O músico alemão Bartholomäus Traubeck criou um equipamento que traduz os anéis do tronco de uma árvore, em notas de piano, ao tocá-lo numa plataforma giratória similar à de um gira-discos.
Confira a música que Traubeck encontrou.
Créditos: Rui Miguel Félix |
Mohan Munasinghe é físico de formação. Fonte: Público
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Sob a direção de Germán Doin, somos convidados a pensar – e repensar – as novas possibilidades que se apresentam no horizonte dos contextos educacionais, onde muitas das pedagogias vigentes, geralmente, não conseguem dar conta de oportunizar visibilidade a todos os atores envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem. Com panoramas complexos e desafiadoras problematizações, a educação nos novos tempos emerge e precisa ser inquietantemente discutida sob diferentes ângulos e enfoques. Nas mais de duas horas de documentário, vamos sendo, pouco a pouco, instigados a refletir sobre as possibilidades apresentadas e, na maioria delas, levados também a pensar de forma não muito convencional. Assim, o contexto educacional e essa relação com a escola vai sendo trazida ao debate.
À luz da história O Mito das Cavernas, de Platão, o início do documentário enfatiza o quanto se faz presente em nós, professores e sociedade, um medo das sombras. Pensando sob essa perspectiva e levando a contextualização abordada para o campo educacional, entendemos que as sombras se referem aos velhos paradigmas, às concepções que ainda usamos, mas que, constantemente, apresentam-se incapazes de explorar o melhor que a educação e a escola podem de fato representar à sociedade. Diariamente, ela – a sombra – consome nossas novas possibilidades e não nos deixa partir a pensar sobre os novos paradigmas da educação. O documentário, desde seu início, enfatiza a crítica acerca da escola atual e do modelo ainda inspirado e fidedigno de tempos remotos. No documentário, o contexto escolar é apresentado em formato similar ao que conhecemos atualmente: alunos que se mobilizam e se mostram, em vários momentos, insatisfeitos com as realidades educacionais e professores que apresentam dificuldades em assimilar e compreender os diversos anseios dos jovens. Para endossar a discussão, professores, pensadores e intelectuais diversos falam sobre suas experiências e expectativas. Assim, são apresentados diversos problemas que perpassam a escola e o contexto educacional. Da mesma forma, são apresentados inúmeros casos de escolas e instituições que desafiam os métodos mais tradicionais e pautam seus discursos e ações em metodologias e pedagogias libertadoras que valorizam a autonomia. Embora não adentrem nas questões mais especificamente relacionadas às teorias educacionais que seguem e acreditam, os profissionais que participaram das filmagens do documentário dão a entender, através de suas falas e pelas instituições de onde se projetam, quais possíveis correntes e pensadores que dialogam com suas práticas.
Pensamentos acerca da teoria de Montessori entendem por educação uma concepção bem interessante. Em conformidade com a fala de alguns participantes do documentário, trazem-se ao debate as contribuições de Lillard (2017), que ao escrever sobre Maria Montessori enfatiza que a relação dela com as crianças na sala de aula poderia ser resumida em uma palavra: respeito. “Ela as abordava com a dignidade, confiança e paciência que teriam sido dadas a alguém envolvido na mais séria das tarefas e que fosse, ao mesmo tempo, dotado com o potencial e o desejo de atingir essa meta” (LILLARD, 2017, p.10).
É certamente uma concepção muito rica e ainda muito desafiadora para ser posta em prática em determinados espaços, uma vez que esse método também requer uma série de adequações físicas. Nota-se, portanto, que “Montessori propõe algo novo para sua época, mas que se mantém inovador ainda hoje que constituiu o método ativo para a preparação racional dos indivíduos às sensações e percepções” (AGNOTTI, 2007, p.105). Assim, explica que as classes (salas de aula) montadas na proposta montessoriana focam-se na convivência de crianças de diferentes idades. A liberdade e a autonomia são garantidas na possibilidade do trabalho individual entre os materiais disponíveis no ambiente preparado para a aprendizagem (AGNOTTI, 2007, p.105).
Outras diversas concepções acerca de métodos e teorias vão, ao longo do filme, aparecendo. Com isso vai se conjugando uma série de conhecimentos que dão notoriedade às ideias que hoje, por vezes, ainda nos parecem bem distantes. Ideias sobre o que é ser escola e o que é – ou deveria ser – a educação no contexto escolar. Na obra fílmica, aparecem ainda profissionais provindos também de escolas com concepções Logosóficas. Essas, por sua vez, promovem o conhecimento de si mesmo ao indivíduo, bem como possibilitam o desenvolvimento biopsicoespiritual. Ancorada nos ideais de seu fundador Carlos Bernardo González Pecotche, essa teoria se faz presente no documentário, uma vez que possibilita ao estudante uma maior introspecção e uma análise diferenciada do mundo:
A Logosofia é uma ciência nova e concludente, que revela conhecimentos de natureza transcendental e concede ao espírito humano a prerrogativa, até hoje negada, de reinar na vida do ser a quem anima. Conduz o homem ao conhecimento de si mesmo, de Deus, do Universo e de suas leis eternas. No que diz respeito ao estudo discernente dos problemas que ela expõe e das soluções que oferece, assim como aos processos e orientações que prescreve e à realização dos ensinamentos que a fundamentam, deverá tudo isso cumprir-se à semelhança do que ocorre nas outras ciências, no sentido da adaptação ao método e às disciplinas que regem e ordenam toda atividade. (PECOTCHE, 2005, p.17).
Aborda-se, para esse instrumento de escrita, de forma breve e superficial, a concepção de pelo menos essas teorias ou métodos de educação, uma vez que as críticas às concepções tradicionais elencadas no documentário são muitas. Vale citar, ainda, que elas são também coerentes em alguns momentos, ainda que sejam, por vezes, infelizmente, utópicas.
Segundo o que é possível observar a partir do documentário, não é o aluno que fracassa, é a estrutura – escolar – que não dá conta do aluno e de canalizar todo seu potencial. Apontando a escola como um lugar entediante e desinteressante, estruturado de forma que já não cabe na configuração contemporânea, entende-se que tudo muda e a escola se mantém intacta, num molde de séculos atrás: professor, quadro-negro e giz, uma matéria estática, desenvolvimento curricular e conteudista, mérito seletivo onde apenas o sucesso em algumas áreas/matérias representa aprendizagem e sucesso. A escola, nesse enfoque, reproduz a constante concorrência e discriminação a partir de concepções de ensino que se baseiam apenas em reprodução.
Ao trazer a concepção de escola enquanto espaço de estacionamento de crianças e ao comparar a escola à manufatura de um produto, ressalta-se a discussão de que não dificilmente a escola vem sendo preparada por aqueles que não dão aula. Grosso modo, a educação em algumas instâncias se torna atividade meramente administrativa. Há no documentário quem chame esse processo de “linha de montagem escolar”, demonstrando a escola apenas como um centro de instrução.
As críticas que seguem dizem respeito ao sistema escolar que tem como objetivo meramente selecionar – definir, a partir da estrutura, quem vai poder progredir e frequentar um outro lugar seleto, que é a universidade. Assim, o documentário vai também adentrando às questões acerca do objetivo maior da educação e vai questionando qual seria seu verdadeiro papel, afinal. A problematização ali levantada vai pautando-se, principalmente, num sistema educacional que atua considerando o significado maior do objetivo e que acaba por não valorizar o processo.
Educação Ativa, Popular, Libertária, Ecológica, Holística, Democrática, Étnica, Educação sem escola, Educação em casa e, assim, por diante. Várias nomenclaturas, diferentes visões e concepções, velocidade nas mudanças e constante alteração dos contextos da atualidade. Tudo isso apresenta-se no horizonte de expectativa da educação que pretendemos construir. Tudo isso, também, requer uma análise mais complexa sobre o que é, de fato, importante ao estudante, uma vez que, até o final de sua jornada escolar, muitos dos “conteúdos” já podem estar obsoletos. Esse documentário vem justamente na perspectiva de nos fazer refletir, de nos instigar a pensar as inúmeras possibilidades e nos apresentar um panorama da realidade.
Na sua época Paracelso estava absolutamente certo, e não está menos certo actualmente: “A aprendizagem é a nossa vida, desde a juventude até à velhice, de facto quase até à morte; ninguém vive durante dez horas sem aprender”. A grande questão é: o que é que aprendemos de uma forma ou de outra? Será ela conducente à auto-realização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente (nas palavras de Marx), ou está ela ao serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem social alienante e finalmente incontrolável do capital? (MÉSZÁROS, 2005, p.117).
Particularmente, e para finalizar as indagações que aqui são propostas, recorre-se ao pensamento de Paulo Freire para trazer, também, uma concepção mais pessoal da percepção acerca do tema, uma vez que, enquanto professor por formação, o campo da educação atua como lócus para constante formação enquanto profissional. Para Freire (2006), o inédito-viável é uma percepção que o homem tem e que pode ir além das situações-limites. Nessa percepção, é possível vislumbrar, ultrapassar e concretizar. É, portanto, uma crença no sonho possível, desde que, aqueles que fazem a sua história assim queiram, e, por consequência, ajam para alcançar esse tal sonho. De todo modo, é sempre fundamental ter plena a noção de que muito já alcançamos. Dessa maneira, cabe-nos também valorizar aquilo que de bom já conseguimos. Generalizações, em ambos sentidos, podem apresentar-se como armadilhas.
Notoriamente, necessitamos de constantes tentativas para, finalmente, conseguirmos acertar. Afinal “o mundo não é. O mundo está sendo”. (FREIRE, 1999, p. 85).
Referências
A Educação Proibida. Documentário, Argentina, 2012, 115 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ceIuwmpyIX0. Acesso em 23. Jan 2020.
AGNOTTI, Maristela. Maria Montesssori: uma mulher que ousou viver transgressões. In: FORMOSINHO, Julia Oliveira. et al (orgs.). Pedagogia(s) da infância: dialogando com o passado, construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
FREIRE. Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
LILLARD, Paula Polk. Método Montessori: uma introdução para pais e professores. Tradução: Sonia Augusto. Barueri: Manole, 2017.
MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. Tradução Isa Tavares, São Paulo: Boitempo, 2005.
PECOTCHE, Carlos Bernardo González. Logosofia ciência e método: técnica da formação individual consciente. São Paulo: Logosófica, 2005.