domingo, 31 de janeiro de 2021

Entrevista a Eduardo Lourenço

Obviamente, vacine-se

 Por David Pontes

Obviamente, demitam-se os responsáveis pelos abusos no processo de vacinação saídos dos praticantes do “chico-espertismo”, da cavernícola cunha, do jeitinho ao amigo, do abuso de poder. É o mínimo. Os actos são uma vergonha para os autores e motivo de justa indignação para todos. É saudável que a comunidade não esqueça aqueles, nomeadamente autarcas, que num momento de sofrimento colectivo quiseram passar à frente dos outros.

Mas, obviamente também, encontrem-se critérios claros para o que acontece – e à velocidade de cruzeiro que se quer a vacinação pode mesmo acontecer – quando “sobram” doses que têm de ser administradas para não serem desperdiçadas. Porque nesta altura não sobram vacinas contra a covid-19, faltam todas aquelas que ainda não podemos administrar.

Depois dos cuidados individuais, esta é a mais importante frente de ataque à pandemia, pelo que a sociedade tem o legítimo direito de medir a sua capacidade enquanto país na forma como consegue gerir ou não o processo, mas também na forma como ele se revela justo ou iníquo. Sendo o tema tão sensível, aqui e em todo o mundo, é difícil de engolir como a classe política não soube antecipar as questões, se perdeu em mais uma semana de ruído e ainda se continua a enredar em erros, quando estava obrigada a liderar pelo exemplo, com decisões esclarecidas, de forma a não contribuir para a fogueira onde se consome a confiança colectiva, que tão depauperada anda.

E até há razões para não ver tudo em mau. Os números continuam a mostrar que o país se mantém entre os dez primeiros no número de vacinados por cem habitantes, mesmo que se prosseguíssemos a este ritmo precisaríamos de anos para atingir a meta de ter 70% da população vacinada, o que a União Europeia (UE) quer atingir até ao fim do Verão. É um bom indicador, como é bom perceber, mesmo com alguma angústia à mistura, que a Comissão Europeia está na luta por aquilo que vai fazer toda a diferença, o ritmo de fornecimento das vacinas pelas farmacêuticas. Que diferente seria a nossa capacidade negociadora se não estivéssemos integrados na UE...

A vacinação é a mais forte luz ao fundo deste túnel onde prosseguimos e, mesmo que alguns espectros a ensombrem, é nela que temos de nos focar, exigindo critério, velocidade e transparência. Da parte do PÚBLICO, conte a partir desta semana com um espaço no nosso site para poder seguir os principais indicadores da vacinação, especialmente o número de vacinados com a primeira e com a segunda dose – respectivamente, 264.772 e 65.461, até ao dia de ontem. Não é só com isto, mas é muito com estes números que todos poderemos avaliar se estamos ou não a caminhar em direcção ao fim do túnel.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Portugal é melhor do que a Suécia, por Bárbara Reis

Fonte: Público
Vamos falar de double Irish, sanduíches holandesas e single malt. Graças à Iniciativa Liberal (IL) — partido que defende os paraísos fiscais — mergulhei no estranho mundo dos esquemas inventados pela Irlanda para as multinacionais americanas fugirem aos impostos.
Carlos Guimarães Pinto, fundador da IL, respondeu ao coffee break da semana passada (A Irlanda é um paraíso fiscal — sim, os números mentem), informando ser ele o autor do “autocolante” que recebi no WhatsApp a enaltecer a economia irlandesa. Agradeço o cuidado e a sobriedade do debate. Mas na sua carta Guimarães Pinto ignora a questão central: os paraísos fiscais não são um exemplo a seguir. Dito ao contrário: os paraísos fiscais são maus exemplos. Dito ainda de outra forma: até o actual governo irlandês reconheceu em Davos que “as empresas devem pagar os impostos que devem, na íntegra e onde são devidos”. Ou dito simplesmente assim: os paraísos fiscais são feitos de uma massa esquisita, que junta falta de ética, desfaçatez e egoísmo.
Caro leitor: se googlar dois minutos verá que não estou sozinha. Comigo estão muitos políticos de direita e de partidos democratas cristãos. Percebe-se: fugir aos impostos tem pouco de cristão. E fazer o pino para pagar menos do que os outros em iguais circunstâncias tem pouco de democrata.
Porque será que os líderes irlandeses passam a vida enredados em tecnicidades — nos media, nos fóruns internacionais e nos tribunais — a tentar desmentir o óbvio? Será vergonha?
Desde 1956 que a Irlanda tenta atrair investimento estrangeiro reduzindo os impostos, mas logo em 1956, Erskine Childers, ministro e depois Presidente do Fianna Fáil — de direita e democrata-cristão — pôs em causa a ética do novo regime fiscal, dizendo que era “de prever que um certo tipo de investimentos feitos aqui vai ser de carácter fugitivo”.
Já agora: há 65 anos que sucessivos governos irlandeses cortam impostos para atrair empresas estrangeiras, mas a curva de que os liberais gostam — o crescimento do PIB — só levantou voo em 1993, quando foi criado o mercado único europeu. Não tem nada a ver?
Não sei. O que sei é que quando pomos uma lupa em cima da Irlanda vemos 30 anos de “técnicas BEPS”. BEPS desdobra-se em “base erosion and profit shifting” que, como o nome diz, se refere à erosão dos impostos (como a erosão costeira) e à deslocação dos lucros (entre países). Na prática, as multinacionais “deslocam” o lucro do país onde faz o negócio para a Irlanda, onde os impostos “empresariais” são mais baixos. Com jeitinho e ajuda da Holanda, o lucro vai daí para um offshore e regressa a uma segunda empresa na Irlanda sem, no trânsito, pagar um cêntimo de impostos. O requinte da sanduíche holandesa — o Double Irish with a Dutch Sandwich — incluía aproveitar uma facilidade da lei holandesa sobre pagamento de direitos de propriedade intelectual a offshores.
Na Irlanda, o IRC é 12,5%. Só há 21 países ou regiões com um IRC menor. Desses, 10 têm um IRC abaixo de 10% (Madeira, Andorra, Gibraltar, Kosovo, Quirguistão, Mongólia, Paraguai, Quatar, Canárias e Virgin Islands americanas) e 11 têm um IRC de 0% (Virgin Islands britânicas, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Estónia, Jersey, Isle of Man, Bahamas, Bahrain, Barbados, Bermudas e Ilhas Cayman). No seu guia sobre impostos, a PwC lista 81 “países, territórios e regiões que oferecem um regime fiscal mais favorável”. A Irlanda não está incluída. Não sei se sempre foi assim, mas o contabilista a quem se atribui a invenção do double Irish é Feargal O’Rourke, partner da PwC Irlanda desde 1996 e seu presidente desde 2015.
O “duplo irlandês” é a técnica BEPS que ficou célebre quando a União Europeia acusou a Irlanda de ter dado “benefícios fiscais ilegais à Apple”, ordenando a empresa a pagar 13 mil milhões de euros, equivalente aos impostos que não pagara ao Estado irlandês entre 2004 e 2014. A Apple ganhou e Bruxelas recorreu. O caso continua aberto.
A Apple foi a cereja em cima do bolo. Durante 30 anos, o “duplo irlandês” explorou a diferente definição de “residência fiscal” das empresas que havia na Irlanda (era onde estava o controlo da empresa) e nos Estados Unidos (era onde estava a sede fiscal). Como funcionava? Explica o Financial Times: a propriedade intelectual ficava numa empresa cuja sede fiscal era na Irlanda, mas que era controlada nas Bermudas, onde o IRC é 0%. Qual era o problema? “As duplas estruturas irlandesas permitiram às multinacionais americanas ‘estacionar’ um bilião de dólares [milhão de milhão] em paraísos fiscais.”
A boa notícia: após ser investigada, a Irlanda desfez o vazio legal. Depois de 30 anos a passar pelos pingos da chuva, o double irish foi declarado morto a 1 de Janeiro de 2015. Com um asterisco: quem estivesse a usá-lo, teria até 2020 para corrigir o caminho.
A má notícia: mal o “duplo irlandês” foi enterrado, nasceu o single malt. Guimarães Pinto diz na sua carta que não incluiu 2015 nas contas do seu “autocolante” para “não enganar o leitor”. “Seria enganador incluir” o “milagre” de 2015 — o ano em que a Irlanda cresceu 26,5%. O fundador da IL explica que “é comum no caso da Irlanda olhar-se para o PNB”, “que corrige efeitos dos lucros das multinacionais que não ficam no país”. E faz as contas: se tivesse usado o PNB, mostraria Portugal a crescer 8,6% e a Irlanda 16,4%. Fico a pensar: se Guimarães Pinto sabe tão bem como os números da Irlanda estão cheios de ratoeiras, porque é que os usou? Ou porque não usou o PNB? Fico também a pensar que se tivesse incluído os 26,5%, o “autocolante” teria a Irlanda a crescer 51% e isso era demais, ninguém acreditaria, não é?
Segundo problema: 2016 foi um ano normal, mas os foguetes de 2015 continuaram a cair. Até hoje. Além disso, o single malt, que é quase igual ao double Irish, já terá sido usado por pelo menos três gigantes: a Microsoft (LinkedIn) e a Allergan em 2017, e a Teleflex em 2018.
Pus-me a imaginar um “autocolante” diferente, usando números oficiais:
— Desemprego em Novembro de 2019: Portugal 6,7% — Irlanda 4,7%
— Desemprego em Novembro de 2020: Portugal 7,2% — Irlanda 7,5%
— Índice Economia Global Verde ou PIB Verde: Portugal 16.º — Irlanda 33.º
Se o desemprego ou a sustentabilidade não eram a sua prioridade, Guimarães Pinto podia ter pelo menos referido que em Portugal só 56 empresas pagam os 31,5% de IRC que destaca no “autocolante”, o que representa 0,02% das empresas com lucros. Ou podia ter dito que na Irlanda só há dois escalões de IRS (20% e 40%), o que faz com que uma pessoa solteira e sem filhos que ganha por ano 35.301 euros — um cêntimo acima do ponto a partir do qual se sobe de escalão na Irlanda — paga 40% na Irlanda. Mas em Portugal pagaria 37%. Por isso não interessa.
Elogiar a economia da Irlanda sem reconhecer que a origem dos números vem da falta de ética da sua política fiscal é inútil para debater a Irlanda e, muito menos, o futuro de Portugal. E nem falámos de outra coisa óbvia: americanos e irlandeses falam a mesma língua. Inglês. Hoje há 33 milhões de americanos — 10% da população — que se identificam como irish. Isso é capaz de ajudar.
Podia ignorar a história, a cultura e a política dos últimos 100 anos e fazer um “autocolante” a dizer que Portugal é melhor do que a Suécia. Imaginem:
— Taxa de desemprego antes da pandemia: Portugal 6,7% — Suécia 6,8%
— Taxa de desemprego após a pandemia: Portugal 7,2% — Suécia 7,7%
— Crescimento do PIB em 2019: Portugal 2,2% — Suécia 1,3%
— Casos totais de covid-19: Portugal 636.190 — Suécia 556.289
— Mortes por covid-19: Portugal 10.469 — Suécia 11.247
Está a ver onde isto nos leva? A 28 de Janeiro, Portugal tinha mais 79.901 casos de covid, mas menos 778 mortos. O nosso SNS é melhor, viva! Ou será outra coisa? Talvez. No dia seguinte, era o contrário. E o que fazer com o 1.º lugar da Suécia no índice da economia verde? Afinal eles são bons?!
Os “autocolantes” de consumo rápido servem para quê, senão intoxicar?
Foi anunciado há dias que Guimarães Pinto é o presidente do Instituto +Liberdade, um novo think tank criado para, entre outras coisas, “fomentar a literacia económica e financeira”. Ideia magnífica. Esperam-se “autocolantes” à altura.

Música do BioTerra: ACT II: The Invocation

The Virus Changed. Now We Must ‘Get to Zero’ or Face Catastrophe

Por Andrew Nikiforuk Tyee contributing editor Andrew Nikiforuk is an award-winning journalist whose books and articles focus on epidemics, the energy industry, nature and more.

Are you tired of COVID?

I fucking am.
But as a longtime science writer and the author of two books on pandemics, I have to report what you probably don’t want to hear. We have entered the grimmest phase of this pandemic.
And contrary to what our politicians say, there is only one way to deal with a rapidly mutating virus that demonstrates the real power of exponential growth: Go hard. Act early. And go to zero.
Last January, one strain of this novel virus began its assured global conquest, and since then our leaders have hardly learned a goddamn thing.
So yes, I am angry, and I will not disguise my frustration with comfortable or polite language.
In the last three months, several super-variants have emerged that are 30 to 70 per cent more infectious than the original Wuhan strain.
The old COVID-19 doubled its numbers every 40 days under a particular set of restrictions; under the same conditions, the variants double every 10 days. That means they can outrun any vaccination campaign.*
That means if you haven’t eliminated — or almost eliminated — cases in your region, you are going to learn the meaning of grief.
These highly-contagious variants have emerged in jurisdictions with high infection rates: the U.K., Brazil, South Africa and California. They became global tourists months ago, before you read about them.
Meanwhile, governments still do not understand the threat at hand.
To illustrate it, British mathematician Adam Kucharski recently compared a virus mutation that was 50 per cent more deadly with one that increased transmission by 50 per cent.
With a reproduction rate of about 1.1 and a death rate of 0.8 per cent, current strains of COVID-19 now deliver 129 deaths per 10,000 infections.
A virus that is 50 per cent more lethal will kill 193 people in a month. A variant that is more transmissible wins the game with 978 deaths in just one month.
The virus is finding its optimal configuration, its ideal form for contagiousness. And you thought this was over?

A new pandemic
Now don’t think of these variants as the same old COVID-19. That’s a big mistake.
They actually represent an entirely new pandemic.
In this new maelstrom, this complex coronavirus is just getting warmed up. It has the potential to become even more infectious than the current variants.
We allowed this to happen by not taking the measures needed to go to zero, doing whatever was needed to eliminate COVID-19 in our province or country. We pretended we could live with this virus and that vaccines would save the day.

We were wrong. Dead wrong.
Jurisdictions that chose not to stamp out this virus and blithely tolerated high infection rates, like Denmark, the U.K., Ireland and Portugal, already know how painful this error can be.
Meanwhile Canada’s vaccine campaign is flailing. It can’t end this pandemic by itself, because immunity won’t last as long as the vaccination campaign. And the South African variant can already impair their efficacy.
Moreover, our politicians have placed their bets on two high-tech, two-shot and costly vaccines, Pfizer and Moderna. They require refrigeration that half the world can’t afford.
American science has given us a Lamborghini when what the world needs is a Toyota, a cheap one-shot deal that can be easily stored, says public health expert William Haseltine.
Oxford’s AstraZeneca vaccine may be that Toyota. And if we had a competent federal government, we would be making that vaccine here in Canada for Canadians. And so the emergency grows. (Health Canada hasn’t yet approved this vaccine, and Prime Minister Justin Trudeau failed to engage the National Research Council lab in Montreal in making it.)

Others went to zero

COVID-19 should have taught us one glaring lesson by now: If you do not stamp out this virus, the shapeshifter will come back to defeat you.
New Zealand, Australia, Vietnam, Iceland and Taiwan got it right. They went to zero and eliminated the virus. Atlantic Canada and the North got it right, too.
But the rest of this country has failed and continues to fail.
(Would I have fired chief public health officer Dr. Theresa Tam and Heath Minister Patty Hajdu last year? You bet. Parroting declarations from the World Health Organization isn’t a competent pandemic response.)
As the U.S. physicist Yaneer Bar-Yam notes, “The enemy won’t stop fighting because we surrender. The only exit is to learn from our mistakes and choose to win.”
Instead of comparing our mediocre performance to the horror show in the United States, Canada needs to adopt a much higher set of standards. And by New Zealand’s or Taiwan’s measure, we look very bad.
Until citizens demand a go to zero protocol in their communities, they will live in the Groundhog Day alternative — a public game with no real end goal other than endurance that depletes both our communities and economies.
The current approach begins with incomplete lockdowns with no defined goals, travel restrictions that let the rich get away with murder and endless public health chatter about bending curves followed by careless and incoherent openings.
Exponential viral growth then roars back, jams the hospitals with the sick and surprises our daft politicians, igniting the whole abusive cycle all over again.
Contrast that reality with New Zealand, which went for zero. That country has had no COVID-19 infections for eight of the last 10 months. People attend concerts and sport events. They visit their families without fear. They only wear masks on public transit. There are real international travel restrictions and quarantines.
Bending the curve doesn’t get us into New Zealand’s safe place, because the power of exponential growth will always win. You have to crush the curve and go to zero.Be like a zero hero, like New Zealand’s Jacinda Ardern. Photo via Shutterstock.

While we slowly react, it mutates fast
Now here is the problem: The virus is evolving while our reactive response is devolving out of neglect, incompetence and fatalism.
In many parts of Canada, our vaccine programs are being administered improperly.
In Quebec, the authorities are not following proper schedules. If you don’t follow the schedules, the vaccine won’t work very well. That means Quebec has created an experimental population of half-vaccinated individuals who can support viral evolution.
The ever-acerbic public health expert Amir Attaran calls this negligence what it is. “If an evil scientist were devising a strategy to help the virus evolve and evade existing vaccines, he would do exactly what Quebec is doing.”
As the variants rapidly move through the country, politicians are doing what they did last spring — reacting instead of getting ahead of the virus.
And that’s where we started one year ago.
By ignoring or half-heartedly adopting the best advice about travel, testing, contract tracing, masks and aerosol transmission (and the best information did not come from the World Health Organization), our politicians allowed controllable viral spot fires to become towering infernos.
Our current reactive public health goals are outrageous and pretend that it’s OK to contain these infernos to long-term care facilities, prisons, working-class immigrant neighbourhoods and hospitals. Instead of going for zero transmission and getting the job done in six weeks, they just aim to keep the virus simmering or keep our hospitals on life support.
Letting the pandemic multiply injustice and inequality exponentially isn’t OK. And the longer we pretend we can live with a virus that kills one to two per cent of those infected and disables another 10 per cent with “long COVID,” the greater these inequalities will grow.
And that’s why we must get to zero, because the longer we draw out this siege, the greater the damage to the body politic. What you have heard is true: pandemics have never been democratic.

A deadly variant at work
Now consider the trauma of Roberta Place, a long-term care facility in Barrie, Ont.
But let’s call these institutions what they are: industrial feedlots for the aged often run by corporations with minimal community oversight. (These institutions should remind us of our successive moral and cultural failures as a civilization to treat our elders with respect.)
In Roberta Place, the U.K. variant, B117, appeared on Jan. 8. It flew in on a jet, because travel connects everything on this planet with a dangerous totality. (Is there anything wrong with travel? No. But with billions travelling a year, the scale has become an unremitting health hazard that, with a different virus, could drive our sorry-assed civilization to extinction in a matter of weeks.)
But back to B117, which slammed the U.K. with its highest infection rates and death tolls to date.
In just 10 days, a single case at Roberta Place became a massive outbreak affecting half the residents, and nearly half the workers. Today, every resident of Roberta House and almost all workers are infected. All the physicians and essential visitors got infected too.A visitor arrives at the Roberta Place long-term care home in Barrie, Ont. The home experienced a tragic outbreak of COVID-19 among staff and residents. Photo by Frank Gunn, the Canadian Press.
The variant moved so fast that the facility couldn’t even separate the infected from the non-infected. There are more than 40 dead.
There is a message here: “If we wanted to get serious vs B.1.1.7,” tweeted one physician recently, “vaccinate 24/7 like it’s an emergency. Because it is.”
Given that B117 overwhelmed a long-term care facility in Ontario just two weeks ago, it is already burning through the community. (This variant only needs about six weeks to become the dominant strain in a community.)
To date, B117 has been reported in Ontario, Quebec, British Columbia and Alberta, which means it is likely everywhere. The bomb has been planted; it will explode before you know it.
Canada does little genomic sequencing — a tool that tells us the lineage of viral strains (a sort of Ancestry.com for viruses). That means Canada has picked up a fraction of existing cases.
So we are once again thinking about how to react to evidence that we have not collected. Taiwan and New Zealand didn’t do that. They went to zero.

An astonished virologist
Now listen to German virologist Christian Drosten.
He finds it astonishing that COVID-19 has boosted its infectiousness by 30 to 50 per cent over previous strains by doing what viruses do: evolve, mutate and adapt for more effective reproduction.
He notes that a more infectious virus is more dangerous than a more lethal one, “because every new case will infect more people, and each of them will infect more people, such that the number of cases will grow exponentially.”
Drosten was the virologist who developed the first diagnostic test for COVID-19 and discovered that children carry high viral loads and are just as infectious as adults.
No politician wanted to hear that evidence, and many continue to ignore it.
He compares the variant phase of the pandemic to a truck with bad brakes driving down a steep mountainside.
“We don’t know what curves are coming up and whether the road is suddenly about to get steeper. We also don’t know how far we still have to go, but we do know that we absolutely have to avoid missing a corner. In a situation like this, closing our eyes doesn’t help. We have to keep going and do one thing in particular: Hit the brakes, even if they might be rusty.”
He thinks getting to zero — no active cases in Germany — is possible but would be tough.
“But it would absolutely be worthwhile to at least identify zero new infections as a target. Primarily because I am quite apprehensive about what might otherwise happen in the spring and summer.”

Ripping through the Amazon and Ireland
Let’s go now to Manaus, a city located in the Amazon jungle where rubber barons once listened to Italian opera while their Aboriginal slaves died in the bush. Nearly 70 per cent of the population was infected in the first wave. The city dug mass graves in the red earth of the Amazon.
Now a variant is ripping through the community with such intensity that hospitals have run out of oxygen. And more graves are being dug, largely for people below the age of 60.
Marcus Lacerda, an infectious disease specialist in the city, had hoped the first wave would grant the population some immunity against the second wave. “But the truth is there’s just no way. The falloff in people’s immunity and the changes in the virus mean this second wave is uncontrollable,” he told the Guardian.
Now let’s go to Ireland, where the U.K. variant has filled hospitals to overflowing. The country got off easy in the first wave and then threw things open before Christmas just as the variant arrived.
Patrick Mallon, a professor of infectious diseases in Dublin, knows that letting the virus simmer in the population was a huge mistake.
“I think that what we’re experiencing is the inevitable outcome of that strategy,” he told Der Spiegel.
“I think that this is a lesson that governments around Europe should learn. What is happening in Ireland shows just how vulnerable countries are that are trying to live with the virus, and that it’s becoming increasingly more difficult to do that dealing with the new variant of the virus. What’s happened in Ireland really just shows you how unpredictable this virus is.”
And what did the U.K.’s chief scientific adviser Sir Patrick Vallance say after COVID-19 killed 50,000 citizens in the last three months? “The lesson is go earlier than you think you want to, go harder than you think you want to, and go a bit broader than you think you want to in terms of applying the restrictions.”

It’s only going to get worse. Go to zero
For my last point, consider this paper by Israel’s Weizmann Institute of Science.
In the lab, researchers fooled around with the virus (they modified the genome) to mimic what occurs naturally as it mutates and evolves. Not surprisingly, the lab variants sported many of the same mutations that Mother Nature has thrown out recently, plus this shocker. One lab variant bound 600 times more successfully to human cells than the original strain.
“The laboratory experiments described here suggest that naturally-occurring variants have not yet reached the peak of infectivity,” researchers concluded. (The good news: natural virus selection is not as efficient as in vitro selection.)
Haseltine suggests imaging COVID-19 as a rapidly growing tree. The original strain serves as the trunk. New branches represent the variants. Each branch is “more fit to survive in its environment, the human population, than is its immediate ancestor.”
There is only one way to prune this tree, and that’s by reducing the number of infected humans by going to zero.
Getting to zero is a political choice. The best public health experts support it, and most Canadians would rally behind direct action that brings freedom from COVID-19.
It’s a nuanced strategy with a clear goal of eliminating the virus so we can all breathe again. It combines travel restrictions between sensibly defined geographic “regions” (towns, rural areas and counties), along with brief and decisive localized lockdowns followed by an aggressive program of find/test/trace/isolate/support while hunting down the virus.
Counties and towns free of the virus connect to other COVID-19 free zones, just like the successful Atlantic Bubble.
Eliminating the virus is a much better way to live, as one Irish doctor put it, “than the confused and meandering uncertainty of mitigation.”
If you want to fail and live through a third wave, just wait for a vaccine.
If not, then flood your politicians with one message: Go to zero.
And remember this: normal is gone. In this most inattentive world, whatever light we find at the end of this pandemic will not be the same light we once bathed in.

*Story updated on Jan. 28 at 3:59 p.m. to clarify the rate at which the new COVID variants double compared to previous strains of the virus. 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

O destino cigano

Fonte: Publico


Falo de uma questão que emergiu recentemente com alguma intensidade no espaço público: trata-se dos ciganos, uma vexata quaestio sobre a qual se guarda demasiado silêncio, certamente porque, ao contrário de outros grupos afectados pela exclusão racial, não são vistos no centro das grandes cidades, um território estranho aos seus modos de vida.
Falo dos ciganos a partir de um saber meramente empírico e recente, que certamente é demasiado superficial e imediato quando confrontado com o trabalho de investigadores. Falo a partir de um observatório que é uma aldeia alentejana, nos arredores de Évora, onde habito parcialmente há cerca de três anos. O tempo suficiente para ser confrontado com os ciganos e as formas de vida a que, em muitos aspectos, a história os obrigou, mas que lhes cabem não como história mas como destino. Poucos dias depois de chegar à aldeia, falei com um adolescente cigano que deambulava pelas ruas, com um cão. Entusiasmado com a minha hospitalidade (coisa para ele nunca vista), começou a querer negociar comigo tudo o que tinha para vender, até um cavalo. Este breve encontro daria para confirmar um lugar-comum das representações negativas dos ciganos: que eles só têm vocação de traficantes, para a qual desenvolveram as malas-artes da astúcia e da fraude. Disso mesmo me avisou um vizinho que assistiu de longe à cena. Com alguma indulgência, por eu ser ali um novato, disse-me depois que eu devia evitar as conversas com “essa gente que é a pior coisa que por aí apareceu”.
Não me chegou a dizer que eu devia escorraçá-los (embora não negligenciasse essa solução que comporta os seus perigos, dada a violência congénita desta “gente do pior”), mas chegou-me aos ouvidos, mais de um ano depois, que circulou pela população um abaixo-assinado que reclamava a expulsão dos ciganos daquele pequeno território. Fiquei assim a par da justa medida da rejeição: os ciganos não têm condição civil. Esta oposição entre os civis e os selvagens, de longa memória, emerge por estes lados constantemente e ambas as partes confirmam diariamente o papel que lhes está reservado, a não ser raramente, quando os civis também são um pouco selvagens e os selvagens são um pouco civis. É bem conhecida esta lei da sobrevivência, que faz com que os ciganos não possam senão encarnar o papel que lhes foi reservado ao longo de mais de cinco séculos (em Portugal) de rejeição total e falta de reconhecimento, confirmando assim diariamente os piores lugares-comuns com que são identificados. É assim com todas as minorias que sofrem uma dura exclusão: conformam-se aos estereótipos em que foram encerrados e deixam de poder sair deles. Não trabalham? Pois não, pelo menos de acordo com uma certa definição de trabalho. Mas nem ousem procurar porque ninguém lhes dá emprego. O melhor, então, é deixar de querer. Orgulhosamente. A contingência torna-se um destino e a perseguição engendra uma cultura que se vai essencializando e acaba por constituir uma auto-reclusão. Não se pense que o problema se resolve com boas intenções e muito proselitismo. Do alto do seu saber, as instituições governamentais ostentam uma palavra mágica, “integração”, sem fazerem a mínima ideia de que essa palavra já não serve para nada. Quanto aos poderes mais próximos do problema, as autarquias, preferem ficar calados ou ser cúmplices de práticas que fazem lembrar as leis raciais para solucionar de vez o “instinto obscuro da estirpe”, como se disse noutro contexto histórico para uma outra classe de Untermenschen, de sub-pessoas. Perante os vícios maléficos dos selvagens, as virtudes do homem civil são reclamadas com uma tão grande evidência que o racismo mais extremo tornou-se uma prática naturalizada. Não dói a quem o pratica, não é censurado e, pior que tudo, nem chega a ser percebido como tal. É uma persistência que não existe e que ninguém por estas bandas contribui para que ele comece a ser representável. É bastante significativo que mesmo quando havia uma hegemonia do Partido Comunista no Alentejo os ciganos nunca tiveram direito a nenhuma forma de subjectivação política. Nem na vanguarda do povo nem na retaguarda.
E assim temos, diante dos olhos que querem ver, uma situação que só tem um equivalente nos momentos extremos do racismo anti-semita, muito embora neste caso não se trate de um racismo transformado em lei da nação e a aguardar uma solução final.»

"Notícias do túnel" por Isabel do Carmo

 Fonte: Público

Eu, médica, observadora diferenciada, estive internada com o diagnóstico de covid-19 durante dez dias nas enfermarias do Hospital de Santa Maria e penso que o meu testemunho pode servir de alerta e de um enorme reconhecimento. Alerta para o risco real e actual (rastrear e confinar é preciso). E dar graças à vida pela existência do nosso Serviço Nacional de Saúde.

Estive a trabalhar e a ver doentes até ao dia 23 de Dezembro, com todo o cuidado, e não foi por aí que o vírus entrou. No dia 24, juntámo-nos seis adultos e três crianças e, apesar das máscaras e das distâncias, alguma imprudência abriu por momentos a porta ao invisível. Contaminámo-nos todos e, fiados na falsa segurança do teste simples, alguns de nós multiplicaram o contágio. Os mais jovens mantiveram a sua energia transbordante, os de idade intermédia tiveram muitos sintomas, mas trataram-se em casa, os mais velhos reagiram de acordo com os factores de risco. E foi assim que ao décimo dia de febre e outras queixas o meu colega do Centro de Saúde me ordenou, e bem, que fosse à urgência covid. Se não tivesse ido tinha morrido e esse é o primeiro alerta a manifestar.

Há um momento, determinado empiricamente, em que se conclui, por estatística, que é assim. Não vale a pena correr contra as probabilidades. Claro que foi muito incómodo, muito frio, muito desaconchegado, esperar por ser chamada no pequeno telheiro improvisado no piso das entradas. Fica melhor quem está dentro das ambulâncias, que têm suporte de oxigénio e macas ou cadeiras. Esta condição de espera, este ponto de entrada, seria possível melhorar fisicamente? Talvez. Mas os doentes chegam e não podem ser mandados para trás. Seria possível desviar um meteorito que caísse em cima das nossas cabeças? Só para os encartados e teóricos comentadores, que, eles, preveriam tudo.

Resolveu-se: agora temos o hospital de campanha. Todavia, foi por ali que me salvei. Quando finalmente dei entrada no Covidário, ganhei direito a um cadeirão, a uma máscara de oxigénio e à segurança de ter entrado no circuito. Desde esse momento fui sempre a senhora Isabel, idêntica a todos os outros e nunca, e bem, a médica da casa. Algumas horas depois entrei numa box, com WC e uma porta com grande janelão de vidro. As dimensões comparei-as com outras de outras “boxes” de há muitos anos. Idênticas, mas o janelão e o calor humano pertencem a outro universo. Fiz então uma TAC num dispositivo colocado no Covidário. E é aí o extraordinário. Nunca ao longo de tantos anos de clínica tive conhecimento de tal quadro – os meus pulmões estavam infiltrados de alto a baixo e dos dois lados com múltiplos focos de inflamação, que não deixavam o oxigénio atravessar os alvéolos e passar para o sangue, onde ele é necessário à vida. Sintomas? Poucos. Mas lá estava o oxímetro a mostrar níveis baixos. Aqui reside um grande risco. Esta “hipoxemia feliz” mata. Assim morreu o pai de uma colega minha com 50% de saturação e poucos sintomas. Foi, a partir do nada ou da experiência inicial da China, que os protocolos foram sendo estabelecidos. De madrugada saí do Covidário e fui rapidamente internada nas enfermarias covid, Medicina 2C. Fizeram-me aquilo que está protocolado que se faça: oxigénio, corticóides, broncodilatadores, antibiótico se necessário. Para os meus companheiros de enfermaria, alguns hemodialisados, diabéticos, transplantados, cada protocolo era diferente. No mesmo piso, para além da porta de separação havia mais enfermaria covid, havia a zona dos intensivos e havia a zona dos intermédios com máscara permanente de oxigénio, onde ficou o Carlos Antunes e donde partiu para sempre no dia 19 de Janeiro.

Aquilo a que assisti de serenidade, de eficácia, de competência, ficará para sempre marcado como um momento muito alto da minha vida. Sei que as pessoas todas juntas não somam inteligências, multiplicam. É um fenómeno que faz parte da natureza humana, assim a humanidade sobreviveu. Observei a entrada regular e harmoniosa das assistentes operacionais, dos enfermeiros, dos fisioterapeutas, dos jovens médicos internos e das chefes seniores. Cada um sabe o gesto que tem que fazer, o equipamento em que tem que mexer, o registo necessário, a colheita de sangue a horas, a administração do medicamento. E… sabe também informar. Explica o que vai fazer e porquê.

FotoUnidade de Cuidados Intensivos do Hospital de Santa Maria RUI GAUDÊNCIO

Os meus colegas não estão desesperados, nem aflitos, estão profundamente preocupados, esgotados também. Quando lançam o alarme cá para fora não é um pedido de socorro para eles. É dizer que só o confinamento melhora o problema. E há uma linha vermelha que percorre este chão e é móvel – a das mortes evitáveis

O meu conhecimento dos espaços das urgências cresceu comigo organicamente. Fiz urgências nos bairros pobres de Lisboa, fiz no Hospital do Barreiro actos clínicos que não passavam pela cabeça de uma miúda de vinte e poucos anos, antes da classificação de Manchester andei de papel na mão a fazer triagem na sala de espera, vi crescer o Serviço de Observações das Urgências de Santa Maria com a Teresa Rodrigues a decidir os gestos urgentes. E lá continua ela a salvar gente. Sofri com os “directos” e culpabilizei-me. Vi o Carlos França instalar finalmente os Cuidados Intensivos. Vi tudo? Não. Não vi nada. Porque bastou o ano de 2020 e o inimigo ultra invisível para perceber que há uma coisa que de facto é um “milagre”: a capacidade de auto-organização, rápida, eficaz, criativa, serena. Era possível fazer tudo isto com requisição civil? Tenho dúvidas. É a cultura que está para trás que explica o “milagre”.

Com as minhas amigas enfermeiras conversávamos por vezes sobre os “territórios”. Pois o milagre também desenhou territórios. Quer isto dizer que reina a paz nos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde? Não. Esta onda organizada de espaços e de recursos humanos palpita como um corpo que pede respiração. O director da Medicina, Lacerda, vai buscar enfermarias a todo o lado possível, converte serviços e adapta-os. A Sandra Brás supervisiona como um arcanjo os vários espaços e equipamentos covid-19. Os meus colegas dos Cuidados Intensivos, com 85% de lotação, estão no limite, ou seja, na zona das necessárias e rápidas escolhas. Estes doentes não são pneumonias habituais. Têm mais demora de cama (quanta?), têm uso de equipamentos que não existiam antes.

Os meus colegas não estão desesperados, nem aflitos, estão profundamente preocupados, esgotados também, a situação é dinâmica, é preciso fazer opções técnicas. Quando lançam o alarme cá para fora não é um pedido de socorro para eles. É dizer que só o confinamento melhora o problema. É explicar que quanto mais infectados, mais sintomáticos. Entre estes aumentam os de risco e quanto mais risco mais cuidados intensivos. E há uma linha vermelha que percorre este chão e é móvel – a das mortes evitáveis.

Na minha enfermaria, por sinal toda de afrodescendentes, senti no mais fundo da noite que alguém abandonava a Montanha Mágica. Com serenidade. Sem obstinação. É também uma escolha. No dia seguinte a animada Inalda, assistente operacional de São Tomé (já sou efectiva!), a enfermeira Ana, a enfermeira Marta, nos doentes o Sr. C. que ficou meu amigo e é de Cabo Verde, a Dona A., de Luanda, o Sr. D. que também é de Luanda e já venceu muitas coisas, corpos que já foram desejados, já se reproduziram, são a humanidade que ali está. A médica de Medicina Interna, Dra. Patrícia Howell Monteiro, que ainda foi contratada em exclusividade (2008/2009?), é o pilar sólido e sustentável que orienta o Henrique Barbacena, o Renato e o Francisco, que hão-de fazer o exame da especialidade proximamente. Para onde irão? O Renato está a sofrer nos cuidados intensivos, a dar o máximo. O Henrique é também professor de Farmacologia, tive o privilégio que me explicasse coisas sobre vírus. E ausculta à velha maneira, como eu. Conseguimos ter um momento para conversar e a propósito da vida e do ultra invisível contou-me como lera apaixonadamente a Estranha ordem das coisas, do Damásio, livro que a chefe Patrícia lhe ofereceu. Há muitos anos, o António Damásio também foi da nossa incubadora, o Hospital de Santa Maria. E, a propósito, eu e o Henrique conversámos sobre a dinâmica da vida, a necessidade de não fazer classificações mecanicistas. E reganhei a grande esperança do aviso da tal frase do Abel Salazar: “Um médico que só sabe Medicina, então não sabe Medicina.” Estes sabem Medicina e são uma das estruturas do SNS.

Médica, professora da Faculdade de Medicina de Lisboa, membro do grupo Estamos do Lado da Solução

Charcos aumentam a biodiversidade dos jardins

Os lagos representam um ponto de atração suplementar nos espaços ajardinados mas implicam cuidados de construção específicos para não os prejudicar. Saiba porquê e aprenda a construir um.


Já reparou que sempre que entra num jardim ou parque ou passeia por uma qualquer paragem natural e encontra um pequeno espelho de água, quase sempre para para o apreciar melhor? Para além de ser absolutamente fundamental para a vida na terra, a água tem esse dom. Atrai! A atenção do homem e uma panóplia de bichos e plantas que nela vivem... Se quiser criar mais um ponto de atração no seu jardim e contribuir para a biodiversidade, então considere fazer um pequeno charco. De todas as ações que pode fazer em prol da fauna e da flora, esta é porventura a mais importante. 

Se o charco for bem desenhado e feito, cedo se tornará um pequeno paraíso para uma miríade de animais e plantas, um microcosmos do mundo natural, com predadores e decompositores, herbívoros, algas e plantas, que irão proporcionar muitas horas de observação e descoberta para toda a família, mesmo à saída de casa. Sejam os girinos em desenvolvimento, os diferentes e estranhos insectos que vivem na água, ou os movimentos cómicos dos pássaros que se vão banhar num quente dia de verão.

Como fazer um charco

Primeiro, terá de escolher um local no seu jardim. O ideal é um canto solarengo, afastado de árvores grandes (por causa das folhas mortas e das raízes, que poderão perfurar o plástico impermeabilizador). E, se possível, com uma linha de visão boa desde a sua janela, para poder observar o que lá se vai passando de dentro de sua casa.

Uma vez escolhida a área do charco, retire toda a manta morta, e marque a forma e dimensões finais, com uma corda atada a pedaços de madeira espetados no chão. Escave depois um buraco. Lembre-se que este terá de ser ligeiramente maior do que a forma final do seu charco. Ponha a terra num canto do jardim. Poderá utilizar alguma dela para refazer as margens, ou uma pequena ilha, caso o seu charco tenha dimensões razoáveis.

Quando estiver a escavar, não se esqueça de criar um perfil de profundidade que garanta margens com zonas de pouca profundidade. Deposite depois uma camada de jornais velhos, areia ou uma carpete velha sobre a cova, para proteger o plástico impermeabilizador. Deve evitar que seja perfurado por baixo. Sobre os jornais, areia ou carpete, ponha uma camada de folha de plástico (polietileno) impermeabilizadora e prenda a mesma nas margens com pesos (pedras).

A fórmula que deve usar para determinar as dimensões do charco

Para calcular a quantidade de plástico que precisa, utilize a seguinte fórmula:

comprimento – (comprimento do charco mais o dobro da profundidade) + 10%; largura – (largura do charco + dobro da profundidade) + 10%

Por exemplo, se quiser fazer um charco de 2x3 m, e 0,50 cm de profundidade, precisará de uma folha de plástico de 3,30 m por 4,40 m. O plástico deverá ultrapassar um pouco as margens projectadas do seu charco. Não estique demasiado o plástico impermeabilizador quando o colocar.

Deposite logo depois uma fina camada de areia ou terra sobre este, para evitar estragos devido à exposição solar direta. Mantenha os pesos nas margens para que o plástico estabilize. Encha o seu charco com água ou, melhor ainda, deixe que a chuva do inverno o vá preenchendo aos poucos. Assim que este estiver cheio e o plástico estabilizado, pode retirar os pesos e tapar as margens do plástico com terra, para fazer as tais margens suaves. 

Regras a observar

Quanto maior for o seu charco, mais rico será em fauna e flora. As rãs podem viver num charco com apenas um metro quadrado, mas outras espécies de anfíbios requerem pelo menos 15 metros quadrados de habitat para o fazer, dimensão já suficiente para atrair um casal de galinhas de água, se à volta do charco existir habitat palustre adequado.

A forma do charco e o que existe à sua volta também irão influenciar o tipo de animais e plantas que nele poderão viver. Em geral, quanto mais extensas e variadas forem as margens, melhor será este para a biodiversidade. Por isso, tente construir o seu charco com forma irregular e com margens com pequena inclinação para que os animais possam chegar à água sem cair ao charco.

É nessas margens com pequena profundidade que as aves irão beber, e que as rãs irão pôr os seus ovos (a uma profundidade de 10 cm, entre plantas subaquáticas). Para além das zonas pouco profundas na margem, o ideal seria fazer um charco com cerca de meio metro de profundidade.

Assim, muitos insetos e anfíbios poderão esconder-se dos predadores e aumentar a diversidade de habitats (e consequentemente de fauna) existentes. Os tritões, por exemplo, geralmente precisam de 30 centímetros de profundidade para pôr ovos. Mas, atenção, tal como as piscinas, os charcos podem ser muito perigosos para crianças pequenas e bebés. Tenha isto em consideração quando estiver a planear construir um!

Texto: José Pedro Tavares (Royal Society for the Protection of Birds, BirdLife no Reino Unido, organização parceira da SPEA)



quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Universidade de Évora desenvolve projeto para criar jardins sustentáveis


A ideia é usar plantas autóctones, mas mais resistentes ao calor e aos longos períodos de seca. Carla Pinto Cruz, Professora do Departamento de Biologia e investigadora no MED da Universidade de Évora (UÉ) lidera este projeto de conservação e gestão do património natural, que tem como finalidade impulsionar o uso de plantas autóctones nos espaços verdes de localidades do Alentejo Central, mas que pode ser replicado em todo o território nacional.


O Sargaço (Cistus monspeliensis), a Roselha-grande (Cistus albidus), o Rosmaninho (Lavandula pedunculata), o Pilriteiro (Crataegus monogyna) ou a Gilbardeira (Ruscus aculeatus) são apenas alguns exemplo de espécies nativas que a equipa de investigadores vai usar em espaços verdes no âmbito do projeto “Plantas Nativas na Cidade – Repensar os espaços verdes urbanos”, financiado no valor de 37 903,02€ pelo Fundo Ambiental e inserido no Programa de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, do Ministério do Ambiente.

Desenvolvido em colaboração com a CIMAC (Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central), este projeto inclui uma equipa multidisciplinar com competências nas mais variadas áreas técnico-científicas, e conta com a cooperação da empresa Sigmetum, produtora de espécies nativas, e dos vários Municípios envolvidos. “É para nós claro que a utilização de recursos vegetais próprios apresenta diversas vantagens e permite aumentar a resiliência e sustentabilidade dos nossos espaços verdes, o que é especialmente pertinente na realidade atual de intensificação das alterações climáticas” sublinha a investigadora Carla Pinto Cruz.

O objetivo é melhorar o conhecimento e o estado de conservação do património natural e da biodiversidade da região e poder aplicar um modelo de desenvolvimento, gestão e valorização de territórios com um elevado capital natural, como as matas, os jardins ou outras estruturas ecológicas com funções paisagísticas urbanas indispensáveis ao bem-estar e qualidade de vida das pessoas que habitam a cidade e respetivas zonas periurbanas.

Com atuação já iniciada em Évora, estas ações envolvem os municípios de Montemor-o-Novo, Estremoz, Mourão e Redondo, com foco na requalificação de diversos espaços verdes, atualmente dominados por espécies exóticas, e desta forma promover ações de sensibilização junto dos cidadãos e dos técnicos com o propósito de alertar para a necessidade de formar as Organizações Não Governamentais de Ambiente, as Comunidades Intermunicipais e as Associações de Municípios, que de outro modo, não teriam capacidade nem suporte financeiro para executar este tipo de atividades impulsionadoras do debate em torno desta problemática.

Para Teresa Batista, (CIMAC, e docente da UÉ), este projeto “tem um enorme potencial de replicação não só nos 14 municípios do Alentejo Central, mas em todo o continente”, e responde ao delineado no Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas no Alentejo Central (PIAAC-AC) elaborado em 2018, que aponta medidas para a racionalização do uso dos recursos hídricos e a manutenção da biodiversidade, “em especial no Alentejo mas em todas as áreas do Mediterrâneo” onde se prevê até ao final do século “o agravamento das condições de seca e o aumento de fenómenos extremos como chuvas torrenciais e ondas de calor” recorda Teresa Batista, considerando ainda que o uso das espécies autóctones nas zonas verdes urbanas “afigura-se como a solução adequada, uma vez que se tratam de espécies adaptadas e mais resilientes a condições extremas e com menores necessidades de irrigação”.

Por sua vez a Anabela Belo, Professora do Departamento de Biologia e investigadora no Instituto Mediterrâneo para Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento (MED), esclarece que a inclusão de zonas verdes em espaços urbanos, sobretudo se as plantas forem nativas, “é uma maneira de promover ligações entre as manchas maiores de paisagem que rodeiam as cidades” e deixa-nos o cenário: “Imagine-se que a cidade é um lago, as construções a água e, a ligar uma margem do lago à outra, existem pequenas pedras fora de água. Os jardins são essas pedras. Ao utilizar espécies de plantas nativas no desenho desses jardins, tornamo-los particularmente importantes para a conservação das nossas plantas, sobretudo para as que estão ameaçadas, mas também para todos os seres vivos que vivem com elas desde sempre”.

No que respeita ao Departamento de Paisagem, Ambiente e Ordenamento da UÉ, Paula Simões e Rute Sousa Matos frisam que “projetar com espécies nativas em espaço urbano é educar as comunidades e os políticos, para uma forma de arte que põe em evidência a sazonalidade e que contribui para a consolidação da Estrutura Ecológica” sublinham, salientando ainda o facto que, desta forma “estamos a promover a biodiversidade e a sustentabilidade”.

Numa vertente mais ligada à área da biologia a investigadora do MED da UÉ, Catarina Meireles acresce que “os problemas ambientais decorrentes da utilização de espécies vegetais exóticas tanto em meios urbanos, como em meios rurais, são vários. A maioria das espécies utilizadas é muito exigente em água e o seu cultivo implica a utilização de grandes quantidades de fertilizantes, herbicidas e inseticidas”, destaca a investigadora referindo que “o elevado consumo de água associado à manutenção destas espécies, tem um grande impacto, sobretudo na região mediterrânica, onde a escassez de água é um problema cada vez mais grave”.

Outro aspeto realçado por Catarina Meireles é o facto de algumas destas espécies competirem com a flora autóctone, “muitas delas tornam-se invasoras e conseguem proliferar quase sem controlo passando a representar uma ameaça para as espécies nativas, para a diversidade e equilíbrio dos ecossistemas”. O facto de estas espécies serem importadas de outros países podem ainda “potenciar a introdução de novas pragas e doenças” alerta a investigadora.

As principais intervenções do projeto têm em vista a seleção e promoção da produção de plantas nativas, tal como indicado, espécies com interesse de conservação, e a requalificação de espaços verdes urbanos através de plantas com valor estético, ecológico e interesse paisagístico. Para tal serão realizados workshops para capacitação dos profissionais dos Municípios do Alentejo Central e serão produzidos materiais técnicos e didáticos que contribuam para a divulgação, sustentabilidade e replicação deste tipo de iniciativas.

Esta iniciativa possibilitará a conservação de espécies e habitats protegidos, através de um aumento da biodiversidade nativa, que permitirá não só reduzir o consumo de água e utilização de fitofármacos como potenciará a sustentabilidade e resiliência destes espaços face às alterações climáticas iminentes. Prevê-se também uma melhoria na gestão económica em consonância com as políticas ambientais nacionais estabelecidas com a União Europeia, em particular com a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (ENCNB 2030), criada com o intuito de estancar a perda da biodiversidade nacional, aprofundando a sua conservação e utilização sustentável e promovendo a respetiva valorização, apropriação e reconhecimento pelos diversos agentes responsáveis e pela sociedade.
Publicado em 08.01.2021

Bases agroecológicas, Masterclass com Miguel A. Altieri


A agroecologia é uma ciência que estuda os princípios em que se deve basear o desenho de uma agricultura sustentável; ou seja, uma agricultura ecologicamente correta, diversificada e que rompa a monocultura para que não dependa de outros agrotóxicos externos caros e ecologicamente perigosos.

Mas a construção dessa nova agricultura busca também a viabilidade econômica e a justiça social. Por isso, esta reunião aborda como deve ser complementada com políticas agrícolas que busquem a segurança alimentar, a conservação dos recursos naturais e a eliminação da pobreza rural; o que se chama de agricultura sustentável.

Miguel A. Altieri, Universidade de Berkeley (Califórnia). Ph.D. em Entomologia pela Universidade da Flórida em 1979. Altieri se concentrou no uso de conceitos ecológicos como base para a compreensão dos princípios de funcionamento dos agroecossistemas. Seu trabalho contribuiu para promover o surgimento da agroecologia como uma disciplina que desenvolve os princípios ecológicos básicos para estudar, projetar e gerenciar agroecossistemas sustentáveis, ou seja, sistemas agrícolas que são simultaneamente produtivos, conservam seus recursos naturais e são consistentes com seu contexto cultural, socialmente justo e economicamente viável. Seu principal tema de pesquisa tem se concentrado no estudo do papel da biodiversidade no manejo de agroecossistemas estáveis ​​contra pragas.

Este encontro levanta como a agricultura sustentável  deve ser ecologicamente correta e, além disso, buscar a viabilidade económica e a justiça social.

Este ciclo é possível graças à colaboração de La Casa Encendida com a Cátedra Antonio Bello de Agroecologia da Universidade de La Laguna, o Instituto Canário de Pesquisa Agropecuária (ICIA) e a Fundação Instituto de Agricultura Ecológica e Sustentável (FIAES).

Cuidar da Mãe Terra e amar todos os seres, por Leonardo Boff


O amor é a força maior existente no universo, nos seres vivos e nos humanos. Porque o amor é uma força de atração, de união e de transformação. Já o antigo mito grego o formulava com elegância: “Eros, o deus do amor, ergueu-se para criar a Terra. Antes, tudo era silêncio, desprovido e imóvel. Agora tudo é vida, alegria, movimento”. O amor é a expressão mais alta da vida que sempre irradia e pede cuidado, porque sem cuidado ela definha, adoece e morre.
Humberto Maturana, chileno, um dos expoentes maiores da biologia contemporânea, mostrou em seus estudos sobre a autopoiesis, vale dizer, sobre a auto-organização da matéria da qual resulta a vida, como o amor surge de dentro do processo evolucionário. Na natureza, afirma Maturana, se verificam dois tipos de conexões (ele chama de acoplamentos) dos seres com o meio e entre si: uma necessária, ligado à própria subsistência e outro espontânea, vinculado a relações gratuitas, por afinidades eletivas e por puro prazer, no fluir do próprio viver.
Quando esta última ocorre, mesmo em estágios primitivos da evolução há biliões de anos, ai surge a primeira manifestação do amor como fenômeno cósmico e biológico. Na medida em que o universo se inflaciona e se complexifica, essa conexão espontânea e amorosa tende a incrementar-se. No nível humano, ganha força e se torna o móvel principal das ações humanas.
O amor se orienta sempre pelo outro. Significa uma aventura abraâmica, a de deixar a sua própria realidade e ir ao encontro do diferente e estabelecer uma relação de aliança, de amizade e de amor com ele.
O limite mais desastroso do paradigma ocidental tem a ver com o outro, pois o vê antes como obstáculo do que oportunidade de encontro. A estratégia foi e é esta: ou incorporá-lo, ou submete-lo ou eliminá-lo como fez com as culturas da África e da América Latina. Isso se aplica também para com a natureza. A relação não é de mútua pertença e de inclusão mas de exploração e de submetimento. Negando o outro, perde-se a chance da aliança, do diálogo e do mútuo aprendizado. Na cultura ocidental triunfou o paradigma da identidade com exclusão da diferença. Isso gerou arrogância e muita violência.
O outro goza de um privilégio: permite surgir o ethos que ama. Foi vivido pelo Jesus histórico e pelo paleocristianismo antes de se constituir em instituição com doutrinas e ritos. A ética cristã foi mais influenciada pelos mestres gregos do que pelo sermão da montanha e prática de Jesus. O paleocristianismo, ao contrário, dá absoluta centralidade ao amor ao outro que para Jesus, é idêntico ao amor a Deus. O amor é tão central que quem tem o amor tem tudo. Ele testemunha esta sagrada convicção de que Deus é amor(1 Jo 4,8), o amor vem de Deus (1 Jo 4,7) e o amor não morrerá jamais (1Cor 13,8). E esse amor incondicional e universal inclui também o inimigo (Lc 6,35). O ethos que ama se expressa na lei áurea, presente em todas as tradições da humanidade: “ame o próximo como a ti mesmo”; “não faça ao outro o que não queres que te façam a ti”. O Papa Francisco resgatou o Jesus histórico: para ele é mais importante o amor e a misericórdia do que a doutrina e a disciplina.
Para o cristianismo, Deus mesmo se fez outro pela encarnação. Sem passar pelo outro, sem o outro mais outro que é o faminto, o pobre, o peregrino e o nu, não se pode encontrar Deus nem alcançar a plenitude da vida (Mt 25,31-46). Essa saída de si para o outro a fim de amá-lo nele mesmo, amá-lo sem retorno, de forma incondicional, funda o ethos o mais inclusivo possível, o mais humanizador que se possa imaginar. Esse amor é um movimento só, vai ao outro, a todas as coisas e a Deus.
No Ocidente foi Francisco de Assis quem melhor expressou essa ética amorosa e cordial. Ele unia as duas ecologias, a interior, integrando suas emoções e os desejos, e a exterior, se irmanando com todos os seres. Comenta Eloi Leclerc, um dos melhores pensadores franciscanos de nosso tempo, sobrevivente dos campos de extermínio nazista de Buchenwald:
”Em vez de enrijercer-se e fechar-se num soberbo isolamento, Francisco deixou-se despojar de tudo, fez-se pequenino, colocou-se, com grande humildade, no meio das criaturas. Próximo e irmão das mais humildes dentre elas. Confraternizou-se com a própria Terra, como seu húmus original, com suas raízes obscuras. E eis que a “nossa irmã e Mãe-Terra” abriu diante de seus olhos maravilhados um caminho de uma irmandade sem limites, sem fronteiras. Uma irmandade que abrangia toda a criação. O humilde Francisco tornou-se o irmão do Sol, das estrelas, do vento, das nuvens, da água, do fogo e de tudo o que vive e até da morte”.
Esse é o resultado de um amor essencial que abraça todos os seres, vivos e inertes, com carinho, enternecimento e amor. O ethos que ama funda um novo sentido de viver. Amar o outro, seja o ser humano, seja cada representante da comunidade de vida, é dar-lhe razão de existir. Não há razão para existir. O existir é pura gratuidade. Amar o outro é querer que ele exista porque o amor torna o outro importante. "Amar uma pessoa é dizer-lhe: tu não poderás morrer jamais” (G.Marcel); “tu deves existir, tu não podes ir embora”.
Quando alguém ou alguma coisa se fazem importantes para o outro, nasce um valor que mobiliza todas as energias vitais. É por isso que quando alguém ama, rejuvenesce e tem a sensação de começar a vida de novo. O amor é fonte de suprema alegria.
Somente esse ethos que ama está à altura dos desafios face à Mãe Terra devastada e ameaçada em seu futuro. Esse amor nos poderá salvar a todos, porque abraça-os e faz dos distantes, próximos e dos próximos, irmãos e irmãs.
30/03/2014

Por Leonardo Boff é autor de O cuidado necessáro, Vozes 2013.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto - Documentário : "One Day In Auschwitz"



O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto é celebrado anualmente no dia 27 de janeiro, no aniversário da libertação do Campo de Concentração e Extermínio Nazi de Auschwitz-Birkenau pelas tropas soviéticas em 27 de janeiro de 1945. Este dia foi proclamado como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto através da Resolução 60/7 [en] adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas de 1 de novembro de 2005.

Esta data tem dois objetivos: em primeiro lugar, presta-se homenagem à memória das vítimas do Holocausto e, em segundo lugar, relembra-se a necessidade de combater o anti-semitismo, o racismo e quaisquer outras formas de intolerância que possam levar à violência.

Documentos

Declaração conjunta dos três Presidentes por ocasião do 75.º aniversário da libertação de Auschwitz-Birkenau DESCARREGAR

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Alandroal vai plantar milhares de árvores para combater as alterações climáticas

Sobral- Montado
O município de Alandroal vai participar como parceiro estrutural no projeto “Além Risco” que procura combater as mudanças climáticas com a plantação de árvores.

Desenvolvido por uma equipa liderada por Miguel Bastos Araújo, conceituado investigador da Universidade de Évora, tem como objetivo envolver os cidadãos na plantação de 50.000 árvores nos aglomerados urbanos do Alentejo Central, permitindo não só reduzir o efeito de “ilha de calor” por eles criados, mas também reforçar a capacidade de adaptação das populações locais ao efeito das ondas de calor na saúde pública.

Ao aumentar o coberto arbóreo dos espaços urbanos, podendo estender-se a espaços periurbanos ou outros, recorrendo sobretudo a espécies autóctones, é possível diminuir as temperaturas médias registadas nestes espaços, em especial no verão.

O projeto é financiado pelo EEAGrants (contribuição da Islândia, do Liechtenstein e da Noruega para a redução das disparidades na Europa e também no reforço da cooperação entre os Estados doadores e os 15 Estados beneficiários da Europa Central e do Sul) e envolverá fundos próprios do município de acordo com o grau de envolvimento do mesmo.

O município de Alandroal espera, com esta colaboração, promover a plantação de alguns milhares de árvores no seu território, iniciar uma nova abordagem aos espaços verdes criados e a criar e gerar também uma dinâmica de envolvimento da comunidade, em especial da comunidade escolar, no desenvolvimento de ações concretas de combate à crise climática que vamos enfrentar numa perspetiva se continuidade muito para além dos horizontes temporais do projeto.

O artigo foi publicado originalmente em Gazeta Rural.

Dia Mundial da Educação Ambiental


A 26 de Janeiro celebra-se o Dia Mundial da Educação Ambiental. Esta comemoração teve origem em 1975, ano em que se celebrou em Belgrado o Seminário Internacional de Educação Ambiental, sob a égide das Nações Unidas, em que participaram mais de 70 países, incluindo Portugal.
Neste seminário aprovaram-se os princípios da educação ambiental e a “Carta de Belgrado” que contém os objetivos fundamentais da educação ambiental.

A origem da educação ambiental se deu conjuntamente a movimentos globais decorrentes de reflexões sobre o modelo de desenvolvimento predominante. Desde a década de 60, constatações de que diversas atividades humanas que possibilitaram crescimento económico traziam impactos ao meio ambiente e ameaçavam as condições de saúde e sobrevivência humana, como retratado no livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson em 1962.

Além dos danos provocados no meio ambiente, decorrentes do que é produzido ou utilizado na produção de bens utilizados em nossa sociedade de consumo, outra coisa que começou a atrair a atenção mundial foi o questionamento se os recursos naturais são suficientes suprir nossas necessidades.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano em Estocolmo apresentou como resultado uma declaração que estabeleceu as bases para a definição de desenvolvimento sustentável, destacando ainda a responsabilidade de todos os cidadãos e todas as instituições para preservar e melhorar o meio ambiente.

Como resposta à Conferência de Estocolmo, foi realizado em 1975 pela Unesco um Encontro Internacional de Educação Ambiental em Belgrado, e o dia 26 de janeiro foi adotado para celebrar o dia mundial da educação ambiental, embora não exista uma definição oficial da data.

A Carta de Belgrado é o primeiro marco para educação ambiental trazendo recomendações e orientações que ainda são atuais, destacando a relação entre os sistemas económicos, políticos e sociais com o meio ambiente, a exemplo deste trecho: “É absolutamente vital que os cidadãos de todo o mundo insistam a favor de medidas que darão suporte ao tipo de crescimento econômico que não traga repercussões prejudiciais às pessoas; que não diminuam de nenhuma maneira as condições de vida e de qualidade do meio ambiente. É necessário encontrar meios de assegurar que nenhuma nação cresça ou se desenvolva às custas de outra nação, e que nenhum indivíduo aumente o seu consumo às custas da diminuição do consumo dos outros.”

Em 1975 a UNESCO em parceria com o Programa de Meio Ambiente da ONU promoveu a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental em Tbilisi, resultando na Declaração de Tbilisi que definiu os objetivos e características da educação ambiental, indicando ainda as estratégias a serem adotadas no campo nacional e internacional os quais embasaram documentos técnicos e a legislação brasileira.

Segundo a Declaração de Tbilisi, é importante destacar que a educação ambiental:
  1. deve adotar um enfoque global, mas ao mesmo tempo dirigida à comunidade para despertar o interesse em cada indivíduo na participação da solução de problemas ambientais e de iniciativas para a construção de um futuro melhor;
  2. deve ser contínua e permanente, acompanhando as mudanças constantes de nosso mundo em rápida evolução;
  3. deve abranger pessoas de todas as idades e todos os níveis de ensino, no âmbito- formal e não formal.