quinta-feira, 31 de março de 2022

Pela paz contra a criminalização do pensamento

Carta aberta de 20 personalidades


A denúncia vigorosa da guerra não é incompatível com a necessidade de procurar entender a natureza do conflito, as interpretações que ele suscita, e de como se chegou a esta situação

Não escolhemos o tempo em que vivemos, só escolhemos como reagimos contra a barbárie.

Os signatários reafirmam o inequívoco repúdio de qualquer violação dos acordos internacionais que ameace a integridade e a soberania dos povos, tal como hoje acontece na Ucrânia onde urge parar a guerra e fazer cumprir os princípios da Carta da ONU e da Acta Final da Conferência de Helsínquia.

O que melhor defende a civilização da selvajaria da guerra é o apelo incessante e incondicional à paz.

Os signatários observam com grande apreensão a criação de um ambiente tóxico, em muitos casos vinculado e estimulado por meios de comunicação social e por responsáveis do poder político, de hostilização, desacreditação pessoal e intimidação de todos os que não sigam a cartilha de uma opinião que se arvora ao estatuto de pensamento único.

Pensar traz consequências. O poder político sente-se proprietário das formas de pensar. Os que pensam contra a corrente, são objeto de escárnio, desacreditação social e pressões.

Em seu lugar, privilegiam-se discursos vazios e personagens para todo o serviço. Tudo é superficialidade numa sociedade onde o conhecimento é uma desvantagem e o saber não ocupa lugar.

Pensar não é uma tarefa fácil. Prevalece o elogio da mediocridade, da encenação e da informação espetáculo. Se o discurso não é o oficial é um pensamento subversivo que põe em causa a ordem das coisas - logo deve ser perseguido, deturpado, criminalizado.

Assiste-se por toda a Europa a uma “censura necessária” onde, à revelia de todos os proclamados valores ocidentais, se afastam desportistas, fecham exposições, retiram temporadas teatrais, despedem-se encenadores, professores e maestros, suspendem concertos e ballets, cursos universitários de literatura e ciclos de cinema.

Os signatários recusam alinhar com os que colocaram de quarentena a faculdade de pensar e perseguem todos os que recusam a lógica da confrontação, o elevar das tensões, e o desejo patológico de que a guerra se alastre à escala global.

A denúncia vigorosa da guerra não é incompatível com a necessidade de procurar entender a natureza do conflito, as interpretações que ele suscita, e de como se chegou a esta situação.

Pensar historicamente ajuda a combater os estereótipos e os preconceitos históricos que obstaculizam a compreensão do mundo em que vivemos de forma critica. Os factos históricos nunca são isolados, nem de geração espontânea, arbitrária e inesperada.

Repudiamos que se tenha aceitado, sem qualquer espírito critico nem sentido de soberania, uma diretiva da União Europeia que é contrária à Constituição Portuguesa, promovendo a flagrante e grosseira violação dos direitos de liberdade de expressão e informação expresso no artigo 37 - e o de liberdade de imprensa referido no artigo 38.

De forma acéfala, decidiu-se censurar todos os meios que vinculassem informações contrárias às decretadas como oficiais, restringindo o acesso ao conhecimento, e a uma informação isenta e plural, tentando dessa forma impedir a criação de qualquer outra opinião alternativa.

Isto criou um perigoso precedente sobre o qual tombou um silencio submisso e cúmplice. Esta é uma situação em que o Tribunal Constitucional deveria reverter de imediato.

A criminalização da pluralidade do pensamento promove um mundo sem reflexão critica, sem uma cidadania exigente e participativa. Em seu lugar temos opiniões irrelevantes e banais, sem referências éticas e uma maneira de ser flexível e fútil. O mundo torna-se instantâneo. Pode-se mudar mil vezes de princípios.

A forma maniqueísta de olhar a realidade, a opção da propagada em detrimento do conhecimento, assentam na tentação de uma deriva totalitária, num ambiente público de crescente intolerância, censura e perseguição ao outro que ousa pensar diferente.

A solução não é o aumento da escalada armamentista, nem os apelos à globalização da guerra. A solução está na coragem de avançar para a paz e a obrigatória cooperação entre todos os povos, no enfrentar de tantas ameaças que a todos afectam.

Os signatários:
1- Ana Margarida Carvalho, escritora;
2- Artur Pereira, consultor de comunicação;
3- Boaventura Sousa Santos, sociólogo e professor catedrático jubilado; 
4- Carmo Afonso, advogada;
5- César Viana, compositor e maestro;
6- Cíntia Gil, programadora de cinema;
7- Constança Cunha e Sá, jornalista;
8- Dino Santiago, músico;
9-Francisco Baptista, capitão de mar e guerra (ref);
10-Francisco Mangas, escritor;
11- Gustavo Namorado, advogado;
12- Isabel do Carmo, médica;
13- João Rodrigues, economista e professor universitário; 
14- Júlio Cardoso, actor e encenador;
15- Miguel Januário, artista;
16- Nuno Ramos de Almeida, jornalista;
17- Paula Godinho, antropóloga e professora universitária;
18 -Pedro Tadeu, jornalista;
19- Raul Cunha, major-general (ref);
20 - Viriato Soromenho-Marques, filósofo e professor universitário

quarta-feira, 30 de março de 2022

Fukushima: Inaceitável plano japonês de despejar água radioativa no mar durante 3 décadas


Onze anos depois do acidente na central nuclear de Fukushima, o núcleo dos reatores mantém temperaturas tão altas que é necessário uma imensa quantidade de água para arrefecê-los. Esta água tem uma alta contaminação radioativa e já se acumulou em tal quantidade que o governo japonês decidiu começar a despejá-la no Oceano Pacífico a partir do próximo ano, com os efeitos gravíssimos que isso terá na vida e na saúde de todas as populações circundantes e sobre todas as formas de vida no oceano.

Quando o governo do Japão anunciou em abril de 2021 a sua intenção de descarregar gradualmente mais de 1,4 milhão de metros cúbicos de água radioativa no mar, encontrou o apoio da Organização Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Em fevereiro passado, a AIEA deslocou-se às proximidades da central de Fukushima para examinar de perto o plano japonês de despejar água radioativa no mar. Parece um gesto destinado a criar confiança pública na gestão do Japão ante a oposição de parte da sua população e países vizinhos. Enquanto isso, as vítimas do acidente são negligenciadas pelo desejo de “normalizar” a situação.

O despejo enfrenta a oposição da indústria pesqueira e de países vizinhos, especialmente da Coreia do Sul e da China.

A água radioativa tem origem no arrefecimento do combustível nuclear fundido em três dos reatores. Para reduzir a sua radioatividade, passa por um processo de eliminação de materiais radioativos, de modo que restem apenas trítio e carbono-14. Mas, em 2018, a imprensa japonesa descobriu que a empresa proprietária da Tokyo Electric Power Company (TEPCO) escondia que aproximadamente 84% dos 890.000 m3 de água tratada em setembro desse ano continham concentrações mais altas de substâncias radioativas do que os níveis permitidos para libertação no oceano. Essas concentrações incluíam níveis de estrôncio-90 mais de 100 vezes acima dos padrões de segurança em cerca de 65.000 m3 de água tratada e ainda césio-137 e Iodo-129, com níveis superiores aos limites por um fator de 20.000, em alguns tanques. Segundo dados da TEPCO, em agosto de 2021, 69% da água (o equivalente a 832,9 mil m3) passará por processamento secundário. Espera-se que isso demore vários anos.

A TEPCO declarou que ficaria sem espaço para armazenar água radioativa ainda em 2022. Como solução, tanto a empresa como o governo japonês querem despejá-la no oceano ao longo de trinta anos, para que os contaminantes sejam diluídos.

Numa reunião da Organização Marítima Internacional das Nações Unidas, em outubro de 2021, o governo japonês bloqueou a iniciativa de estabelecer um grupo de trabalho científico para avaliar alternativas para despejar essas águas no Oceano Pacífico. Esta proposta da Greenpeace foi apoiada pela Coreia do Sul, China, Chile, Vanuatu e Palau. Mas a delegação japonesa recebeu o apoio dos Estados Unidos, do Reino Unido e da França.

A 27 de janeiro deste ano, um grupo de jovens com cancro da tiroide, com idades entre 6 e 16 anos na altura do acidente nuclear de 2011, apresentou uma ação contra a TEPCO. Eles pedem que se investigue a relação causal entre o acidente nuclear e o cancro da tiroide e esperam conseguir a criação de um sistema de apoio para aqueles que sofrem da mesma doença. No entanto, o Comité de Revisão da Pesquisa de Saúde da Prefeitura de Fukushima declarou não existir nenhuma relação entre a doença dos jovens e o acidente nuclear.

A energia nuclear não é, de forma alguma, uma alternativa para a soberania energética da União Europeia. Espanha, por exemplo, importa da Rússia mais da metade do urânio para as suas centrais nucleares.

O nuclear acarreta sérios riscos para a saúde dos ecossistemas e à saúde humana, que persistem por séculos. Representam um risco para a segurança das populações, como Fukushima e Chernobyl evidenciam. A guerra na Ucrânia prova ainda que as centrais nucleares são um objetivo militar de primeira ordem, agravando a probabilidade e a gravidade de um acidente com libertação de material radioativo.

Rejeitamos assim a recente decisão da Comissão Europeia, cedendo à pressão do lobby nuclear e catalogando este tipo de energia como “sustentável” ​​no âmbito da transição ecológica, contrariamente aos relatórios dos grupos de assessoria técnica, diferentes governos europeus, numerosas organizações científicas e sociais e até mesmo contra os objetivos do Acordo de Paris. Continuamos a exigir o encerramento de todas as centrais nucleares, começando pela envelhecida Almaraz, pois, quanto mais anos permanecerem abertas, mais prolongaremos o risco e aumentaremos a quantidade de resíduos nucleares a arrefecer e a armazenar.

A energia nuclear é poluente, não é segura nem é carbono neutral.
Quer durante o seu funcionamento quer após o seu encerramento, as necessidades de manutenção durante dezenas, centenas ou milhares de anos, de sistemas de armazenamento e arrefecimento do combustível usado, ou como neste caso de arrefecimento do núcleo dos reatores, implica a emissão de vários tipos de poluição (com destaque para a radioativa) e gases com efeito de estufa – associados à construção e manutenção de enormes infraestruturas e à bombagem de água durante longos períodos.

Para o Movimento Ibérico Antinuclear (MIA), a indústria nuclear e os governos que a apoiam têm de assumir as responsabilidades decorrentes de um acidente. Não se pode aceitar que imponham as suas teses e as suas condições à população que mais sofreu com o desastre, nem que neguem proteção contra as doenças causadas. Devemos também exigir os melhores métodos para recuperar o território e evitar mais danos.

Por último, os custos de uma atividade perigosa, obsoleta e não competitiva não podem ser imputados aos cidadãos e aos contribuintes, que continuam a “assegurar” a exploração nuclear uma vez que não existe nenhuma seguradora no mundo disposta a assumir os seus riscos.

Lisboa, 11 de março de 2022

A Comissão Coordenadora do MIA em Portugal

O MIA é um movimento composto por coletivos ambientalistas e instituições de Portugal e de todo o Estado Espanhol. Em Portugal integra cerca de 30 coletivos.

Why the war in Ukraine is also a make-or-break moment for climate change

The Russian invasion of Ukraine is barely three weeks old, but it’s already brought unspeakable suffering and destruction, as well as momentous shifts in the global order. Now, as Western countries have effectively started decoupling from Russia both economically and politically, a lot of attention is focusing on energy security and increasing fossil fuel production.

“We can come back to tackling climate change” later, we’re starting to hear. This puts the existential effort to decarbonize the global economy at risk of becoming collateral damage of the war — and that would be catastrophic.

But can we be outraged about the war, worry about energy security and fight climate change all at the same time?

Those goals aren’t necessarily at odds. But they will require a clear-eyed understanding of the dramatic forces now at work, both economically and geopolitically.

The war in Ukraine is, in many ways, an energy war. Europe in particular is becoming acutely aware of its dependence on Russian fossil fuels — a dependence that is literally fueling the conflict. The European Union, and to a lesser extent the UK and the US, buy hundreds of millions of dollars worth of oil and gas from Russia every day (some of it transiting through pipelines that cross Ukraine), and it’s those millions that finance Russia’s regime and its army.

Europe relies on Russia for about 40 percent of its gas and about one-quarter of its oil imports. Cutting those flows is dual-edged — it would cripple Russia economically but could also trigger blackouts and chaos across the continent. That helps explain why EU sanctions currently do not extend to Russia’s fossil fuels (The US and the UK import far less and moved to ban oil imports).

Olaf Scholz, the recently elected German Chancellor who with a single, historic speech reversed decades of non-military foreign and security policy, has had to acknowledge that Europe’s supply of energy “can’t be secured otherwise at the moment.” His economic and energy minister Robert Habeck from the Green party warned of “mass unemployment and poverty.”

Hence, the flows keep flowing — and the fueling of Europeans’ cars and the heating of their homes funds the war. Columnist Javier Blas calls it “the commodities market version of the Cold War doctrine of mutual assured destruction, or MAD.” It’s that madness that threatens to derail the efforts to decarbonize the global economy.

Europe’s energy predicament is largely self-inflicted. But that doesn’t alter the fact that weaning the continent off Russian gas and oil — a need that has been spoken between the lines in European discussions for years — has suddenly become an urgent security imperative. The European Commission has presented a plan to make Europe independent from Russian fossil fuels before 2030, starting with reducing gas imports by two-thirds by year’s end. (It includes increased imports of liquified gas, deploying renewables faster, conserving energy, developing hydrogen and taking measures to respond to rising energy prices.) The International Energy Agency (IEA) has added its own thinking towards reducing that reliance.

This has definite positives when it comes to dealing with climate change, and there are plenty who see the instability provoked by the war as a fork-in-the-road moment, a renewed incentive to accelerate the adoption of clean energy.

Getting rid of the dependence on Russian fossil fuels means getting rid of fossil fuels — and once that shift to cleaner sources is achieved, there would be no way back. That is, for now, the position of Europe, which has found new unity and political vigor in response to the war. (It’s worth noting that this shared goal isn’t matched by a consensus on method yet: while Germany is phasing out nuclear plants, France is planning a vast expansion of nuclear power, for instance.)

Others, however, think that we cannot confront both energy security and decarbonization at the same time. In this view, the instability provoked by the war creates disruptions in energy supplies and price increases with significant economic and social repercussions. We should therefore tackle this crisis first, and worry about climate change later, by giving priority to securing energy supplies, increasing oil and gas production and delaying the phasing out of coal. This seems to be the position of the US (which is even trying to convince Venezuela and Iran to increase oil production), and to some extent, also the UK and China.

Who is right? This tension between energy security needs and overarching climate goals is now central to the climate discussion. It can’t be — and shouldn’t be — easily resolved. Either/or is a luxury we can’t afford. There are merits to both points of view, at least in the short term. It is not a choice so much as a dilemma, in which we need to keep two conflicting goals in mind at the same time, with the same high level of priority.

Which brings me to the second major challenge now facing climate action: deglobalization. Fighting climate change needs global collaboration. However, after decades of global integration, accelerated in 2001 when China joined the World Trade Organization, the world is now becoming less integrated. This deglobalizing trend isn’t new, it can be traced back to the 2008 financial crisis, and has been hastened over the last few years by the growing economic and strategic rivalry between the United States and China and by the Covid-19 pandemic, which has added to global inequality and provided new rationales for more protectionist policies.

For this trend, too, the war in Ukraine is a dramatic accelerating factor. To avoid a confrontation with a nuclear-armed Russia that could escalate into a generalized conflict — a third World War — the West has elected not to engage militarily in Ukraine but to offer external support. By itself, that’s a prudent and rational decision: no one wants NATO and Russian jet fighters getting too close to each other.

In parallel, however, Western countries have initiated severe economic sanctions on everything from Russian banks to technology imports to the assets of oligarchs. As a consequence of the sanctions (and of popular outrage at the war), hundreds of companies have withdrawn from Russia or suspended their operations. Many think that the country has become “un-investable” for a long time. This is putting huge pressure on Russia, but it has also transferred the theater of the conflict to the global economic sphere.

For instance, in a recent TED conversation Ian Bremmer, the founder of Eurasia Group, told me that the Chinese ambassador to Moscow gathered Chinese investors in Russia to suggest that the Western withdrawal represents a unique opportunity to “go in and do more because Russia is going to be relying on us.” Most of the sanctions, Bremmer suggested, are potentially functionally permanent (at least as long as President Putin is in power, and especially if he acts on his threat to seize the assets of Western companies), and their ripple effects will ignite a repatterning of the global economy.  

Watch the full discussion about the war in Ukraine between TED’s Bruno Giussani and geopolitical analyst Ian Bremmer: 



Many scenarios can spin out of this situation, and here’s one. The world splinters into two ideologically incompatible parts, an authoritarian one around China and Russia and a democratic one around the United States and Europe. The underlying infrastructure also starts diverging, with separate credit card and payment systems, Internet networks, information spheres (this is already happening, especially after the thorough shutdown of any independent source of information in Russia), technological developments and supply chains. If it sounds familiar, that’s because it is — the world was split into two such halves during the Cold War.

This New Cold War is different, however, for at least three reasons. First, the world has grown way more interconnected and interdependent, which means that a rapid reorganizing (or disorganizing) of global supply chains is going to bring significant disruption, from higher prices to shortages. Second, China is not the Soviet Union: it is a big, successful economy with an assertive foreign policy that has by and large achieved technological parity with the US, has the world’s largest navy, and is inching closer every day to the moment when it will regain control of Taiwan, the world’s semiconductor hub.

Finally, it is not obvious that much of the rest of the world would align itself with the US and Europe. The Western media has focused on the fact that the United Nations General Assembly resolution condemning the invasion of Ukraine has gathered 141 votes, with 35 countries abstaining and only 5 voting against (Belarus, Eritrea, North Korea, Syria and Russia itself), framing it as a demonstration of a world united against Russia.

Meanwhile, too little airtime has been given to the list of countries that have actually joined the West’s sanctions, which is much shorter: the US, the UK, the EU, Canada, Japan and a dozen others. Southern countries, for instance, are staying out of it, possibly because they recognize the double standards the West is applying. Middle Eastern countries are also keeping their distance, their motivations likely both economic and political.

In other words, we are at a geopolitical juncture, facing a future of less “global liberal order” and more raw national self-interest. We already see less attention on international institutions and rules — which need to be re-imagined — and more to national sovereignty, and a competitive edge tilted towards those who control reliable sources of energy, materials and food, as well as technology and supply chains. Europe has surely woken up to the fact that “tectonic shifts” are happening and, in the words of France’s President Emmanuel Macron at last week’s Versailles meeting of EU heads of State, that energy, food and defense are issues of sovereignty.

Within countries, spiraling energy (and food) prices, which hit less-well-off groups harder, have the potential to destabilize political systems, making ambitious climate policies even more difficult. In this sense, the coming energy crisis will be a crucial test. It’s going to make very tangible how costly the climate transition is going to be, and the response will show how earnest we are. As the IEA puts it, “The faster EU policymakers seek to move away from Russian gas supplies, the greater the potential implication, in terms of economic costs and near-term emissions.” Absorbing those costs will demand huge effort, commitment and political creativity.

What are the implications of all this for the climate?

In the last few years, the fight against climate change has finally gained momentum, propelled by a combination of public pressure from the youth movement, of growing apprehension with catastrophic wildfires, floods, droughts and heatwaves on all continents, of increasingly accurate (and disquieting) scientific evidence and of the development of still vague (and often abused) but useful concepts such as net-zero and ESG.

The COP26 climate conference last November in Glasgow, although depicted by some activists as a failure, produced a series of real commitments with cities, the private sector, finance, science and civil society leading the way. Climate scientist Johan Rockström, a regular at COP gatherings, said that for the first time he saw “momentum that’s beyond incremental.”

Overall, the momentum is still towards an energy transition (including when viewed through the behavior of stock market investors). But it’s now frighteningly easy to see how we could careen towards a world where the decarbonizing efforts of some could be entirely wiped out by others, less sensitive to public opinion and more focused on economic growth, just pumping and burning away. If you want to make it even more dystopian, think of a future split in two between a group of authoritarian fossil-energy-rich economies versus a group of democratic green-energy-fragile states. And when it comes to CO2, it doesn’t matter where and by whom it is emitted, because the atmosphere is one and shared.

For exactly that reason, fighting climate change needs global cooperation. The new configuration emerging from the Russian invasion of Ukraine and the West’s economic sanctions in response threatens to make that collaboration exponentially harder, if not impossible.

Moreover, fighting global heating and its impacts needs rich countries to share technologies and financial resources with poorer ones to allow them to adapt and develop their economies and societies without resorting to fossil fuels.

Until now, that support has been lacking, as the Prime Minister of the Barbados Mia Mottley said in her much-discussed talk at COP26, adding that “our people are watching and taking note.” At a more recent Financial Times conference, Mottley defended her country’s plan to expand fossil fuel exploration off its coast. According to the newspaper’s own account, she explained that developing countries need “a way to finance our route to net-zero,” and if the wealthy nations that “caused the problem” would not provide funding, they would need to find other ways to generate revenue, such as extracting and exporting fossil fuels. That’s probably a majority viewpoint among politicians from Africa to India and plays to the potential geopolitical divide that the Ukraine war is now triggering.

What applies to energy also applies to food and minerals — Ukraine and Russia account for about 12 percent of calories traded in the world, and the impacts of the war on food supplies are already been felt across the world. Furthermore, many of the materials necessary for a clean energy transition also rely on unstable global supply chains involving, among others, Russia, which I don’t have space to discuss in detail here.

So what do we do about it? This is a time for putting all the cards on the table and exploring a new type of climate politics.

Like the coronavirus crisis before it, the Ukraine war is unlikely to be the last global systemic shock with the potential to derail climate action. There will be other crises, and we can’t keep kicking the climate can down the road at every crisis. We need to develop a plan now, one that, as climate writer Gabrielle Walker told me in an email, “is dynamic and flexible, keeps everything on the table and adapts according to current circumstances”.

First, we need to acknowledge that in a world where the goal is to get rid of the foundational source (fossil fuels) that provides about 80 percent of our energy, climate solutions can’t be decoupled from energy security. Modern societies can’t function without a reliable supply of energy.

Even if renewables are now the cheapest source of power and Western countries come together to accelerate their deployment, implement serious measures to increase efficiency and reduce consumption, develop new approaches such as geothermal and hydrogen, and massively invest in new technologies (for instance for storage), it’s going to be impossible for them to maintain their economies’ stability over the short-medium term without fossil fuels and nuclear power. It takes years to bring a solar plant online, for example. In other words — and I say this as a climate activist — we will have to live with “impure” solutions to the energy crisis in the short term while keeping our eyes on the longer-term climate targets.

Second, while working on securing their energy supply, Western countries need to get much more serious about funding energy infrastructure across the global South — it’s a question of equity, but also crucial to counter the geopolitical divide that is starting to build. It’s also worth noting that China still has a net-zero commitment and is still very much interested in being a provider of low-carbon solutions (think solar technology) to the world. That’s also a conversation that should not become a fatality of Russian bombs.

Reframing the way we use the concept of net-zero could also be helpful here — although it does need a more stringent definition, possibly linking permission to offset some emissions more strictly to actual decarbonization. It could be framed not as a climate goal, but as a secure way ahead for the world, the mechanism by which energy security and decarbonization can both be achieved.

Christiana Figueres, the Costa Rican diplomat who directed the process that led to the Paris Agreement, told me in a discussion the other day that “what’s happening now should be a holy-shit moment for climate.” Her colleague Tom Rivett-Carnac, who was also on the call, added that the world “will hopefully come together around the challenge of incorporating the short-term energy security and social stability concerns into the long-term decarbonization imperative.” And not just those who identify as climate scientists, climate experts, climate investors or climate activists, but everyone who cares about keeping the planet welcoming for human life. So far, that unity has not been a characteristic of the climate community.

On February 28, 2022, a shocking report went almost unreported, knocked off the front pages by the war in Ukraine that started four days earlier. The IPCC, the United Nations panel that assesses the state of climate science, published a devastating second part (of three) of its sixth assessment describing how climate breakdown is accelerating. (The report’s “summary for policymakers” needs to be unanimously agreed, word by word, by all 195 member governments.) The UN Secretary-General António Guterres called it “an atlas of human suffering and a damning indictment of failed climate leadership.”

That was followed, on March 8, by the International Energy Agency releasing its Global Energy Review report, which says that 2021 registered “the largest ever year-on-year increase in energy-related CO2 emissions in absolute terms,” with a rise of 6 percent, mainly driven by coal, and reaching their highest level ever. Meanwhile, record rainfall brought calamitous floods and deaths to Eastern Australia. In other words, the climate crisis is accelerating, and the urgency to decarbonize is indisputable.

It’s now vital to reconcile short-term energy goals and long-term climate goals in this deglobalizing world with a unity of purpose and direction. Meanwhile, the suffering and destruction intensifies in Ukraine, and confronting it is urgent.

And failing to do both at the same time would affect the world for generations to come. When he gave his inaugural speech in 2019, Ukrainian President Volodymyr Zelenskyy said something that is a fitting message for the whole world today. He said: “We will build the country of other opportunities … and for that, we need people in power who will serve the people. This is why I really do not want my picture in your offices, for the President is not an icon, an idol or a portrait. Hang your kids’ photos instead and look at them each time you are making a decision.”

Ted-Talk- Yuval Noah Harari: The war in Ukraine could change everything







Clique em legendas e aparece em Português (BR).

Preocupado com a guerra na Ucrânia? Você não está sozinho. O historiador Yuval Noah Harari fornece um contexto importante sobre a invasão russa, incluindo a longa história de resistência da Ucrânia, o espectro da guerra nuclear e sua visão de por que, mesmo que Putin ganhe todas as batalhas militares, ele já perdeu a guerra. (Esta palestra e conversa, apresentada pelo curador global do TED Bruno Giussani, fez parte de um evento TED Membership em 1º de Março de 2022.)

Gilles-Éric Séralini: pesticida Roundup contamina alimentos

Seu título por si só promete ser polêmico e acusatório. O livro The Monsanto Papers-The Roundup Scandal não trata diretamente de comprometer os vazamentos do mundo financeiro. Mas sim com a saúde de milhões de pessoas. Escrito pelo biólogo francês Gilles-Éric Séralini, em suas páginas ele afirma que os alimentos consumidos em quase todo o mundo estão contaminados com o agrotóxico Roundup.

A Séralini se especializou nos riscos de OGMs e agrotóxicos para a saúde humana. Juntamente com seu grupo de pesquisa na Universidade de Caen, ele desenvolveu um trabalho sistemático sobre a toxicidade do Roundup. Agora foi transformado em livro pela editora Octaedro e em colaboração com o chef Jérôme Douzelet.

O pesticida Roundup é composto de 40% de glifosato, mas também de resíduos derivados do petróleo "extremamente tóxicos" usados ​​na agricultura intensiva.


O livro alerta para o perigo que representa o uso do Roundup na produção de alimentos na agricultura intensiva e o uso de organismos geneticamente modificados (OGM) resistentes aos pesticidas fabricados pela Monsanto -hoje Bayer- (MonBa), informa a agência Efe .
Gilles-Eric Séralini
O biólogo molecular pesquisa toxicidade há mais de 30 anos e parte de seus estudos refere-se a agrotóxicos. Ele os compilou sob o nome de The Monsanto Papers e eles verão a luz do dia nos próximos dias. Ele observou que as descobertas representam um "sério problema para a saúde das pessoas". As substâncias que são incorporadas aos alimentos causam doenças como câncer, malformações e distúrbios endócrinos, entre outros.

Alimentos contaminados com pesticida Roundup

O Editorial Octaedro indica que o trabalho de Seralini é "corajoso e transgressor". Ele explica como e de que maneira a maioria dos alimentos que comemos está contaminada com Roundup.

Na apresentação de The Monsanto Papers-The Roundup Case Scandal é indicado que “em setembro de 2012, um estudo do biólogo Gilles-Éric Seralini, publicado na prestigiosa revista científica Food and Chemical Toxicology , abalou as bases da poderosa multinacional Monsanto. Líder mundial em engenharia genética de sementes e produção de herbicidas. O artigo deixou claro os efeitos no fígado e nos rins dos dois principais produtos da empresa: o glifosato Roundup e alguns organismos geneticamente modificados para absorvê-lo, como a variedade de milho NK603”.

“O contra-ataque da Monsanto não teve qualquer contenção: pressão sobre os editores para formalizar uma retratação dos resultados do estudo; campanhas para desacreditar e intimidar Seralini e todos que o apoiavam e manipulação de órgãos públicos para burlar as normas que protegem a população”, diz. Seralini afirmou ter sido objeto de múltiplas pressões, humilhações e ameaças da transnacional sediada na Alemanha.

No mundo existem "milhões de pessoas afetadas pela toxicidade do agrotóxico Roundup", disse o biólogo à Agência Efe . No entanto, apenas casos foram levados aos tribunais nos Estados Unidos e no Canadá. Após as primeiras reclamações, a MonBa enfrenta atualmente mais de 125.000 processos na América do Norte. Ainda não houve reclamações na Europa. Os advogados dos queixosos nos Estados Unidos "me contataram", acrescentou o pesquisador,

Não só tem glifosato, causador de doenças graves

A contaminação de alimentos pelo pesticida Roundup "não é apenas glifosato". Séralini destaca que o agrotóxico Roundup é composto por glifosato e produtos altamente tóxicos para a saúde, como derivados de petróleo e metais pesados ​​que causam doenças como o câncer. Conforme catalogado pelo Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (CIIC) e pela OMS, que em 2015 indicou que poderia ser cancerígeno e desencorajou seu uso.

No entanto, o Roundup é o pesticida mais vendido do mundo . É utilizado não só nas fumigações da agricultura intensiva, mas também na eliminação de pragas em parques e jardins nas cidades. Em áreas próximas a residências ou centros educacionais e até mesmo em jardinagem particular, sem que os consumidores saibam de “sua alta toxicidade”.

A Espanha é o país da Europa onde o Roundup é mais utilizado para a produção intensiva de alimentos. Contamina não só os produtos, mas também o solo e as fontes de água, como é o caso do Mar Menor. “Por isso decidimos publicá-lo primeiro em Espanha”, onde também são cultivadas sementes transgênicas que são rejeitadas no resto da Europa”, disse o pesquisador.

Séralini e Douzelet são autores de outros livros sobre agrotóxicos. Com isso, eles se sentem otimistas de que a autorização para prorrogar a licença do MonBa, que está pendente de revisão este ano na União Europeia, será negada, após uma prorrogação aprovada em 2017. Uma proposta que o presidente francês Emmanuele Macron havia anunciado que faria propõem coincidir com a presidência francesa do Conselho Europeu.

Fonte: Cambio 16

terça-feira, 29 de março de 2022

Dia Mundial do Piano

Nascido em 2015 pela mão de Nils Frahm, o Piano Day, celebração de um instrumento inesgotável, internacionalizou-se.



O Piano Day celebra-se ao 88º dia do ano, em homenagem ao instrumento que tem essas mesmas teclas. Em Portugal, assinala-se a data em Lisboa e em Coimbra hoje e amanhã.

A iniciativa de caráter mundial foi iniciada pelo músico e compositor alemão Nils Fhram e tem continuado a acontecer todos os anos desde então. Nos últimos dois, apenas de uma forma virtual devido às restrições impostas pela pandemia.

O objetivo deste dia é a celebração do piano como instrumento mas, também, de todos aqueles que o tocam, fabricam, afinam e até de quem move pianos de um lado para outro.



A atual política de regadio é contra o interesse público

Ao longo das últimas décadas a política de regadio tem gerado desigualdades territoriais e socioeconómicas inaceitáveis. Na resposta aos interesses fundiários, da finança e do grande agronegócio tem sido motor do extrativismo, promovendo sistemas de produção de lógica mineira e em total desrespeito pelas populações locais e gerações futuras. Artigo de Ricardo Vicente


Em Portugal, apenas 16% da Superfície Agrícola Utilizada (SAU) é irrigável (terras equipadas), representando o regadio potencial 626 mil hectares em todo o país segundo o recenseamento agrícola de 2019 (INE), pelo que a esmagadora maioria da área agrícola não é regada, estando portanto ocupada com culturas de sequeiro. Esta é uma realidade que não se pode alterar substancialmente, dada a crescente escassez de água e os elevadíssimos custos económicos e ambientais que tal transformação implicaria. Contudo, a expressão territorial do regadio já foi muito diferente, quer ao nível da sua extensão (em 1989 representava 22% da SAU) quer ao nível da sua distribuição geográfica. Entre 1989 e 2019, as regiões de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira Litoral perderam cerca de 60% da área irrigável. A Beira Interior perdeu 50%, o Algarve 34% e o Ribatejo e Oeste 12%. Apenas o Alentejo subiu, com um aumento de 106%. O gráfico que se segue (fig.1) espelha esta realidade em números absolutos. Não se pode desprezar o facto destas reduções resultarem também do abandono da atividade agrícola e consequente redução da SAU, que aconteceu de forma muito heterogénea no país, no entanto, conforme se verifica na figura dois, os dados do INE demonstram que com a exceção do Alentejo, em todas as regiões, proporcionalmente, as áreas irrigadas diminuíram mais do que a totalidade da SAU. Ainda segundo o INE, no caso das regiões de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, em termos absolutos, as áreas irrigáveis diminuíram muito mais do que a totalidade da SAU, o que demonstra, que pelo menos nestas regiões houve uma forte conversão do regadio para sequeiro.

Fig.1 – Superfície Irrigável (ha) por Região (Fonte: INE)

Fig.1 – Superfície Irrigável (ha) por Região (Fonte: INE)



Em termos globais, no continente, nas últimas três décadas, a SAU irrigável diminuiu 244,8 mil hectares e a SAU 40,9 mil hectares.

Fig. 2 – Variação da  SAU e da SAU irrigável por região (1989-2019) em termos poporcionais (à esquerda) e em termos absolutos (à direita) (Fonte: INE)

Fig. 2 – Variação da SAU e da SAU irrigável por região (1989-2019) em termos proporcionais (à esquerda) e em termos absolutos (à direita) (Fonte: INE)

Apesar das conhecidas projeções que indicam um enorme crescimento dos riscos de seca e de escassez de água, com especial incidência no sul do país, o Alentejo é a única região onde o regadio está a ter uma forte expansão, essencialmente impulsionado pelo aproveitamento hidroagrícola do Alqueva. Esta situação poderia até ser compreensível se o regadio público estivesse a ser implementado no Alentejo, segundo uma estratégia de equidade e coesão territorial e de promoção da resiliência dos ecossistemas agrários às alterações climáticas, garantindo desta forma, entre outros, a manutenção dos sistemas de montado, a regeneração de solos e a preservação de biodiversidade que hoje estão fortemente ameaçados. Não é disso que se trata, antes pelo contrário. Além de representar uma política de privilégio sobre um reduzido número de explorações agrícolas, a água está a alimentar sistemas de produção danosos para o ambiente e em moldes prejudiciais ao desenvolvimento sustentável do território e às suas populações. É assim com as águas do Alqueva e o olival e amendoal intensivos, mas também em todo o Perímetro de Rega do Mira com os frutos vermelhos e as hortícolas em estufa.

Em tempos de alterações climáticas, os esforços da política pública devem focar-se urgentemente em promover sistemas de produção agrícolas, pecuários e florestais dotados de grande capacidade de resiliência e que contribuam para a coesão territorial e social. O regadio tem um papel relevante neste caminho, mas para isso a aplicação de dinheiros públicos no regadio tem de seguir critérios que respondam ao interesse público. Desde logo, deve ter em consideração critérios de equidade social e territorial, o que não aconteceu quando se decidiu drenar os meios financeiros disponíveis essencialmente a sul do Tejo, ignorando as agriculturas do norte onde o abandono e os riscos de incêndio andam de mãos dadas. Para agravar, o investimento público no regadio foi concretizado de forma a privilegiar um número muito reduzido de explorações agrícolas, deixando de fora 85% das explorações do Alentejo.

No âmbito da consulta pública do Plano Nacional de Investimentos – PNI2030, que previa 250 milhões de euros para a recuperação de regadios públicos degradados e 400 milhões de euros para construção de novos regadios, em abril de 2020, um conjunto de três investigadores da Universidade de Évora apresentou um parecer com vários contributos para a sua reformulação (ver anexo). Destaca-se a apreensão dos mesmos face ao previsto no Plano, que deixa “ao arbítrio dos grandes beneficiários das obras as escolhas e decisões técnicas e económicas”, alertando para os riscos de se repetirem práticas “predadoras dos recursos solo e água, da paisagem e dos ecossistemas”. Os especialistas alertam para a necessidade de dirigir os investimentos em regadio para as culturas onde a produtividade da água é maior, nomeadamente as culturas de outono/inverno e o complementos às culturas de sequeiro. Destacam também a necessidade de apostar no pequeno regadio privado, medida que pode ser menos dispendiosa e possibilitar maior distribuição territorial, social e ambiental dos benefícios da água. Salientam ainda a necessidade de recuperar os níveis de matéria orgânica do solo e a sua capacidade de drenagem, medida que é essencial como resposta às alterações climáticas e que a política de regadio tem de ter em consideração na definição de prioridades. Por fim, recomendam a revisão do programa, de forma a que seja enquadrado numa “proposta sólida e global de desenvolvimento rural, incluindo coerentemente o regadio e as outras atividades agrícolas, florestais e do ambiente”. As principais críticas apresentadas pelos autores foram recentemente replicadas (ver anexo) no âmbito da consulta pública do estudo realizado pela EDIA (ver anexo), “Regadio 2030”, onde se ensaia um investimento superior a 2 mil milhões de euros em regadios públicos para as próximas décadas, com destaque para o Projecto Tejo (assinalado a amarelo). O mapa que se segue reúne as intenções e demonstra que, mais uma vez, além de muita irracionalidade ecológica, as propostas não têm critérios de equidade social e territorial, nem se circunscrevem numa estratégica clara de desenvolvimento rural para o país, respondem apenas aos interesses fundiários, da finança e do grande agronegócio, na sombra do Estado.

Fig. 3 – Mapa de investimentos ensaiados pela EDIA, no estudo Regadio 2030, por econemnda do  Governo (Fonte: EDIA, Regadio 2030, dezembro de 2021)

Fig. 3 – Mapa de investimentos ensaiados pela EDIA, no estudo Regadio 2030, por encomenda do Governo (Fonte: EDIA, Regadio 2030, dezembro de 2021)
Como agravante há ainda o mau desenho da nova política agrícola comum, principal política pública destinada ao investimento privado, onde se inscrevem 10 mil milhões de euros com aplicação até 2027. Havendo mau uso de uma grande fatia deste dinheiro, com entrega de rendas injustificadas, no âmbito da resposta à seca destacam-se os seguintes problemas: há um elevado nível de financiamento público que é aplicado em sistemas de produção lesivos para os recursos naturais, nomeadamente hídricos, e para o interesse público; há um grande incentivo à prática de culturas de regadio com muito baixa produtividade da água, como é o caso do milho para grão; não há uma estratégia robusta de intervenção para melhorar os sistemas de produção baseados em culturas de sequeiro; existem medidas de sobrelucro destinadas a quem possui sistemas de rega mais evoluídos em vez de se aplicar essas verbas na adaptação ao novo clima; não há serviços de extensão rural capazes de apoiar a generalidade dos agricultores na gestão da água.

segunda-feira, 28 de março de 2022

Lentidão

Paul Klee- Sun Number One



A todas e todos os pescadores do silêncio, da sabedoria, da História e da profundidade e da lentidão. E a todas e todos os pescadores de bondade que ,em cada olhar espelhado na água da dor, estendem a mão, abraçam, abrigam e dizem vem comigo!- João Soares, 23/03/2016

Homilía Colectiva

Picasso


“Renovo o meu apelo: Basta! Parem! Calem as armas! Empenhem-se seriamente pela paz! Rezemos sem descanso à Rainha da Paz, a quem consagrámos a humanidade, de modo particular, a Rússia e a Ucrânia, com uma participação grande e intensa, pela qual agradeço a todos.”
Papa Francisco, há poucas horas
"Senti vergonha quando um grupo de Estados se comprometeu gastar 2% do PIB para comprar armas, em resposta ao que está a passar-se. Uma loucura"
Idem, há uns dias
«Até agora a humanidade foi sempre educada para a guerra, nunca para a paz. Constantemente nos aturdem os ouvidos com a afirmação de que se queremos a paz amanhã não teremos mais remédio que fazer a guerra hoje. Não somos ingénuos ao ponto de acreditarmos numa paz eterna e universal, mas se os seres humanos foram capazes de criar, ao longo da História, belezas e maravilhas que a todos nos dignificam e engrandecem, então é tempo de deitar mãos à mais maravilhosa e formosa de todas as tarefas: a incessante construção da paz. Que essa paz, porém, seja a paz da dignidade e do respeito humano, não a paz de uma submissão e de uma humilhação quantas vezes disfarçadas sob a máscara de uma falsa amizade protectora. Já é hora de que as razões da força deixem de prevalecer sobre a força da razão. Já é hora de que o espírito positivo da humanidade se dedique, de uma vez, a sanar as inúmeras misérias do mundo. Essa é a sua vocação e a sua promessa, não a de pactuar com supostos ou autênticos «eixos do mal»...»
José Saramago, há nove anos

sábado, 26 de março de 2022

Fernando Pessoa



Se eu tirar com uma pancada
O bolo barato da boca da criança pobre
Onde encontrarei justiça no mundo,
Onde me esconderei dos olhos do Vulto
Invisível que espreita pelas estrelas
Quando o coração vê pelos olhos o mistério olhar o universo?
Minha emoção concreta, ó brinquedo de crianças,
Ó pequenas alegrias legítimas da gente obscura,
Ó pobre riqueza exígua dos que não são ninguém…
Os móveis comprados com tanto sacrifício,
As toalhas remendadas com tanto cuidado,
As pequenas coisas de casa tão ajustadas e postas no lugar
E a roda de um dos mil carros do rei vencedor
Parte tudo, e todos perderam tudo.
Que imperador tem o direito
De partir a boneca à filha do operário?
Que César com suas legiões tem justiça
Para partir a máquina de costura da velha
Se eu for pela rua
E arrancar a fita suja na mão da garota
E a fizer chorar, onde encontrar qualquer Cristo?
Álvaro de Campos
na imagem, refugiados ucranianos
fotografia de J Mitchell | Getty Images

Francisco: há nove anos Papa


Fez no passado dia 13 nove anos que Francisco foi eleito Papa. Apresentou-se de modo simples na varanda de São Pedro à multidão, sem esplendor, apenas com a batina branca e uns sapatos toscos. E logo na saudação à multidão ficou claro ao que vinha: "Agora iniciamos este caminho, Bispo e povo..., um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre uns pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Espero que este caminho de Igreja seja frutuoso para a evangelização. E agora quero dar a bênção, mas antes... peço-vos um favor: antes de o Bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a mim. Façamos em silêncio esta oração vossa por mim..."

Escolheu o nome de Francisco, o que nenhum Papa anterior tinha feito. Em ligação com São Francisco de Assis, o da simplicidade, da fraternidade universal, da paz, do vínculo com a Terra, do que tinha ouvido Cristo dizer-lhe: "Repara a minha Igreja em ruína..." Não foi viver para o Palácio Apostólico mas para a Casa de Santa Marta, utiliza um carro modesto, e é cristão - eu disse-o na televisão, logo quando foi eleito, causando imenso espanto e até perplexidade; mas, pensando bem, não é essa a causa de ele se ter imposto ao mundo como uma voz político-moral global, talvez a mais influente? Como cristão, bate-se pela paz, é simples, está com todos, a começar por aqueles e aquelas com quem ninguém está, é profundamente humano, o Deus que anuncia é o do Evangelho: o seu nome é Misericórdia...

Nas reuniões prévias ao conclave no qual foi eleito, tomou mais consciência da crise que a Igreja está a atravessar e de como era urgente uma reforma, para acabar com o longo inverno no qual mergulhara... Evidentemente, a reforma tem de ir ao interior e começar por cada católico/católica, com destaque para os padres, cónegos, bispos, cardeais, perguntando cada um, cada uma a si mesmo, a si mesma: Estou na Igreja porquê? Apenas por tradição? Por rotina? Ou porque a mensagem do Evangelho me interessa de modo vital? Ela é boa para mim? Para mim? Só com a resposta positiva a esta pergunta se poderá avançar para a reforma da Igreja enquanto instituição. Mas, por outro lado, também é certo que há reversibilidade: a reforma da instituição ajudará na resposta pessoal de cada um, de cada uma.

Assim, acompanhado por um pequeno grupo de cardeais, ao longo destes nove anos, Francisco empenhou-se profundamente nesta reforma, que implica - ponto essencial -, a reforma da Cúria, apesar de ter consciência de que "é mais difícil reformar a Cúria do que limpar a esfinge do Egipto com uma escova de dentes". E, inopinadamente, sem fugas de informação, no passado dia 19, no nono aniversário do início solene do seu pontificado, Francisco promulgou a Constituição Apostólica Praedicate Evangelium sobre a Cúria Romana e o seu serviço à Igreja no Mundo", que entra em vigor no próximo dia 5 de Junho, dia do Pentecostes.

No título, Praedicate Evangelium, está o núcleo: "Pregai o Evangelho". De facto, para que serve a Igreja senão para anunciar por palavras e obras o Evangelho, a notícia boa e felicitante de Jesus, a cada pessoa e à Humanidade inteira? Assim começa a Constituição: "Esta é a missão que o Senhor Jesus confiou aos seus discípulos. Este mandato constitui o primeiro serviço que a Igreja pode prestar a cada pessoa e a toda a Humanidade no mundo de hoje. A isto foi chamada."

O núcleo é a evangelização, e aí está uma Cúria humanizada, desclericalizada, numa Igreja em saída, não autorreferencial, sinodal, povo de Deus, ao serviço... Francisco põe em marcha "a revolução da primavera na Igreja", como José Manuel Vidal, director de Religión Digital, gosta de lhe chamar.

Com 250 artigos, o texto é longo. Ficam aí apenas algumas notas, com a promessa de que voltarei ao tema.

1. "As pessoas que servem na Cúria são escolhidas entre os bispos, os padres, os diáconos, os membros dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica e os leigos que se distinguem pela sua vida espiritual, a sua boa experiência pastoral". Mais: os membros da Cúria devem ser exemplares quanto à "sua sobriedade de vida e o seu amor aos pobres, o seu espírito de comunhão e de serviço, a sua competência nos assuntos que lhes são confiados e a sua capacidade de discernir os sinais dos tempos."

2. Para cercear o "carreirismo eclesiástico", os membros da Cúria vêem o seu tempo de serviço limitado a 5 anos, excepcionalmente renovado por mais cinco.

3. Como sublinhou o cardeal O"Malley, "pela primeira vez o Papa fez da protecção dos menores uma parte central do governo da Igreja." De facto, o artigo 78 da Constituição estabelece que, no Dicastério (na linguagem corrente, um Dicastério é um Ministério) para a Doutrina da Fé, "institui-se a Comissão Pontifícia para a Protecção dos Menores, que tem como missão assessorar e aconselhar o Papa e propor as iniciativas mais oportunas para a protecção dos menores e das pessoas vulneráveis."

4. Agora, todos os fiéis poderão exercer um poder de governo na Cúria: os leigos, homens e mulheres, poderão ser chamados a presidir a um Dicastério ou outro Organismo. Para dar um exemplo, o próximo Secretário de Estado poderá ser uma mulher. As nomeações são decididas pelo Papa em função da "competência, do poder de governança e da função" da pessoa escolhida.

5. Há um Dicastério (Ministério) da caridade, para ir ao encontro da dor em todo o mundo.

sexta-feira, 25 de março de 2022

Noam Chomsky: The Kind of Anarchism I Believe in, and What’s Wrong with Libertarians


Michael S. Wilson: You are, among many other things, a self-described anarchist — an anarcho-syndicalist, specifically. Most people think of anarchists as disenfranchised punks throwing rocks at store windows, or masked men tossing ball-shaped bombs at fat industrialists. Is this an accurate view? What is anarchy to you?

Noam Chomsky: Well, anarchism is, in my view, basically a kind of tendency in human thought which shows up in different forms in different circumstances, and has some leading characteristics. Primarily it is a tendency that is suspicious and skeptical of domination, authority, and hierarchy. It seeks structures of hierarchy and domination in human life over the whole range, extending from, say, patriarchal families to, say, imperial systems, and it asks whether those systems are justified. It assumes that the burden of proof for anyone in a position of power and authority lies on them. Their authority is not self-justifying. They have to give a reason for it, a justification. And if they can’t justify that authority and power and control, which is the usual case, then the authority ought to be dismantled and replaced by something more free and just. And, as I understand it, anarchy is just that tendency. It takes different forms at different times.

Anarcho-syndicalism is a particular variety of anarchism which was concerned primarily, though not solely, but primarily with control over work, over the work place, over production. It took for granted that working people ought to control their own work, its conditions, [that] they ought to control the enterprises in which they work, along with communities, so they should be associated with one another in free associations, and … democracy of that kind should be the foundational elements of a more general free society. And then, you know, ideas are worked out about how exactly that should manifest itself, but I think that is the core of anarcho-syndicalist thinking. I mean it’s not at all the general image that you described — people running around the streets, you know, breaking store windows — but [anarcho-syndicalism] is a conception of a very organized society, but organized from below by direct participation at every level, with as little control and domination as is feasible, maybe none.

Wilson: With the apparent ongoing demise of the capitalist state, many people are looking at other ways to be successful, to run their lives, and I’m wondering what you would say anarchy and syndicalism have to offer, things that others ideas — say, for example, state-run socialism — have failed to offer? Why should we choose anarchy, as opposed to, say, libertarianism?

Chomsky: Well what’s called libertarian in the United States, which is a special U. S. phenomenon, it doesn’t really exist anywhere else — a little bit in England — permits a very high level of authority and domination but in the hands of private power: so private power should be unleashed to do whatever it likes. The assumption is that by some kind of magic, concentrated private power will lead to a more free and just society. Actually that has been believed in the past. Adam Smith for example, one of his main arguments for markets was the claim that under conditions of perfect liberty, markets would lead to perfect equality. Well, we don’t have to talk about that! That kind of —

Wilson: It seems to be a continuing contention today …

Chomsky: Yes, and so well that kind of libertarianism, in my view, in the current world, is just a call for some of the worst kinds of tyranny, namely unaccountable private tyranny. Anarchism is quite different from that. It calls for an elimination to tyranny, all kinds of tyranny. Including the kind of tyranny that’s internal to private power concentrations. So why should we prefer it? Well I think because freedom is better than subordination. It’s better to be free than to be a slave. Its’ better to be able to make your own decisions than to have someone else make decisions and force you to observe them. I mean, I don’t think you really need an argument for that. It seems like … transparent.

The thing you need an argument for, and should give an argument for, is, How can we best proceed in that direction? And there are lots of ways within the current society. One way, incidentally, is through use of the state, to the extent that it is democratically controlled. I mean in the long run, anarchists would like to see the state eliminated. But it exists, alongside of private power, and the state is, at least to a certain extent, under public influence and control — could be much more so. And it provides devices to constrain the much more dangerous forces of private power. Rules for safety and health in the workplace for example. Or insuring that people have decent health care, let’s say. Many other things like that. They’re not going to come about through private power. Quite the contrary. But they can come about through the use of the state system under limited democratic control … to carry forward reformist measures. I think those are fine things to do. they should be looking forward to something much more, much beyond, — namely actual, much larger-scale democratization. And that’s possible to not only think about, but to work on. So one of the leading anarchist thinkers, Bakunin in the 19th cent, pointed out that it’s quite possible to build the institutions of a future society within the present one. And he was thinking about far more autocratic societies than ours. And that’s being done. So for example, worker- and community- controlled enterprises are germs of a future society within the present one. And those not only can be developed, but are being developed. There’s some important work on this by Gar Alperovitz who’s involved in the enterprise systems around the Cleveland area which are worker and community controlled. There’s a lot of theoretical discussion of how it might work out, from various sources. Some of the most worked out ideas are in what’s called the “parecon” — participatory economics — literature and discussions. And there are others. These are at the planning and thinking level. And at the practical implementation level, there are steps that can be taken, while also pressing to overcome the worst … the major harms … caused by … concentration of private power through the use of state system, as long as the current system exists. So there’s no shortage of means to pursue.

As for state socialism, depends what one means by the term. If it’s tyranny of the Bolshevik variety (and its descendants), we need not tarry on it. If it’s a more expanded social democratic state, then the comments above apply. If something else, then what? Will it place decision-making in the hands of working people and communities, or in hands of some authority? If the latter, then — once again — freedom is better than subjugation, and the latter carries a very heavy burden of justification.

Wilson: Many people know you because of your and Edward Herman’s development of the Propaganda Model. Could you briefly describe that model and why it might be important to [college] students?

Chomsky: Well first look back a bit — a little historical framework — back in the late 19th-, early 20th century, a good deal of freedom had been won in some societies. At the peak of this were in fact the United States and Britain. By no means free societies, but by comparative standards quite advanced in this respect. In fact so advanced, that power systems — state and private — began to recognize that things were getting to a point where they can’t control the population by force as easily as before, so they are going to have to turn to other means of control. And the other means of control are control of beliefs and attitudes. And out of that grew the public relations industry, which in those days described itself honestly as an industry of propaganda.

The guru of the PR industry, Edward Bernays — incidentally, not a reactionary, but a Wilson-Roosevelt-Kennedy liberal — the maiden handbook of the PR industry which he wrote back in the 1920s was calledPropaganda. And in it he described, correctly, the goal of the industry. He said our goal is to insure that the “intelligent minority” — and of course anyone who writes about these things is part of that intelligent minority by definition, by stipulation, so we, the intelligent minority, are the only people capable of running things, and there’s that great population out there, the “unwashed masses,” who, if they’re left alone will just get into trouble: so we have to, as he put it, “engineer their consent,” figure out ways to insure they consent to our rule and domination. And that’s the goal of the PR industry. And it works in many ways. It’s primary commitment is commercial advertising. In fact, Bernays made his name right at that time — late 20s — by running an advertising campaign to convince women to smoke cigarettes: women weren’t smoking cigarettes, this big group of people who the tobacco industry isn’t able to kill, so we’ve got to do something about that. And he very successfully ran campaigns that induced women to smoke cigarettes: that would be, in modern terms, the cool thing to do, you know, that’s the way you get to be a modern, liberated woman. It was very successful —