais brilhantes soldados do Bem.
E é português a língua que fala dentro de si.

O testemunho de Abel Rodríguez


Abel Rodborn Mogaje Guihu, do departamento de Putumayo, na Colômbia, foi formado como especialista botânico entre os Nonuya, um dos vários grupos étnicos da Amazónia. As suas composições retratam frequentemente a flora específica coexistindo com aves, animais e elementos da paisagem.
Ela fala sobre a forma como as árvores e as plantas, a especialidade do artista, se entrelaçam tanto biológica como cosmologicamente na compreensão da natureza e da vida e como uma não pode existir sem a outra. O seu trabalho mostra a beleza do mundo na sua maravilha intocada e na alegria da diversidade.

Fundação Tropendos

Nuraddin Taghiyev - Kor Arab (Song The Blind Arab)

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Couto Mixto - criação de um microestado


Coto Mixto (em galego:  Couto Mixto , em português: Couto Misto ) foi um microestado na fronteira entre Espanha e Portugal, independente de ambos os reinos , de apenas trinta quilômetros quadrados.

A República do Couto Mixto foi uma  micronação independente na região galega  que emergiu de um dos capítulos menos conhecidos da história europeia. Seu nascimento não se deveu a uma conquista, mas a uma  anomalia jurídica medieval que lhe conferiu um sistema administrativo único , juntamente com direitos e privilégios.

A origem do Couto Mixto é basicamente um mistério. No final da Idade Média, os limites administrativos dos diferentes territórios (reinos, condados, ducados, baronias, etc.) eram imprecisos e difusos. O Couto Mixto estabeleceu-se nas margens geográficas e cronológicas do nascimento de Portugal como reino independente de Leão, em algum momento do magma territorial dos três séculos que vão do aparecimento do Condado Portucalense (século IX) ao reconhecimento do Reino de Portugal pela Santa Sé (1179).

Sua origem remonta ao  século XII , quando o território recebeu benefícios especiais e autonomia, provavelmente devido à sua localização estratégica. Este período coincidiu com a assinatura do  Tratado de Zamora , que, em 5 de outubro de 1143, estabeleceu uma fronteira entre Afonso I de Portugal e Afonso VII de Leão, marcando o início do Reino de Portugal e da dinastia Afonsina.

Após a criação desta fronteira, surgiu uma pequena área ilegal, dando origem a este "microestado", composto por três municípios (que hoje fazem parte da província galega de Ourense): Rubiás dos Mixtos, Meaus e Santiago de Rubiás, este último considerado sua capital. Este microestado tinha até sua própria bandeira, brasão e até um lema: “Tres unum sunt” (Três são um).

Sua bandeira era quadrada, com listras azuis e brancas, imitando a do Reino de Portugal, mas invertendo as cores, e com a diferença de que a bandeira portuguesa continha o brasão do país.

Governo e vida em Couto Mixto
Couto Mixto era governado por uma  república federativa  com um sistema político baseado em três juízes eleitos, conhecidos como ' home de acordo ', selecionados nas três aldeias, além do 'xuiz' ou juiz , que atuava como presidente do Governo.

Este juiz era eleito democraticamente a cada três invernos pelos próprios moradores (chefes de família), permitindo-lhes administrar os assuntos locais e resolver disputas  sem a intervenção de autoridades externas.

A igreja de Santiago funcionava como Parlamento. Ali estava guardado  o tesouro do Couto Mixto : um cofre com três fechaduras, uma para cada juiz, que continha os documentos oficiais do país.

Esta era uma comunidade onde  as decisões eram tomadas localmente , sem depender de um governo central. Seus habitantes desfrutavam de um grau notável de  autogoverno democrático , algo incomum na Europa medieval, numa época em que Portugal e Espanha enfrentavam múltiplas lutas pelo poder.

Com uma área de apenas 27 quilómetros quadrados, Couto Mixto não tinha uma população grande. Entre as três cidades,  a população mal chegava a mil,  o que, aliado à falta de recursos, contribuiu para sua discrição ao longo dos séculos.

Sua estrutura social era  igualitária e baseada na cooperação mútua , essencial para a sobrevivência em uma região isolada. Entre os privilégios dos habitantes do Couto Mixto estava a possibilidade de escolher sua nacionalidade (espanhola ou portuguesa, ou em alguns casos, nenhuma delas) e não pagar impostos a nenhum dos dois países. Além disso, eles estavam isentos de serem convocados para as armas por qualquer país e por qualquer guerra, civil ou internacional.

Eles também desfrutavam de liberdade no comércio e na agricultura, já que não tinham controle fiscal e alfandegário . Da aldeia de Rubiás partia o Caminho do Privilégio, um percurso de sete quilómetros até à aldeia portuguesa de Tourém, devidamente assinalado com marcos de pedra, por onde os habitantes do Couto podiam percorrer sem serem incomodados ou interrompidos por qualquer autoridade. Assim, os mestiços podiam ir a Portugal comprar sal, bacalhau, óleo ou tecidos e depois revendê-los na Galícia sem pagar impostos.

O fim do Couto Mixto
Na segunda metade do século XIX, Espanha e Portugal decidiram delimitar adequadamente sua fronteira, com o  Tratado de Lisboa, em 1864 , que dividiu oficialmente o território entre Espanha e Portugal. Este tratado se concentrou na resolução de disputas de fronteira e questões de soberania, afetando a independência histórica do Couto Mixto e encerrando um capítulo de sua história.

Ambos os países concordaram em eliminá-lo.  As três aldeias permaneceram no lado espanhol do Raya , e uma pequena faixa de terra desabitada permaneceu no outro lado  do Raia . Naquele ano, os habitantes da reserva, cerca de mil, tornaram-se espanhóis, impostos foram cobrados deles e as quintas foram convocadas.

"Portugal renuncia em favor da Espanha a todos os direitos que possa ter sobre as terras do Coto Misto e as aldeias nelas situadas, as quais, em virtude da divisão determinada pela linha descrita, permanecem em território espanhol." Artigo VII do Tratado de Lisboa (1864)

A anexação pôs fim ao modo de vida tradicional dos Couto Mixto: o comércio. Ou melhor, acabou com sua legalidade. Assim como em toda a fronteira, o contrabando foi uma das principais fontes de riqueza até o Tratado de Schengen entrar em vigor em 1995, que eliminou as fronteiras entre os estados da União Europeia. 

Desde então, só resta sua memória. Em 2008, foi erguida uma estátua em homenagem a  Delfín Modesto Brandón, o último juiz da pequena nação , e uma réplica do baú que continha os arquivos da república é conservada na igreja de Santiago de Rubiás, como homenagem àquela época.

Embora Couto Mixto tenha deixado de ser um país há quase dois séculos, algumas de suas atrações ainda podem ser visitadas:
  1. Santiago de Rubiás : Famosa por sua igreja e seu charmoso entorno rural.
  2. Rubiás de los Mixtos : Uma cidade tranquila com vestígios de sua história única.
  3. Meaus : Outra das vilas históricas, com arquitetura tradicional e paisagens naturais.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Listas de deputados do Chega violam paridade

Aqui está uma das razões por que o Chega não divulgou publicamente os nomes dos seus candidatos. Mas algo me diz que não é a principal.


Nas listas para a Europa e Fora da Europa, só 25% dos candidatos do Chega são mulheres, um número que fica muito aquém dos 40% estipulados por lei.

As listas do Chega para os círculos da emigração violam a lei da paridade, tendo em conta que apenas 25% dos candidatos são mulheres, um número que fica muito aquém dos 40% estipulados por lei, avança o Público. O Tribunal da Comarca de Lisboa deixou passar a irregularidade.

André Wemans, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), explicou que as listas que foram entretanto publicadas “já são definitivas” e “portanto não há nada a fazer”, destacando que a CNE não tem competência para intervir neste processo.

O partido liderado por André Ventura é o único que tem apenas uma mulher por círculo, ao contrário de todas as outras forças políticas com representação parlamentar (que têm dois homens e duas mulheres nos círculos da emigração).


O novo macarthismo é uma oportunidade para a Europa?


«Foram poucos minutos, mas os suficientes para o ato de resistência ser fotografado e partilhado. Hasteado numa residência estudantil de Harvard, um pequeno pano lembrava que a “liberdade de expressão inclui a Palestina”. A mensagem responde ao estrangulamento financeiro às universidades decretado pela administração Trump. Com base na acusação de inação perante o antissemitismo, Trump exige que alterem currículos com critérios políticos e pretende influenciar critérios na admissão de estudantes internacionais.

Quem não capitular perante o novo macarthismo sentirá, de forma ainda mais violenta, o apertar no torniquete dos cofres públicos. A Johns Hopkins despediu mais de dois mil funcionários após um corte de 800 milhões de dólares. A Universidade de Columbia cedeu, após ver congelados 400 milhões por causa dos protestos estudantis contra a ocupação de Gaza. Dos 25 estabelecimentos de ensino superior que mais financiamento federal receberam nos EUA em 2023, pelo menos 16 estão sob investigação. Entre estes, 10 estão a ser alvo de especial atenção por parte de uma task force governamental contra o alegado antissemitismo, tratando qualquer crítica a Israel como apologia do Hamas.

Rebecca Simmons, médica e investigadora há mais de 50 anos nos EUA, viu o seu projeto sobre complicações na gravidez entre mulheres negras e pobres bloqueado por uma ordem executiva que proíbe financiamento federal a estudos sobre diversidade. Como este, há centenas de casos semelhantes, com impacto direto na saúde pública e inovação médica.

Nem as universidades internacionais com protocolos com as americanas, como algumas portuguesas, são poupadas, exigindo a administração Trump o fim de políticas contra a discriminação ou o fim da investigação em áreas “sensíveis” como a saúde pública.

Revolução Cultural
Das grandes firmas de advocacia às cadeias de televisão, a capitulação perante as exigências autocráticas tem sido regra nestes loucos meses em Washington. Justiça seja feita a Trump: nem as instituições mais poderosas são poupadas. Pelo contrário, a sua capitulação é especialmente importante, exatamente pelo seu poder simbólico. Por isso o braço de ferro com Harvard se tornou tão relevante.

Em resposta à chantagem, Harvard decidiu enfrentar Trump, garantindo que prefere perder 2000 milhões de dólares vindos dos cofres federais do que abdicar do controlo da instituição e da liberdade de definir os seus currículos. Claro que o desafogo financeiro da universidade mais rica do mundo, com um orçamento anual de 50 mil milhões de dólares, ajuda a alguma resistência. Mas o reitor sabe que tem muito a perder, como a isenção fiscal de que beneficia, vital para apoios privados. Até agora, nem isso demoveu a instituição, que sente também a responsabilidade de defender as restantes faculdades sem o seu músculo financeiro, de enfrentar a administração Trump em tribunal. O que está em causa, com este corte financeiro, não é tanto o funcionamento da universidade, mas o dos seus centros de investigação médica. Dos 9000 milhões de dólares que Harvard recebe do Estado, 7000 destinam-se a onze hospitais em Boston e Cambridge.

Os EUA estão a viver uma guerra cultural inspirada, na sua lógica, no estertor de Mao: a purificação do sistema político contra a imposição de um quadro de valores, não natural, pelas elites que dominam o sistema contra a vontade do povo. J.D. Vance não podia ter sido mais claro: “as universidades são o inimigo”. Vance, ele próprio formado em Yale, argumenta que a verdade e o conhecimento nos EUA têm sido moldados pelas universidades com base numa tirania. E perguntou: “Porque consentiram os conservadores esta tirania intelectual?” Quebrar as universidades é fundamental para impor uma nova hegemonia cultural.

A guerra cultural americana já não é meramente simbólica. Atacar as universidades serve três propósitos: destruir uma das últimas barreiras institucionais ao autoritarismo, castigar quem não se ajoelha e consolidar o ressentimento das bases contra as “elites do saber”. Trump segue o guião da Hungria, onde Orbán fez o mesmo, quebrando sem dificuldade a resistência das universidades, agora transformadas em fundações com amplo controlo político.

Vive-se, por cá, o mito da ausência de Estado no domínio tecnológico e científico norte-americano. A eficácia da chantagem de Trump, usando o corte de apoios públicos, desmonta a fantasia.

O investimento federal nas universidades ascende a 60 mil milhões de dólares, um valor trinta vezes superior (atualizado à inflação) às transferências anteriores à Segunda Guerra Mundial. Foi a corrida pela descoberta da bomba nuclear, um esforço titânico que juntou dezenas de investigadores das maiores universidades e institutos, que abriu o caminho para o financiamento de projetos de larga escala. A Guerra Fria, a conquista do espaço, a nova fronteira tecnológica, tudo foi consolidando o apoio público à investigação aplicada que abriu caminho a quase todas as grandes inovações do nosso tempo.

As empresas privadas investem quantias astronómicas em inovação aplicada. Mas ela repousa em décadas de investigação em ciência base que permite, anos depois, a massificação de produtos ou novas tecnologias. A nova geração de vacinas usadas para combater a Covid-19 foi possível graças à pesquisa e ao desenvolvimento efetuados nos anos 60 do século passado.

RIO
Consoante o ranking, 16 ou 20 das 25 melhores universidades do mundo estão nos EUA. Tirando uma breve aparição de Zurique, só as do Reino Unido, com três dos lugares cimeiros, se destacam nas europeias. Nenhuma de uma União Europeia que tanto fala em ciência e inovação. A China, pelo contrário, tem uma ou duas (e Singapura uma).

Não está escrito em pedra que as melhores universidades e centros de inovação fiquem sempre no mesmo país. A Alemanha foi o centro académico até 1933, e deixou de o ser com a perseguição aos judeus e à liberdade de expressão, essencial para o trabalho académico, dando origem a uma fuga de cérebros prontamente acolhida pelos EUA.

Mais de 75% dos investigadores que responderam a um inquérito conduzido pela Nature admitem abandonar os EUA para poder prosseguir o seu trabalho na Europa ou no Canadá. Algumas universidades europeias já sentem o aumento do número de candidaturas do outro lado do oceano e, como sempre, alguns estão mais acordados do que outros. Doze governos escreveram uma carta à comissária europeia da Inovação, defendendo uma estratégia concertada para tentar captar talento internacional para as universidades do continente. Entre esses países encontramos a França, Espanha, Alemanha ou Grécia, mas, como é evidente, nem sinal de Portugal.

É preciso repetir programas de atração, como o que os EUA levaram a curso no pós-guerra (Operação Paperclip), mas desta vez em sinal contrário. A Europa ainda tem uma vantagem em relação à China: é vista como um espaço de liberdade de pensamento, crítica e investigação.

Como avisa Bruno Maçães no Perguntar Não Ofende, a liberdade não chega (nem é certo que, em algumas áreas, isso seja assim tão relevante para os cientistas). A diferença salarial e de investimento em investigação é enorme. É preciso investir e coordenar investimento.

Primeiro Macron, depois Von der Leyen, foram bastante agressivos no discurso sobre a captação de talento das universidades norte-americanas. “A Europa deve continuar a ser a pátria da liberdade académica e científica”, disse a presidente da Comissão Europeia, na apresentação do programa “Escolhe a Europa”. Garantindo que a União Europeia já apoia investigadores que venham para o espaço europeu, atribuindo um complemento à sua bolsa, anunciou “um novo pacote de 500 milhões de euros para 2025-2027, para tornar a Europa um pólo de atracção para os investigadores.” Dá pouco mais 150 milhões por ano para todos os países europeus. Para que se perceba a gota no oceano, mesmo com os cortes de Trump, os EUA continuam a investir 7000 milhões só em Harvard.

Também aqui, o bom aluno português decide ficar para trás. Se a situação já não era boa com o anterior governo, agora temos o orçamento mais baixo da Fundação Ciência e Tecnologia desde 2018. De nada nos serve ter investigadores internacionais com vontade de vir para Portugal se os nossos centros estiverem lotados de precários a trabalhar sem reconhecimento. Não é só uma questão monetária, mas também de estatuto, autonomia e ambiente favorável à investigação.

Ou encaramos a produção de saber como um fator de diferenciação e qualificação da economia, ou continuaremos condenados a olhar para o sucesso dos outros, a depender de monoculturas de baixo valor acrescentado, como a do turismo, e a baixar o IRC na esperança de que assim nasçam flores no deserto. É uma escolha que devia passar pela campanha eleitoral.»

Deportações na campanha e o ar de um tempo trágico


As deportações também rendem votos por cá. São inevitáveis. Não há novidade nas ordens de saída voluntária. Existem desde 2007 e até são inferiores, em número, a vários anos dos governos do PS. Mais uma vez, o governo faz passar por ação política procedimentos quotidianos da administração pública. O que mudou é serem anunciadas, num arranque de campanha, como bandeira política e em celebração, contribuindo para a demonização dos imigrantes. Estamos próximos do pleno emprego, temos falta de mão de obra nos setores que estes imigrantes procuram, precisamos deles para garantir a sustentabilidade da segurança social, são responsáveis pelo repovoamento de várias zonas do interior e travaram a nossa gravíssima crise demográfica. No centrão, só o PR juntou à consciência dos evidentes erros administrativos do passado, em que se deixaram pendurados processos de milhares de imigrantes, a importância económica da imigração e de valores básicos de humanidade, não celebrando a expulsão de pessoas que, como fizemos no passado, procuram uma vida melhor. Não cumprir os requisitos não é sinónimo de ser criminoso. Em Portugal, se vier uma crise económica e com este ambiente político, os imigrantes serão o bode expiatório. Nesse campeonato, só ganhará quem se especializou no filão. Como os conservadores britânicos estão a aprender.

Rostos da Aldeia - Pitões das Júnias


A curta documental “PITÕES DAS JÚNIAS - vidas na montanha” produzida pelo colectivo Rostos da Aldeia conquistou o GOLD AWARD na categoria documentário do Japan World's Tourism Film Festival 2025. A cerimónia de entrega de prémios decorreu no passado dia 19 de março, na cidade de Wakayama.
Este é o terceiro galardão internacional conquistado por este filme. Conquistas que partilhamos naturalmente com quem partilhou as suas histórias connosco: a gente boa de Pitões das Júnias.
Saber mais aqui

quarta-feira, 7 de maio de 2025

O genocídio democrático


Tempos houve, retrógrados, ideologicamente remetidos para o caixote do lixo da História, nada liberais e progressistas em que o conceito de genocídio era uma coisa feia, revoltante, sanguinária. Tempos em que os seres humanos, mesmo os mais avançados na caminhada civilizadora, tinham ainda o seu quê de selvagens.

Práticas como as da Santa Inquisição, a barbárie nazi contendo o seu estarrecedor Holocausto, até o episódio dos Hutus no Burundi e os massacres na antiga Jugoslávia, desde que os supostos autores fossem os sérvios, provocaram grande comoção entre nós. Quem mais se indignou perante estes acontecimentos foi, pela ordem natural das coisas e porque assim deve ser, por definição, a «nossa civilização», a ungida «civilização ocidental», depositária sem mácula dos conceitos básicos humanistas como a democracia, a liberdade, os direitos humanos, a lei, a justiça e, por último mas não menos importante, o mercado – motor infalível de tudo o resto.

Parece inquestionável, contudo, que em relação ao passado a «nossa civilização cristã e ocidental» não tinha as mãos completamente limpas na chacina purificadora da Santa Inquisição, da mesma maneira que existem suspeitas sobre o longo período de alheamento em relação às actividades de Hitler antes e durante o Holocausto, ou até sobre o seu papel decisivo na criação de condições para que essas tragédias tivessem acontecido.

Porém, práticas assim desaconselháveis aconteceram há séculos, ou décadas distantes, quando o nosso estádio civilizacional não tinha amadurecido aos níveis de hoje, nos quais a cultura é pujante, o humanismo esfuziante, cultivámos um edénico jardim protegido por um muro inviolável que nos defende da barbárie ainda avassaladora e invejosa da nossa evidente superioridade. Deve recordar-se, e que não haja qualquer equívoco xenófobo e inquisitorial ao fazê-lo – indignidades com as quais a nossa sociedade avançada não pactua – que os alvos frequentes destas sevícias foram quase sempre os judeus, esses hereges e assassinos de Nosso Senhor Jesus Cristo, crimes pelos quais foram condenados a quase dois mil anos de necessária marginalização.

Agora tudo passou, tudo acabou, estamos nos píncaros da democracia neoliberal. Aos que dizem representar os judeus mas têm zero vírgula zero de raízes na Palestina histórica é permitido finalmente vingar-se e descarregar no povo nativo palestiniano uma raiva acumulada durante séculos de perseguições – mas não aos judeus étnicos que permaneceram no seu território pátrio. É uma espécie de princípio de vasos comunicantes da civilização em que os mais fracos e desprotegidos estão sempre ao nível inferior no ramo em ascensão: os que dizem representar os judeus já subiram para um patamar de equilíbrio seguro; aos palestinianos cabe agora esperar pela sua vez durante o tempo que tiverem de esperar. Se lá chegarem, o que pode não acontecer porque o genocídio finalmente democratizou-se, caminha ao compasso da nossa civilização e, uma vez que o Direito Internacional é coisa retrógrada e reaccionária, a vigente e moderníssima «ordem internacional baseada em regras» pode definir como ultrapassado, caduco até, aquele princípio da Física aplicado aos domínios sociais. O povo palestiniano sofrerá assim uma espécie de dores do progresso em direcção à civilização, enfim alguém teria de passar por isso.

Uma chacina lógica e inevitável
Israel, como define o seu actual primeiro ministro, Benjamin Netanyahu, indivíduo que tem um mandado de captura emitido por essas retrógradas instituições como o Tribunal Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional, é «o garante da presença da civilização ocidental no Médio Oriente».

O homem tem toda a razão: nenhum dos países ocidentais contesta esse dogma; pelo contrário, reforçam-no jurando que «Israel é a única democracia do Médio Oriente».

Ora, se a «única democracia do Médio Oriente» realiza há cerca de 80 anos o genocídio do povo palestiniano, combinando duas acções democráticas e liberais, como são a limpeza étnica e o extermínio das populações, então não pode estar a infringir qualquer lei em vigor. Recorda-se que os países ocidentais, com o seu farol, os Estados Unidos da América, à cabeça têm uma relação perfeitamente justa com a justiça porque em relação aos tribunais atrás citados podem julgar e ser inquisidores, mas não admitem ser julgados. Israel pertence a esta casta de eleitos, assim lhe permite a condição parcela de Ocidente incrustada no selvático Oriente.

Que mal tem afinal o genocídio? Qual o problema de assassinar mais de 60 mil pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, na Faixa de Gaza desde 7 de Outubro de 2023? Há muitos terramotos que provocam mais vítimas; além disso, que são 60 mil seres humanos no meio de mais de dois milhões de habitantes naquele enclave, ou será campo de concentração?

Existe ainda uma outra justificação essencial para se compreender a matança. Nunca esqueçamos o apelo lancinante de Daniella Weiss, uma das chefes dos colonos sionistas importados por Israel: «Os colonos querem ver o mar, o que é um desejo lógico e romântico. Gaza deve ser esvaziada de todos os árabes para que os colonos possam ver o mar construindo colonatos em toda a Faixa de Gaza». Qualquer dirigente ocidental compreenderá muito bem os direitos humanos defendidos pela angustiada Daniella. Estou certo de que um deles é esse exemplo de democrata chamado Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros do impoluto Montenegro, que ainda recentemente foi saudar Netanyahu e os seus colaboradores mesmo no auge da operação de extermínio.

Para estar ao lado das matanças cometidas por Israel, o Ocidente não ignora o facto de o fundador do sionismo, Theodor Herzl, ter garantido que a Palestina era uma terra sem povo para um povo sem terra. É certo que o mesmo Herzl admitiu depois a necessidade de «incitar a população desfavorecida a sair da Palestina, privando-a de trabalhar na nossa Pátria», mas isso terá sido, digamos, uma figura de estilo.

A primeira-ministra israelita Golda Meir, a «dama de ferro» antecessora de Margaret Thatcher, repôs a verdade de Herzl ao garantir, algumas décadas depois, que os «palestinianos não existem», por isso, «não viemos expulsar ninguém». Moshe Dayan, general e herói nacional da Guerra dos Seis Dias, ousou desmenti-la: «Não há um único lugar neste país que não tenha tido uma população árabe». Talvez o general percebesse de tudo o que era militar mas fosse uma nulidade em geografia e demografia. E, como não custa especular, não escapou a uma dura reprimenda da sua chefe do governo.

Pela autodeterminação da Palestina - reportagem isenta


Enquanto o mundo se vira, a Palestina chora. As crianças fecham os olhos pela última vez — não para dormir, mas para passar fome. As mães embalam corpos sem vida em vez de sonhos. Os pais cavam covas com as próprias mãos porque ninguém parou as bombas. Isto não é apenas uma tragédia — é um colapso moral da humanidade. Quando a história julgar este silêncio, o que diremos? Que assistimos ao genocídio e lhe chamamos "conflito"? Que deixamos os bebés morrer à fome e chamamos a isso "política"? Vergonha de cada líder, de cada nação, de cada voz que se calou. O sangue da Palestina mancha não só a terra, mas a nossa consciência para sempre.

Estima-se que  ainda existem dois milhões de árabes em Israel. Se todos em peso tivessem votado no seus próprios partidos árabes no Knesset, o Parlamento israelita, o Bibi nunca teria ganho as últimas eleições, mas sim a coligação de esquerda coligada com os todos partidos árabes Balad, Hadash, Ta'al e Lista Árabe Unida.

Netanyahu sob pressão judicial e internacional enquanto Israel prepara nova ofensiva em Gaza

Ha-Joon Chang


Ha-Joon Chang é um economista institucional especializado em economia do desenvolvimento. Actualmente, é membro do Departamento de Política Económica do Desenvolvimento na Universidade de Cambridge no Reino Unido.

O fim da sociedade aberta - a LER antes das eleições


O golpe de estado corporativo e o colapso da democracia americana começaram muito antes de Trump. Ele está simplesmente a extinguir o que resta.
Chris Hedges, jornalista, Prémio Pulitzer. Por quase duas décadas foi correspondente na América Central, Oriente Médio, África e Bálcãs.

"Os fascistas cristãos e os oligarcas que entregam alegremente a Donald Trump a sua caneta afiada e as suas ordens executivas não estão a fazer guerra ao Estado profundo, à esquerda radical ou a proteger-nos dos “anti-semitas”. Estão a fazer guerra a factos verificáveis, ao Estado de direito e à transparência e responsabilidade que só é possível com uma imprensa livre, o direito à dissidência, uma cultura vibrante e uma separação de poderes, incluindo um poder judicial independente.

Todos estes pilares de uma sociedade aberta, como detalho no meu livro “Death of the Liberal Class”, foram degradados muito antes de Trump. A imprensa, incluindo a radiodifusão pública, a academia, o Partido Democrata, uma cultura corporativa e banal, um sistema judicial que serve a classe bilionária e um Congresso comprado por lobistas, foram estirpados. São facilmente eliminados. Poucos querem levantar-se para os defender. Eles venderam-nos. Deixem-nos morrer.

“A perda da classe liberal cria um vazio de poder preenchido por especuladores, especuladores de guerra, gangsters e assassinos, muitas vezes liderados por demagogos carismáticos”, escrevi em “Death of the Liberal Class”, em 2010. "Abre a porta a movimentos totalitários que se tornam proeminentes ridicularizando e ridicularizando a classe liberal e os valores que ela afirma defender. As promessas destes movimentos totalitários são fantásticas e irrealistas, mas as suas críticas à classe liberal são baseadas na verdade."

O fascismo nasce de um liberalismo falido que renunciou ao seu papel tradicional numa democracia capitalista. Já não melhora os piores excessos da classe dominante e do império, instituindo reformas graduais e fragmentadas. Repreende e moraliza os trabalhadores destituídos de direitos que traiu.

Os meios de comunicação social dão mais prioridade ao acesso aos poderosos do que à verdade. Amplificaram as mentiras e a propaganda para nos empurrarem para uma guerra contra o Iraque. Enalteceram Wall Street e garantiram-nos que era prudente confiar as nossas poupanças a um sistema financeiro gerido por especuladores e ladrões. As poupanças foram destruídas. Alimentaram-nos com as mentiras do Russiagate. Servem servilmente o lobby de Israel, distorcendo a cobertura do genocídio e dos protestos nas universidades para demonizar os palestinianos, os muçulmanos e os estudantes que protestam. Dançam ao som da música dos seus anunciantes e patrocinadores empresariais. Tornam invisíveis sectores inteiros da população, cuja miséria, pobreza e queixas deveriam ser o principal foco do jornalismo.

As universidades transformaram-se em empresas. Os administradores de topo, que muitas vezes têm um Master of Business Administration (MBA), com pouca ou nenhuma experiência no ensino superior, juntamente com os treinadores desportivos que têm potencial para ganhar dinheiro para a universidade, são altamente compensados com salários na ordem das centenas de milhares de dólares, com treinadores premiados e presidentes de faculdades a ganharem milhões.

Atualmente, pouco mais de 10% dos postos de trabalho do corpo docente são ocupados por professores titulares. Cerca de 45% são empregados contingentes a tempo parcial ou adjuntos. Um em cada cinco é a tempo inteiro e não é titular. As universidades, ao reduzirem radicalmente os postos de trabalho com direitos adquiridos e adequadamente remunerados, tornaram-se extensões da economia informal. Os professores adjuntos e os trabalhadores licenciados são muitas vezes obrigados a candidatar-se ao Medicaid, a aceitar segundos empregos a dar aulas noutras faculdades, a conduzir para a Uber ou para a Lyft, a trabalhar como caixas, a entregar comida para a Grubhub ou para a DoorDash, a passear cães, a tomar conta de casas, a servir à mesa e a viver quatro ou seis pessoas num apartamento ou a acampar no sofá de um amigo.

Um corpo docente mal pago e sem segurança no emprego não levanta questões que desafiem a narrativa dominante, seja sobre a desigualdade social, as corporações predadoras, os crimes do império, o genocídio israelita ou o nosso estado de guerra permanente. Se o fizerem, são despedidos. Entretanto, os administradores superiores das universidades recebem bónus por “reduzirem as despesas”, aumentando as propinas e as taxas, cortando pessoal e suprimindo salários. Esta instabilidade garante aos doadores ricos que a ideologia neoliberal que está a devastar o país, para além de permitir o genocídio em Gaza, não será questionada pelos académicos que temem perder os seus cargos. Os ricos e os poderosos são louvados. Os trabalhadores pobres, incluindo os empregados pela universidade, são esquecidos.

Como Irving Howe assinalou no seu ensaio de 1954 “This Age of Conformity”, a "ideia da vocação intelectual - a ideia de uma vida dedicada a valores que não podem ser realizados por uma civilização comercial - perdeu gradualmente o seu encanto. E é isso, mais do que o abandono de um programa particular, que constitui a nossa derrota". A crença de que o capitalismo é o motor inatacável do progresso humano, escreve Howe, “é apregoada através de todos os meios de comunicação: propaganda oficial, publicidade institucional e escritos académicos de pessoas que, até há poucos anos, eram os seus principais opositores”.

A greve histórica da CP e a ferrovia em Portugal


Os comboios estão totalmente parados porque o Governo negociou com os sindicatos e dois dias depois disse que não ia cumprir nada do que negociou. Mais transparente não há. Montenegro conseguiu o pleno, juntar todos os sindicatos, todas as profissões da ferrovia porque andou a gozar com quem trabalha. O Governo diz que a culpa é de estar em gestão, mas os governos podem legislar em gestão e este legislou. Montenegro aprovou, já em gestão, investimento em milhões, nomeadamente no Plano Nacional Ferroviário, nomeou novos dirigentes, anunciou a deportação - palavra impronunciável - de trabalhadores. Os trabalhadores da ferrovia não aceitaram a imposição de um aumento inferior ao salário mínimo, depois houve nova negociação, chegaram a um acordo, e dois dias depois o Governo diz que não aceita o que tinha assinado. A greve geral da ferrovia foi a resposta, mostrando quem é essencial ao país - quem trabalha. Um dos escribas do status quo, João Miguel Tavares, deixou uma ideia no Público, da Sonae, proibir a greve no sector público. Este é o calibre democrático deste projecto político - ganhem mal, mentimos, e logo a seguir proibimos que se manifestem. Eis o projecto político das classes dirigentes portuguesas.

A ferrovia em Portugal foi preterida às PPPs nas auto-estradas, o comboio - o meio mais seguro, confortável e ecológico - é desprezado, a CP abre concursos e não consegue ter trabalhadores, até o anúncio da alta velocidade é uma incógnita para financiar a Banca porque o PRR só dá uma ínfima parte - e é com dívida; nem de Lisboa a Caldas da Rainha se consegue ir em menos de 2 horas; os trabalhadores fazem turnos atrás de turnos, adoecem a trabalhar e trazem para casa pouco mais do que o salário mínimo.

Disseram e bem que não aceitam aumentos inferiores ao salário mínimo. Todo o jogo deste e dos Governos desde a Troika é aumentar o salário mínimo e não aumentar o médio, de tal forma que dentro de pouco tempo - se não se seguir o exemplo destas greves sérias - todos estaremos a ganhar o salário mínimo. Por isso, estes trabalhadores hoje representam-nos a todos. Contra viver com o mínimo, por uma ferrovia decente, que nos transporte com conforto. Um país que pensa nas pessoas.

Slavoj Žižek - O papel da Europa na atual política planetária


O Instituto Berggruen Europa recebeu o Professor Slavoj Žižek na Casa dei Tre Oci para uma palestra sobre a necessidade de uma teoria quântica da história.
O que isso significa? Porquê uma nova teoria da história e da transformação deve ser operacionalizada como base para uma nova política?

terça-feira, 6 de maio de 2025

Antigos participantes do Festival da Eurovisão pedem exclusão de Israel

Protestos contra a participação de Israel no Festival da Eurovisão, em Maio de 2024

Mais de 70 ex-participantes do Festival Eurovisão da Canção, entre os quais Salvador Sobral, divulgaram esta terça-feira uma carta aberta apelando à União Europeia de Radiodifusão (UER) para excluir a participação da emissora israelita KAN.

Os subscritores, entre os quais também se encontram os portugueses António Calvário, Fernando Tordo, Lena D'Água e Rita Reis, da antiga banda Nonstop, justificam o seu apelo à UER por considerarem a KAN "cúmplice do genocídio contra os palestinianos em Gaza".

"Nós, os ex-participantes da Eurovisão instamos todos os membros da União Europeia de Radiodifusão (UER) a exigir a exclusão da KAN, a emissora pública israelita, do Festival Eurovisão da Canção. A KAN é cúmplice do genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza e do regime de décadas de 'apartheid' e ocupação militar contra todo o povo palestiniano", lê-se na carta.

A carta, publicada conjuntamente pela organização não-governamental Artists For Palestine e pelo movimento Boycott, Divestment, Sanctions (Boicote, Desinvestimento e Sanções) (BDS), é assinada por antigos vencedores do concurso, como o Salvador Sobral (2017) e o irlandês Charlie McGettigan (1994), entre outros antigos representantes, como compositores, músicos, bailarinos, membros de coro.

"Acreditamos no poder unificador da música, e é por isso que nos recusamos a permitir que seja utilizada como ferramenta para encobrir crimes contra a humanidade", lê-se no comunicado, no qual os antigos participantes afirmam que a presença de Israel tornou a edição de 2024 "a mais politizada, caótica e desagradável" da história da competição.

"No ano passado, ficámos horrorizados com o facto de a UER ter permitido que Israel participasse enquanto o genocídio em Gaza continuava, transmitido em direto para todo o mundo. O resultado foi desastroso", lê-se no comunicado.

Segundo os 70 subscritores, a UER não reconheceu as críticas nem refletiu sobre os seus erros, mas, em vez disso, concedeu "total impunidade" à delegação israelita enquanto reprimia outros artistas e delegações.

Acrescentando ainda que, dada a ascensão dos movimentos autoritários e de extrema-direita em todo o mundo, o dever de se manifestar é "urgente", os subscritores da carta lembram que a UER já demonstrou a sua capacidade de medidas drásticas quando expulsou a Rússia da competição em 2022, após invadir a Ucrânia.

"Não aceitamos este duplo critério em relação a Israel. Solidarizamo-nos com os concorrentes deste ano e condenamos a recusa reiterada da EBU em assumir a sua responsabilidade".

A carta é publicada uma semana antes do início da Eurovisão 2025, que terá lugar em Basileia, na Suíça, nos dias 13, 15 e 17 de maio.

Entre os subscritores estão antigos representantes de países como Finlândia, França, Irlanda, Noruega, Eslovénia, Suíça, Reino Unido, Albânia, Bósnia Herzgovina, Turquia e Malta.

Israel participa no concurso desde 1973
Na edição deste ano está previsto Israel ser representado por Yuval Raphael, um sobrevivente do ataque do Hamas ao Festival Nova, em 7 de outubro de 2023.

Em abril passado, a televisão espanhola (RTVE) enviou uma carta ao presidente da UER, Noel Curran, solicitando "a abertura de um debate" sobre a participação de Israel na competição. Este pedido foi posteriormente repetido pelas estações de televisão eslovenas e islandesas.

Israel participa no concurso desde 1973, tendo já vencido por quatro vezes: em 1978, com a canção "A-Ba-Ni-Bi", defendida por Izhar Cohen e os The Alfabetam, e no ano seguinte, quando recebeu o Festival em Jerusalém, com "Hallelujah", por Gali Atari e os Milk & Honey.

Uma canção em hebraico, "Diva", voltou a vencer o festival em 1998 com Dana International. A mais recente vitória israelita no certame foi em Lisboa, em 2018, com "Toy", uma canção interpretada em inglês por Netta Barzilai.