Uma cidade verdejante, repleta de relvados, bem regados e com o corte em dia – a imagem que aprendemos a associar à qualidade da estrutura verde da cidade pode estar errada. Prezam-se os relvados, mas, para existirem, paga-se um preço alto. A sua manutenção faz-se através do uso intensivo da água, recurso escasso e cuja boa gestão é particularmente importante em meses secos.
Em Lisboa, a noção da cidade verde está a ser desafiada, assim como a própria perceção da cor. Relvados são substituídos por prados. Será o verde, na cidade, mesmo verde? Talvez seja preciso voltar a treinar o olho. Reformular: talvez o verde não seja o expoente maior da sustentabilidade.
Na ação climática urbana, a cor que dá pelo mesmo nome nem sempre é a resposta. A obsessão pelo relvado, perfeitamente aparado, pode não ser uma expectativa saudável para uma cidade que se quer sustentável no presente e preparada para um futuro marcado pelas alterações climáticas.
No Parque da Bela Vista, onde antes havia relva, existem agora prados.
No Parque da Bela Vista, os relvados estão a ceder. É verão, os termómetros marcam mais de 30 graus e, onde antes havia relva, estão hoje dois talhões de prado de sequeiro biodiverso. O calor e a secura levam o amarelo a dominar.
No outono e inverno é o verde e, na primavera, todas as cores. A explicação é dada por um sinal vertical, não vá o mais incauto dos transeuntes pensar que o que ali se vê é a incúria na gestão do espaço. Não é. É um prado de sequeiro biodiverso – um espaço renaturalizado, marcado pela presença de “espécies autóctones, da nossa flora, adaptadas ao nosso clima e que têm um período de vida natural”, diz Rui Simão, chefe de divisão de Manutenção e Requalificação da Estrutura Verde da Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Não precisam de rega, contribuem para a retenção de água no solo e atraem insetos que promovem o controlo de pragas. Nasceram em 2020, ano em que Lisboa hasteava a bandeira de Capital Verde Europeia, mas as primeiras experiências com estas estruturas naturais aconteceram em 2012, no Corredor Verde de Monsanto, nas traseiras do Palácio da Justiça.
Uma estratégia de todas as cores
“A estratégia não é só verde. É castanha, também”, diz Rui Simão. O ciclo biológico dos prados de sequeiro segue o calendário das estações. “Têm a produção, de sementes durante o verão, a semente cai para o solo, começa a aumentar o seu tamanho e germina, depois, na primavera”. As novas plantas, verdes, “fazem a floração e voltam a produzir a semente”. Assim se fecha o ciclo, explica o responsável.
Só aqui foram substituídos 20 mil metros quadrados – ou dois hectares – de espaço de rega por prados de sequeiro biodiverso. A eliminação da rega traduz-se numa poupança anual de 6 mil metros cúbicos de água – o mesmo que dizer seis milhões de litros, ou, de acordo com a Federação Internacional de Natação (FINA), o suficiente para encher duas piscinas olímpicas e ainda sobrar um milhão de litros.
A iniciativa faz parte do
Life Lungs, um projeto de adaptação às alterações climáticas com financiamento europeu e liderado por Lisboa, em parceria com a cidade espanhola de Málaga.
“Temos de nos mentalizar que, com toda a conversa à volta das alterações climáticas, estamos a viver isso na pele e temos de tomar medidas para mudar a forma como interpretamos os nossos espaços verdes, especialmente na zona mediterrânica. Estamos numa área que tem vindo a evoluir para um clima semi desértico, infelizmente. E temos de nos adaptar”.
De acordo com o
Plano de Ação Climática, Lisboa traçou, para 2030, uma meta que implica a redução em 70% das emissões de gases com efeito de estufa, relativamente a valores de 2002. Até 2018, a redução terá sido já de 40%, mas até 2040 a cidade pretende alcançar a neutralidade carbónica, dez anos antes da meta traçada pelo continente europeu.
Na estrutura verde urbana, são várias as mudanças que podem ajudar a colocar a cidade no caminho certo. Os prados são apenas uma face de um plano de adaptação e mitigação das alterações climáticas, que compreende ações como o
Plano Geral de Drenagem de Lisboa, com um orçamento de 180 milhões de euros e o objetivo de ajudar a cidade a enfrentar inundações, ou a implementação de uma Zona de Emissões Reduzidas (ZER) no centro histórico da cidade, que prevê uma redução da circulação automóvel estimada em 40 mil veículos por dia.
A medida, que prevê restrições à circulação automóvel e uma redução nas emissões de 60 mil toneladas de gases com efeito de estufa por ano, chegou a estar prevista para o verão de 2020, encontrando-se a sua implementação, no entanto, suspensa.