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segunda-feira, 18 de novembro de 2024

O elogio da esquerda etiquetária da direita


«Devia-nos escorrer uma lágrima furtiva quando lemos os carinhosos analistas que exigem à esquerda que regresse à “velhinha luta de classes”, agora “propriedade” da direita, pois o “vírus” democrata foi “capturado por grupelhos anticapitalistas”. O eterno Fukuyama é citado por Teresa de Sousa para provar que o que condenou Kamala foi a “protecção exclusiva de um conjunto de grupos marginalizados: minorias raciais, imigrantes, minorias sexuais, etc.”. E acrescenta ela com condescendência: “O problema não está em que estas preocupações não sejam justas, que são”. São mas não são e não podem, aqui aplica-se a filosofia da famosa rábula do Ricardo Araújo Pereira.

As minhas teses contra estes conselhos comoventes são, primeiro, que são uma fraude para incensar Trump e, depois, que tentam empurrar a esquerda para uma marginalidade etiquetária conveniente à direita.

Apaziguar Trump?
A pantomina começa por apresentar o Partido Democrata (PD) como a esquerda. O PD foi o partido dos esclavagistas durante a guerra civil; 70 anos depois, mesmo com a sua supermaioria, Roosevelt desistiu de uma lei federal contra os linchamentos porque os senadores democratas sulistas não o permitiriam. A perda dessa influência territorial e a pressão dos direitos civis mudou o mapa partidário, mas não a fidelidade a Wall Street: foi Clinton quem determinou o fim da lei do New Deal no controlo bancário e Kamala vangloriou-se da chancela da Goldman Sachs no seu programa. Chamar esquerda ao PD, ou fantasiar que representou os trabalhadores, é um insulto mal recebido pelos seus chefes.

Num país dividido ao meio pelo bipartidarismo, tanto democratas como republicanos sempre tiveram povo e é uma pirueta apresentar Trump como o portador da tal nova “luta de classes” colonizada pela direita. E, como é bom de ver, os lusos “proprietários da luta de classes” olham para o salário como a abominação que reduz o lucro. Nisso coerentes, a sua “luta” é pela redução do IRC ou, como notava o bilionário Warren Buffett, é para pagar menos IRS do que a sua secretária. Temo aliás que este amor pela “classe” seja de pavio curto e que volte à fábula meritocrática do elevador social, minúscula arca de Noé onde não cabe classe alguma.

O facto é que os “proprietários da luta de classes” se refugiam no discurso poltrão sobre a culpa woke para justificarem Trump. Afinal, repetem, ele tocou o coração do povo, oferecendo o identitarismo MAGA e a esperança dos descamisados. No entanto, bastaria olhar para a galeria de horrores do séquito para notar que o trumpismo é o poder de uma casta económica e procura impor a necropolítica, pobres descamisados que são carne para canhão. Por isso, a política de apaziguamento dos que endeusam o homem, que já deu mau resultado no passado, não será melhor agora: o que ela prova, como se verifica no fim do cordão sanitário francês ou na nomeação de Rutte para a NATO às costas do Governo de extrema-direita, é que a direita clássica desliza para o trumpismo.

Arrumados no beco?
O trumpismo é um identitarismo brutalista, dirigido por um fascista, com traços teocráticos e subordinado à pilhagem do país por uma elite empresarial, cujo ícone é Elon Musk, que investiu 119 milhões e ganhou 26 mil milhões com a eleição. Esta vaga crescerá. É o que me leva ao meu segundo ponto: a resposta da esquerda só pode ser a disputa da maioria, o que exige que crie a certeza social de que é ela que garante liberdade e segurança.

Assim sendo, face à ameaça civilizacional, é só curiosa a tentativa dos apaziguadores de nos pedirem um regresso ao passado. Ora, uma esquerda declarativa e cerimonial – etiquetária, portanto – só serve para o consolo da direita. Ela é inútil, nenhuma muralha de Jericó cairá com as trombetas das proclamações sobre o partido-guia. O modelo dessa política etiquetária já foi experimentado de todas as formas e só conduziu a sectarismo e auto-satisfação desarmante, enquanto a luzinha que brilhava numa janela do Kremlin para iluminar a humanidade se extinguiu às mãos dos dirigentes feitos oligarcas. Esse passado é um beco onde morreu a saudade.

Entretanto, em nome da fantasia de um exército de robots obedientes a algum grande educador do proletariado, a esquerda conservadora propõe na Alemanha a deportação de imigrantes e noutros países opõe-se à paridade entre homens e mulheres ou a medidas de transição energética.

Pois pergunto então que sentido teria a esquerda abandonar a maioria do povo, que são mulheres, ou renunciar aos direitos humanos, ou entregar o futuro ao capitalismo fóssil? Ou se, quando em Portugal se fez o referendo que despenalizou o aborto, havia outra prioridade da luta de classes? Ou se o país ficou pior por ter aprovado o casamento gay, que enfureceu a direita, a hierarquia religiosa e, já agora, muitos populares? É precisamente por disputar o único imaginário universalista que resta – liberdade e igualdade – que a esquerda deve rejeitar o etiquetarismo e juntar todos os setores populares que disputam os seus direitos.

Num tempo em que há menos sindicalizados do que precários e trabalhadores por turnos, ou migrantes, ou quando há mais manifestantes nas marchas LGBT+ do que no 1.º de Maio em todas as cidades menos uma, essa inclusão é uma condição para restabelecer a capacidade de acção colectiva da classe trabalhadora – e deve ser o seu programa.

Mais ainda, se a segurança da vida boa, dos bens comuns, da saúde à escola, e dos bens essenciais, o salário e a casa, é a base do projeto socialista, tal transmutação democrática só vencerá se for a expressão de uma aliança maioritária. Essa é aliás a razão pela qual setores da esquerda norte-americana, refugiados no seu próprio etiquetarismo sem alternativa política, prejudicam o combate pela igualdade ao substituírem a luta social pela ideia de que a experiência pessoal do trauma é a fonte da autoridade discursiva ou que o cancelamento pode estabelecer a regra da praça pública.

Contaminada pelo abismo intoxicante das redes sociais, essa esquerda é profundamente individualista e desiste do sentido da comunidade, que é a essência do universalismo socialista. Sim, Trump ensina-nos alguma coisa: a não desistir de toda a luta de classes que enfrenta o capitalismo real.»

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Necear


O que é que junta um economista, um jornalista e uma poeta neste podcast “Um pouco mais de azul”?

Rita Taborda Duarte vai falar do livro "Nada", da escritora catalã Carmen Laforet, editado em 1945 e que foi agora reeditado em Portugal. Francisco Louçã trata de duas formas de necear: trumpizar (enquanto comenta a cadeira de cidadania para a AD), e usar o Chat GPT para saber se o Orçamento do Estado é de esquerda ou de direita. Fernando Alves destaca o momento em que Luís Montenegro neceou, ao associar Cavaco Silva ao transformismo, uma disciplina na qual, seguramente, o professor não se reconhecerá.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Portugal dói tanto


Quando o rei D. Carlos se passeava de palácio em palácio, enfastiado pelas intrigas entre os seus jurados apoiantes e cansado da maçada que era pavonear-se perante o povo, terá dito a alguns dos intelectuais que eram os seus colegas na arte do desespero que Portugal é “uma piolheira”. “Uma granja e um Banco: eis o Portugal, português. Onde está a oficina? e sem esta função eminente do organismo económico não há nações. Pode haver populações provinciais; pode haver Mónacos; mas falta um órgão de circulação, um membro ao corpo humano. Um povo constituído em nação é como um abecedário: todas as letras lhe são necessárias para escrever o que pensa.”, terá explicado Oliveira Martins, que, fiel à sua ambição e ao rei, tentou vários ministérios e parece ter falhado em todos. A “piolheira”, em todo o caso, era isto mesmo: granja, o poder dos aristocratas e novos-ricos fundiários, sentados num campesinato miserável governado pela baioneta dos guardas, e um banco, onde se negociavam os tesouros ultramarinos, as comissões, as falcatruas. Isso criava “Mónacos”, uma jogatana divertida no Estoril, mas pouca oficina; muito export-import, mas rara produção; um enriquecimento de alguns e um mar de pobres e de sacrificados. A piolheira era o Portugal das castas. Passou mais de um século e será que não nos tutela ainda uma réstia desse espírito de casta, desse menosprezo pela população, do fingimento como forma de política? Portugal dói desse passado que nos persegue e dói tanto quando o presente nos humilha.

Abuso
Portugal dói quando o primeiro-ministro se dirige aos idosos para lhes anunciar o maior aumento de sempre das suas reformas e pensões. São 8%, coisa nunca vista, um maná celestial, eu cuido de vocês. Ora, como quem lê estas páginas, o governo sabe que o valor do aumento de 2022 e de 2023 fica pelo menos 6% abaixo do valor da inflação dos mesmos anos e que, portanto, a proteção social empobreceu os idosos; sabe que está a preparar um ajustamento para 2024 que considere um aumento só sobre metade do valor que foi acrescentado em função do ano de inflação máxima e que, assim sendo, vai acentuar essa queda do poder de compra. E, apesar disso, anunciou-lhes um privilégio, um ganho que é uma perda, esperando que a ilusão monetária de um aumento abaixo da inflação os convença de que é uma benesse. A velha obsessão do PS de congelar as pensões, como propôs no seu programa de 2015, até se orgulhando da conta do que assim retiraria aos pensionistas, 1660 milhões de euros – graças a Catarina Martins, essa medida caiu logo que Costa precisou de negociar para ser governo – é agora transformada numa medida pior ainda, a redução do valor real espanejando um pagamento abundante. Saber e enganar, com a certeza de que isso resultará, como dói Portugal.
Dói que passem seis anos desde a promessa do médico de família para toda a gente, que foi agora enterrada com alguma baixeza e não pouco cinismo. Na verdade, nada foi feito, nem sequer tentado. E haveria 26 mil casas, todas as famílias que viviam em condições indignas chegariam aos 50 anos do 25 de abril com casa reabilitada ou construída – quatro anos depois, faltam os tijolos onde se multiplicou a solenidade do juramento, os ministros com a tutela da habitação estão sequestrados no governo, que lhes recusa o orçamento e a vontade política para começar, e agora multiplica declarações enfáticas sobre o que sabe que não vai acontecer. Em todos estes casos, eles sabem que não vão fazer, não vai acontecer, o tempo corre e o problema se agrava. Portugal dói da mentira.

Assalto
Privatizaram-se os correios, outra velha obsessão do PS, que pôs no seu programa essa grande reforma pelo menos desde 2011, por razões ainda hoje misteriosas, a empresa financiava o Estado e garantia uma presença de conforto em tantas vilas e aldeias onde é precisa. O mais antigo serviço do país foi entregue a uma horda de capitais vagamente reconhecíveis, a empresa degradou-se ao ponto da vergonha. E agora que a TAP dá lucro e portanto pode pagar o que ficou a dever, começa a corrida para a vender ao desbarato e a missão sagrada do Estado, que era preservar as “caravelas” modernas, disse-nos o primeiro ministro num arroubo poético, passou a ser vendê-la o mais depressa possível a espanhóis, franceses ou alemães ou a quem seja. O desprezo por Portugal dói. 
A inflação dos produtos alimentares é em Portugal o dobro da de países com estruturas produtivas comparáveis, que importam parte do seu consumo e que, como nós, não produzem petróleo nem gás. Descobre-se que há supermercados que cobram na caixa um preço diferente do que afixam nas embalagens. Os bancos festejam lucros monumentais enquanto cobram juros e um maná de comissões e deixam as poupanças dos depositantes serem corroídas pela inflação. Os Vistos Gold meio que terminam depois de terem feito o seu serviço, entre a corrupção e a inflação imobiliária, agora temos um substituto melhor, os nómadas digitais para tendas milionárias ou rendas exorbitantes; o Alojamento Local só pareceu ser demasiado quando ocupou três quartos das habitações de um bairro. Se Oliveira Martins hoje nos visse, notaria que Portugal é agora uma granja turística e a finança, irmanados na especulação, o novo Mónaco. Neste festim atiram-nos à cara, como se fosse um sucesso, o que é o desprezo pelo povo. Portugal dói tanto.
(no Expresso)


Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Forte inundação em Lisboa - A Natureza está a dizer que temos de mudar de vida

Fonte: NIT


Num só dia caíram dois terços da água que costuma cair durante todo o mês de Dezembro. O resultado foi o que se viu. Fenómenos extremos com vento e chuva no Outono/Inverno e seca e fogo na Primavera/Verão serão cada vez mais comuns, se não mudarmos a nossa relação com o planeta, principalmente no que diz respeito ao consumo energético- refere Filipe Duarte dos Santos.

A chuva severa que se fez sentir por estes dias em várias latitudes, com especial incidência na cidade de Lisboa, traz à colação problemas que não são de hoje. Se por um lado, a existência de planeamento urbano (estará em cima da mesa um plano de obras até 2025) que responda de forma eficaz ao escoamento de águas pluviais ainda é uma miragem em muitos pontos da capital portuguesa, existe uma questão de fundo essencial a que não se tem vindo a dar resposta. Na opinião de Francisco Louçã, “apesar da atenção, do consenso científico, da preocupação, da pressão das Nações Unidas, das reuniões, continua a aumentar o que determina riscos como estes que acabamos de ver”. O ano de 2022 é já recordista de todos os tempos das emissões de gases com efeitos de estufa.

Um problema de antanho. A Região de Lisboa conheceu uma forte pressão urbana, especialmente a partir da década de 1960, traduzida, entre outros aspetos, pelo grande aumento da área construída e, dentro desta, das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI). O desordenamento do território daí resultante refletiu- se, não só no agravamento da perigosidade potencial das cheias, motivada pelo aumento do escoamento superficial e da carga sólida transportada (destruição do coberto vegetal, aumento de erosão das vertentes, impermeabilização dos solos), mas também no incremento da vulnerabilidade decorrente da ocupação indevida dos leitos de cheia e, por vezes, dos leitos menores dos cursos de água.

Um fenómeno extremo, com um possível "comboio de tempestades" aliado a uma cidade mal preparada e algum "azar" à mistura, pode explicar parte do caos que acordou a região de Lisboa esta quinta-feira. A geógrafa Maria José Roxo sublinha que a situação não é inédita, mas a catástrofe podia ter sido minimizada. Falhou, como sempre, a prevenção, diz a especialista que insiste na urgência de preparar o território para estes e outros fenómenos extremos. Sobre eventuais falhas no sistema de avisos à população, Maria José Roxo considera que o mais importante é que "as pessoas não percebem o que significa um aviso amarelo, laranja ou vermelho".

"Tudo o que era estrutural e que podia controlar este tipo de situações falhou. Agora, só nos resta correr atrás do prejuízo, como tantas vezes falei. Como se isto fosse inédito... não é! Lamento, não é inédito. A área de Algés e de Alcântara e outras zonas da cidade sofrem com frequência com este tipo de situações, com menos intensidade. Noutras áreas do país também. Nós, que fazemos investigação, passamos o tempo a falar nestas coisas e é como se estivéssemos a pregar para os peixes", lamenta Maria José Roxo. É frustrante, admite a professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. "Agora, não podemos fazer grande coisa. Agora, resta limpar."

O prejuízo era evitável, defende a geógrafa, admitindo que o facto de Lisboa se ter transformado numa cidade muito impermeabilizada ajuda a aumentar o problema. Por outro lado, houve ainda mais uma agravante. "Tivemos azar porque na parte baixa de Lisboa esta chuva intensa coincidiu com a maré cheia, o que fez com que a água não conseguisse sair." Ainda assim, Maria José Roxo reconhece que houve momentos em que "a chuva era tão forte, que rapidamente as estradas se transformaram em rios".

O extremo vai tornar-se comum
Apesar de não ser inédito, é inegável que se tratou de um fenómeno extremo. "São extremos. É uma grande quantidade de água em pouco tempo e com muita intensidade." Mas as cidades têm de estar preparadas para extremos, defende. "O problema é esse. Nunca se pensa em soluções estruturais para extremos, depois, quando há uma grande quantidade de água para escoar, não conseguimos responder." Maria José Roxo reconhece que o que se passou esta madrugada em Lisboa foi grave. "O que é que o torna mais grave? Cidades cada vez mais impermeabilizadas, por exemplo. Isso e má planificação urbana e falta de ordenamento do território."

Não há muito tempo, Maria José Roxo era uma das especialistas procuradas para falar sobre a grave situação de seca no país. "Eu sempre disse que estávamos em seca, mas que o que devíamos fazer era prepararmo-nos para as inundações. O que acontece em Portugal é que nunca nos preparamos para o que vem a seguir. Não há estratégia, não há planeamento", conclui.

Criar túneis de escoamento não chega
​Temos de limpar sarjetas, ter cuidados especiais com os cursos de água agindo nos locais, criar bacias de retenção nas cidades, limpar as barragens. Sobre o projecto antigo de criação de túneis de escoamento que o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, foi agora recuperar e promete executar, a geógrafa admite que também pode ajudar. Mas só isso não chega. É preciso, por exemplo, olhar a montante, agir na confluência de cursos de água que sabemos que podem ser problemáticos.

É importante olhar para a natureza e território como um sistema e ver como todas as peças se ligam. "Nós ainda vamos ter mais más notícias por causa desta chuva. Deslizamentos de terra, desabamentos, queda de blocos. Não há só impacto nas cidades. No país, vamos ter outros acontecimentos relacionados com estas chuvas de alta intensidade", alerta.

E, já agora, importa dizer que esta quantidade de chuva não terá sequer um forte lado positivo na parte de repor a situação de carência nas barragens e albufeiras. Porque é demasiado num curto espaço de tempo, explica Maria José Roxo. "Vai encher e entulhar mais as barragens. Estas chuvas não são assim tão benéficas quanto isso. É benéfico porque precisamos de água. Mas o que era preciso era uma chuva mais controlada e que permitisse encher as nascentes e que não provocasse erosão nos solos, nem estas catástrofes nas cidades."

sábado, 16 de julho de 2022

Indústria do papel é "poder económico que incentiva florestação perigosa"

Francisco Louçã analisou, na SIC Notícias, o que tem falhado na gestão das florestas e que tem conduzido à repetição da tragédia dos incêndios.


Francisco Louçã criticou esta sexta-feira o facto de a indústria do papel ser "intocável em Portugal" e incentivar a uma "florestação perigosa".

"É um verdadeiro poder económico que incentiva esta florestação perigosa", afirmou, no espaço habitual de comentário à sexta-feira na SIC Notícias, onde hoje se debruçou sobre a problemática dos incêndios.

"Portugal continua a ser o quarto país com maior área de eucaliptos do mundo. Só nos comparamos com países gigantes como a China, o Brasil ou a Austrália", detalhou o antigo coordenador do Bloco de Esquerda.

Referindo que hoje, a 15 de julho, já arderam 38 mil hectares, o economista nota que "ainda estamos a meio desta época de fogos".

Sobre os alertas do primeiro-ministro, que afirmou esta semana que os incêndios "nascem sempre de ação humana", Louçã compreende "a necessidade de incentivar a preocupação", mas avisa que nem tudo "depende só das condições individuais"

Nesse sentido, o ex-coordenador do Bloco aponta "duas ordens de razões" para o flagelo dos incêndios, "que nos obrigam à repetição deste lamento" todos os anos.

A primeira são as alterações climáticas com a intensidade das vagas de calor. "Não depende só de nós como economia e sociedade", aponta, "embora Portugal faça pouco a sua parte".

"A segunda são as condições estruturais", como a área de eucalipto e o problema do registo. "Não se sabe quem cuida da floresta. Quase toda ela é privada e uma grande parte dela não se sabe quem são os seus proprietários; e porventura os seus proprietários não sabem que o são", afirma.

A esse propósito, Louçã lembra uma medida discutida há uns anos no Parlamento que consistia em que as propriedades que ao fim de 15 anos não tivessem sido cuidadas (ou não fosse identificado o proprietário legal), ficariam ao cuidado do Estado.

"Isso era muito razoável, mas houve um grande conflito político em torno disso", recorda.

"Temos eucaliptos, temos desocupação do mundo rural e, em função disso, as dificuldades de organização da proteção das florestas", concluiu.

domingo, 30 de maio de 2021

Retalhos da vida de um grande devedor

Por mais endividado que viva, Luís Filipe Vieira escapou sempre, entre reestruturações e favores, à convocação de um património que, sendo seu, no fundo, nunca lhe pertenceu. Vieira não é único, mas é um retrato acabado de uma economia ao serviço dos bancos e seus satélites. Por Mariana Mortágua.

Neste artigo, revisitam-se quatro episódios da história da dívida de Luís Filipe Vieira (LFV) e da sua íntima relação com o BES. Nesta história, os contribuintes são o protagonista final.

A dívida que deixou de o ser (I)

No início do milénio, LFV já detinha vastos terrenos na zona oriental de Lisboa, mas também uma substancial dívida ao BES. Em 2004, os interesses de ambos convergiram na criação do fundo imobiliário FIMES Oriente. Entre 2004 e 2007, o FIMES comprou a LFV os seus terrenos, num total de 144 milhões. Para financiar a compra, o FIMES emitiu unidades de participação. Metade do fundo era do BES, a outra metade de LFV, que para a adquirir recebeu do BES um novo empréstimo, de €87M. Com a operação, Vieira pagou dívidas antigas, contraiu novas, guardou mais-valias e passou de devedor a sócio do GES.

Os terrenos da Matinha, do FIMES, foram notícia quando o projeto de urbanização elaborado pelo atelier de Manuel Salgado foi aprovado, em 2011, com os votos do PS na Assembleia Municipal. O arquitecto era também vereador socialista e o processo está hoje sob investigação do Ministério Público(link is external)
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FRANCISCO LOUÇÃ

Em 2012, endividado em €283M, LFV vendeu a sua participação no FIMES, pela qual recebeu agora €126M, além de outros ativos, num encaixe total de €151M, livrando-se ainda da dívida associada àquelas empresas, no valor de €107M. A compradora foi… a seguradora BESVida, que fez desaparecer esta exposição do balanço do BES em produtos financeiros que emitiu. Esta foi mais uma das muitas reestruturações de uma dívida insustentável, embora Vieira afirme que foi um favor a Salgado. No fim, vai dar ao mesmo, já que o Dono Disto Tudo era o padrinho do império imobiliário de LFV.

Um devedor Ponzi

O negócio do FIMES não resolveu a insustentável situação financeira de LFV. Restava a solução de sempre: reestruturar. O empresário encaixava na designação de devedor Ponzi, proposta por Hyman Minsky, um devedor que depende de novos empréstimos para liquidar o serviço da dívida anterior. Foi assim que o BES permitiu que LFV evitasse incumprimentos e penhoras sobre o seu património.

Em 2009, o grupo de Vieira, a Promovalor, recebeu crédito para substituir dívidas antigas do grupo, para além de um financiamento adicional de €100M. Em 2011, já exposto em €388M, o BES adquire ainda €160M em obrigações, convertíveis em capital. Com parte da receita, LFV pagou dívidas antigas e, com a outra parte, alimentou os seus negócios, facilitados pela redução de todos os spreads para 3,5%.

A crise não impediu o BES de financiar ainda as aventuras da Promovalor em Moçambique e no Brasil, na companhia da Odebrecht. Rui Pinto afirma que o consórcio integrava também a Doyen, investigada por branqueamento de capitais. LFV nega a relação, mas documentos do BES indicam que a parceria foi, pelo menos, ponderada.

Apesar das sucessivas bóias lançadas pelo BES, muitas das empresas da Promovalor chegam a 2015 em falência técnica. É aí que o presidente do Novo Banco, Stock da Cunha, renova as dívidas e reduz os spreads para 0,5%. Mas nada dura para sempre com um devedor Ponzi.

A dívida que deixou de o ser (II)

Em 2016, a braços com as dívidas do grupo Promovalor, o Novo Banco aceita converter €140M dessa dívida numa participação num fundo. Mas há um aspeto inédito nessa decisão: a gestão do fundo é entregue ao autor da proposta, a empresa Capital Criativo. Por que haveria o Novo Banco de suspeitar da ideia? Afinal a Capital Criativo é nada menos que uma antiga participada pela Promovalor, de que o filho de LFV continua sócio e que é gerida pelo antigo vice-presidente do Benfica. Depois da constituição do fundo, a Promovalor ainda mantém €84M de dívida não convertida em participações. A lógica é que o dinheiro gerado pelos ativos sirva em primeiro lugar o pagamento da dívida, sendo depois distribuído pelos participantes do capital do fundo, a começar pelo Novo Banco, que se torna assim, mais uma vez, sócio de LFV.

A dívida que deixou de o ser (III)

Em 2021, o Novo Banco e LFV serão mais sócios do que nunca. Ainda se lembra dos €160M de obrigações adquiridas pelo BES em 2011? Pois elas vencem este ano, e como LFV não as pagou elas serão convertidas em capital. Em vez de dono de uma dívida, o Novo Banco tornar-se-á este ano, espante-se, acionista da Promovalor. Claro que haveria a hipótese de o fundo gerido pela Capital Criativo conseguir em alguns anos o que LFV não fez em décadas: pagar as dívidas acumuladas. Mas essa hipótese é remota, tanto mais que a Capital Criativo já pediu ao Novo Banco a revisão dos prazos de pagamento da dívida do fundo.

Friends will be friends

Em 2013, disputava-se a final da Champions no mítico estádio de Wembley, em Londres. Para o evento, Almerindo Duarte e o seu sócio, LFV, convidaram administradores do BES e representantes do governo do Rio de Janeiro. O programa era irrecusável, com voo privado, estadia no Hilton e box no estádio. No ano anterior, a Imosteps, de Vieira, tinha comprado a participação que o GES (através da Opway) tinha na OATA, tendo para isso beneficiado de um empréstimo do BES de €54M. A OATA detinha, através de uma estranha estrutura de offshores, dois terrenos para cemitério e um outro em plena reserva ambiental, no Rio de Janeiro. Vieira descreve a operação como um novo favor a Salgado e gaba-se de, junto das autoridades do Rio, ter conseguido trocar o terreno interdito por direitos de construção na Barra da Tijuca. Ora, de acordo com uma nota do Banco de Portugal, parte do empréstimo de €54M nunca chegou à OATA, sendo “alocado à transferência de determinados montantes para contas pessoais dos acionistas (... uma transferência de 8 milhões para LFV)”.


, Vieira foi incapaz de explicar o destino do dinheiro em falta. Certo é que, apesar de todo o investimento, os negócios não avançaram e a Imosteps não pagou a sua dívida ao BES, que transitou para o Novo Banco.

Em 2019, apareceram três compradores para este crédito, com preços entre os €4M oferecidos no âmbito da carteira NATAII e uns surpreendentes €10M oferecidos pela Iberis Samper. Por trás desta oferta estava José António dos Santos, sócio de LFV e acionista do Benfica. Por impressionante coincidência, na mesma altura, a Benfica SGPS lança uma generosa oferta de compra das ações da SAD do Benfica, que garantiria ao acionista da SAD José António dos Santos(link is external)
, nem o Fundo de Resolução permitiu a venda da dívida da Imosteps à Iberis. Foi o fundo Davidson Kampner que ficou com os €54M de dívidas por €4M, vendendo-o em seguida, com lucro, a... José António dos Santos. O acionista da SAD logo cancelou o aval pessoal de Vieira sobre aquela dívida. Assim se fazia e faz na economia de favores e socorros mútuos.

Muito mais que um palheiro

Por mais endividado que viva, LFV escapou sempre, entre reestruturações e favores, à convocação de um património que, sendo seu, no fundo, nunca lhe pertenceu. O próprio garante que o banco nunca quis avaliá-lo, mas que detém muito mais do que a “casa para palheiro” que lhe é atribuída como única propriedade nos documentos da Comissão de Acompanhamento do Novo Banco. Vieira não é único, mas é um retrato acabado de uma economia ao serviço dos bancos e seus satélites.

Artigo publicado no jornal “Público” a 16 de maio de 2021

sábado, 9 de janeiro de 2021

O risco económico da década: a deflação

A deflação tornou-se o fantasma que ameaça as economias mais ricas do planeta e nenhuma sabe como deve ser enfrentada ou, menos ainda, como pode ser vencida.


Ao longo da década de 1970, a inflação média anual nas economias mais desenvolvidas foi de 10%. Na década passada, essa média anual foi inferior a 2%, e todas as políticas postas em prática para chegar a essa meta fracassaram. Em alguns casos, incluindo na Alemanha, os preços reduziram-se, e a zona euro tem sofrido um risco permanente de deflação que assusta o BCE. A deflação tornou-se o fantasma que ameaça as economias mais ricas do planeta e nenhuma sabe como deve ser enfrentada ou, menos ainda, como pode ser vencida.

O poder da deflação

Sabe-se pouco sobre como funcionam economias desenvolvidas em deflação, as experiências têm sido limitadas. Quando o FMI fez um estudo sobre este perigo, só registou o caso da Itália em 1912, da Suíça em 1996 e em 2001, do Japão em 1986 e, depois, na longa década que vai até 2013. Pior, enquanto durou, o Japão não soube o que fazer: nem injeções de liquidez, nem reduções de impostos, nem discursos inflamados conseguiram mudar a tendência. O que se compreendeu com este exemplo é que a deflação pode ser uma armadilha prolongada.

Alguns economistas otimistas apontam que a deflação é o efeito da queda duradoura dos preços do petróleo. É certo que a oferta tem aumentado (com o fracking) e a procura diminuído (com a diversificação de usos energéticos). Essa seria uma boa nova se correspondesse a uma alteração estrutural do modo de uso da energia, mas estamos ainda muito longe desse objetivo. Em todo o caso, nem o preço do petróleo é hoje determinante da média da inflação nem este fator se alterará a curto prazo. Pelo contrário, a deflação parece estar mais diretamente relacionada com a queda estrutural da procura agregada e com o mar de liquidez que abunda nas economias desenvolvidas, tanto pelo aumento da poupança quanto pelas excecionais medidas públicas que determinam taxas de juro baixas, o “eterno zero”, criando assim um padrão de comportamento que se pode prolongar no tempo.

Considerando a profundidade da recessão mundial de 2020, que o FMI estima agora ser da ordem dos 5%, ou a maior desde a II Guerra Mundial (a crise de 2009 provocou uma redução do PIB mundial de 0,1% ou 50 vezes menos do que a que agora vivemos) e, portanto, esta drástica redução da procura, as condições para a deflação agravaram-se. Como as autoridades monetárias só conseguem responder a esta crise baixando os juros de referência (o prometido e necessário aumento de investimento está por concretizar), as condições para a deflação são autossustentáveis.

A ameaça da deflação

A deflação alimenta-se de quatro processos perigosos. O primeiro é o adiamento de decisões de consumo, tanto mais que, mesmo sendo o juro baixo, a poupança aumenta, dada a incerteza decorrente da crise. Além disso, algumas despesas tornam-se agora impossíveis (turismo).

O segundo é o aumento do peso das dívidas, beneficiando os emprestadores. E toda a economia moderna se baseia na gestão das dívidas.

O terceiro é que, temendo a redução dos preços dos seus produtos, as empresas reduzem o investimento e o emprego, tanto mais que não podem utilizar o efeito ilusório da inflação para conter os salários reais.

No entanto, é a quarta consequência que é a mais perigosa. A redução duradoura dos juros distorce a aplicação das poupanças, ao promover a busca do risco (o investimento ou o depósito bancário deixam de ser alternativas motivadoras), deslocando os capitais para o mercado financeiro. Assim, o preço das ações e de outros títulos dispara, como se verifica neste paradoxo de termos a maior recessão de 80 anos e os recordes históricos das bolsas de valores. A bolha agiganta-se e atrai os capitais como se fosse um buraco negro no firmamento.

Deste modo, acentua-se a desigualdade. Os beneficiários desta economia vudu são os detentores de títulos financeiros, que enriquecem como Midas: as cinco maiores empresas tecnológicas valorizaram-se em 56% ao longo de 2020 e os seus acionistas são quem menos pesa na procura global. Ora, como o investimento é reduzido, a euforia financeira alimenta-se a si própria, enquanto durar. Estando os bancos centrais paralisados, não podem aumentar os juros, pois provocariam uma catástrofe nas dívidas públicas. Portanto, a deflação e o delírio financeiro estão para durar. Não são boas notícias.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 31 de dezembro de 2020

sábado, 17 de outubro de 2020

Até no Melhor Pano Alemão Cai a Nódoa



Francisco Louçã
Expresso, 17.10.2020
A Alemanha consome-se no maior escândalo financeiro desde a Segunda Guerra. A lenda da boa regulação do sistema financeiro, que já deixou para trás um cemitério de vítimas há uma década, voltou a colapsar, mesmo onde se anunciava que seria mais rigorosa. Devemos aprender alguma coisa com isto, e não é bonito de se ver.
UMA ESTRELA NO FIRMAMENTO
Quando, em 2018, a Wirecard, uma empresa financeira que processa pagamentos eletrónicos e que ascendeu fulgurantemente no mundo de negócios da Alemanha, entrou no Dax, o índice de referência da sua bolsa, foi festejado como um sucesso. Substituiu nesse índice o Commerzbank, o segundo ­maior banco do país, e até anunciou estar a cogitar comprar o Deutsche Bank, um dos maio­res bancos europeus. Em pouco tempo, tornou-se um gigante. Dois anos depois, com um prejuízo avassalador e €2 mil milhões desaparecidos das contas, com quatro administradores sob custódia judicial, incluindo o CEO, com um dos dirigentes fugido à polícia, a Wirecard é o símbolo da fraude.
Não tinham faltado avisos. Jornalistas do “Financial Times”, que conta a história com detalhe, tinham publicado há dois anos as suas suspeitas, depois de investigações cuidadosas. A empresa mobilizou-se e a justiça de Munique ameaçou os jornalistas. Diz agora um alto funcionário alemão ao jornal que “o nível de criminalidade na Wirecard excedeu, de longe, o poder da minha imaginação”. A consultora que certificava as contas, a Ernst & Young, e o próprio Deutsche Bank, que foi parceiro de algumas das operações mais importantes da agência financeira, estão também sob pressão.
AS LIGAÇÕES POLÍTICAS
Como em muitos outros casos, e isto repete-se sempre como um relógio de cuco, a Wirecard beneficiou de apoios políticos de peso e recrutou ex-ministros e gente influente nos círculos do poder de modo a beneficiar das suas ligações. Essas conexões atingem tanto Merkel quanto Scholz, o ministro das Finanças que será o candidato social-democrata nas eleições de 2021, e por isso o inquérito parlamentar que vai estudar este caso tem contornos difíceis de calculismo partidário.
Scholz supervisiona a BaFin, a agência pública que regula o mercado financeiro, mas também a Unidade de Inteligência Financeira, que investiga o branqueamento de capitais e que se sabe agora que elaborou vários relatórios sobre atividades suspeitas da Wirecard, que podem ter sido dezenas, mas nunca os transmitiu ao Ministério Público. Assim, os seus parceiros de direita no Governo acusam o social-democrata de negligência. O problema é que a própria chanceler Merkel está numa situação comprometedora: em setembro do ano passado recebeu um ex-ministro da defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg, que tem a Wirecard como cliente e que lhe veio pedir que intercedesse junto das autoridades chinesas para permitirem a compra de uma empresa de pagamentos, a AllScore Financial. Na sua viagem a Pequim, dias depois, a chanceler colocou o problema ao Governo chinês. A empresa foi comprada em novembro por €109 milhões. A Wirecard entrou agora em falência.
EMPRESAS QUE SÃO AGÊNCIAS FINANCEIRAS
Há um padrão nestes meteoros empresariais, que captam investimentos vultuosos prometendo sucesso e que são alimentados pela crendice na magia financeira. Outro exemplo alemão que demonstra como se procede para enganar o mercado, os investidores e o público, é o da Hertz, que pediu insolvência em maio deste ano, com €19 mil milhões de dívidas. A agência de aluguer de carros transformou-se, ao longo dos anos, num banco sombra, criando uma cascata de empresas, chamadas “veículos especiais” (o nome não é uma alusão ao aluguer de automóveis), algumas refugiadas em paraísos fiscais, que recolhiam aplicações financeiras a quem prometiam grande rentabilidade, emprestavam a outra empresa do grupo e esta, eventualmente, a outra, chegando depois ao negócio dos automóveis.
O fluxo de pagamentos dos alugueres deveria alimentar estes canais, que absorviam os lucros das operações sob a forma de juros e com vantagens fiscais. O esquema funciona enquanto cresce. Se para, desmorona-se. Foi o que aconteceu com a Hertz e a Wirecard. E todos tinham a obrigação de saber que assim seria.

terça-feira, 24 de março de 2020

Francisco Louçã assina carta com 300 economistas para pedir emissão de “coronabonds”

Economistas pedem solução europeia e conjunta para fazer face aos impactos do surto. "Covid-19 poderá destruir a zona euro"
Fonte: aqui

Isto é uma crise europeia, exige uma solução europeia”. O argumento é usado para apoiar a emissão de obrigações de dívida europeia durante a crise do Covid-19 e pode ler-se numa carta aberta dirigida ao Conselho Europeu e assinada por 300 economistas, entre os quais o português Francisco Louçã.

Na carta assinada pelo fundador do Bloco de Esquerda, mas também por nomes como Thomas Piketty e Mark Blyth, propõe-se a emissão de dívida conjunta para financiar o esforço de resposta ao Covid-19. Se tal não acontecer, argumenta Louçã, “o risco de grave recessão e de crise de dívida volta a impor-se”.

Os economistas defendem mesmo que a crise da Covid-19 poderá “destruir a zona Euro”, recordando que o Banco Central Europeu “afirmou que faria o que for necessário” e que “nenhum Estado membro deveria ter de recorrer a um bail-out ou assinar um novo memorando para acesso a fundos de emergência”. Por isso, e em tempo de “solidariedade”, os signatários da carta pedem um “instrumento comum de dívida” para mutualizar os custos, uma vez que o impacto do surto atingirá, expectavelmente, toda a Europa.

A proposta voltou a estar em cima da mesa esta semana, quando Angela Merkel admitiu, numa reunião extraordinária do Conselho Europeu, estudar soluções para partilhar os custos da crise a nível europeu - uma solução que foi discutida, mas nunca adotada, durante a crise económica que afetou principalmente os países do sul. Na terça-feira, como o Expresso noticiou, António Costa foi um dos defensores desta solução no encontro de líderes europeus da passada terça-feira.

Conforme noticiou a “Bloomberg”, esta hipótese começou por ser levantada pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte. A chanceler alemã terá assegurado que tinha pedido ao seu ministro das Finanças para analisar a situação, o que já é por si só uma novidade, uma vez que a Alemanha nunca tinha admitido a possibilidade de se recorrer a este instrumento.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Opinião- Aljezur, um furo na democracia!

O que nos preocupa como cidadãos é a forma de fazer política por parte deste Governo no seu conjunto, enfraquecendo a qualidade da nossa democracia.

A recusa da realização de uma avaliação de impacte ambiental (AIA) por parte do Governo português, no processo de renovação da autorização concedida em 2007 às empresas ENI e Galp para um furo de prospecção de hidrocarbonetos ao largo de Aljezur, tem provocado um justificado coro de protestos, exigindo nomeadamente a demissão do ministro do Ambiente e de outras figuras ligadas a departamentos técnicos do ministério.

Contudo, o que está em causa é muito mais do que a mera continuidade do posto de um qualquer ministro. O que nos preocupa como cidadãos é a forma de fazer política por parte deste Governo no seu conjunto, enfraquecendo a qualidade da nossa democracia.

O que o furo de Aljezur significa é que, apesar de o país ter alegadamente “virado a página da austeridade”, Portugal continua a tomar decisões políticas numa perigosa metodologia de caso a caso, sem fundamentação rigorosa com base em informação técnica e científica, sem horizonte estratégico e coerência interdepartamental, e ignorando de modo ostensivo a opinião de dezenas de milhares de cidadãos que, por iniciativa própria, ou integrados em associações cívicas ou organizações profissionais e empresariais, têm procurado contribuir, generosamente, para um desenlace justo e construtivo deste processo.

Com efeito, a decisão do Governo revela:

Ausência de uma política energética coerente e de longo prazo. Uma política progressivamente baseada em fontes renováveis, capaz de estar à altura dos compromissos internacionais assumidos no combate às alterações climáticas com a aposta numa economia descarbonizada, em consonância com o Acordo de Paris e os objectivos da União Europeia. 

Incapacidade de defender a marca de um Portugal moderno e sustentável. Numa altura de transição energética para a sustentabilidade, ao fazer embarcar o país nos riscos inerentes à extracção off-shore de hidrocarbonetos, ainda por cima na posição subalterna de fornecedor de matéria-prima, o Governo está a ferir a nossa vantagem competitiva em vários aspectos. Referimo-nos à modernização e inovação do seu tecido económico em todos os sectores, à aposta nas renováveis, à qualidade do seu ambiente, à beleza da sua paisagem, ao profissionalismo da sua indústria turística – aspectos que lhe têm granjeado notoriedade, como o provam, de modo eloquente, o nosso PIB e a nossa balança comercial.

Desprezo pela política de ambiente como critério de civilização. O Governo deveria ser a primeira instituição a saber e a tentar corrigir as imensas falhas no conhecimento e ordenamento do território, que são particularmente evidentes no imenso espaço marítimo da nossa Zona Económica Exclusiva. A dispensa da AIA num país que em 2017 concedeu 440 milhões de euros de isenções fiscais aos combustíveis fósseis, segundo palavras do próprio ministro do Ambiente, num país que continua a descapitalizar orçamentalmente os organismos dedicados à administração e protecção ambiental, é incompreensível e portanto inaceitável.

Preferência pela política de opacidade negocial que lançou a vergonha sobre Portugal. Para além da sua dimensão ambiental, a AIA seria um sinal positivo de que o actual Governo pretende caminhar demarcando-se em relação ao passado recente. Sabemos hoje que contratos opacos e secretos, como aquele que foi assinado em 1 de Fevereiro de 2007 entre a ENI e a Galp e o Estado português representado por José Sócrates e Manuel Pinho – precisamente o contrato que deu origem ao problema do furo de Aljezur –, são caldos de cultura da corrupção, que se traduz hoje na dívida colossal herdada pelas gerações futuras resultante da inqualificável série de Parcerias Público-Privadas (PPP) ruinosas para o interesse público, contratadas por governos anteriores.

Os signatários deste Manifesto são cidadãos livres, que se uniram por razões cívicas e imperativos de consciência. Não estamos ao serviço de nenhum partido, de nenhuma igreja e de nenhum potentado económico ou financeiro. Estamos preocupados com o futuro dos nossos filhos e netos, num mundo cada vez mais vulnerável e num Portugal que continua demasiado frágil.

A decisão de autorizar o furo de Aljezur é um mau sinal. Ele revela que até este momento, o Governo coloca a “estabilidade” de um contrato opaco e obscuro, com uma indústria cada vez mais obsoleta e ligada a uma actividade danosa, à frente da Constituição e do seu artigo 66.º que reconhece: “Todos têm o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.” Deixar os combustíveis fósseis, eventualmente existentes em Portugal ou em qualquer parte do mundo, por explorar, constitui hoje um acto moral e portanto político, porque temos consciência do impacto nefasto da sua queima para o agravamento das alterações climáticas, particularmente em Portugal, onde este aquecimento anormal potencia fogos florestais descontrolados. 

Exigimos que a prioridade do interesse público seja reposta! Exigimos ao senhor primeiro-ministro que seja coerente com as afirmações que proferiu em Marraquexe em 2016, e com o compromisso de Portugal com o Acordo de Paris! Exigimos ao senhor primeiro-ministro que mande cancelar o contrato que permite ao consórcio ENI/Galp a prospecção de hidrocarbonetos ao largo de Aljezur!


Nós, os signatários deste documento, não abdicaremos dos nossos direitos constitucionais.

Adelino Gomes, jornalista; Alexandra Lucas Coelho, escritora e jornalista; Álvaro Garrido, prof. Universitário; Ana Benavente, prof. Universitária; Ana Drago, socióloga e investigadora; Ana Nunes de Almeida, prof. universitária, presidente do Conselho Científico do ICS; Ana Zanatti, actriz e escritora; André Freire, prof. universitário; António Araújo, jurista e historiador; António Betâmio de Almeida, prof. emérito do IST; António-Pedro Vasconcelos, cineasta; Boaventura Sousa Santos, prof. catedrático jubilado; Bruno Fialho, vice-presidente do SNPVAC; Carla Amado Gomes, prof. universitária (ICJP) e investigadora (CIDP); Carlos da Câmara, prof. Universitário; Carlos Fiolhais, físico, prof. universitário e ensaísta; Carlos Pimenta, empresário e ex-secretário de Estado; Catarina Albuquerque, relatora especial da ONU; Catarina Roseta Palma, economista e prof. universitária; Cláudio da Silva, actor; Fausto Bordalo Dias, compositor e cantor; Filipe Duarte Santos, prof. emérito da Universidade de Lisboa; Francisco Abreu, editor; Francisco Faria Paulino, coronel da Força Aérea Portuguesa (reforma); Francisco Ferreira, prof. universitário; Francisco Louçã, economista e político; Francisco Teixeira da Mota, advogado; Gil Penha Lopes, prof. universitário; Hélder Costa, autor, actor e encenador; Helena Freitas, prof. universitária e política; Irene Flunser Pimentel, historiadora; João Luís Carrilho da Graça, arquitecto; Joaquim de Almeida, actor; José Castro Caldas, prof. universitário; José Osório, engenheiro electrotécnico; José Viriato Soromenho-Marques, prof. catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; José Vítor Malheiros, jornalista; Júlia Seixas, prof. universitária e investigadora; Lídia Jorge, escritora; Luís Ribeiro, prof. universitário do IST; Luís Tinoco, compositor; Luisa Costa Gomes, escritora, dramaturga e tradutora; Luísa Schmidt, socióloga e investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Manuela Silva, prof. universitária; Margarida Magalhães Ramalho, historiadora; Maria do Rosário Gama, prof. aposentada e presidente da Associação APRe!; Maria José Melo Antunes, MBA Finanças; Maria Luísa Ribeiro Ferreira, prof. catedrática de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Maria Manuel Mota, cientista e investigadora principal na Unidade de Malária no IMM; Pedro Abrunhosa, músico; Pedro Bacelar de Vasconcelos, prof. universitário; Pilar del Rio, jornalista; Ricardo Paes Mamede, economista e prof. universitário; Rui Horta, coreógrafo; Sérgio Godinho, músico; Teresa Calém, artista plástica; Viriato Soromenho-Marques, prof. catedrático; Vitor Cóias e Silva, engenheiro, membro da Assembleia de Representantes da Ordem dos Engenheiros

sábado, 11 de abril de 2015

François Maspero


Soube-se hoje, dia aziago, que Maspero morreu. Como aqui lembrava alguém, os portugueses exilados em Paris viveram com ele e com a sua livraria Joie de Lire, no Quartier Latin.
Foi para essa livraria que viajei com um grupo de amigos em 1972, não ia a Paris, ia à Joie de Lire. Era lá que estavam os livros, era lá que havia palavras e subversão. Ia fazer 16 anos anos e esperava ver aquela revolução em livros - só tinham passado quatro anos do Maio de 68 - e não me desiludi. Quem lá trabalhava fazia o contacto com os grupos revolucionários então proibidos em França, organizava as remessas de publicações para os grupos clandestinos em Portugal, ou em Espanha. Sim, havia uma revolução lá e outra cá.
E Maspero era o nome daquilo. Da livraria, das edições, de cada livro. François Maspero. Era ele, o que nos deixa agora, quarenta anos depois, já sem livraria nem edições. E que continuou sempre, umas vezes romancista, outras vezes editor, sempre do mesmo lado. Tudo começa e nada acaba, François.

terça-feira, 29 de novembro de 2005

Excesso de emissões de CO2 em Portugal- Louçã alerta para multas

Multas ambientais podem custar duas Otas

Francisco Louçã alertou na quarta-feira 23 para o facto de, se não houver uma mudança de política rápida e urgente, Portugal terá de pagar a partir de 2007, e de acordo com o Protocolo de Quioto, de 1500 a 2000 milhões de euros de multas por excesso de emissões de CO2, responsável pelo efeito estufa. Este valor corresponde a duas vezes o investimento público previsto para a OTA ou três anos do funcionamento das SCUTs.

Há dias falamos na Área de Projecto sobre automóveis alternativos e os alunos perguntaram-me onde há postos de abastecimento de carros híbridos/eléctricos? E as oficinas?


A vantagem consiste em armazenar energia excessiva (por exemplo travagens) produzida pelo motor a combustão e depois reutiliza-la com o motor eléctrico (exemplo arranque).
Para isso essa energia precisa de ser armazenada em baterias no veículo.
Sendo assim, os veículos usam combustível vulgar, e podem abastecer em qualquer posto de combustível convencional.
Alguns veículos híbridos permitem carregar directamente essas baterias. É a mesma situação dos veículos eléctricos, pois estes não possuem motor a combustão. (exemplo algumas scooters)
Nesses casos o "posto de abastecimento" é simplesmente a tomada eléctrica lá de casa.

Qualquer oficina repara carros híbridos.
(Obrigado Carlos Oliveira e Francisco Ferreira pelos esclarecimentos prestados).

Documentário fundamental

Começa a ser cada vez mais tentador o mudar de automóveis para eléctricos, híbridos e utilizar scooters e/ou bicicletas elétricas ou a energia metabólica.
Se nada fizermos pagaremos multas com o custo de duas OTAS, como alerta e muito bem o Prof. Francisco Louçã