sexta-feira, 9 de junho de 2023

Serviços ecossistémicos


Os serviços do ecossistema ou serviços ambientais traduzem os benefícios que a humanidade retira dos ecossistemas e podem incluir bens materiais e/ou serviços imateriais.
As áreas florestais, por exemplo, além dos produtos mais imediatos como madeira, cortiça e frutos ou sementes, também contribuem para reduzir a poluição do ar, retendo partículas e poeiras, e para a purificação da água, capturam e armazenam carbono, reduzem a probabilidade de cheias e influenciam a precipitação a nível local e regional. Além disso, são também um espaço de lazer e recreio e melhoram a qualidade estética da paisagem.
Os serviços do ecossistema dividem-se em serviços de aprovisionamento (por exemplo a produção de alimento, fibra e madeira), de regulação (ciclo hidrológico, sequestro e armazenamento de carbono), culturais (de recreio) ou de suporte (fertilidade do solo e ciclo de nutrientes). O conceito está diretamente relacionado com as funções dos ecossistemas e com a sua biodiversidade, da qual dependem. A degradação dos ecossistemas e a perda de biodiversidade afetam estes serviços.
Neste sentido, a conservação da biodiversidade é essencial à manutenção do funcionamento e dos serviços do ecossistema. Como lembra o relatório da União Europeia Ecosystem Services and Biodiversity (2015), “apesar da sua importância para as pessoas, muitos foram tomados como garantidos no passado, sendo vistos como livres e infinitos”.
Como explica este relatório, o conceito tornou-se mais conhecido na viragem para o século XXI, com o projeto global Millennium Ecosystem Assessment (MEA) que procurou determinar como as alterações nos ecossistemas afetariam o bem-estar humano. Desenvolveram-se depois outros métodos e nomenclaturas para tentar definir e avaliar os serviços de ecossistema, como o TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity, IPBES – Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services e CICES – Common International Classification of Ecosystem Services.
O MEA definiu os serviços do ecossistema como “os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas” e divide-os em quatro categorias:
– Serviços de Suporte – processos naturais que são necessários para a produção e que mantêm todos os outros serviços, tais como o ciclo de nutrientes e a formação do solo;
– Serviços de Provisão ou Aprovisionamento – bens ou produtos provenientes do ecossistema, que incluem alimentos (como bagas, cogumelos ou mel), água doce, madeira, resina, caça, entre outros;
– Serviços de Regulação – benefícios que se obtêm da regulação e controlo do ecossistema sobre os processos naturais e que incluem serviços como a purificação do ar, a filtragem da água, a prevenção da erosão ou a regulação do clima por via do sequestro de carbono.
– Serviços Culturais e de Recreio – experiências e benefícios obtidos quando em proximidade com a natureza em atividades recreativas, turismo ou contemplação da paisagem.
Há quem siga o sistema definido pelo MEA, outros a classificação proposta na iniciativa TEEB, outros ainda a classificação do IPBES. Paralelamente há países que seguem uma classificação própria adaptada à sua realidade, como os sistemas de classificação do Reino Unido (UK National Ecosystem Assessment – UK NEA) e Bélgica (CICES-BE).
Atualmente o sistema de classificação mais utilizado pelos cientistas e decisores para os serviços do ecossistema é o CICES, que foi criado em 2009, permitindo uma abordagem mais integradora e holística que visava reunir informação capaz de integrar os sistemas de contabilidade nacionais. O CICES veio estabelecer equivalências entre os vários sistemas disponíveis à data, mencionados acima, e facilitar a avaliação dos serviços dos ecossistemas.
O CICES propõe uma classificação internacional comum que viabiliza o cálculo económico do valor dos serviços do ecossistema e que permite incluir o seu valor no Sistema de Contabilização Económico e Ambiental criado pelas Nações Unidas e usado pela Agência Europeia do Ambiente. Ao contrário do MEA, o CICES reconhece apenas três principais categorias de serviços do ecossistema:
– Serviços de Provisão – produtos obtidos dos ecossistemas para alimento (como as culturas agrícolas e a criação de animais) e os materiais (fibras e outros recursos provenientes de plantas, algas e animais).
– Serviços de Regulação e Manutenção – benefícios obtidos por manutenção das condições físicas, químicas e biológicas como o sequestro de carbono ou pela mediação dos fluxos como a proteção do solo e prevenção de erosão.
– Serviços Culturais – interações físicas e intelectuais com os ecossistemas e paisagens, como o turismo e interações simbólicas ou espirituais.
Os serviços de suporte (como a reciclagem de nutrientes e a formação do solo) definidos no MEA são considerandos no CICES como parte subjacente às estruturas, processos e funções que caracterizam os ecossistemas.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Dia Mundial dos Oceanos - Descoberta de um extenso recife de corais de águas frias a 2.000 m de profundidade, na Madeira (2018)


Durante o mês de Julho de 2018, o Observatório Oceânico da Madeira levou a cabo mais uma expedição científica, desta vez para explorar as zonas profundas e desconhecidas adjacentes à Ilha da Madeira. A missão, complexa e exigente, requereu uma vasta equipa de cientistas, técnicos e operacionais e uso de equipamentos com tecnologias de vanguarda. Estudar a biodiversidade marinha e a oceanografia física das zonas costeiras adjacentes aos canhões submarinos foi o principal objetivo.
Nesta expedição fez-se uma das maiores descobertas científicas dos últimos tempos na ilha da Madeira quando, a 2.000 m de profundidade, com recurso ao ROV Luso, a equipa de investigadores observou pela primeira vez na região a presença de um extenso recife de corais de águas frias, rico em vida marinha, nas margens do canhão submarino da Ribeira Brava. Quando se fala em conservação marinha, estes habitats são prioritários devido ao papel que desempenham como reguladores ecológicos do bom estado ambiental do Oceano. Contrariando a tendência de notícias que relatam a destruição destas agregações massivas de carbonato de cálcio no Atlântico Norte devido à pesca de arrasto, encontramos na Madeira recifes pristinos, sem vestígios evidentes de impactos humanos.
A expedição teve o apoio da Fundação Rebikoff.
Infelizmente, o Governo Regional da Madeira, nomeadamente a Secretária do Ambiente e o Presidente do IFCN, não têm agido com o objectivo de conhecer, estudar, preservar e salvaguardar o Recife de Corais de águas frias descoberto em frente à costa da Ribeira Brava, onde lá persistem as jaulas de aquacultura de produção intensiva, das Empresas Ilha Peixe e Jerónimo Martins que estão a poluir o fitoplâncton, e a sua riquíssima biodiversidade e os ecossistemas naturais. Sem qualquer monitorização dos seus gravíssimos impactos ecológicos.

Uma mina a céu aberto


NIMBY é um acrónimo em inglês para a expressão Not In My Back Yard (não no meu quintal, em português). É um termo muito usado para descrever a oposição a projetos que são benéficos para a população como um todo, mas que têm um impacto local devastador, sobretudo a nível do ambiente. Há vários exemplos desse fenómeno.

Por exemplo, a coincineração na cimenteira de Souselas provocou uma grande contestação local contra a queima de resíduos industriais perigosos. Mais recentemente, Moita e Seixal opuseram-se à construção do aeroporto no Montijo, sendo que neste caso a lei (entretanto mudada) até dava poder de veto às autarquias locais. Agora estamos a assistir a um fenómeno semelhante com a exploração de lítio na mina do Barroso, no concelho de Boticas, distrito de Vila Real. Estamos a falar de uma mina que prevê uma exploração a céu aberto, com uma duração estimada de 17 anos, e uma área de concessão prevista de 593 hectares.

Depois de em 2022 este projeto da empresa britânica Savannah ter recebido um parecer "não favorável", na semana passada a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) deu ok à exploração das minas, apesar de ter imposto alguns remédios. Vamos colocar na balança os argumentos de um lado e de outro:

1. O Governo argumenta, e com razão, que a fileira do lítio vai ter um impacto relevante na economia. Só o projeto de Boticas prevê a produção de aproximadamente 200 mil toneladas de concentrado de espodumena por ano. Isso permitirá uma produção de lítio suficiente para o fabrico de meio milhão de baterias para carros elétricos por ano. 

2. A população local argumenta, e com razão, que estas minas a céu aberto terão um impacto ambiental muito grande na região e é a própria APA que reconhece que este projeto pode comprometer a classificação de Património Agrícola Mundial do Barroso.

A partilha dos ganhos económicos com a população local (por exemplo, com a construção de uma estrada de ligação à A24), a limitação à remoção de vegetação em alguns meses do ano e o compromisso de não captação de água no rio Covas ajudam a amenizar o impacto das minas. Mas convenhamos que se também morássemos em Covas do Barroso, Romainho e Muro e tivéssemos uma mina a céu aberto próxima da nossa aldeia, mesmo ao pé do nosso quintal, também diríamos a esta empresa britânica, em bom inglês, Not In My Back Yard.

Saber mais:

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Documentário: Living Soil (Solo Vivo)


Os nossos solos sustentam 95% de toda a produção de alimentos e, até 2060, os nossos solos serão solicitados a nos fornecer a mesma quantidade de comida que consumimos nos últimos 500 anos. Eles filtram a nossa água. Eles são um dos nossos reservatórios mais económicos para sequestrar carbono. Eles são a nossa base para a biodiversidade. E eles estão vibrantemente vivos, repletos de 4.5 toneladas  de vida biológica em cada 4.046 m2. No entanto, nos últimos 150 anos, perdemos metade do alicerce básico que torna o solo produtivo. Estima-se que os custos sociais e ambientais da perda e degradação do solo apenas nos Estados Unidos cheguem a US$ 85 biliões a cada ano (valores de 2018). Como qualquer relacionamento, o nosso solo vivo precisa da nossa ternura. É hora de mudarmos tudo o que pensávamos que sabíamos sobre o solo. Vamos fazer deste o século do solo vivo.

Este documentário de 60 minutos apresenta agricultores inovadores e especialistas em saúde do solo de todos os EUA. Planos de aula de acompanhamento para estudantes universitários e do ensino médio também podem ser encontrados neste site. "Living Soil" foi dirigido por Chelsea Myers e Tiny Attic Productions com sede em Columbia, Missouri, e produzido pelo Soil Health Institute através do generoso apoio da The Samuel Roberts Noble Foundation.

Sou agricultor de palavras

Harald Sohlberg - Bygdevei II (1916)

O chão será constituído por letras, sinónimos, antónimos, nomes, figuras de estilo, advérbios, adjectivos
E semeio imagens, comparações, hipérboles, sintaxes 
E recolho sensações, explicações de estados de alma, descrições psicológicas, descrições físicas
E faço consociações para evitar o uso de venenos. 
Se o campo for a ironia, o sarcasmo, o mal-dizer então semeio palavras  venenosas e tóxicas. 
Quanto a palavras invasoras depende do campo que estou a cultivar, monolingual ou extensivo.
Nós também no decurso da História deixamos palavras invasoras em diversos Países.
E há agricultores que são autênticos médicos da Língua Portuguesa, que acrescentam/substituem  prefixos e sufixos e utilizam outros métodos cirúrgicos dando sentidos novos e a Língua evolui.

João Soares. 7/6/2021

Livro - Pequenas Cidades No Tempo. O Ambiente e Outros Temas


Pequenas Cidades No Tempo. O Ambiente e Outros Temas (2021)
Um livro maravilhoso. Lê-se por partes e pelo grau de interesse por um assunto particular. Muito útil. E retiramos soluções para as cidades do Séc. XXI e aldeias. Cientificamente excelente.

Este livro integra textos escolhidos do colóquio de 2019 sobre Pequenas Cidades e Ambiente. Iniciando-se com o repto lançado pelo Professor Jean-Luc Fray, seguem-se as respetivas respostas, ordenadas nas seguintes subsecções: (i) A interpretação de sistemas socioecológicos sob perspetivas de conjunto; (ii) A observação de sistemas socioecológicos através dos testemunhos materiais; (iii) A análise pormenorizada de fenómenos de antropização; (iv) O estudo da regulação societária de recursos e problemas ambientais. A segunda parte do livro, sobretudo constituída por textos apresentados num encontro de 2017, corporiza várias categorias de estudos sobre as pequenas cidades.

E-Livro disponível aqui

Vice-presidente da Distrital do Chega Porto foi detido por posse ilegal de arma e secretário pessoal de André Ventura foi constituído arguido


Luc Mombito, secretário pessoal de André Ventura e Conselheiro Nacional do Chega, foi alvo de buscas, foi constituído arguido e interrogado pela Polícia Judiciária por crimes de injúria agravada, ameaça agravada e atentado à liberdade de imprensa.

Nuno Miguel Ribeiro Pontes, também conhecido por Nuno Pit, autarca único do Chega na Assembleia Municipal de Gondomar e vice-presidente da Distrital do Chega Porto, distrital que caiu na semana passada devido ao pedido de demissão de quatro dirigentes, no entanto mantém-se em funções até novas eleições, é suspeito dos mesmos crimes, foi alvo de buscas e foi detido em flagrante delito por posse ilegal de arma e de 30 munições.

Em causa estarão ameaças feitas a Pedro Coelho, jornalista da SIC, a propósito de uma reportagem sobre o Chega. O jornalista chegou a ser chamado ao Ministério Público (MP) em duas ocasiões "para prestar esclarecimentos".

No entanto, a queixa partiu do International Press Institute (IPI), que tem como um dos objetivos zelar pela segurança dos jornalistas.

A investigação está a ser levada a cabo pela Unidade de Contraterrorismo da Polícia Judiciária.

O líder do Chega, André Ventura, já afirmou que não irá afastar nenhum dos dois implicados e referiu que irá aguardar o resultado das investigações do processo.

O jornalista Pedro Coelho, autor da série de cinco reportagens "A Grande Ilusão", sobre as origens e crescimento do Chega, que foi alvo de ameaças por parte de dois membros do partido que estão agora a ser investigados pela Polícia Judiciária, considera que André Ventura não afastar os dois dirigentes partidários é um "eufemismo" e lamenta a "loucura verbal" de que os jornalistas são alvo.

As ameaças, que chegaram a ser de centenas, surgiram nas redes sociais e, assinala Pedro Coelho, "são absolutamente visíveis, existem e não foram inventadas nem negadas pelos autores das mesmas", assinala. Por isto mesmo, interpreta as palavras de André Ventura - que quer dar tempo à Justiça para atuar - como um "eufemismo".

As ameaças surgiram logo após a emissão das duas primeiras reportagens, em plena campanha eleitoral para as Presidenciais de janeiro de 2021, nas quais Ventura se candidatou a Belém. O jornalista e a direção da SIC decidiram, naquela altura, não apresentar queixa do sucedido para não alimentar a fogueira, mas Pedro Coelho acabou por ser contactado pelo International Press Institute (IPI), que formalizou uma queixa. Daí, o assunto chegou às mãos do Ministério Público.

A "matéria jornalística", o material que compunha as reportagens, "nunca foi posta em causa", sublinha o jornalista. O que aconteceu é que os dois dirigentes do Chega tentaram "cercear a liberdade" de Pedro Coelho "como fizeram com outros jornalistas".

"Não fui o único atacado por estas pessoas, houve outros provavelmente até mais solitários do que eu, porque trabalhando em televisão tenho uma exposição pública", reconhece, explicando que outras pessoas foram atacadas "antes", mas neste caso "foi a televisão que fez explodir a dimensão da coisa".

As expectativas para o desfecho deste caso, confessa, não são "grandes" porque o discurso de ódio "vai infelizmente continuar". Pedro Coelho assinala até que o ressurgimento da questão pode ter efeitos nefastos e acredita que vai ser, "de novo, vítima de uma coisa que até já estava calminha".

"O discurso de ódio infelizmente faz parte do nosso quotidiano. Eu não vejo com nada bons olhos esta loucura que se passa nas redes sociais e creio que os jornalistas cada vez mais são vítimas desta loucura verbal. Enquanto for verbal, habituamo-nos a viver com ela." E é assim que espera que continue: apenas "verbal".

terça-feira, 6 de junho de 2023

Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch


Falam do português ser difícil. Por causa dos _inhos e _inhas. Imaginem o gaélico. Já conhecem o nome mais longo no País de Gales? É uma pequena cidade na ilha de Anglsey e chama-se Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch. Traduzido significa "Saint Mary's Church in the hollow of the white hazel near a rapid whirlpool and the Church of St. Tysilio of the red cave".

Um meteorologista do Canal 4 surpreendeu o público da TV um dia, quando descreveu o tempo em Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch perfeitamente.

A atriz Naomi Watts fez um trabalho semelhante em março, quando contou a Jimmy Kimmel sobre a cidade, onde morou por três anos com os avós.

De acordo com o livro de 2005 de David Barnes, The Companion Guide to Wales, a vila foi originalmente chamada de Llanfair Pwllgwyngyll. Foi renomeado no século 19 para ganhar um recorde mundial do Guinness para o maior nome de estação ferroviária no Reino Unido - um título que ainda mantém hoje.

Se quiser aprender a pronunciar Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch, um site dedicado ao idioma galês tem um guia para esse fim.

Para saber mais:

Direito de poluir: como uma medida ambiental se transformou num fiasco de biliões de euros


Uma investigação exclusiva de elDiario.es e Le Monde revela como, desde 2005, fabricantes de cimento e aço na Espanha e na França aproveitaram as cotas de emissão de CO2 que lhes foram atribuídas gratuitamente pela UE para revendê-los e aumentar seus lucros financeiros

É uma história de trinta anos avaliada em biliões de euros. Trinta longos anos que não ficarão nos anais da União Europeia (UE) como os mais memoráveis ​​face às alterações climáticas. Durante essas três décadas, as indústrias mais poluidoras como siderurgia, cimento, petróleo ou alumínio receberam cotas gratuitas de emissão de CO2, uma espécie de direito de poluir, para incentivar as empresas a reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa.

A ideia geral era que esses direitos de poluir diminuiriam com o passar dos anos. Na verdade, as indústrias mais poluidoras recebiam essas cotas em grandes quantidades, muito superiores ao CO2 que emitiam, então acabavam tendo sobras para revender.

O sistema desviou-se assim de seu objetivo original e tornou-se uma ferramenta financeira que permitia aos beneficiários aumentar seus lucros negociando as cotas. Só entre 2013 e 2021, segundo estimativas do World Wide Fund for Nature (WWF), as maiores indústrias emissoras obtiveram 98.500 milhões de euros e destinaram apenas um quarto deste montante (25.000 milhões) à ação climática.

Após uma investigação que dura oito meses, com o apoio financeiro do fundo Investigative Journalism for Europe (IJ4EU), elDiario.es e o jornal francês Le Monde revelam as zonas obscuras de um sistema que pretendia ser benéfico para a transformação sustentável da indústria e acabou alimentando a lucratividade das empresas mais poluentes. As investigações centram-se em empresas siderúrgicas e cimenteiras de França e Espanha, dois dos setores que mais beneficiaram com estas quotas, e envolvem empresas como a Arcelor Mittal, Cemex, Cementos Portland Valderrivas, Holcim ou Heildelberg Materials.

O Sistema de Comércio de Emissões (SCE) confirma o que há muito se suspeitava: as empresas revenderam parte das suas quotas gratuitas por centenas de milhões de euros

A análise detalhada de suas transações financeiras registradas no Sistema de Comércio de Emissões (SCE) confirma o que alguns já suspeitavam: as empresas revenderam parte de suas cotas gratuitas por centenas de milhões de euros, e até bilhões em alguns casos.

Em 2009, a operação Blue Sky descobriu uma fraude milionária por meio do IVA sobre essas cotas de emissões. De facto, o Tribunal Nacional vai julgar oito grupos internacionais pelo desfalque que, estima-se, tenha causado um prejuízo de 6.000 milhões de euros aos países da UE. Esse caso terminou no tribunal, algo que não vai acontecer desta vez. Os negócios das empresas com venda de direitos de emissão são realizados de forma totalmente legal.

O sistema de cotas gratuitas, lançado em 1º de janeiro de 2005, ainda está em vigor. Está destinado a desaparecer em 2034. Em 18 de abril, o Parlamento Europeu aprovou um novo plano climático que pretende substituí-lo gradualmente por um "mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras" da União, com o objetivo de tornar as importações mais ecológicas dos setores com as maiores emissões de CO2. Optar por um sistema mais simples é uma espécie de mea culpa para a UE, mesmo que ela não tenha admitido oficialmente seu erro.

Rio de Janeiro, Quioto, Al Gore...
A origem desta história remonta à cimeira do Rio em 1992. Foi nessa altura que surgiu a ideia de um imposto sobre o carbono a que as indústrias europeias estariam sujeitas para tornar a economia mais responsável para com o ambiente. A iniciativa não foi unânime entre os Estados-membros. A França, entre outros, bloqueou esta decisão.

Em 1997, o Protocolo de Kyoto colocou essa questão de volta na mesa. Al Gore, então vice-presidente dos Estados Unidos, achou a ideia interessante, mas disse que os republicanos não a aceitariam. Portanto, era necessário imaginar algo mais compatível com o modelo capitalista para agradar aos americanos e preparar uma possível integração dos mercados transatlânticos no futuro.

O Velho Continente criou então um mercado europeu de carbono no qual as indústrias poderiam comprar e vender cotas para regular suas emissões de CO2. “A UE criou do zero um mercado que nunca existiu antes. É a primeira vez na história da humanidade”, afirma Thomas Pellerin-Carlin, diretor do programa Europa do Institute for Climate Economics (IC4E). Hoje, esse mercado é o maior do género no mundo, embora outros estejam surgindo, como na China.

Percebemos que estávamos em terreno escorregadio, que potencialmente teríamos de reembolsar as cotas atribuídas. Tínhamos consciência de que isso não poderia durar, que alguém iria acabar com a diversão em algum momento.
Eric Bourdon - vice-CEO da empresa francesa de cimento Vicat

“Desde o início, questões centrais foram levantadas. Sob qual modelo serão atribuídas as cotas que as empresas trocarão entre si? Devem ser doados de graça ou vendidos? Quem será abrangido pelo mecanismo? As empresas conseguirão economizar cotas de um ano para o outro?”, enumera Julien Hanoteau, professor de economia da Kedge Business School em Aix-Marseille.

O modelo desenvolveu-se rapidamente, embora não suavemente. Todos os anos, a União Europeia decide atribuir quotas gratuitas de CO2 às indústrias, com base nas emissões de gases com efeito de estufa que estimam gerar nos doze meses seguintes. Uma cota equivale a uma tonelada de CO2. Ao final do ano, as instalações industriais devem devolver a quantidade de cotas equivalente às emissões de CO2 efetivamente realizadas.

Caso tenham emitido mais CO2 do que o esperado, podem comprar cotas adicionais de empresas que não utilizaram todas as suas, seguindo o princípio do "poluidor-pagador" idealizado pelos idealizadores desse mercado. Pelo contrário, se tiverem emitido menos CO2 do que o esperado, podem revender as quotas excedentes. As cotas atribuídas a uma instalação –uma fábrica, uma fábrica...– não têm prazo de venda. Uma vez vendidos, eles se tornam simples ativos financeiros que as empresas podem usar sem contrapartida real.

A fase piloto em 2005, com uma lógica inicial que surpreende a posteriori: quanto mais CO2 uma instalação industrial espera emitir, mais direitos de poluir recebe. De 2008 a 2012, outra estranheza se soma: as cotas são atribuídas referentes aos anos de produção anteriores à crise econômica, cujos números são mais elevados. Como resultado, os industriais recebem muito mais ações do que realmente emitem. Cotas que, conforme mencionado acima, podem ser vendidas a terceiros.
“Percebemos que estávamos em terreno escorregadio”

Algumas empresas foram rápidas em expressar reservas quanto aos métodos do sistema EU-ETS, como a espanhola Cementos Tudela Veguín, das Astúrias, ou a francesa Vicat. “Percebemos que estávamos em terreno escorregadio, que potencialmente teríamos que pagar cotas superalocadas. Sabíamos que isso não poderia durar, que alguém acabaria com a diversão em algum momento", admite Eric Bourdon, vice-gerente geral da cimenteira francesa.

Certamente, as regras de alocação foram alteradas em 2009 e depois em 2018. Mas os abusos continuaram, como mostra o último relatório sobre o estado do sistema EU-ETS publicado em 2022 pela European Round Table on Climate Change and Sustainable Transition (ERCST). Os excedentes acumulados de quotas gratuitas apenas estabilizaram em 2013 e ainda assim, num nível muito elevado. Só em 2017 é que as emissões de CO2 começaram a diminuir significativamente em todos os setores.

O Estado poderia ter facilmente recuperado o dinheiro gerado pela venda de cotas para compensar atividades poluidoras, reduzir o IVA ou diminuir o imposto de renda. No entanto, permitiu que as empresas operassem livremente
Julien Hanoteau — Professor de Economia na Kedge Business School em Aix-Marseille

Para o deputado ambientalista Yannick Jadot, que há anos reivindica a eliminação das cotas gratuitas, o diagnóstico é amargo. “O poder público criou um mercado do zero, aceitando antecipadamente todos os abusos inaceitáveis ​​da financeirização da economia”, denuncia o ex-candidato às eleições presidenciais de 2022 na França. O pesquisador Julien Hanoteau compartilha esta análise: “O Estado poderia facilmente ter recuperado o dinheiro gerado pela venda de cotas para compensar atividades poluidoras, reduzir o IVA ou diminuir o imposto de renda. No entanto, essa decisão não foi tomada, mas sim para permitir que as empresas operem livremente”, lamenta.

Um sistema financeiro complexo e opaco
As ações são leiloadas todos os dias às 11 da manhã. A princípio, as transações representavam cerca de um milhão de toneladas de CO2 diariamente. Desde então, o mercado se aprofundou e se sofisticou. Estende-se a cerca de 18 mil estabelecimentos e os industriais, através de bancos, fundos de investimento, corretoras e uma dezena de empresas comerciais, já trocam entre 20 e 30 milhões de toneladas de CO2 por dia, antecipando futuras flutuações no preço do carbono.

“O mercado ficou muito interessante para os investidores. É preciso dizer que o preço do carbono era inicialmente de 7 euros por tonelada, depois subiu para 24 euros em agosto de 2008 e agora está em torno de 100 euros. Há quem preveja que chegue aos 150 euros em 2030 e, entretanto, mais de 80% das transações são especulativas e já não relacionadas com problemas ambientais”, indica Ismael Romeo, diretor da SendeCO2, trading com sede em Barcelona.

Agora há fundos de cobertura especializados nos mercados de carbono que especulam com essas cotas: em 2021 foram trocadas no mercado quase 11 bilhões de toneladas de CO2, com um valor de 683 bilhões de euros

Ivan Pavlovic, especialista em transição energética da Natixis, confirma: “Essas cotas são um estoque, um ativo que pode ser monetizado. Eles são intercambiáveis ​​e não têm limite de uso ao longo do tempo. Agora existem hedge funds especializados nos mercados de carbono que especulam com essas cotas, embora por enquanto continuem sendo minoria”, explica. Em 2021, foram trocadas no mercado quase 11 mil milhões de toneladas de CO2, num valor de 683 mil milhões de euros, segundo a empresa britânica de análises financeiras Refinitiv.

Muito rapidamente, o sistema revelou-se defeituoso. As transações são difíceis de rastrear, mesmo para especialistas do setor. “O sistema é bastante opaco. A todos os níveis, incluindo a Comissão Europeia, ninguém tem uma visão global e unânime. É uma caixa preta. Só os diretores financeiros ou diretores industriais das empresas envolvidas sabem exatamente o que é feito com essas cotas”, reconhece o dirigente de uma comercializadora de cotas de CO2.

Valores que dependem do clima ou do preço do gás
Às vezes, as transações não são justificadas apenas por razões financeiras. “Eles também podem ser inspirados por eventos climáticos ou políticos. Os fornecedores de energia, excluídos do sistema de cotas gratuitas desde 2013 porque o usaram para aumentar o preço da eletricidade, agora são obrigados a comprá-las por conta própria. Às vezes, eles os revendem no final do inverno, se a temperatura estiver mais alta do que o esperado e, portanto, suas emissões de CO2 forem menores. O mesmo acontece se houver inflação nos preços da energia, como durante o verão de 2022, quando o preço do gás disparou”, diz Gregory Idil, trader da Vertis Environmental Finance, empresa com sede em Bruxelas.

De qualquer forma, as empresas relutam em divulgar essas informações, pois as consideram confidenciais para sua competitividade industrial. “As transações são um reflexo da atividade econômica. Se uma empresa diz que vendeu cotas, está potencialmente reconhecendo que sua produção diminuiu”, explica o trader de Barcelona Ismael Romeo.

Vendedor, comprador... Nem todos são iguais no direito de poluir . A siderúrgica britânica British Steel aprendeu isso às custas dele. Depois de se livrar de suas cotas gratuitas para compensar as suas perdas financeiras, ele teve que comprá-las de volta a um preço muito alto para continuar emitindo carbono. Por fim, ele contraiu dívidas excessivas e pediu concordata em 2019.

'Minas de ouro' de vários milhões de toneladas
As empresas adotam várias estratégias contra cotas gratuitas. Alguns venderam em grande parte seus excedentes para obter lucro, outros optaram por mantê-los e outros ainda os compraram de volta. “Vendemos um pouco no começo, mas logo paramos. Agora temos 4,5 milhões de toneladas de cotas de CO2. Teremos que tomar decisões sobre seu bom uso”, explica Eric Bourdon, vice-gerente geral da cimenteira francesa Vicat.

As empresas que venderam ações a seu critério também não ficaram muito atrás, especialmente quando as compraram de volta. Solicitada no âmbito da nossa investigação, a organização internacional de jornalistas Finance Uncovered, sediada em Londres, confirmou o fenómeno da financeirização aplicada a estas quotas de CO2, após análise da base de dados global Orbis, que dá acesso a informação empresarial passada ou recente. A ArcelorMittal, por exemplo, indica em seu relatório anual de 2022 que tinha 154 milhões de euros em "ativos financeiros intangíveis" relacionados a cotas de CO2 em 31 de dezembro de 2021 e 691 milhões de euros em 31 de dezembro de 2022. Conforme explicado pela empresa, este é o resultado de compras que “amadureceram”, o que lhe permitiu reforçar os seus activos de balanço com montantes consideráveis.

Embora se espere que os volumes das cotas diminuam com o tempo, esses estoques podem se tornar verdadeiras minas de ouro, já que o preço do CO2 atingiu € 100 por tonelada em fevereiro de 2023. Algumas previsões chegam a € 700 por tonelada em alguns anos. 

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Pico do Evereste - uma montanha de lixo


Antes do descalabro, em 1991, o Comitê de Controle de Poluição de Sagarmatha (SPCC) foi fundado para ajudar a manter limpa a região de Khumbu, em parte por meio do gerenciamento de locais de coleta de lixo controlados. Tudo estava mais ou menos controlado. Com a chegada de nômadas digitais, turistas de toas a espécie, só pensavam nas selfies no pico do Everest, ignorando o lixo que produziam. 
A primeira grande denúncia chego em  2015, onde se mostravam que as pilhas de lixo têm aumentado exponencialmente nesta região.
Na língua tibetana, o Monte Evereste é chamado de “Chomolungma” (“Qomolangma” em chinês), que significa “deusa mãe do mundo”. Para o povo sherpa, a montanha é um lugar sagrado, merecedor de dignidade e respeito.

Hoje, o Evereste está tão superlotado e cheio de lixo que é chamado de “o depósito de lixo mais alto do mundo”.

Mais de 600 pessoas tentam escalar o Monte Evereste a cada temporada de escalada durante as poucas semanas do ano, quando as condições climáticas são perfeitas. Além disso, para cada alpinista há pelo menos um trabalhador local que cozinha, transporta equipamentos e orienta a expedição. A montanha ficou tão superlotada que muitas vezes os alpinistas precisam ficar na fila por horas em condições de frio congelante para chegar ao topo, onde o ar é tão rarefeito que é necessária uma máscara de oxigênio para respirar. Eles caminham em fila indiana a passos de tartaruga sobre o Degrau Hillary, o último obstáculo antes do cume. Quando os alpinistas finalmente chegam ao cume, mal há espaço para ficar de pé por causa da superlotação.

Cada um desses alpinistas passa semanas na montanha, ajustando-se à altitude numa série de acampamentos antes de avançar para o cume. Nesse período, cada pessoa gera, em média, cerca de oito quilos de lixo, e a maior parte desse lixo fica na montanha. As encostas estão repletas de cilindros de oxigénio vazios descartados, barracas abandonadas, recipientes de comida e até fezes humanas. No Acampamento Base, há banheiros em tendas com grandes barris de coleta que podem ser carregados e esvaziados. Mas é aí que terminam as instalações sanitárias. No restante da expedição, os alpinistas precisam se aliviar na montanha.

Ninguém sabe exatamente quanto lixo há na montanha, mas é em toneladas. O lixo está vazando das geleiras e os acampamentos estão transbordando com pilhas de dejetos humanos. A mudança climática está fazendo com que a neve e o gelo derretam, expondo ainda mais lixo que foi coberto por décadas. Todo esse lixo está destruindo o ambiente natural e representa um sério risco à saúde de todos que vivem na bacia hidrográfica do Evereste.

A bacia hidrográfica do Parque Nacional de Sagarmatha é uma importante fonte de água para milhares de pessoas que vivem em comunidades ao redor do Monte Evereste. A bacia hidrográfica inclui a terra que direciona as chuvas e o degelo das montanhas para os córregos e rios. Não há gestão de resíduos ou instalações sanitárias na área, então o lixo e o esgoto são despejados em grandes poços fora das aldeias locais, onde são levados para os cursos d'água durante a estação das monções. A bacia hidrográfica local foi contaminada, o que pode ser incrivelmente perigoso para a saúde da população local. Sabe-se que a água contaminada com matéria fecal causa a propagação de doenças mortais transmitidas pela água, como cólera e hepatite A.

O que sobe tem que descer
Tanto os governos quanto as organizações não-governamentais (ONGs) tentaram – e estão tentando – limpar a lixeira no Monte Everest. Em 2019, o governo nepalês lançou uma campanha para limpar 10.000 quilos  de lixo da montanha. Eles também iniciaram uma iniciativa de depósito, que está em andamento desde 2014. Quem visita o Monte Evereste tem que pagar um depósito de $ 4.000, e o dinheiro é devolvido se a pessoa retornar com oito quilos de lixo - a quantia média que um único pessoa produz durante a subida.

Não são apenas as autoridades locais tentando fazer a diferença. Durante anos, o Comitê de Controle de Poluição de Sagarmatha (SPCC) trabalhou incansavelmente para manter a região limpa. O SPCC é uma ONG sem fins lucrativos administrada por sherpas locais. Eles gerenciam o lixo na área ao redor do Monte Everest, garantem que as pessoas tenham permissão legal para escalar e educam os visitantes sobre como cuidar do meio ambiente.

O Projeto de Biogás do Monte Evereste também está a trabalhar para encontrar uma solução sustentável de longo prazo para o problema de saneamento da área. Eles têm planos de construir um sistema movido a energia solar que transformaria dejetos humanos em combustível para as comunidades locais. De acordo com o site do projeto, isso impediria que as fezes humanas fossem despejadas nas aldeias locais, o que reduziria o risco de contaminação da água e criaria mais empregos locais.

Desde que Edmund Hillary e Tenzing Norgay chegaram ao cume em 1953, mais de 4.000 pessoas seguiram seus passos, e outras centenas tentam a escalada a cada temporada. Algumas pessoas argumentaram que o governo nepalês deveria ter regras mais rígidas sobre quantas pessoas podem tentar escalar o Monte Everest a cada ano, mas o Nepal depende da renda que os alpinistas trazem para a área. No Nepal, uma em cada quatro pessoas vive abaixo da linha da pobreza, e as licenças de escalada geram milhões de dólares em receita para a economia local. Os visitantes do parque também geram empregos e salário para a população local que oferece hospedagem ou trabalha como carregadores e guias.