sábado, 31 de julho de 2021

Quercus critica "tiro da 'bazuca'" com barragem no Alto Alentejo

A associação ambientalista Quercus considerou hoje "um primeiro tiro da 'bazuca' fora do alvo" o projeto de construção da barragem do Pisão, no Alentejo, que vai ser financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).



Trata-se de "um projeto do Estado Novo que, por falta de viabilidade, nunca tinha sido executado", disse a associação, em comunicado enviado hoje à agência Lusa, sobre o Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato (Portalegre), cujo contrato de financiamento foi assinado esta sexta-feira.

Mais conhecido como barragem do Pisão, o empreendimento "foi inscrito para investimento no PRR, apesar da oposição da Quercus e de outras entidades" durante a consulta pública do plano, disse.

Segundo a Quercus, esta oposição deve-se aos "elevados impactes ambientais sobre o montado e destruição da agricultura tradicional sustentável" que o Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato envolve, "pelo que se considera um primeiro tiro da 'bazuca' fora do alvo".

Na sexta-feira, no Crato, o primeiro-ministro, António Costa, presidiu à cerimónia de lançamento do projeto da barragem do Pisão e à assinatura do respetivo contrato de financiamento.

O contrato, no valor de 120 milhões de euros, foi assinado entre a estrutura de missão Recuperar Portugal e a Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA).

No global, está previsto que envolva um investimento de 171 milhões de euros, dos quais 120 milhões estão inscritos no PRR.

Mas, para a Quercus, "o PRR, no contexto da crise económica e social devido à pandemia, deveria contribuir para o crescimento sustentável integrado no Pacto Ecológico Europeu (Green Deal) e não para financiar projetos destrutivos e inviáveis sem um grande investimento público e comunitário".

"Este empreendimento tem grandes impactes ambientais negativos, não apenas na destruição na área florestal de montado da região", mas também porque "os blocos de rega afastados vão promover o alastramento descontrolado das culturas superintensivas de regadio".

No comunicado, a associação ambientalista lamentou ainda que "a Comissão Europeia tenha permitido o financiamento" deste projeto" e prometeu continuar "a acompanhar atentamente e a escrutinar todo o processo".

Na cerimónia de sexta-feira, António Costa considerou que o projeto da barragem do Pisão é "simbólico do potencial transformador" permitido pelo PRR e vai permitir ao Alto Alentejo "desenvolver novas atividades que gerem emprego e rendimento que permitam atrair e fixar as populações".

As obras de construção vão arrancar até 2023, para que o empreendimento possa entrar em "pleno funcionamento" em 2026, segundo afirmou o presidente da Câmara do Crato, Joaquim Diogo.

Segundo a CIMAA, a futura estrutura vai beneficiar cerca de 110 mil pessoas nos 15 municípios do distrito de Portalegre e o seu "principal objetivo é garantir a disponibilidade de água para consumo urbano".

Além disso, visa "reconfigurar a atividade agrícola e criar oportunidades para novas atividades económicas, nomeadamente ao nível da agricultura, do turismo e no setor da energia", já que engloba também uma central fotovoltaica flutuante (cujo financiamento ficou de fora do PRR).

Documentário: Os Homens Sem Sono


Um ano decorrido sobre o 25 de Abril de 1974, o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, o capitão Vasco Lourenço e o major Vítor Alves, protagonistas da Revolução dos Cravos, recordam as razões que estiveram na origem do Movimento dos Capitães, e os principais acontecimentos que acabaram por conduzir à criação do MFA, e à revolta militar que ditou a queda do regime ditatorial do Estado Novo.

10 factos sobre vegetarianos que afinal são mitos


Os vegans e vegetarianos ainda são uma minoria no planeta, e o desconhecimento sobre este tipo de dieta alimentar cria muitas suposições, mitos e incertezas.

Numa sociedade maioritariamente omnívora, ser vegetariano é sinónimo, muitas vezes, de piadas, desconforto e desconhecimento. Para os vegetarianos não é incomum ouvir frases como “só comes salada” ou receber conselhos sobre a importância da carne na alimentação.

O portal Inhabitat em colaboração com Alison Ozgur, uma reconhecida nutricionista, elaborou uma pequena lista de factos e mitos sobre este tema.

Os veganos não recebem proteína suficiente
Não há um único vegetariano que não tenha ouvido esta frase inúmeras vezes.
“Este é um mito comum que precisa ser eliminado”, disse Ozgur. “Aqui nos Estados Unidos, nunca tivemos falta de proteínas, e a triste verdade é que as proteínas estão a ser desnecessariamente adicionadas a muitos alimentos. Legumes, frutas e grãos têm grandes quantidades de proteína para uma saúde ideal e um peso corporal saudável. ”

Os veganos não ingerem cálcio sem laticínios
Há muito tempo que a indústria de laticínios faz campanhas para convencer os cidadãos que sem leite os ossos ficam fracos e frágeis. Não é verdade, alerta Ozgur. “Sim, os laticínios contêm cálcio, mas também podem conter gorduras saturadas, colesterol e contaminantes que obstruem as artérias. Felizmente, os alimentos à base de plantas são uma opção mais saudável. ” A nutricionista recomenda verduras como couve, mostarda, couve e acelga, além de legumes, bróculos, alimentos orgânicos de soja – como tempeh e tofu – e leite de amêndoa.

Ser vegetariano é caríssimo
Os smoothies de açafrão, batatas fritas de couve orgânicas embaladas e refeições em restaurantes veganos sofisticados certamente podem custar caro. “Comer vegan pode ser caro”, explicou Ozgur. “No entanto, o custo do tratamento para doenças crónicas é muito mais caro. Uma dieta rica em alimentos integrais e densos em nutrientes é a nossa primeira linha de defesa para prevenção e reversão de doenças. ” Se comprar alimentos secos, como grãos, lentilhas e aveia, economizará dinheiro. Muitos vegetais, como cenoura e couve, também são baratos.

Todos os veganos são caucasianos
Se isso fosse verdade, não encontraríamos sites como o Black Vegans Rock ou celebrações como o Vegan SoulFest. O ativista Aph Ko, fundador do Black Vegans Rock, aumentou a conscientização sobre os muitos vegans negros publicando uma lista de 100 vegans negros em destaque. Os vegans negros também possuem restaurantes veganos e escrevem livros de receitas veganas, assim como os vegans brancos, mas com raízes diferentes.

As tradições veganas não-brancas incluem rastafarianos na Jamaica, jainismo na Índia e o veganismo na temporada de jejum da Etiópia.

Todos os veganos são hippies
Dependendo de a quem pergunta, ser chamado hippie pode ser um insulto ou um elogio. O dicionário Merriam-Webster oferece uma definição mais objetiva: “geralmente um jovem que rejeita os costumes da sociedade estabelecida (como vestir-se de maneira não convencional ou favorecer a vida comunitária) e defende uma ética não-violenta. Em termos gerais: um jovem de cabelos compridos e não convencional.

Então, se estamos a falar de veganos numa sociedade dominada por omnívoros, há alguma verdade nesse mito. Os vegans estão a rejeitar os costumes da sociedade estabelecida e a defender a não-violência, pelo menos contra animais. Quanto a ser jovem, vestir-se de maneira não convencional, viver em comunidade, ter cabelos compridos ou, como encontrado em outras definições on-line de hippies, tomar medicamentos alucinógenos, é preciso avaliar os veganos caso-a-caso (e os não-veganos).

Os veganos são fracos
É melhor não dizer isso a Bryant Jennings, profissional de boxe ou a Tammy Fry Kelly, especialista em artes marciais.

“Não faltam atletas e entusiastas do fitness que prosperam com uma dieta vegana”, indicou Ozgur. “Os alimentos à base de plantas podem acelerar o tempo de recuperação muscular e diminuir a inflamação devido à sua alta quantidade de antioxidantes e fitonutrientes.” A nutricionista recomenda o documentário “Game Changers” para ver como os vegans podem ser fortes.

Se eu fosse vegano, estaria sempre com fome / cansado / doente
Não é verdade, desde que esteja a comer o suficiente. “Se diminuir a sua ingestão diária de calorias para menos do que o necessário, estará com fome, cansado, doente e eventualmente morto”, explicou Ozgur.

“A escolha de uma variedade de alimentos vegetais inteiros nutre seu corpo e células, aumentando assim a sua imunidade e longevidade. A inflamação crónica está ligada a uma variedade de doenças, e vários estudos confirmaram que uma dieta rica em plantas e em fibras é benéfica para a prevenção de doenças.”

Se toda a gente fosse vegetariana, as vacas e os porcos seriam extintos
“Milhões de animais de criação não seriam mais destinados aos nossos pratos e, se não pudéssemos devolvê-los à natureza, eles poderiam ser abatidos, abandonados ou tratados em santuários”, escreveu o jornalista Paul Allen no site da BBC Good Food. “Ou, mais realisticamente, os agricultores podem desacelerar a criação à medida que a demanda por carne diminui.”

Allen teorizou que o número de populações animais retornadas flutuaria e, eventualmente, alcançaria um equilíbrio, dependendo dos predadores e dos recursos disponíveis. “Vale a pena notar que nem todos os animais podem simplesmente ser libertados na natureza”.

Algumas raças de criação, como frangos, estão tão distantes de seus ancestrais que não conseguiam sobreviver na natureza. Outros, como porcos e ovelhas, poderiam retornar a florestas e pastagens e encontrar os seus próprios níveis naturais de população. ”

As plantas também sentem dor
Segundo Jack C. Schultz, professor da Divisão de Ciências Vegetais da Universidade do Missouri, na Colômbia, as plantas “são apenas animais muito lentos”. Lutam por território, procuram comida, capturam presas e fogem de predadores, disse ele. É possível que sintam dor também, apesar da falta de um sistema nervoso central, nervos ou cérebro.

No entanto, é tão cruel comer um tomate quanto uma vaca? Há uma linha intransponível para cada pessoa. Para algumas pessoas, todos os animais não humanos são alimento. Muitos outros acham que é bom comer uma vaca, mas não um cão ou um gato.

Como o site da PETA aponta: “Temos que comer – é uma questão de sobrevivência. E comer plantas diretamente – em vez de as dar como alimento aos animais e depois matá-los pela carne – exige muito menos das plantas e não magoa os animais, que, já sabemos com certeza, sentem dor “.

Se os homens comerem soja vão ficar com seios grandes
Ozgur garantiu que isso não vai acontecer. “Não há evidências médicas válidas que apoiem os homens a aumentar o tamanho dos seios ao ingerir alimentos de soja”, disse ela. “Esse mito surgiu há mais de dez anos, quando um homem foi diagnosticado com ginecomastia por beber três quartos de leite de soja por dia. Ao interromper a ingestão de leite de soja, a sua sensibilidade nos seios desapareceu. Homens asiáticos consomem soja diariamente, mas não experimentam ginecomastia. ” Ozgur recomenda escolher alimentos orgânicos de soja integral e evitar isolados de proteína de soja ou ingredientes de soja fracionados.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Esteva, Uma Planta Contra As Picadas De Insetos


O perfume doce a madeira e terra da esteva, transporta-me sempre para paisagens mediterrânicas, para Sul, onde esta magnífica planta resiste ao calor do verão e impregna o ar quente com o seu doce aroma. O nome de “cistus” vem do grego que significa cesto, devido ao facto de os seus frutos serem cápsulas globosas com 7 a 10 compartimentos (caixas).

É quase impensável imaginar a paisagem mediterrânica sem esteva. De facto, cresce em matas densas do centro ao sul do País. Mas também nas zonas quentes do interior das Beiras, Douro e Trás-os-Montes, em solos ácidos não calcários, de xisto, granito e quartzo.

É um arbusto perene de crescimento muito rápido que pode chegar a atingir 3 metros de altura. Muito resistente à seca e ao vento, mesmo ao vento marítimo, pode encontrar-se até nas areias da praia ou nos intervalos das rochas. Cresce também em altitude até cerca de 1000 metros acima do nível do mar.

A esteva é um bom indicador biológico da degradação dos solos devido, por exemplo, ao excesso de pastoreio ou à ocorrência contínua de incêndios, sendo esta uma das primeiras plantas a surgir ocupando o espaço onde outrora cresciam azinheiras. Antigamente obtinha-se carvão, nalgumas zonas do País, a partir da raíz da esteva que é extremamente dura e lenhosa.

Xara

A esteva (Cistus ladanifer) é facilmente hibridada, existindo cerca de 8 géneros e 160 espécies. É também conhecida por Xara e dispensa grandes descrições. Tem caules e folhas muito pegajosas que se agarram à roupa e à pele. Esta característica pegajosa deve-se à alta concentração de um constituinte resinoso chamado lábdano ou ládano. Esta resina serve também para a planta se defender dos climas agrestes e secos onde se instala, as suas flores são muito vistosas, de 7 a 10 cm, de pedúnculos curtos, brancas (variedade ladanifer) ou com uma mancha escura na base de cada uma das cinco pétalas (variedade maculatus), sépalas caducas; fruto, cápsula tomentosa com 7 a 10 lóculos.

Existem ainda flores de cor rosa, púrpura (Cistus crispus L.), também conhecida por roselha, o estevão ou lada (Cistus populifolus L.), que está presente em muitas serras e matagais do País e apresenta grandes flores rosadas. Todas as espécies afins são produtoras de lábdano. As flores individuais duram apenas um dia, existindo no entanto uma grande sucessão e são muito atraentes para as abelhas e outros insectos polinizadores.

Constituintes

Lábdano: composição complexa, pois depende do tipo de solvente utilizado, mas onde existe um grande número de resinóides de elevado peso molecular, óleo essencial (cerca de 1%), ácidos aromáticos, triterpenóides, taninos e mucilagens. O óleo essencial contém compostos monoterpénicos e sesquiterpénicos.

Propriedades

As propriedades medicinais da esteva não estão ainda muito investigadas mas sabe-se que é anti-séptico, antibacteriano e anti-viral, sendo utilizada externamente para lavar e desinfectar feridas e aliviar picadas de insectos. Nas utilizações populares é utilizada contra a queda do cabelo. O óleo essencial extraído é utilizado em aromoterapia para combater o stress ou, diluído num óleo base, para massajar a pele contra as rugas agindo como regenerador dos tecidos e combatendo doenças de pele e ainda alguns distúrbios linfáticos. Acredita-se ainda que tem propriedades sedativas. É também utilizada na tinturaria para obter o tom verde-acastanhado.

No jardim

São muito apreciadas em jardins como plantas ornamentais devido não só à sua beleza e aroma, mas também à sua robustez e capacidade de sobrevivência em solos pobres e sem rega. No entanto não reage bem ao corte dos ramos, sobretudo as plantas mais velhas que poderão morrer. As plantas jovens, no entanto, resistem muito bem a uma espécie de ceifa e rebentam no ano seguinte ou no outro com mais vigor, sendo aliás esse o método que se utiliza para colher a planta para a extracção dos óleos essenciais, que é feita por destilação a vapor. Existem já no nosso País alguns produtores de esteva para a extracção do óleo essencial muito apreciado na perfumaria como fixante de aromas.


Quatro peritos mostram como a agricultura pode ajudar ou destruir a biodiversidade

Falta pouco para entrar em consulta pública no nosso país o Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum (PEPAC) para o período de 2023-2027. Quatro peritos falam de como a agricultura pode ajudar ou prejudicar a natureza.


WILDER: Quais os maiores impactos negativos da agricultura na biodiversidade em Portugal?

Maria Amélia Martins-Loução (SPECO): O maior impacto é a extensão, a massificação de culturas todas iguais (clones, sem variabilidade genética) e o tipo de exploração, intensivo, à base de rega e de nutrientes. As culturas, por si, não são gravosas. A principal questão tem a ver com a extensão das explorações e o modo como são exploradas como culturas únicas: o olival, o amendoal, daqui a pouco o nogueiral, mesmo a vinha, como culturas contínuas.

Domingos Leitão (SPEA): Os ecossistemas terrestres mediterrânicos beneficiam com um certo grau de intervenção humana. Por isso, muitos sistemas agro-pastoris ditos tradicionais albergam mais espécies de fauna e flora do que os sistemas naturais originais. O problema é quando o grau de intervenção humana aumenta para aquilo que se chama o uso intensivo e as estruturas naturais desaparecem completamente. A intensificação da agricultura é responsável por uma simplificação da paisagem, devido ao aumento do tamanho da parcela agrícola, à predominância de um único tipo de cultivo (monocultura) e ao desaparecimento ou redução drástica de estruturas “não produtivas” (bosques, bosquetes, sebes e linhas de árvores, margens naturais de ribeiras e linhas de água, charcas e outras zonas alagadas, e áreas rochosas ou pedregosas). Uma paisagem mais simples não possui os nichos de habitat suficientes para albergar muitas das espécies rurais mais especializadas, ficando apenas as poucas espécies generalistas. Adicionalmente, a intensificação agrícola acarreta também uma mobilização do solo mais frequente, uma utilização maior de fitofármacos e em muitos casos a cobertura com plástico, destruindo a biodiversidade do solo e o que restava da biodiversidade da vegetação.

Num primeiro plano, os cultivos mais graves neste momento são a intensificação associada ao regadio, que possibilita monoculturas intensivas de olival, amendoal, abacate, hortícolas e frutícolas, por vezes com estufas e outros processos extremamente artificiais que provocam a obliteração total da biodiversidade natural de vastas áreas do território. Num segundo plano, algumas formas de cultivo tradicionais, numa tentativa de competir com o intensivo aumentam o uso de fitofármacos e o uso do espaço levando a problemas adicionais em larga escala. Um exemplo é o aumento da densidade de animais nas explorações bovinas, levando frequentemente ao sobre pastoreio e à destruição dos habitats.

A agravar ainda mais o cenário de falta de espaço e artificialização do uso do solo, temos um aumento das mega-centrais fotovoltaicas.

Eduardo Santos (LPN): Alguns dos maiores impactos da agricultura sobre a biodiversidade estão relacionados com as mudanças nos usos do solo e com a degradação de habitats de espécies protegidas e/ou dos recursos naturais de que as mesmas dependem (como seja da quantidade e qualidade da água). Em particular é a intensificação agrícola e a adopção de práticas insustentáveis ou desadaptadas às nossas condições naturais que causam este tipo de problemas. Nesse sentido é a expansão descontrolada do regadio/culturas intensivas (ex. culturas permanentes super-intensivas de olival, amendoal ou outros pomares intensivos e muito consumidores de água e de fertilizantes/fitofármacos), o sobre-encabeçamento pecuário, ou como recentemente se denunciou na Costa Sudoeste, a instalação desregrada e o rápido aumento da área de estufas/culturas cobertas.

Catarina Grilo (ANP-WWF): A questão da intensidade da agricultura é deveras preocupante e já tem implicações na qualidade de vida das populações que vivem perto destas culturas (há relatos recentes, incluindo em notícias), e mais cedo ou mais tarde terá também na saúde dos consumidores. Há culturas e modos de produção que são desadequadas para as condições edafo-climáticas (solo e clima) que temos: cultivar abacates, uma cultura tropical que precisa de muito calor (que temos) e muita água (que não temos) não faz sentido, e não é por acaso que os abacates não são originários de cá. Por muito eficiente que possa ser uma produção de abacates em termos de consumo de água, continuará sempre a consumir muita água que não temos. Os modos de produção intensivos também são desadequados para os nossos solos, maioritariamente pobres.

W: De que forma pode a agricultura fomentar a biodiversidade? Que exemplos concretos de medidas que os agricultores podem tomar?

Maria Amélia Martins-Loução: Deixando manchas biodiversas entre explorações, mantendo a variabilidade genética das cultivares como reduto, não limpando as entrelinhas, o que significa deixar mais espaço entre culturas para manter alguma biodiversidade. Claro que a parte económica também é importante, por isso o que é produtivo devia ser incentivado mas com regulação em termos de água e nutrientes. A agricultura consome mais de 70 % da água doce disponível, maioritariamente de rios e toalhas freáticas. Mas as alterações globais, a poluição e a sobreexploração irão afectar a quantidade e qualidade de água disponível. 

O modo como o sistema responde depende da diversidade de organismos, abaixo e fora do solo, que desenvolvem diferentes funções complementares que operam como um todo. A diversidade do solo é uma componente ecológica responsável pela funcionalidade do ecossistema, que explica a capacidade competitiva das espécies, os padrões de co-ocorrência dessas espécies, o estabelecimento de comunidades, a estabilidade do sistema, a produtividade e o balanço dos nutrientes. A lição aqui é óbvia: se um sistema agrícola tiver diversidade funcional todo o sistema é mais produtivo, menos afecto a pragas e mais resiliente face a extremos climáticos. Trata-se de um modo de gestão agrícola que tem por base o conhecimento ecológico sobre a gestão dos ecossistemas naturais. O foco é aumentar a capacidade de armazenamento de carbono e recuperar solo.

Domingos Leitão: Ao nível das estruturas não produtivas da paisagem, os agricultores podem proteger bolsas de biodiversidade que existem nas suas explorações, mantendo as sebes e bosquetes, as galerias de vegetação arbustiva e arbórea nas margens das ribeiras e canais, e as charcas e áreas paludosas que possam ter nas margens dos campos. Manter o que existe não dá trabalho, nem tem custos adicionais. Mas também podem criar refúgios para a fauna e flora, com custos económicos mínimos, através da manutenção de faixas por lavrar de vegetação natural juntos às linhas de água, margens dos campos e cabeceiras rochosas, construção de montes de pedras e troncos (maroços), instalação de caixas-ninho e criação de charcas artificiais com vegetação palustre.

Ao nível da gestão agrícola, só com a diversificação de cultivos já favorecem a biodiversidade. Depois podem optar por implementar rotações de cultivos com pousios, por modos de produção extensivos, deixar restolhos por lavrar, reduzir a densidade de gado nas pastagens, entre muitas práticas que deviam ser apoiadas pela PAC e não são.

Eduardo Santos: Embora representem ainda a menor parte do investimento da PAC, existem já medidas/apoios agroambientais que promovem espécies e habitats naturais, que devem ser ampliados, melhorados e replicados. É o caso das medidas dirigidas às aves estepárias no âmbito do plano zonal de Castro Verde (com apoios para a rotação ceral/pousio, por exemplo), a medidas para o lobo-ibérico (que apoia produtores pecuários extensivos a prevenirem prejuízos causados por esta espécie), ou os pagamentos Natura (como medida de discriminação positiva para as explorações localizadas em Rede Natura 2000). A agricultura, silvopastorícia e produção florestal podem, e frequentemente são, um aliado fundamental na conservação da natureza, têm apenas de ser desenvolvidas de forma sustentável e conciliada com os valores naturais de cada local. Só assim teremos uma PAC e uma agricultura que sirva as pessoas, a economia e o ambiente.

Catarina Grilo: É preciso também trazer os representantes destes agricultores e gestores bem intencionados para a discussão e ter os seus contributos em conta. O atual PEPAC claramente não os teve. Mas a incorporação de medidas que incentivem a proteção da biodiversidade, um uso parcimonioso da água, a recuperação de solos degradados, a mitigação das alterações climáticas, etc., não se faz só com a participação dos representantes dos agricultores. As ONGA, as associações de consumidores, entidades da área da saúde e da conservação da natureza, associações de desenvolvimento local – todos são também partes interessadas e com conhecimento aprofundado para contribuir para que o PEPAC, e a agricultura nacional, possa fazer a transição para a sustentabilidade que tantos desejam.

W: Actualmente, quais os maiores obstáculos à criação de mais espaço para a natureza em terrenos agrícolas em Portugal, por parte de agricultores e gestores de terrenos bem intencionados? 

Maria Amélia Martins-Loução: Julgo que hoje em dia há já novos agricultores sensíveis para estas questões. Mas a formação contínua, o apoio técnico-científico e supervisão são necessários. Há mesmo casos de sucesso onde se privilegia a biodiversidade entre linhas de culturas, em manchas laterais acessórias. Mas tudo isto devia ser incentivado e até premiado para que mais agricultores possam seguir estes exemplos. Diminuir a produção total, tendo por base assegurar uma diversidade funcional, tanto abaixo como acima do solo, com repercussões positivas para a sua resiliência pode e deve ser uma mais valia a ser incentivado até como minimização das alterações climáticas. 

Domingos Leitão: Sem dúvida é a falta de informação e de incentivo económico para isso. Muitos agricultores implementam já práticas benéficas que não têm custos, mas muito poderia ser feito se houvesse exigência e incentivo para isso na PAC. A exigência com respeito à agricultura intensiva, mais destrutiva, que não deveria receber qualquer apoio da PAC se não implementasse as medidas básicas e efetivas de proteção do solo, água e biodiversidade. Incentivo para a agricultura extensiva, com práticas e variedades tradicionais, que deve ser apoiada pelos benefícios públicos que produz.

E depois temos os agricultores dentro da Rede Natura 2000, que têm que manter práticas agrícolas especiais, pouco produtivas e que o mercado não remunera, como a rotação com cereal de sequeiro nas ZPE (Zonas de Protecção Especial) estepárias no Alentejo, o barrocal no Algarve, os olivais em socalco no centro e Norte interior ou o pastoreio de percurso nas montanhas. Estes agricultores e criadores de gado têm de ser apoiados, porque precisamos do seu trabalho para manter paisagens e ecossistemas ameaçados. Se não o fizermos vamos perder as pessoas e o património natural que protegem. A verdade é que até agora não foram suficientemente apoiados. Dos mais de 4.000 milhões de euros que a PAC coloca em Portugal, o Ministério da Agricultura apenas retirou 1,2% (pouco mais de 50 milhões) para medidas de apoio à agricultura na Rede Natura 2000, que ocupa 20% do território. Tinha prometido mais, mas a meio do quadro de apoio desviou dinheiro da Rede Natura 2000 para mais regadios no Alentejo.

Com falsas políticas ambientais, medidas pouco exigentes e sem o investimento necessário não vamos conseguir proteger a rica biodiversidade dos meios rurais.

Eduardo Santos: Claramente, falta uma PAC que promova verdadeiramente esse objectivo, com incentivos adequados técnica e financeiramente e sem subsídios/apoios perversos que actuem em sentido contrário (como tem acontecido até agora). O Plano Estratégico nacional para a PAC tem a obrigação de promover este tipo de objectivos, gerando evidentes benefícios sociais e ambientais com o enorme investimento financeiro que esta política representa, e não perpetuando uma estratégia de produção agrícola insustentável e lesiva do interesse (da saúde) dos cidadãos e da natureza.  

Ricardo Salgado, da Sardenha com amor

São os passeios e a desfaçatez do antigo “Dono Disto Tudo” que estão na génese da desconfiança das pessoas face a muitos empresários que não merecem qualquer sombra de dúvida.


Qualquer pessoa normal ficaria atónita quando leu que Marcelo Rebelo de Sousa instou empresários a irem à luta por “protagonistas políticos mais fortes”. O tiro foi completamente errado porque a principal preocupação destes empresários, dos bons, dos que acreditam no talento português, que criam empregos e levam a economia para a frente, é o trabalho e pedir para que o Estado e a máquina fiscal não emperrem demais a sua actividade.

Depois, deviam preocupar-se em comprar uma vassoura e limpar da esfera pública a péssima imagem de uma dita elite empresarial que marcou um tempo, que custou à comunidade milhares de milhões, e que na percepção dos portugueses ficou sepultada nos espectáculos deprimentes dados no parlamento, processos avulsos em barda e dívidas gigantes que não pagam. Isso é que é a mancha reputacional que deve obrigar os bons empresários a apagar esta má moeda.

Aliás, não vi nenhum empresário engrossar a voz relativamente a um amigo do passado do Presidente da República, o “doutor Ricardo” Salgado, no despautério de ter pedido ao tribunal para faltar ao seu julgamento por questões da pandemia e depois andar sem máscara numa luxuosa ilha do Tirreno. Porque são os passeios e a desfaçatez do antigo “Dono Disto Tudo” que estão na génese da desconfiança das pessoas face a muitos empresários que não merecem qualquer sombra de dúvida.

Ainda há pouco tempo passou despercebida uma afirmação em tribunal proferida por mais um notável da elite empresarial do passado.

Henrique Granadeiro explicou “todos os contratos eram feitos assim, com base numa relação de confiança”. “A maior parte dos contratos são verbais”, acrescentou o empresário. Referia-se assim durante o julgamento do ex-homem-forte do BES, ao facto de ter recebido do “doutor Ricardo” nove milhões sem nada estar devidamente selado com papéis para um projecto agrícola com golfe e hotel que nunca saiu do projecto.

Esta era maneira de gerir, um statu quo que nunca mais se poderá repetir, que custou o buraco do Novo Banco que continuamos a pagar.

Este “modus operandi” podia fazer parte de algum filme que conhecemos. Tudo baseado na palavra, com muita honra, mas é bom relembrar que honra é uma palavra que cheira a máfia. E da podridão ninguém gosta de estar perto, porque o cheiro é nauseabundo e demora tempo a sair da pele. Estes são procedimentos que não podem sobreviver a um mundo que exige cada vez mais transparência.

O “doutor Ricardo” (como era tratado com deferência) é uma personagem que pôs e dispôs durante décadas, todos lhe beijaram a mão (com algumas excepções), nesse tempo era cereja no topo do bolo ter o seu contacto e reconhecimento, agora é uma criatura odiada, um pária, tem lepra.

Aquele passeio na Sardenha do “doutor Ricardo” é o retrato da sua impunidade. É uma desfaçatez. Depois de ter usado como defesa um padre para atestar do seu carácter, agora a sua defesa fala em demência, falhas de memória e lapsos de raciocínio para o banqueiro faltar ao seu julgamento.

A Justiça devia conhecer uma frase da magnífica série “Line of Duty”: “Se atira ao rei é bom que o mate”, não conseguiu. Ele vai continuar por aí a gozar connosco com muito amor até à prescrição final.

Os desertos resultam dos padrões de circulação atmosférica (video explicativo)

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Take Home Messages in “Organic Farming Lessens Reliance on Pesticides and Promotes Public Health by Lowering Dietary Risks”


We are excited to share the release of this HHRA sponsored peer-reviewed paper. HHRA’s Executive Director Dr. Charles Benbrook is the lead author,  click here to view the paper, and read on for a user-friendly summary of the findings.


Did you know there are pesticide residues in and on your food on a daily basis (unless you seek out and consume mostly organic food)? Pesticides include insecticides, herbicides, fungicides, fumigants, and plant growth regulators. These chemicals can be taken up by crops and some make their way to your kitchen table.

We have all heard the saying “you are what you eat.” Yet a question lingers largely unanswered — What are the chemicals in the food we eat doing to our bodies, our health, and the integrity of the human genome (i.e. the DNA in our genes)?

Cutting-edge research has begun to shed new and brighter light on the ways pesticide exposure can contribute to or cause adverse health outcomes. Pesticide exposures have been linked to multiple health problems including cancergetting and staying pregnantdevelopmental delays in childrenheritable genetic changes, altered gut health, neurological disorders like Parkinson’s disease, and other chronic health problems. Clearly, pesticides can adversely impact the brain and our neurological system, the human immune system, and our reproductive health.

Neurological impacts increase the risk of autism, ADHD, bad behavior, and can reduce IQ and hasten mental decline among the elderly. Anything that impairs the functioning of the immune system increases the risk of cancer, serious infections, and can worsen viral pandemics, as we have regretfully learned throughout the Covid-19 outbreak. Several pesticides have been shown to cause or contribute to infertility, spontaneous abortion, and a range of birth defects and metabolic problems in newborns and children as they grow up.

So how do we avoid potentially harmful pesticide exposures?

In the USA in 2021, the surest way to minimize pesticide dietary exposure and health risks is to consume organically grown food. How do we know? We have run the numbers.

A recently-published HHRA paper, written by a team led by the HHRA Executive Director Chuck Benbrook, draws on multiple state and federal data sources in comparing the dietary risks stemming from pesticide residues in organic vs conventionally grown foods. The new paper is entitled “Organic Farming Lessens Reliance on Pesticides and Promotes Public Health by Lowering Dietary Risks”, and was published by the European journal Agronomy. Benbrook was joined by co-authors Dr. Susan Kegley and Dr. Brian Baker in conducting the research reported in the paper.

There is good news in the paper’s many data-heavy tables. Organic farms use pesticides far less often and less intensively than on nearby conventional farms growing the same crop (see the chart below for an example from California). On organic farms, pesticides are an infrequently used tool, applied only when needed and after a variety of other control methods have been deployed. Plus, only a small subset of currently registered pesticides can be used on organic farms – just 91 active ingredients are approved for organic use, compared to the 1,200 available to conventional farmers. Pesticides approved by the USDA’s National Organic Program (NOP) are typically exempt from the requirement for a tolerance set by the EPA because they possess no, or very low, toxicity. NOP-approved pesticides cannot contain toxic, synthetic additives or active ingredients. Many of them are familiar household products, like soap, vinegar, clove oil, and rubbing alcohol.

On many conventional farms, pesticides are the primary, or even sole tool used by farmers to avoid costly damage to crops by pests. Conventional farmers also have far more pesticide choices. The products registered for many crops include known toxic and high-risk chemicals linked to a number of adverse health outcomes.

More good news — choosing and consuming organic food, especially fruits and vegetables, can largely eliminate the risks posed by pesticide dietary exposure (see figure below). In general, the residues of any given pesticide in organic samples are usually markedly lower than the same residue in conventional samples. This is important because pesticide residues in fruit and vegetable products account for well over 95% of overall pesticide dietary risks across the entire food supply. The pesticide-risk reduction benefits of organic farming now extend to a little over 10% of the nation’s fruit and vegetable supply.

Impacts on the farm and farmers.

While the dietary risks from pesticide use on organic farms compared to conventional farms is the focus of the Agronomy paper, the consequences of heavy reliance on pesticides by many conventional farms are also discussed. These include the emergence and spread of resistant weeds, insects, and plant pathogens that then require farmers to spray more pesticides, more often, and sometimes at higher rates – this is known as the herbicide treadmill. The heavy reliance on pesticides on conventional farms also can impair soil health and degrade water quality. It can undermine both above and below-ground biodiversity, and in some areas has decimated populations of insects and other organisms, including pollinators, birds, and fish.


People applying pesticides and people working in or near treated fields are the most heavily exposed and face the highest risks. A grower’s choices in knitting together an Integrated Pest Management (IPM) system impacts workers, consumers, and the environment. Organic farmers rely on biological, cultural, and other non-chemical methods in their prevention-based IPM systems and generally succeed in keeping pests in check.

Switching from conventional farming to organic production takes time and requires new skills and tactics. Most farmers who have made the change have done so mostly on their own. Other organic farmers and their pest control advisors remain the primary source of technical support and encouragement for neighboring farmers thinking about taking the plunge.
Transitioning to organic farming.

The authors end the paper with a review of concrete actions, policy changes, and investments needed to support those willing to make the transition to organic.

First, “organic farmers need better access to packing, processing and storage facilities linked into wholesale and retail supply chains.” In fact, many farmers hesitate to transition to organic not because of problems adhering to organic farming methods or controlling pests, but because of a lack of marketing opportunities.

Second, agribusiness firms have shown little interest in developing and manufacturing the specialized tools and inputs needed by organic farmers. There are many unmet needs. Tillage and cultivation equipment suitable for small-scale operations is hard to come by, unless imported from Europe.

Infrastructure investments are needed to increase the supply and quality, and lower the cost of compost and other soil amendments. More cost-effective ways are needed for organic farmers — and indeed all farmers — to rely on insect pheromones in disrupting mating and microbial biopesticides that control pests by disrupting their development, reproduction, or metabolism.

Third and perhaps most important is “public education and access to information about the significant health, environmental, animal welfare, farmer, and worker benefits that arise when conventional growers successfully switch to organic farming.”

The case for transitioning most of the approximate 1.2% of US cropland growing fruits and vegetables to organic is strong and bound to grow more compelling. The paper points out that the technology and systems exist to rapidly increase the organic share of fruit and vegetable production from a little over 10% today to over 70% in five to 10 years. The only thing holding back growers is the lack of demand.

As more farmers switch to organic, more investment in tools, technology, infrastructure, and human skills will bring to organic food supply chains the same economies of scale that now make conventional produce so affordable. As a result, over time the organic price premium will narrow as the supply of organic produce expands.

Organic farming reduces pesticide reliance and dramatically reduces dietary risk. The opportunity to promote healthy pregnancies and thriving newborns via farming system changes will join the need to build soil health and combat climate change in driving new investments and policy changes that will hopefully support farmers open to innovation and willing to transition to organic.

Access more information on the paper on our website.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Margarida David Cardoso: “É muito perverso fechar conteúdos”


Esta semana, partilhamos contigo a conversa que tivemos com a Margarida David Cardoso, jornalista no Fumaça. Esta entrevista, conduzida no dia 16 de abril de 2021, foi uma das que fizemos aquando da investigação que deu corpo à última edição da Revista Gerador (maio) para explorar a problemática do jornalismo lento.

Margarida David Cardoso é da Lixa e estudou no Porto, encontrando-se, hoje, a trabalhar em Lisboa. O Jornal Universitário do Porto foi a primeira redação em que encontrou, tornando-se, mais tarde, editora de cultura e, posteriormente, codiretora. Licenciada em Ciências da Comunicação, trabalhou durante dois anos e meio no Público, nas secções de Local e Sociedade. Depois desta experiência, encontrou o Fumaça que lhe permitiu fazer aquilo em que sempre acreditou: “que só com tempo se encontram outras vozes, se reduz a inevitabilidade de cometermos erros, se aprende a olhar para onde ninguém parece estar a olhar. Acredito que só com tempo, profundidade e diálogo o jornalismo se aproxima de algo verdadeiramente livre”, explica no site do Fumaça.

O Fumaça é um órgão de comunicação social que se afirma como independente, progressista e dissidente, apostando no jornalismo de investigação em áudio, feito com profundidade e tempo para pensar. No seu site, podemos aceder a variadas investigações como são exemplo as sériesPalestina, histórias de um país ocupado”, “A Serpente, o Leão e o Caçador” ou “Segurança Privada: Exército de Precários”. É ainda possível encontrar várias entrevistas como “Rafaela Granja: ‘A prisão empobrece reclusos e familiares’” e reportagens como “A Resistência: quarentena na rua”.

Esta é a sexta entrevista da nova rubrica Entrevistas com Jornalistas, que o Gerador irá continuar a lançar ao longo das próximas semanas e que se irá debruçar sobre os grandes desafios que a profissão continua a enfrentar.

As Reservas da Biosfera e a celebração da Natureza

Somos parte da natureza e dela obtemos bens e serviços essenciais como os alimentos e a água, ou a regulação do clima e das doenças. Uma relação fecunda, mas cada vez mais ameaçada por um absurdo modelo de desenvolvimento assente na destruição da natureza, que continuamos a tolerar. Temos de ser capazes de construir outros paradigmas de progresso, salvaguardando uma relação de respeito entre as atividades humanas e a vida em geral.


No dia 28 de julho celebra-se o dia Nacional da Conservação da Natureza, instituído em 1998 em homenagem à Liga para a Proteção da Natureza, a primeira e mais antiga associação de defesa do ambiente em Portugal. Desde a sua criação, em 1948, esta associação tem desenvolvido um intenso, meritório e continuado trabalho em prol da conservação da natureza no país e na Europa, estando na origem da classificação de várias áreas protegidas portuguesas, incluindo o Parque Natural da Arrábida, cujo aniversário se comemora também neste dia.

Um dia dedicado à conservação do património natural português é a oportunidade para evidenciar a diversidade das paisagens, o património geológico e a extraordinária biodiversidade que Portugal acolhe, convocando para a necessidade de envidarmos mais esforços pela sua conservação efetiva. A conservação da natureza e da biodiversidade é a base para uma economia sustentável; providenciando bens e serviços indispensáveis ao bem-estar humano e alicerçando as soluções que melhor garantem a prevenção e a mitigação dos riscos.

Do conjunto das áreas nacionais classificadas ao abrigo do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, destacamos as Reservas da Biosfera portuguesas, cujas áreas núcleo coincidem com distintas tipologias de regime de proteção (Rede Nacional de Áreas Protegidas, Rede Natura 2000, entre outras), beneficiando da intervenção favorável que estas praticam. O Paúl do Boquilobo foi a primeira Reserva da Biosfera nacional, criada em 1981; a ilha do Porto Santo é a mais jovem do grupo, tendo sido inscrita pela UNESCO em 2000. No conjunto do território nacional, considerando o continente e regiões autónomas da Madeira e dos Açores, as 12 Reservas da Biosfera portuguesas abrangem um total de 32 concelhos, residindo neste território mais de 350 mil pessoas.

O projeto “Reservas da Biosfera: Territórios Sustentáveis, Comunidades Resilientes”, financiado pelo EEA Grants 2014-2021 e promovido pela Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente e Ação Climática, visa fomentar e aprofundar os seus compromissos individuais e coletivos pela sustentabilidade, valorizando os territórios e as comunidades, através dos ativos patrimoniais e serviços de ecossistema, e apostando no reforço das competências e nos modelos de governança.

As sociedades humanas dependem de ecossistemas saudáveis. Somos parte da natureza e dela obtemos bens e serviços essenciais como os alimentos e a água, ou a regulação do clima e das doenças. Uma relação fecunda, mas cada vez mais ameaçada por um absurdo modelo de desenvolvimento assente na destruição da natureza, que continuamos a tolerar. Temos de ser capazes de construir outros paradigmas de progresso, salvaguardando uma relação de respeito entre as atividades humanas e a vida em geral. A agenda das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, conhecida por Agenda 2030, deve definir o caminho, respondendo à pobreza, às desigualdades, aos direitos humanos, à educação, e também à conservação dos ecossistemas. As 714 Reservas da Biosfera da UNESCO do mundo, em que se incluem as 12 nacionais, estão alinhadas com esta agenda de sustentabilidade global, privilegiando estratégias de desenvolvimento inspiradas pelos pilares da UNESCO – educação, ciência, cultura e informação –, valorizando a identidade e o património social e cultural, a prosperidade e bem-estar das comunidades humanas, e a salvaguarda do património natural.

Óscar e Otelo

A história escreve-se mesmo quando não nos apercebemos que isso está a ser feito. Não é o caso aqui. Sabemos todos que a forma como o Estado Português trata a morte de Otelo fará parte da história e influenciará o seu decurso

“Não teve pelotões de fuzilamento”. É assim que Robert Fisk, no livro “A Grande Guerra pela Civilização”, se refere ao 25 de abril. Foi numa conversa com um conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano e para lhe dar um exemplo, uma demonstração, de que era possível. Não sabia que Robert Fisk tinha feito a cobertura da nossa revolução. Foi com orgulho que constatei que a sua excepcionalidade é reconhecida. Uma revolução que é referenciada pelo vermelho dos cravos e não pelo do sangue. Sangue. Já lá iremos.

Morreu Otelo Saraiva de Carvalho, o homem que organizou a revolução do 25 de abril e a quem devemos um fim da ditadura inteiro e limpo. Terão sido as suas qualidades militares e as suas virtudes pessoais a permitir que um golpe militar se transformasse numa revolução e uma revolução numa festa que foi bonita. O reconhecimento por tal facto parece ser transversal, com as exceções, claro, de quem preferia que a revolução não tivesse acontecido. Temos aqui uma boa oportunidade para finalmente se fazer tal contagem, mas não é para esses que escrevo.

O que opõe as pessoas, e que não surpreende, é a medida do reconhecimento público e histórico que Otelo Saraiva de Carvalho merece; se a sua participação nas Forças Populares 25 de Abril, FP-25, é uma razão para que o país e a história não lhe concedam as honras que os seus feitos de abril exigem.

Diz-se de Otelo que matou e sempre com referência ao terrorismo das FP-25. Nunca vi interesse em saber se Otelo também matou na Guerra Colonial onde combateu. Ainda bem. Não seria justo. Otelo serviu Portugal em África, é assim que costuma dizer-se de quem combateu as forças organizadas pelos movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas de Angola, Guiné e Moçambique. O regime de Salazar, e depois de Marcelo Caetano, não cedeu às oposições internas nem às pressões internacionais, quis manter o império colonial e impedir a independência dos países africanos. Haverá quem se orgulhe deste passado, talvez os mesmos da contagem do parágrafo acima. A maioria dos portugueses não. É certo que a nossa democracia assenta no repúdio pelo colonialismo.

As mortes da Guerra do Ultramar não mancham currículos. Comprovámos isso mesmo quando a Assembleia da República aprovou um voto de pesar pela morte do Tenente-Coronel Marcelino da Mata. Um voto de pesar por um militar que matou e torturou, sem pejo, em nome da ditadura. Foram, aliás, os seus únicos feitos.

O governo e o Presidente da República foram unânimes na recusa ao luto nacional pela morte de Otelo. Assisti, e muito bem, ao luto pelas mortes de Gonçalo Ribeiro Telles, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço e Carlos do Carmo. Houve mais. Já agora: também assisti ao luto nacional pela irmã Lúcia. Nunca o percebi, um estado laico não deveria prestar-se a isto, mas respeito quem é devoto. Assisti também ao luto nacional pela morte do General António de Spínola, que presidiu ao movimento de extrema-direita MDLP, ao qual foram atribuídos o atentado que vitimou o Padre Max e a Maria de Lurdes e mais algumas centenas de ações de luta armada.

O envolvimento de António Spínola na luta armada não foi impedimento ao decretar de luto nacional. No caso de Otelo foi. Recordar aqui que as lutas armadas que lhes foram atribuídas tinham várias semelhanças e uma grande diferença: a de Spínola pretendia a reposição da ditadura do antigo regime e a de Otelo a concretização da revolução de abril no seu radicalismo, a imposição da ditadura do proletariado.

Não é um caso de “venha o diabo e escolha” e ninguém se deve conformar que assim seja tratado. O sonho da ditadura do proletariado terá morrido e não acredito no seu retorno. As suas concretizações não foram boas. Mas ele não nos envergonha. Foi esse sonho que levou às revoluções igualitárias. Continuam a ser os seus princípios a orientar as políticas sociais nos dias de hoje. Foi sempre a aproximação a esses princípios que marcou os melhores momentos da história. Eles são a base da social democracia europeia.

Deve aceitar-se que Otelo Saraiva de Carvalho não tenha o justo reconhecimento pelo seu contributo único para a fundação da democracia portuguesa? Qual é a razão honesta para que o seu nome não fique inscrito na memória colectiva acompanhado desse reconhecimento?

A história escreve-se mesmo quando não nos apercebemos que isso está a ser feito. Não é o caso aqui. Sabemos todos que a forma como o Estado Português trata a morte de Otelo fará parte da história e influenciará o seu decurso. Não há inocentes. Assistimos a uma deslocação lenta mas firme, na política portuguesa, para a direita. Os maiores partidos portugueses assim o determinam. Como admitiu Rui Rio, o PSD está muito mais à direita do que o lugar que ocupou com Sá Carneiro. Este definia o PSD como um partido de esquerda não marxista.

O PS também acompanha esse movimento. Contrariamente ao que os seus ferozes críticos apontam não é rigoroso que se trate de um partido de ideologia socialista, prevalecendo sim o seu carácter liberal. Temos ainda o aparecimento com expressão da extrema-direita neofascista. Quem diria.

O aparecimento do partido Chega mudou o tabuleiro da política em Portugal. Não foi para melhor. Não me refiro às razões que determinam a sua ilegalidade mas à nova dinâmica que veio imprimir. As forças políticas mais prejudicadas por esta praga, os partidos à direita, optaram por não excluir entendimentos. A partir daí, e mesmo para se justificarem perante o país, o seu discurso sobre o partido neofascista foi de aceitação; só precisa de se moderar um bocadinho. Uma espécie de: não sejam tão racistas, vamos lá suavizar isto. Esta aceitação do Chega pelos partidos tradicionais veio dar-lhe força. Resultado: a direita está refém do Chega para chegar ao poder. Bonito serviço.

O Partido Socialista agradece. Não poderia ter aparecido melhor forma de perpetuar o seu poder. Na verdade não poderia ter aparecido pior forma. Grande ironia aqui: os que tanto odeiam o governo de António Costa, e falo de toda a direita, facilitam-lhe a vida. Pagaremos todos por este erro, esta falta de coragem da direita. As minorias já estão a receber uma factura muito pesada.

Daqui resultam pelo menos três coisas: por um lado os partidos que se mantêm numa esquerda sem cedências liberais são considerados de extrema esquerda. Trata-se sobretudo de uma classificação que desconhece o conceito. Pacheco Pereira escreveu sobre o tema e de forma irrepreensível. Sugiro a sua leitura.

Por outro lado existe uma crescente relativização de tudo o que tem a ver com o 25 de abril e com as suas conquistas. É a constituição que precisa de ser alterada, são os capitães de abril que, como diz Vasco Lourenço, não estão na moda, são os princípios que precisam de ser atualizados, é a democracia que teria acabado por aparecer mesmo sem revolução.

E a terceira: a tolerância colectiva que é pedida perante o partido Chega. Todos sabem que se trata de um partido racista, muitos saberão que essa característica é fundamento para a extinção do partido nos termos da Lei dos Partidos mas muitos acreditam que seriam um ato muito radical extinguir um partido político com assento parlamentar. O sistema parece estar disposto a ignorar as suas próprias regras para proteger quem diz estar na vida política para o derrubar. Em cada esquina uma ironia.

Assim vai a política portuguesa.

O consentimento na existência de um partido político que viola a lei, e os princípios fundamentais da democracia, gera a radicalização política no espaço público. Não apenas a radicalização de quem a ele adere mas também a dos que a ele se opõem. Este fenómeno tem um aspecto positivo - o despertar de mais pessoas para a política - e muitos negativos. A existência de muitas tribos é certamente um bom exemplo dos aspectos negativos.

É aqui que voltamos ao Otelo. A sua morte, novamente como previu Pacheco Pereira, foi tribalizada. Sucede que nessa guerra tribal ganhou quem Otelo combateu. A sua partida poderia servir para lembrar os perigos do fascismo, a escuridão da ditadura e a fragilidade da paz. Mas não, como escreve um amigo: a única coisa que a história nos ensina é que a história não nos ensina nada.

António Costa afirmou que “o importante é não termos uma polémica sobre o tema”. Lamento, não é assim. Este nunca poderá ser o objectivo. As polémicas não matam a democracia, as cedências nos princípios sim.

Otelo Saraiva de Carvalho já foi julgado por crimes de sangue das FP-25 e foi absolvido. Já tinha sido julgado, e nesse caso condenado, por associação terrorista. Cumpriu uma pena de prisão de cinco anos.

Óscar acertou as suas contas com a sociedade.

Otelo parte sem que lhe tenha sido feita justiça. Só a dos seus amigos e a dos que escolheram não fazer parte do silêncio manso de quem consente. É preciso coragem para celebrar Otelo. Coragem, uma coisa que a ele nunca faltou.

Laboratório para revolucionar agricultura



Objetivo é corrigir cadeia alimentar para o futuro sustentável. A regeneração dos solos é um destes projetos

A produção de peixe, de micro-algas e hortofrutícolas em sistema fechado é um dos projetos que o laboratório colaborativo Food4Sustainability (Coolab), sediado em Idanha-a-Nova, tem em cima da mesa a aguardar aprovação dos fundos comunitários. O promotor deste investimento, na ordem de um milhão de euros, já com localização definida, é a Building Global Innovators (BGI), coordenadora deste Coolab, que recebeu a visita, na segunda-feira, dos ministros da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor, e da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.

O laboratório é liderado pela Building Global Innovators (BGI), em parceria com o Município de Idanha-a-Nova, e tem como objetivo testar várias tecnologias, de forma a melhorar os processos de produção alimentares em termos de mitigação de CO2, uso nulo de químicos artificiais, impacto ambiental e eficiência de toda a cadeia de valor. Já tem parceiros como as Hortas de Idanha, a Cooperativa de Olivicultores do Ladoeiro ou as Sementes Vivas, bem como entidades de ensino e investigação, nacionais e internacionais.

Todo o artigo na edição impressa. Ou assine aqui.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Os ricos têm culpa da fome?


Olho duas chamadas para notícias de uma homepage de um site de informação. Uma titula: "ONU alerta para "agravamento dramático" da fome no mundo devido à pandemia". Outra relata: "Richard Branson foi ao espaço e voltou astronauta".
Hesito... Vou ler primeiro a aventura espacial do milionário ou a tragédia terrena do planeta miserável?
Cedo à fraqueza do prazenteirismo e leio o texto sobre o astronauta rico.
... Lida a prosa, direi que aquilo é um bocado pífio: um avião, desconfortável, sobe, depois de largar os propulsores não sei onde, até 88 quilómetros de altura, o que, para a concorrência e gozo de outro milionário, Jeff Bezos, não é bem no espaço, é só "quase no espaço".
Os passageiros passam por esse sofrimento para terem direito a quatro minutos de experiência sem gravidade e uma visão, pela janela, de lá de cima cá para baixo.
A ideia é cobrar 200 mil euros a cada turista pela tortura. Parece que há 600 interessados.
Passo para a notícia sobre a fome.
... Cinco agências das Nações Unidas estimam que 10% da população mundial não consegue alimentar-se adequadamente.
Os dados de 2020 apontam para 720 a 811 milhões de pessoas com fome. Só em África são 282 milhões de pessoas. Por causa disso 149 milhões de crianças menores de 5 anos têm o crescimento atrofiado.
Trinta por cento da população mundial, 2300 milhões de pessoas, não tem acesso a uma alimentação adequada.
Para tirar 100 milhões de pessoas da desnutrição crónica são necessários 11,8 mil milhões de euros por ano até 2030.
Para atingir a fome zero na próxima década o esforço estimado seria de 33,72 mil milhões de euros anuais.
Fecho a notícia, convencido de que a ONU nunca vai arranjar o dinheiro para, como tem projetado, acabar com a fome no mundo até 2030. Não é surpresa.
Claro que acho surpreendente que Richard Branson tenha mudado a residência oficial para as Ilhas Virgens Britânicas e, graças a isso, não precise de pagar impostos há 14 anos - mas o que é que isso tem a ver com a fome no mundo?
Claro que é estranho que este homem se dedique a divertimentos dispendiosos em idas ao espaço, nos quais perde cerca de 150 milhões de euros anuais - mas o que é que isso tem a ver com a fome no mundo?
Claro que é bizarro o líder do Virgin Group ter as companhias de aviação tradicional em colapso e reclame apoios ao governo britânico, aos contribuintes ingleses, no valor de 7500 milhões de libras - mas o que é que isso tem a ver com a fome no mundo?
Claro que é um bocado chato que, ao mesmo tempo, no meio da pandemia, este mesmo Richard Branson, vendedor da experiência de imponderabilidade a 200 mil euros, tenha mandado os funcionários para casa durante oito semanas sem lhes pagar o salário - mas o que é que isso tem a ver com a fome no mundo?...
... Ai a fome no mundo, a fome no mundo....
Lembrei-me agora: ontem passaram 36 anos sobre o dia do maior concerto de rock de todos os tempos. Foi o Live Aid, que angariou, num espetáculo de 16 horas, simultâneo em Londres e Filadélfia, 180 milhões de euros para acudir a uma crise de fome na Etiópia.
A cara da iniciativa, o roqueiro Bob Geldof, quando foi confrontado com críticas a deficiências da organização e aos resultados práticos obtidos, respondeu o seguinte: "Levantámos uma questão que não estava em qualquer lugar da agenda política e, por meio da língua franca do planeta - que não é o inglês, mas o rock'n'roll -, fomos capazes de abordar o absurdo intelectual e o nojo moral de haver pessoas a morrer de carência num mundo de excedentes,"
Leio, na mesma notícia sobre o aumento da fome no mundo, esta frase do secretário-geral da ONU, António Guterres: "Num mundo de abundância" não há "desculpa para que milhares de milhões de pessoas não tenham acesso a uma dieta saudável"
Guterres diz agora exatamente a mesma coisa que Geldof dizia em 1985 e isso é uma ilustração irónica da nossa coletiva incapacidade homicida.
Não, claro que nada do que se passa com os ricos deste planeta tem a ver com a fome no mundo... ou tem?