terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Estética e Megaprojectos Eólicos e Fotovoltaico


A principal razão para nos opormos à proliferação actual de instalações solares e fotovoltaicas é de ordem estética. Pode parecer uma frivolidade, mas vamos demonstrar que não o é.

A política energética segue a tese de que a quantidade de energia gasta está correlacionada com o nível de bem-estar. Esta crença é consistente com a ideia moderna da história, que assume que o curso da humanidade consiste, basicamente, na luta para extrair da natureza os recursos que necessita para evitar uma vida de privação. Graças a existências penosas intermináveis, como se fosse uma verdadeira penitência, a humanidade tem vindo a alcançá-la agonizantemente. Chamamos-lhe “trabalho”, abstração cardeal que aglutina tarefas e ofícios muito diversos, com implicações muito diferentes. A moderna noção de “trabalho” foi criada durante o século XVIII, mas as pessoas hoje assumem-na como sendo a coisa mais natural, aceitando como evidente a ideia que fazer roupas, bonecas ou auto-estradas, por exemplo, é o mesmo: “trabalho” é “produzir”.

É o mito do Crescimento da Economia que dá sentido ao quadro institucional da sociedade industrial e proporciona às massas industrialistas petulância etnocêntrica, fundamentalmente porque dispõem de artefactos tecnicamente mais sofisticados do que os seus avós. As hierarquias do industrialismo promovem megaprojectos invocando mitos, e inundam as paisagens. A natureza colossal destas obras atordoa as pessoas comuns, mas estas aceitam-nas com gratidão, uma vez que carregam o mito nas veias. É inoculado pelos aparelhos educativos e publicitários dirigidos pelas mesmas hierarquias que executam os megaprojetos. Assim, a maioria acredita que estas obras insanas contribuirão positivamente para o “crescimento da economia”, ergo do seu bem-estar e dos seus descendentes. E, finalmente, aplaudem entusiasticamente as liturgias industriais, como as inaugurações de barragens gigantescas, etc. Nesta linha de pensamento, não deve haver dúvidas de que o sonho da tecnocracia especializada (engenheiros, agentes de desenvolvimento, gestores…), treinado na busca ansiosa de prémios e emolumentos, é coroar os picos do mundo com moinhos tão gigantescos que deixam as pirâmides dos antigos impérios ridiculamente pequenos. Trata-se de uma simples questão de escala, embora os exegetas do Produtivismo justifiquem as obras colossais de hoje, em contraste com as antigas: as de agora são úteis, porque são feitas para produzir; as de antigamente, sumptuárias, porque serviam para adorar os deuses.

Mas este mito do Crescimento da Economia foi respondido desde o início, quando Smith, Malthus e Marx completaram o seu cânone. Segundo Marx, a chave para a humanização e a civilização é a supracitada abstração do “trabalho”, não a palavra, nem a poesia, nem a peça e o devaneio artístico, como se acreditava, pelo menos desde Aristóteles. De acordo com esta mais antiga cosmologia, que repele as noções de Produção e Trabalho, a palavra, ao significar tudo, retira os humanos do ambiente (reino biológico) e coloca-os no mundo (reino simbólico), o lugar em que, irrevogavelmente, habitamos. A palavra não nasce do indivíduo, mas da comunidade, e nela as pessoas falam. Portanto, a condição humana é tornar-se comunidade (zoom politikon), e a questão essencial é o estar, que determina e dá sentido à existência. De acordo com esta permissa, os impulsos da comida, do abrigo e do sexo não determinam nada, mas são determinados pela identidade e ligação, e convertidos em formas de comunicação, ocasiões para o reconhecimento. Portanto, a condição humana não é determinada materialmente, mas pela identidade e ideais. É isso que explica a cultura humana na sua diversidade, não na luta pela existência.

Questionar o mito da Produção leva-nos a desafiar as suas hierarquias, que fingem ser fornecedores solventes das nossas “necessidades materiais”; e noções que pareciam inabaláveis parecem agora absurdas para nós, como a da “classe adequada” e da “classe trabalhadora”. Ou a da “matéria-prima”, que os economistas definem como qualquer coisa que só adquire valor se for usada na Produção. A noção atual de matéria-prima provém dos alquimistas, quando se acreditava que a Terra era praticamente infinita. Sabemos hoje que não é esse o caso, mas a noção permanece incólume, porque não deriva de provas, mas sim da fé tecnológica. É a idolatria da técnica (tecnolatry), e reduz-se a isto: a sofisticação técnica salvará a humanidade. Lançamentos de foguetes lunares, corridas de velocípedes ou exposições electrónicas da China são exemplos de cerimoniais deste culto.

Mais concretamente, as autoridades voltam agora à carga anunciando a “estratégia das matérias-primas críticas”. É a revitalizada litania da Produção, pregada durante o século e meio por capitalistas e socialistas, agora envernizada como “verde”, “circular” e “sustentável”. Esta idolatria sombria deve ser denunciada por respeito à justiça, à bondade e à beleza. E recuperar outros significados para as “matérias-primas” que o jargão económico enterrou, ou renomeá-los. Por que não bens comuns em vez de matérias-primas? Temos de deixar para trás o olhar pedestre da Economia, para recuperar o sentido de admiração, ao qual Rachel Carson apela, contemplar a maravilha do mundo, e depois compreender que as plantações solares e eólicas são horrores nocivos a que valem a pena opormo-nos.

A cosmologia da produção concebe noções de justiça, bondade e beleza de acordo com uma versão da ideia antiga da identidade dos opostos (a “dialéctica”, disse Marx). É por isso que os economistas insistem em que esses bens mais elevados só serão alcançados amanhã, negando-lhes o hoje. Por exemplo, na estética, pregam um prosaísmo orgulhoso e um modesto adiamento do belo.
Mas, uma vez que o que está em jogo aqui é negar a Produção, vamos fazê-lo precisamente a nível estético. Pensador@s dos últimos dois séculos compreenderam o crucial debate estético para sancionar ou invalidar a teoria da Produção. O romantismo e as suas derivações, bem como as tradições místicas (de Willian Blake a Octavio Paz ou Ludovico Einaudi, de Willian Turner a Martin Buber, Gandhi ou María Zambrano) ridicularizam a lógica sacrificial da Produção, com o seu rescaldo da fealdade e da devastação. Mas, ao mesmo tempo, há notáveis apologistas (todos masculinos) das paisagens industriais insanas, que nascem na mina moderna e se desdobram em impressionantes excrescências de tubos, fornos infernais e secreções tóxicas. E agora, além disso, moinhos gigantes e planícies de metal. Aspiram ao solene dos loucos, como símbolo do poder redentor.

H. D. Thoreau considerou as pirâmides um precedente do gigantismo industrial. Referindo-se a eles, escreveu em Walden (1854):
Não há nada para se surpreender tanto como o facto de poder haver tantos homens degradados para passar a vida a construir a sepultura de um tolo ambicioso…
Um século depois, E. F. Schumacher também escolheu a crítica estética do gigantismo industrial para desacreditar a cosmologia da Produção. O seu trabalho mais conhecido, Small is Beautiful, é um apelo contra a Produção.

A linha oposta de justificação estética do excesso de produto é bem capturada, por exemplo, J. M. Keynes, que, nas Possibilidades Económicas dos Nossos Netos, admoesta:
… pelo menos por mais cem anos temos de simular… que o belo é sujo e o sujo é bonito… Porque só [o sujo pode] guiar-nos para fora do túnel da necessidade económica para a clareza do dia.
Na homilia deste Pai da Economia é rastreável, embora no registo anti-literário, o simbolismo da travessia do deserto, que Deuteronomi, com respiração poética, descreve da seguinte forma:
Grande e inspiradora selva, com serpentes venenosas e escorpiões e com solo sedento que não tem água (Deuteronômio 1:19; 8:15).
Não há dúvida de que a soteriologia do industrialismo deve muito a estas metáforas antigas para expressar a lógica sacrificial e expiatória que o encontrou. Nesta linha, o grande profeta da modernidade foi, sem dúvida, Karl Marx, que avisa a humanidade de que terá de atravessar o inferno do capitalismo para ascender ao socialismo definitivamente progredido. A sua escrita enigmática e entediante, que atinge o seu clímax em O Capital, já contém a mensagem subjacente de que os feios, os sujos e os ininteligíveis anunciam, dialéticamente, a verdade, a beleza e a bondade. Após a consagração do trabalho destes Pais, é já uma convenção que a escrita antipoética e abstrusa e a ingenuidade técnica titânica e insana são um caminho de martírio, no entanto, necessário para a verdade, a bondade e a beleza.

Simone Weil, que escreveu talvez o apelo mais lúcido contra o inferno industrial (“Reflexões sobre as causas…”, 1934), desafia todos estes Pais – embora dirigindo-se expressamente a Marx – com apenas duas perguntas: como poderiam pensar que a propagação da fealdade e da devastação traria beleza e abundância?
Portanto, de acordo com uma simples razão estética, rejeitamos megaprojetos de vento e fotovoltaicos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O fósforo salvou nosso modo de vida - e agora ameaça acabar com ele


A agricultura convencional depende do fósforo mineral, cuja metade das reservas estão no Saara Ocidental sob controlo de Marrocos e que sabemos hoje estar em decréscimo de produção.  
China, EUA, Russia, Austrália e alguns países sul-americanos têm pequenas fracções das restantes reservas, que vão reter para si.
A Europa não tem quaisquer reservas mas envia diáriamente milhares de toneladas de fósforo recuperável pelo esgoto abaixo. 
A dura realidade é que a Europa está tão vulnerável por falta de inputs agrícolas como por falta de combustíveis fósseis e só consegue mitigar isso adoptando práticas agrícolas que promovam circularidade do que chamamos resíduos orgânicos.
Enquanto produtores em Modo de Produção Biológico todos os dias contribuímos para a melhoria dos solos, para a eliminação de resíduos nos aterros e para a eliminação de importações de fósforo e produtos agrícolas.
Reportagem New Yorker
Scientists warn of ‘phosphogeddon’ as critical fertiliser shortages loom

Praias tunisinas estão a encolher. Porquê?



No Magrebe (Marrocos, Tunísia, Argélia e Líbia), a Tunísia regista as taxas de erosão mais elevadas das últimas três décadas, com uma média de quase 70cm por ano, admite o Banco Mundial. Pelo menos 85% da população da Tunísia, com mais de 12 milhões de habitantes, vive junto à costa, o que faz com que o país seja desproporcionadamente afetado pela erosão costeira. A subida do nível do mar, causada principalmente pelo derretimento global do gelo induzido pelo aquecimento e pelo aumento da temperatura da água, é um dos principais culpados da erosão costeira.

Com a erosão das praias tunisinas, os pescadores da cidade costeira de Ghannouch dizem que os seus barcos e redes são cada vez mais danificados pelas rochas o que faz o seu rendimento sofrer quebras de 20% em relação a anos anteriores. O sobredesenvolvimento imobiliário nas praias e a destruição de defesas naturais como as dunas estão a duplicar o efeito da subida do nível do mar.

A aceleração das alterações climáticas trouxe também um aumento das temperaturas, agravando a seca na Tunísia. Juntamente com a subida do nível do mar, isto está a prejudicar não só o sector pesqueiro do país, mas também a sua agricultura e turismo.

80% da areia costeira da Tunísia vem do interior, segundo Gil Mahé, director de investigação do laboratório de hidrociências da Universidade Francesa de Montpellier, atualmente a trabalhar no INSTM na Tunísia. "As barragens... [são] o grande impacto que aumenta a vulnerabilidade das costas arenosas à erosão", diz ele. Três anos de seca deixaram muitas das 37 barragens do país esgotadas ou vazias, e levaram o governo a subir os preços da água da torneira para as famílias e empresas. O país está a investir na construção de mais barragens para tentar armazenar tanta água doce quanto possível.

A subida do nível do mar e o desaparecimento da areia prejudicaram gravemente os negócios de praia, tendo o turismo registado um grande declínio ao longo da última década. À medida que a erosão costeira se agrava, a água salgada move-se para o interior, arruinando áreas aráveis. Há já projetos em parceria com instituições internacionais como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para reduzir a erosão através de soluções baseadas na natureza. Uma iniciativa instalou 0,9 km de vedações de retenção de areia e 1,1 km de frondes de palmeiras presas ao solo para reduzir o impacto das ondas numa praia de Djerba, onde a erosão costeira provocou fortes inundações de zonas húmidas.

A erosão costeira é um fenómeno há muito conhecido e documentado. Todos os anos chegam-nos notícias de que o mar ‘engoliu’ mais uma enorme fatia. Da Califórnia, à Carolina doNorte, da Florida, ao Rio deJaneiro, de Yorkshire a Ovar. Mas a ganância, a sede do lucro rápido, a especulação imobiliária, a corrupção têm impedido a tomada de medidas sérias para conter o problema.

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domingo, 26 de fevereiro de 2023

António Sampaio da Nóvoa: "Segundo a UNESCO, no mundo, metade dos alunos terminam a escola sem terem aprendido praticamente nada"

Ciência, Educação e Conhecimento é o tema a debate no ciclo "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. A iniciativa com a presença de António Sampaio da Nóvoa, decorre online, via Zoom, hoje a partir da 18.00. António Sampaio da Nóvoa, doutor em Educação e em História, foi Embaixador de Portugal na UNESCO, de 2018-2021, presidente da sessão da Conferência Geral da UNESCO e é, atualmente, titular de uma Cátedra UNESCO sobre os futuros da educação. Conferencista detalha algumas das reflexões que leva ao encontro.
Propõe-se abrir a sua participação na conferência "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", referindo-se às "identidades assassinas", numa alusão ao livro do escritor e ensaísta libanês Amin Maalouf. A obra é um manifesto contra a loucura da morte em nome daquilo que se designa identidade. Como faz a ponte entre estas identidades e o tema que o leva à conferência, "Ciência, Educação e Conhecimento"?
George Steiner tem páginas luminosas sobre a música como linguagem fundamental para unir a humanidade. Maria Bethânia disse-o à sua maneira: "A música é a língua materna dos deuses." Depois da música, a ciência é a outra linguagem fundamental para tentarmos viver em paz com a Terra e em paz com os Outros. Num mundo fragmentado, alimentado por negacionismos de todos os tipos, por narrativas delirantes reforçadas por documentos e imagens que parecem "credíveis", resta-nos a ciência como linguagem comum. Se a perdermos, ficaremos à mercê dessas "identidades assassinas" de que nos fala Amin Maalouf. A ciência é a nossa "última razão", talvez mesmo a última possibilidade para uma conversa humana. Sem esquecer que "conversar" significa dar voltas ao pensamento, às ideias, na companhia dos outros.

Reimagining our Futures Together é o terceiro relatório da UNESCO, datado de 2021, dedicado ao futuro da educação. Na abertura do documento é salientada a necessidade de "um novo contrato social para a educação que possa reparar as injustiças enquanto transforma o futuro". A que injustiças alude o documento e que propostas apresenta para as reparar?
Estamos a viver a maior transformação de que há memória na história da educação. O contrato social celebrado no século XIX tinha dois grandes pilares: a obrigatoriedade escolar para a infância e um modelo escolar normalizado em torno da sala de aula. A escola pública tornou-se uma instituição central, talvez mesmo, como escreve Darcy Ribeiro, "a maior invenção do mundo". Este contrato cumpriu o seu papel, mas já não é suficiente. A educação tem de se renovar, valorizando a relação entre gerações e novos ambientes educativos. Trata-se de pensar a educação para além da escola, em todas as idades, tempos e lugares. No espaço público da cidade. E, na escola, construir ambientes para todos e onde todos aprendam. Só assim poderemos reparar exclusões e injustiças do passado. Para ser transformadora, a escola tem ela própria de se transformar.

Num tempo de desinformação e retrocesso em matéria de confiança na ciência, os currículos escolares estão à altura de promover o compromisso de defender a verdade?
É inquestionável a importância da ciência e da educação científica. Os alunos devem adquirir conhecimentos, mas também compreender o modo como as diferentes disciplinas se organizam e produzem conhecimento. É isso que lhes permitirá um olhar crítico, esclarecido, sobre as "inverdades" que circulam a um ritmo alucinante. Frequentemente, o problema não está nos currículos, mas na pedagogia. Há duas ideias centrais: a convergência entre disciplinas e a pedagogia do trabalho. A revolução da convergência, título de um relatório do MIT, alerta-nos para a necessidade de uma educação construída em torno de temas e problemas, com base em projetos de investigação, produção e criação dos alunos. Por isso, o mais importante é sempre o trabalho dos alunos, a forma como estudam, procuram, criam, resolvem problemas, individual e coletivamente. Ninguém se educa sozinho. Precisamos dos outros para nos educarmos. A pedagogia é tudo menos facilitismo. É conseguir que os alunos trabalhem mais, e não menos, mas que o façam com sentido, emoção e curiosidade.

"O lugar da Escola vem sendo discutido com ardor e entusiasmo. Após um século de enormes progressos, surgem sinais claros de insatisfação e de mal-estar (...) Há cada vez mais alunos que abandonam a escola privados de tudo: sem um mínimo de conhecimentos e de cultura, sem o domínio das regras básicas da comunicação e da ciência, sem qualquer qualificação profissional". O professor deixou estas palavras na Revista Saber e Educar, em 2006. Volvidos 17 anos, que análise faz desta mesma realidade?
A realidade está pior. A pandemia cavou novas e profundas desigualdades. Segundo a UNESCO, no mundo, metade dos alunos terminam a escola sem terem aprendido praticamente nada. É inaceitável. Muitos, consideram que é preciso investir mais na educação. Têm razão. Mas não basta. É preciso também que haja uma metamorfose da escola, uma mudança da forma e da configuração da escola. Não vale a pena esperar por uma novidade extraordinária, que venha de uma lei, de uma reforma, de um método ou de uma tecnologia. A novidade está naquilo que, hoje, já se faz em tantas escolas e que precisamos de conhecer, estudar, repertoriar e partilhar. É a partir destas experiências que podemos, em conjunto, pensar e construir novas formas de educar.

Associa às métricas dominantes para avaliar as universidades e os universitários àquilo que são, nas suas palavras "duas tendências particularmente negativas: a hiperespecialização ["os instruídos incultos e os cultos ignorantes"] e o híper produtivismo ["universidades como fábricas de artigos"]. Quer aprofundar, alertando para os riscos que impõem estas duas tendências?
A essência de uma universidade está na diferença. A universidade é um lugar único, marcado pela relação intergeracional e pelo diálogo entre todas as formas de conhecimento. Quando procura copiar as lógicas de funcionamento e as métricas das outras instituições, a universidade empobrece-se e torna-se irrelevante. Na sua tomada de posse, em 2007, disse a Reitora de Harvard: "A universidade é responsável perante o passado e perante o futuro - não só, nem sequer primordialmente, perante o presente". Com estas palavras, abre uma crítica a duas tendências. Por um lado, a hiperespecialização que, segundo Michel Serres, conduz à formação de duas populações de imbecis: os instruídos incultos, cientistas que não querem saber nada da cultura geral, humanística; e os cultos ignorantes, letrados que ignoram totalmente a matemática, a física ou a biologia. Por outro lado, o híper produtivismo que está a transformar as universidades em fábricas de artigos, autores sem leitores, produções sem sentido, com riscos sérios para a integridade e a originalidade do trabalho científico. Medir é preciso, mas a razão de ser de uma universidade está muito para além do que se pode medir no imediato.

Hoje vivemos um tempo breve de crises e de urgências. A pandemia é disso exemplo; a crise climática também o é. Estas crises obrigam a políticas públicas também elas urgentes. É um tempo compaginável com o tempo ponderado que exige a ciência, a investigação e a produção de conhecimento?
A universidade existe no tempo longo, não no tempo breve das "crises" e das "urgências". A sua maior utilidade está em cultivar o que não parece ter "utilidade imediata" e, no fim, se revela a coisa mais útil. A tecnologia tem, hoje, uma base científica. Mas a ciência vai muito para além da tecnologia. É nesse sentido que o filósofo italiano Nuccio Ordine faz o "elogio do tempo perdido", chegando mesmo a citar a oitava sátira de Juvenal para alertar as universidades de que não podem, para salvar a vida, perder a razão de viver. Numa sociedade híper acelerada, permanentemente ocupada, 24 horas/7 dias, espera-se da universidade um processo de desaceleração, uma forma diferente de pensar e de agir para, assim, ser "útil" às sociedades. É preciso dar tempo ao tempo, devolver o tempo às universidades. E à ciência. "Não há pressa. Um grande poema pode esperar 500 anos, sem que ninguém o leia ou compreenda", diz-nos Walter Benjamin.

Vai levar à conferência uma questão de suma importância, a da Ciência Aberta. Quer enquadrar-nos o conceito e resumir o seu contributo para aquilo a que chamamos o "bem público", de um "bem comum" e de como pode esbater as desigualdades no mundo, entre o Sul e o Norte?
O conceito de Ciência Aberta refere-se a um conjunto de tendências que procuram afirmar a importância da partilha do conhecimento, da colaboração entre cientistas e de uma maior presença da ciência na sociedade. Há três temas centrais. O primeiro, e mais óbvio, é o acesso aberto. O segundo prende-se com a cultura científica e uma ciência ligada ao exercício da cidadania. O terceiro diz respeito à importância da ciência para a nossa vida coletiva, nomeadamente no domínio das políticas públicas. A pandemia do coronavírus tornou nítida a importância da ciência como bem público e comum. Sabemos que os indicadores de educação continuam a ser aqueles que melhor explicam as desigualdades entre indivíduos, mas sabemos também que os indicadores de ciência são aqueles que melhor explicam as desigualdades entre países e regiões. Reforçar o Sul Global é, acima de tudo, reforçar as suas capacidades científicas, de produção de conhecimento e de tecnologia. Sem isso, como assegurar um desenvolvimento sustentável?

Vivemos maravilhados com a inteligência artificial, com a biotecnologia, com os avanços na ciência que prometem catapultar a vida humana muito além dos limites concebíveis há cem anos.
Hoje, tudo parece ao alcance da ciência. Mas nem tudo é desejável. Mais do que nunca precisamos de estabelecer limites. Não se trata de censurar, mas de estabelecer padrões éticos e transparentes através do debate público. É impossível evitar ambições desmedidas. Mas é possível controlá-las através da consciência crítica, pública, assente em princípios e instrumentos internacionais. Sobre a inteligência artificial, ainda esta semana a ONU alertou para avanços recentes que representam uma ameaça real aos direitos humanos. Não é ficção científica, diz-nos António Guterres, "os nossos dados estão a ser usados, sem a nossa autorização, para fins que desconhecemos", condicionando as nossas decisões e comportamentos. Também aqui precisamos de desenvolver possibilidades e ferramentas digitais, abertas, que permitam transformar a esfera digital num bem público e comum.

Em todo este contexto, ainda pensamos com humanidade a ciência, a educação e o conhecimento?
Este ano celebra-se o 75.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Devemos estar mais atentos à ligação entre direitos humanos e ciência, e dedicar uma grande atenção aos temas do digital - e da inteligência artificial. Sempre com o olhar numa ciência que também é arte. À maneira de Almada: "Arte e ciência não podem deixar de estar estreitamente ligadas entre si. É a íntima união do sentimento com o conhecimento humanos, formando o entendimento da humanidade". No tempo de transição que estamos a viver, transição de que temos consciência, mas que não conseguimos ainda alcançar com a vista, é bom pensar com humanidade a ciência, a educação e o conhecimento. Com humanidade e com humanismo.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Riscos globais, crises ambientais e reformas do desenvolvimento


De acordo com o Relatório de Riscos Globais 2023, do Fórum Econômico Mundial, “os riscos planetários mais importantes são todos ambientais, tanto no curto prazo como na próxima década. Esses alertas alimentam uma discussão nessa elite empresarial e política sobre a necessidade de reformar o desenvolvimento, pois os encadeamentos de crises ecológicas terão consequências sociais e econômicas que levariam a uma crise que impediria qualquer tipo de desenvolvimento. Por outro lado, na América Latina, a maioria dos políticos, empresários e acadêmicos raciocina e age ignorando esses fatos, voltados para posições tão conservadoras que até as advertências que partem de alguns dos mais ricos e poderosos lhes parecem radicais”. 
De um lado do planeta, em pleno inverno, em Davos reuniu-se a elite empresarial e política no Fórum Econômico Mundial (FEM). Simultaneamente, do outro lado do globo, no verão, vários países do extremo sul da América Latina sofrem uma estiagem muito severa. Esses distúrbios climáticos, assim como outros problemas, não deveriam ter chamado a atenção de quem estava em Davos se tivesse lido o Relatório de Riscos Globais 2023 que ali foi apresentado?

Segundo este relatório, os riscos planetários mais importantes são todos ambientais, tanto no curto prazo como na próxima década. Esses alertas alimentam uma discussão nessa elite empresarial e política sobre a necessidade de reformar o desenvolvimento, pois os encadeamentos de crises ecológicas terão consequências sociais e económicas que levariam a uma crise que impediria qualquer tipo de desenvolvimento. Por outro lado, na América Latina, a maioria dos políticos, empresários e acadêmicos raciocina e age ignorando esses fatos, voltados para posições tão conservadoras que até as advertências que partem de alguns dos mais ricos e poderosos lhes parecem radicais.

No Relatório de Riscos Globais 2023, ao abordar o futuro imediato, referente aos anos de 2023 e 2024, entre os dez riscos mais graves, metade é ambiental (1). Em primeiro lugar está o custo de vida, mas é seguido por desastres naturais e eventos climáticos extremos. Outros riscos ambientais referem-se à mudança climática, aos incidentes provocados por danos ambientais e à crise de recursos naturais. Outros tipos de riscos se intercalam além do custo de vida, como a erosão da coesão social e a polarização social e a migração em massa.

É chamativo observar que nenhum dos riscos mais prementes é econômico, apesar das repetidas previsões de estagnação ou recessão neste e nos próximos anos. Tampouco aparece indicada uma propagação da guerra na Europa ou em outras regiões. Mas a economia e a guerra estão por trás de vários efeitos associados ao meio ambiente. As estiagens, como as tornadas mais frequentes pelas mudanças climáticas, resultam em safras menores, levando ao aumento dos preços dos alimentos, o que impacta no custo de vida. Também contribuíram para isso as alterações no comércio internacional de grãos e fertilizantes em decorrência da guerra na Ucrânia.

Sempre se deve ter presente a forma como o Fórum Económico Mundial (FEM) avalia os riscos em escala planetária. Baseia-se em entrevistas com mais de 1.200 pessoas, e quase uma centena de especialistas e académicos, com especial atenção para os executivos de empresas, ministros de finanças, políticos ou analistas, muitos deles associados ao poder. O relatório atual é o 18º numa série que tem muitos anos, e seus alertas ambientais não são novidade, uma vez que em relatórios anteriores fazem alertas semelhantes. Na edição de 2022, entre os dez maiores riscos, cinco eram ambientais; os três primeiros falharam em evitar as mudanças climáticas, clima extremo e perda de biodiversidade. O relatório atual aumenta a preocupação com as condições ecológicas no futuro imediato.

Os riscos nos próximos dez anos
Considerando os próximos dez anos, a lista dos riscos mais graves também é dominada pelas questões ambientais; passam a ser seis, e quatro deles estão localizados sucessivamente nas primeiras posições. O quinto e o sétimo riscos são sociais, um é tecnológico e outro é geopolítico. Mais uma vez, nem os conflitos econômicos nem os bélicos aparecem. Vários dos riscos apontados para 2023-24 se repetem, como é o caso de todos os riscos ambientais, enquanto a avaliação decenal indica um agravamento.

De fato, mais da metade dos consultados entende que a situação vai piorar. 20% alertam que em dez anos serão ultrapassados pontos de inflexão que levarão a consequências catastróficas. Em seu sentido ecológico e social, deveriam ser entendidas como situações irreversíveis. 34% acreditam que a volatilidade prevalecerá nas economias e setores, o que levará a choques múltiplos. Em resumo, 54% consideram que vamos lidar com condições muito piores. Por outro lado, nas restantes respostas considera-se que esta volatilidade pode ser controlada (26%) ou limitada (11%).

A situação latino-americana
Deixando de lado, neste caso, uma revisão crítica dos sentidos que o FEM de Davos dá à ideia de “risco”, já que para os fins desta análise basta seguir com os entendimentos mais usuais, fica evidente que na América Latina todos eles estão presentes. Riscos severos como o aumento do custo de vida, e especialmente o risco associado à inflação e aos preços dos alimentos, afetam praticamente todos os países (2). Estão acontecendo diversas crises ambientais; a mais recente é a estiagem no Cone Sul (Argentina, Uruguai e sul do Brasil). O fracasso das medidas de mitigação das alterações climáticas é evidente e o mesmo acontece com os programas e apoios de adaptação às suas consequências.

O que o FEM chama de erosão da coesão social e polarização social está diante dos nossos olhos em casos como o do Peru, onde há grandes mobilizações cidadãs e dura repressão policial, ou na tentativa de golpe de Estado dos bolsonaristas no Brasil. O desempenho econômico será muito modesto, as condições comerciais serão restritivas, e isso faz com que os níveis de pobreza aumentem ou persistam, alimentando as instabilidades políticas.

Conexões e pontos de inflexão
Os riscos ambientais estão conectados, como é o caso da estreita associação entre mudanças climáticas, perda de biodiversidade e crises de recursos naturais, e a partir daí vários setores são afetados. Se tomarmos a agricultura como exemplo, circunstâncias como as inundações ou as estiagens afetam a produção de alimentos. Isso é transmitido às cadeias de comercialização agrícola, levando a limitações na oferta de alimentos ou ao aumento de seu custo. Muitos países do Sul Global não têm dinheiro para amortecer esses impactos, como financiar a irrigação, comprar fertilizantes mais caros ou subsidiar os alimentos. A alto do custo de vida torna-se inevitável, o que aumenta o descontentamento dos cidadãos, multiplica os protestos e afeta a coesão social.

Este exemplo esquemático mostra que os distúrbios ecológicos transmitem seus efeitos para diferentes áreas. Eles não podem ser analisados separadamente um do outro. Produzem-se crises interligadas que se retroalimentam.

Reformas no desenvolvimento diante das crises ambientais
Considerando os alertas deste relatório, como em anos anteriores, fica claro que ações urgentes são necessárias para, por exemplo, prevenir as mudanças climáticas ou resolver os desequilíbrios econômicos. Aparecem justificativas adicionais para reformar o desenvolvimento capitalista, e isso é precisamente o que foi levantado pelo FEM. Em 2020, seu presidente, Klaus Schwab, apresentou sua alternativa ao “Grande Reinício” (ou Great Reset), com medidas como os impostos para os mais ricos, o fomento da economia participativa ou o abandono dos combustíveis fósseis (3). Schwab faz uma diferença entre três capitalismos: um corporativo, outro estatal (como na China), e sua alternativa, o capitalismo das partes interessadas.

Isso faz parte dos confrontos que ocorrem entre essas elites empresariais e políticas. De um lado estão aqueles que entendem que o desenvolvimento capitalista predominante tornou-se insustentável, que causaria uma crise em escala planetária e, portanto, são necessárias reformas como as que acabamos de mencionar. Os que discordam destas políticas rejeitam qualquer correção de rota do capitalismo, insistindo em blindar estratégias convencionais (4).

O que muitas vezes é interpretado a partir da América Latina como um bloco homogêneo que defende o desenvolvimento, na verdade abriga diferentes estratégias que estão em forte discussão. No debate mais recente, as palavras e os conceitos usados são reveladores. Agora usa-se explicitamente a palavra capitalismo, e seus autores reconhecem que a situação é grave e propõem algumas reformas. Entre elas estão as mencionadas acima e outras que implicam intervenções nos mercados, retomando a presença do Estado em setores como educação e saúde, e uma mudança na gestão ambiental, a começar pelo cumprimento dos acordos sobre mudanças climáticas.

Entre esses reformadores, além do FEM, estão vários bilionários e empresas de setores como comércio e serviços. Muitos deles participam não por serem ambientalistas, mas por entenderem que cada grau de aumento da temperatura global coloca seus negócios em risco. Há também economistas que hoje são mais conhecidos na América Latina por apoiar alguns progressismos. São os casos de Joseph Stiglitz (em relação ao governo de Alberto Fernández na Argentina) ou, mais recentemente, Mariana Mazzucato (que é invocada pelo presidente colombiano Gustavo Petro).

O outro grupo rejeita as propostas de mudança. Querem preservar os mercados liberalizados sem a intervenção do Estado, renunciam aos impostos, negam ou minimizam as mudanças climáticas, ainda se apegam aos combustíveis fósseis e gostariam de manter serviços públicos como educação e saúde privatizados. Agendas moderadamente reformistas, como a de Schwab, são classificadas como típicas de um "comunismo". Nessas trincheiras estão economistas e políticos conservadores ou neoliberais e corporações de setores como mineração, petróleo ou agronegócio, todos com forte presença na América Latina.

O debate e o não debate latino-americano
Este tipo de discussão, as diferentes formas de diagnosticar os problemas e as alternativas propostas não são comuns na América Latina. Na nossa região, a agenda política dominante, e também boa parte da acadêmica, é tão conservadora que predomina o continuísmo do desenvolvimento capitalista convencional enquanto os reformistas são minoria. Pequenos ajustes, como a reforma tributária proposta na Colômbia, que se poderia dizer mais modesta do que as traçadas pelos reformistas em Davos, era, aos olhos dos setores conservadores colombianos, de uma radicalidade de extrema esquerda. Entre as elites empresariais e políticas latino-americanas há poucos reformistas, e na maioria não sabem ou não entendem o que propõem no Norte alguns dos que são mais ricos e têm mais poder do que eles.

Essa desconexão é perfeitamente ilustrada pelos resultados da consulta realizada no Brasil pelo FEM para a elaboração do relatório de riscos globais. Sob o olhar dos políticos e analistas brasileiros consultados, nos cinco primeiros lugares predominam os riscos econômicos (inflação, economia ilícita e choques de preços de matérias-primas), e nenhum é ambiental. É como se essa elite local brasileira vivesse em um planeta diferente do que se avalia de outros continentes.

Até agora, o único que parece estar ciente desse problema é o presidente colombiano Gustavo Petro. Em seu discurso em Davos, atacou o capitalismo como incapaz de resolver os problemas que produziu, e advertiu que "o capitalismo acabará com a humanidade". Acrescentou que os “empresários de Davos deveriam pensar em outro capitalismo”, e a partir daí levantou sua alternativa de um “capitalismo descarbonizado” (5). Assim, Petro foi imediatamente colocado entre os reformadores do desenvolvimento capitalista. Petro não é contra o capitalismo, e já disse isso várias vezes, mas quer retificá-lo. Em sua reivindicação em Davos, parece que ele ignorou ou se esquivou do fato de que seu “capitalismo descarbonizado” não é muito diferente do capitalismo dos stakeholders do Grande Reinício discutido nesse fórum.

Mas, ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que Petro é o único presidente que pelo menos tenta uma reforma do capitalismo que enfrente seus problemas mais agudos e, por exemplo, nos afaste do vício em combustíveis fósseis. Inclusive aqueles chefes de Estado ideologicamente mais próximos, como Manuel López Obrador (México) e Lula da Silva (Brasil), rejeitaram as propostas de Petro de despetrolizar suas economias.

Seja como for, não se pode perder de vista que os reformadores, seja o Grande Reinício, Stiglitz, Petro ou outros, em nenhum caso se propõem a abandonar o capitalismo, nem rompem com concepções básicas. Todos querem crescer economicamente e veem que a exploração da Natureza é uma forma incontornável de conseguir esse objetivo. O que eles postulam são regulações diferentes do mercado e o fortalecimento do Estado, invocando objetivos como melhorar a equidade, reduzir a pobreza ou evitar eclosões sociais. Suas medidas amenizam as arestas mais negativas, e que por sinal seriam bem-vindas em muitos países. Mas mesmo esse reformismo é insuficiente para enfrentar as emergências ambientais.

A própria análise de risco do Fórum Econômico de Davos fornece evidências que mostram que os ajustes do capitalismo não nos salvarão de uma crise múltipla. Nem a crise da biodiversidade nem a crise das mudanças climáticas estão se dissipando. As soluções necessárias envolveriam transformações simultâneas em várias frentes, como abandonar as energias fósseis e se voltar para a agroecologia, mudar padrões de consumo e aceitar estilos de vida mais austeros. Essas e outras são mudanças radicais que nenhum tipo de capitalismo assumirá.
Nossa própria discussão

Analisar os riscos e discutir o desenvolvimento, seja ele capitalista ou de qualquer outra natureza, é um primeiro passo para desenhar alternativas às crises sociais e ambientais.

É inaceitável que os elencos partidários não o façam porque continuam a enfrentar as situações com as mentalidades do século passado, sem compreender as urgências do século XXI. Também não faz sentido retrucar que considerar a reforma ou o colapso do capitalismo expressa vocabulários e ideias ultrapassadas.

Essas são discussões que devemos começar em nossos próprios termos. Isso é necessário porque, como vimos acima, os riscos globais graves já são observados na América Latina e, ao mesmo tempo, somos tão subservientes aos contextos internacionais que um desastre externo nos arrastará imediatamente. Também não podemos esquecer que nossos países dependem da terra e da água, do subsolo e do clima, o que significa que nossas economias são ecologicamente condicionadas. Devemos fazer nossas próprias avaliações de risco e não podemos mais confiar naquelas que são feitas em Davos ou em outro lugar.

Estas reflexões devem ser incentivadas por políticos, empresários, sindicalistas, acadêmicos, ativistas sociais, entre outros, até envolverem a grande maioria dos cidadãos. Enfrentamos questões prementes: quais são os riscos que enfrentamos? Quais são as reformas necessárias? As correções do capitalismo são suficientes para enfrentar esses riscos? Outros já estão respondendo a perguntas como essas e não podemos ficar para trás.

Notas

1. WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Risks Report 2023. 18th edition. Insight report., Genebra, 2023.

2. Segundo a CEPAL, a inflação em 2022 atingiu um pico de 8,4% no meio do ano, para depois diminuir; espera-se que caia para 4,8% em 2023. CEPAL. Balance preliminar de las economías de América Latina y el Caribe 2022, Santiago, 2022.

3. SCHWAB, K.; MALLERET, T. Covid-19: The great reset. World Economic Forum, Genebra, 2020.

4. As várias alternativas focadas no desenvolvimento são discutidas em GUDYNAS, E. Tan cerca y tan lejos de las alternativas al desarrollo. Planes, programas y pactos en tiempos de pandemia. RedGE y Cooperacción, Lima, 2020.

5. Veja, por exemplo, El mundo necessita un “capitalismo descarbonizado”: el mesaje de Petro em Davos. El Espectador, Bogotá, 19 de janeiro de 2023; TORRADO, S. El Petro mas ecologista se despide de su primer Davos. El País, Madri, 21 de janeiro de 2023.

Marinha brasileira vai afundar porta-aviões tóxico no Atlântico


Após 37 anos de serviço na marinha francesa e 10 anos sob a bandeira brasileira, o Brasil decidiu afundar o seu porta-aviões São Paulo ao largo da sua costa do Atlântico Nordeste, apesar da presença de elevados níveis de amianto e de resíduos tóxicos a bordo. Face a certos riscos de poluição dos ecossistemas da região e da cadeia alimentar marinha, várias ONG denunciam este crime ambiental.

Anteriormente conhecido como o Foch, este porta-aviões participou nos primeiros testes nucleares franceses no Pacífico, e foi destacado para África, Médio Oriente e ex-Jugoslávia, até ser substituído pelo nuclear Charles-de-Gaulle. Em 2000, este antigo porta-estandarte da marinha francesa foi vendido ao Brasil pela modesta soma de 12 milhões de dólares. Para o tornar plenamente operacional, teria sido uma intervenção no valor de 80 milhões de dólares. Nem a marinha francesa nem a brasileira investiriam na remodelação.

A empresa turca de reciclagem marítima Sök Denizcilik adquiriu o casco por 10,5 milhões de dólares. Com a ajuda do rebocador holandês ALP Guard, o São Paulo partiu para águas turcas. Contudo, ao chegar ao Estreito de Gibraltar, as autoridades ambientais turcas recuaram, temendo que contivesse mais amianto do que o esperado. No seu regresso ao Brasil, infelizmente, não conseguiu atracar, pois a viagem tinha danificado seriamente o estado do seu casco.

A Associação Robin Hood descreveu o antigo porta-aviões como um "pacote tóxico de 30.000 toneladas".

Segundo um estudo realizado pela norueguesa Grieg Green, o porta-aviões continha 9,6 toneladas de amianto, 644,7 toneladas de metais pesados e 10.000 lâmpadas fluorescentes de mercúrio. Numa altura em que os nossos oceanos e biodiversidade marinha já estão sob pressão e o recém-eleito presidente brasileiro, Lula da Silva, comprometeu-se a pôr fim aos múltiplos ecocídios que afetaram o Brasil durante a era Bolsonaro, este afundamento controlado parece ser um novo crime ambiental. Segundo organizações ambientalistas, como a Greenpeace Brasil, as autoridades brasileiras terão violado vários tratados internacionais dos quais são signatárias:

- a Convenção de Basileia sobre o Controlo dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação

- a Convenção de Londres sobre o Controlo da Poluição Marinha e sobre a Proibição de Dumping de Resíduos Industriais no Mar;

- a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes.

Guerra na Ucrânia ameaça nova onda de apropriação de terras nos países mais pobres


O impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia vai dar novo alento ao movimento de aquisição em grande escala de terras em países em desenvolvimento por empresas ou governos estrangeiros, para as destinar a produzir produtos agrícolas ou florestais que não beneficiam a população local, mas sim a de outro país, alerta uma equipa internacional de cientistas na edição desta sexta-feira da revista Science. “Esta apropriação de terras conduz tipicamente a problemas sociais e ambientais”, escrevem.

Desde o início do século XXI, e com maior incidência após a crise alimentar de 2007-2008, quando os preços da comida disparam, criando instabilidade social e insegurança alimentar tanto em países em desenvolvimento como países desenvolvidos, “mais de 45 milhões de hectares, aproximadamente a dimensão da Suécia ou de Marrocos, foram adquiridos através de negócios transnacionais para produção agrícola”, contabiliza o artigo que tem como primeiro autor Jampel Dell’Angelo, do Instituto de Estudos Ambientais da Universidade Vrije, em Amsterdão, nos Países Baixos.

A crise alimentar de 2008 teve múltiplos factores, mas foi sugerido que as alterações graduais na dieta das populações de países que alcançaram uma nova prosperidade nas últimas décadas foram um factor decisivo para o aumento dos preços que desencadeou essa crise. Mas os mais pobres ressentiram-se mais, não só por causa do preço dos alimentos, como devido à pressão sobre as terras agrícolas dos seus países, procuradas para satisfazer as necessidades de outras sociedades mais prósperas.

“A expansão sem precedentes destes investimentos fundiários suscitou preocupações acerca de uma onda neocolonial de apropriação de terra e recursos hídricos no Sul Global”, explicam os autores, que temem os efeitos da nova crise alimentar causada pela guerra na Ucrânia. Esta faz-se não só através da falta de alimentos e fertilizantes, mas também do disparar da inflação.

Para se ter uma ideia do impacto da guerra, há que dizer que a Ucrânia a Rússia, juntas, garantiam 30% das necessidades do mundo em trigo e cevada, um quinto do milho e mais de metade do óleo de girassol, segundo números das Nações Unidas.

“Propomos que os impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia vão alimentar a ressurgência de uma nova corrida global por terras agrícolas, provocando transformações que vão ter uma cascada de efeitos de longa duração, em múltiplas dimensões do desenvolvimento rural”, escrevem na Science.

“Esta previsão baseia-se na experiência histórica (repetição da crise pós-2008), bem como na observação de alguns sinais que estão a surgir, como choques de produção alimentar, aumento do preço dos fertilizantes, do petróleo, da energia em geral e também da procura [de alimentos]”, explicou ao PÚBLICO, por e-mail, Jampel Dell’Angelo.

Um padrão globalizado
Colocar a questão apenas em termos de países que adquirem ou fazem contractos de aluguer de longa duração de terras com os governos de noutros países pode ser limitador, sublinha Dell’Angelo. “É frequente que as empresas que investem em aquisições de larga escala de terras tenham diferentes bandeiras”, diz o investigador.

“Por exemplo, pode haver um fundo de investimento com base em Nova Iorque e accionistas de diferentes países, talvez a maioria deles do Médio Oriente, que detém uma empresa na Tanzânia que é a proprietária legal da concessão de terra e do desenvolvimento do negócio agrícola”, ilustra.

Embora em vários casos os investidores sejam empresas públicas, pode ser complicado compreender quais os países envolvidos num negócio específico. “Em geral, há um padrão globalizado, com o envolvimento de vários países em cada contracto. Mesmo quando se trata de investimentos domésticos, é frequente haver capital estrangeiro envolvido no negócio”, conclui Dell’Angelo.

É mais fácil identificar os países que são objecto do interesse dos investidores. “A maior parte dos negócios são na América Latina, no Sudeste Asiático e na África subsariana”, resume.

Aumento da desflorestação e destruição da biodiversidade, diz Dell’Angelo, são os principais impactos em termos ambientais do avanço destes negócios em que largas extensões de terras em países em desenvolvimento são adquiridas ou alugadas para a produção agrícola e florestal destinada a países de elevados rendimentos.

Uma consequência grave é a apropriação dos recursos hídricos. “É algo que está integrado na apropriação das terras. A água que é usada para cultivar as pastagens que alimentam o gado no Brasil que vai acabar em hambúrguers que alimentam os norte-americanos, ou entrar na cadeia industrial de processamento de carne chinesa, pode ser encarada como água que está a ser ‘exportada’, que não é usada na Brasil pela população ou ecossistemas locais”, explica Dell’Angelo. “Isto é especialmente grave porque acontece em países que têm níveis elevados de escassez de água e/ou taxas de subnutrição”, salienta o cientista.

Os impactos negativos destes contractos transnacionais para a utilização de terras agrícolas em países em desenvolvimento são, no entanto, variados: “Vão desde a apropriação dos recursos hídricos até ao aumento de combustíveis fósseis, insegurança alimentar e uma variedade de efeitos sociais e políticos como redução do emprego, expropriação de terras e a supressão violenta de mobilizações sociais”, enumera a equipa no artigo na Science.

Mudanças irreversíveis
“O nosso maior receio é que as transformações desencadeadas se possam tornar irreversíveis”, salientou Dell’Angelo ao PÚBLICO. “Quando populações locais, agricultores, povos indígenas, são expulsos das suas terras, será muito difícil poderem regressar. Os ecossistemas são destruídos, as florestas desbravadas, e será muito difícil que sejam restaurados”, especifica.

O principal alerta que os cientistas querem fazer é exactamente este, os impactos da guerra na Ucrânia na alimentação e na agricultura globais podem desencadear mudanças estruturais irreversíveis.

“A questão da apropriação de terras e água devia ter destaque na negociação de acordos internacionais e tratados de investimento”, diz a equipa. “Cadeias de abastecimento globais, desflorestação, biodiversidade, água e alterações climáticas são tudo áreas em que devia haver um esforço coerente para a integração de políticas relativas à apropriação de terras”, escrevem na Science. É uma forma de mencionar acordos recentes sobre a biodiversidade ou as alterações climáticas, por exemplo.

“As regulamentações sociais e ambientais existentes têm perdido força gradualmente, e na maior parte dos casos, as salvaguardas para evitar a apropriação de terras são apenas de carácter voluntário. Para a questão da apropriação dos recursos hídricos o problema é ainda mais complicado, é um assunto que não recebeu praticamente nenhuma atenção até agora em termos de iniciativas de governação”, sublinha Dell’Angelo.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Improvável que abatimento da tundra provoque degelo acelerado



Uma complexa simulação informática realizada no Laboratório Nacional de Oak Ridge (ORNL), nos Estados Unidos, prevê ser improvável que o abatimento da tundra devido ao aquecimento global provoque um degelo descontrolado.

A paisagem permanentemente gelada da tundra ártica, que durante milhares de anos armazenou grandes quantidades de carbono, corre o risco de descongelar e libertar na atmosfera gases com efeito de estufa.

O grupo internacional de peritos sobre as mudanças do clima das Nações Unidas considerou uma das principais preocupações nas próximas décadas a possibilidade de o abatimento do solo naquela zona desencadear um degelo acelerado.

O derretimento rápido causado por abatimento de terras foi observado em zonas mais pequenas e em prazos mais curtos, mas as avaliações do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) deixavam dúvidas sobre o que poderia acontecer a longo prazo.

Seguiu-se a intervenção do ORNL com o Simulador Terrestre Avançado (ATS), “um modelo altamente preciso baseado na física da hidrologia da região, alimentado por medições detalhadas do mundo real, para ajudar os cientistas a entender a evolução do planeta”, segundo a agência de notícias privada espanhola Europa Press.

Assim, descobriu-se que, embora o solo continue a afundar-se à medida que derretem os grandes depósitos de gelo, o abatimento desigual causa uma paisagem mais seca e limita a aceleração do processo até ao final do século, indica o estudo divulgado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, dos Estados Unidos.

“Uma drenagem melhorada resulta numa paisagem mais seca ao longo de uma década e o processo autolimita-se”, indica Scott Painter, que dirige o grupo de Modelização de Sistemas de Bacias Hidrográficas do ORNL, num comunicado.

Painter referiu que se conseguiu pela primeira vez “perceber o efeito da mudança da microtopografia e representá-lo em modelos climáticos”, adiantando que a equipa tem muita confiança no modelo que utilizou.

Seixoso Vieiros - Lítio Não


Vimos desta forma manifestar a nossa preocupação e indignação pela inclusão da zona denominada Seixoso Vieiros no processo concursal para atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de lítio, enquanto representantes do Movimento Seixoso Vieiros - Lítio Não, que se empenham a favor de uma participação cívica ativa e de uma visão sustentável do desenvolvimento das regiões afetadas pelo processo supracitado, nos concelhos de Felgueiras, Fafe, Guimarães, Amarante, Mondim de Basto e Celorico de Basto.

Reconhecemos a necessidade e urgência da descarbonização e da implementação de estratégias para mitigação das alterações climáticas, mas não consideramos que estas propostas de mineração, dependentes da volatilidade do mercado global e com a previsão de períodos curtos de exploração, possam representar um contributo válido para o desenvolvimento sustentável do nosso território. Ao contrário, acreditamos que serão causa de declínio ambiental e socioeconómico.

Para este declínio contribuirão os impactes ambientais, cuja exploração prevista será a céu aberto, através de rebentamentos e detonações do solo, lavagem das rochas com processos químicos que implicam a utilização de milhares de litros de água. Todo este processo tem efeitos nocivos, como a poluição e a contaminação do ar, dos solos e, sobretudo, das águas e lençóis freáticos. O nosso território e as nossas paisagens serão irremediavelmente destruídos.

As regiões de Tâmega e Sousa e do Ave constituem uma realidade económica competitiva, fortemente industrializada, onde se concentram os maiores produtores de calçado e do setor têxtil, com um capital humano muito especializado, onde se destacam atividades económicas de cariz inovador e altamente empreendedor. Na área da agricultura destacam-se a produção do quivi, do mel e do vinho verde, para isso contribuindo a abundância e a qualidade da água destas regiões. 

Estamos convencidos que a indústria extrativista não será um contributo válido para as nossas regiões que podem, antes de mais, ser protagonistas, como já são, de um desenvolvimento genuinamente sustentável, pelo que exigimos dos nossos representantes políticos uma visão de longo prazo para os nossos territórios. Contamos com Todos. A nossa Terra precisa de Todos!


O Estado da Arte dos Povos Aborígens da Austrália


Os Nativos Australianos (aborígines)
supostamente tinham o status de flora e fauna (vida vegetal e animal) até 1967 em sua terra natal ...
Acredita-se que a Lei da Flora e da Fauna seja um mito.
Esta foto de 1902 confirma que não era apenas um mito.

Os Aborígenes foram os primeiros povos habitantes do território australiano.

Os territórios que formariam a nação independente da Austrália já tinham população humana há pelo menos 50.000 anos. De acordo com a teoria mais predominante, os primeiros habitantes teriam vindo do sudeste asiático durante a ocorrência da última Era Glacial, espalhando-se eventualmente por todo o continente. Divididos em centenas de clãs, que tinham um modo de vida caçador-coletor, eles são melhor conhecidos hoje como os aborígenes e permaneceriam culturalmente isolados do restante do mundo por dezenas de milhares de anos.

Apesar de menções à região australiana ocorrerem em documentos portugueses e espanhóis da Era Medieval e início da Era Moderna, o contato mais conhecido dos aborígenes com o mundo exterior veio já quase na Era Contemporânea, quando o capitão James Cook foi encarregado de realizar uma expedição exploratória na região. Em 28 de abril de 1770, ocorreu o primeiro desembarque de Cook e sua tripulação na costa australiana. Pouco depois, em 22 de agosto, ocorreu a posse oficial das novas terras pela Coroa britânica, nomeadas em seu conjunto como Nova Gales do Sul (New South Wales).

De início, a nova possessão foi basicamente utilizada como uma colónia penal. Em paralelo ao domínio brutal exercido sobre a população nativa aborígene, os ingleses expandiam possíveis benefícios económicos sobre Nova Gales do Sul ao doar terras para plantio aos milhares de prisioneiros que conseguiram terminar de cumprir as suas penas durante o século XIX. Eventualmente, seis estados ficariam estabelecidos: Nova Gales do Sul, Austrália Meridional, Austrália Ocidental, Queensland, Victoria, e Tasmânia, mais alguns territórios, sendo o Território do Norte o maior deles.

A Austrália é um país mundialmente conhecido por suas belezas naturais, pelo seu desenvolvimento económico e pela qualidade de vida da população (atualmente apresenta o quarto maior Índice de Desenvolvimento Humano do planeta). No entanto, pouco se comenta da história dos primeiros povos habitantes do território australiano, os Aborígenes.

Os Aborígenes são a população nativa da Austrália, habitavam a maior parte do território australiano, totalizavam aproximadamente 750.000 indivíduos, subdivididos em 500 grupos e com cerca de 300 dialetos diferentes. Esses grupos possuíam estilos de vida distintos e tradições culturais e religiosas próprias em cada região.

Com a chegada dos colonizadores ingleses em 1758, deu-se início aos massacres das comunidades Aborígenes. Soldados ingleses visitavam as aldeias fingindo uma aproximação amigável, oferecendo presentes. Porém, outros soldados envenenavam com arsénio a água e os alimentos dos Aborígenes; várias pessoas, inclusive crianças, morreram em consequência do envenenamento.

Os soldados ingleses destruíram locais considerados sagrados pelos Aborígenes. Também ofereciam bebida alcoólica à população local, e se aproveitavam do estado de embriaguez para instigar confrontos entre as diferentes aldeias, fazendo com que eles mesmos se aniquilassem.

Após proclamada a independência australiana, os Aborígenes passaram a sofrer com a discriminação da população de seu próprio país. Parte da população australiana considerava os Aborígenes como sendo parte da fauna e da flora, não havendo o devido respeito por esses indivíduos.

Dentre as diversas perseguições sofridas por essa comunidade, se destaca a “The Stolen Generations”, uma tentativa de “limpeza étnica”. Homens, a mando do governo, invadiram as tribos e raptaram crianças, inclusive bebés; muitas foram retiradas de suas famílias, pouco se sabe a respeito do verdadeiro paradeiro delas.

Atualmente os Aborígenes correspondem a apenas 1% da população australiana. Alguns vivem em aldeias no deserto, outros moram em bairros periféricos das grandes cidades. A maioria não consegue emprego formal e recebe auxílio do governo. Alguns conseguem contribuições da população, tocando nas ruas da cidade o didgeridoo, um instrumento de madeira que produz um som forte parecido com o apito de um navio. É comum encontrar pela cidade aborígenes embriagados, e muitas vezes envolvidos em confrontos com a polícia.

Com o intuito de minimizar essa triste história, o governo australiano está desenvolvendo políticas antidiscriminação, e preservando as tribos Aborígenes que restam, proporcionando a preservação das tradições deste povo.

Sondagem da Católica. Maioria dos portugueses culpa Putin e Rússia pela guerra na Ucrânia


Nesta sondagem, 85% dos inquiridos responderam que “o principal responsável pela guerra na Ucrânia” é Putin/Rússia, enquanto apenas 1% considera que é o presidente Volodymyr Zelensky/Ucrânia.


A conclusão é de uma sondagem realizada pelo CESOP - Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena 1 e Público, segundo a qual os inquiridos estão divididos sobre a atribuição de mais apoio financeiro a Kiev.

Dois por cento dos participantes acreditam que a culpa é dos Estados Unidos, 1% diz ser da NATO e outro 1% crê que os responsáveis são os países europeus/União Europeia. Sete por cento não sabem ou não quiseram responder, enquanto 3% responderam “outro”.

Questionados sobre como avaliam a atuação da NATO e dos seus países-membros até ao momento, no que diz respeito à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, 51% disseram que “estão a envolver-se o necessário”, 30% considerou que “estão a envolver-se menos do que deviam” e 12% pensam que “estão a envolver-se mais do que deviam”. Sete por cento não responderam.

Já sobre a atuação de Portugal, em concreto, quanto à guerra na Ucrânia, as respostas foram mais uniformes. Setenta e dois por cento dos inquiridos responderam que o país está a “envolver-se o necessário”, 12% disseram que está “a envolver-se menos do que devia” e 10% “mais do que devia”. Apenas 6% não responderam.

Portugueses divididos sobre apoio financeiro

Esta amostra da população portuguesa foi também questionada sobre se Portugal deve conceder mais apoio financeiro à Ucrânia, ao que a resposta foi equilibrada: 38% disseram discordar e 38% disseram concordar.

Catorze por cento “discordam completamente”, enquanto 6% “concordam completamente”.

Sobre o envio de mais material e equipamento militar de Lisboa para Kiev, as respostas foram mais díspares. Cinquenta e um por cento concordaram; 12% concordaram completamente; 24% discordaram; e 9% discordaram completamente.

Notou-se mais consenso no que diz respeito ao acolhimento de mais refugiados ucranianos por parte de Portugal. Cinquenta e oito por cento concordaram que o país deve receber mais destes refugiados e 21% “concordaram completamente”.

Do lado aposto, 15% discordaram e apenas 3% “discordaram completamente”.

Ucrânia vista como país “que mais perde com a guerra”

Foi também perguntado aos portugueses quanto consideram que cada país ganha ou perde com a guerra. Neste ponto, a sondagem da Católica concluiu que a Ucrânia é vista como o país que mais perde com o conflito, sendo que a Rússia e a União Europeia (incluindo Portugal) “também têm mais a perder do que a ganhar”.

Na coluna do “perde muito”, a Ucrânia sobressai, com 63% a responderem nesse sentido. Em segundo lugar, para os inquiridos, surge a Rússia, com 26% de respostas. Segue-se a União Europeia (18%), Portugal (12%), EUA (4%) e China (3%).

Já na coluna do “perde”, quem se destaca é Portugal. Sessenta por cento dos portugueses acreditam que o país perde com a guerra, seguindo-se a UE (55%), Rússia (41%), Ucrânia e EUA (ambos com 24%) e, por último, a China (15%).

Por outro lado, os participantes consideram que os Estados Unidos e, principalmente, a China, “são os países que menos têm a perder e mais poderão ganhar com esta guerra”. Pequim reuniu 39% das respostas na coluna do “ganha”, os EUA 30%, a Rússia 12%, UE 8%, Ucrânia 5% e Portugal 2%.

Na resposta “ganha muito” os resultados foram mais residuais, destacando-se a China (com 12%) e os Estados Unidos (11%).

Maioria acredita que guerra não sairá da Ucrânia

Sobre o futuro do conflito, 39% dos participantes consideraram mais provável que a guerra ainda vá demorar, mas que ficará circunscrita ao território ucraniano.

Já 26% acreditam que “o conflito vai tornar-se num conflito global”, enquanto 14% pensam que irá “alargar-se a outros países vizinhos que não sejam membros da NATO”.

Sete por cento creem que o mais provável é a guerra “alargar-se aos países vizinhos membros da NATO” e apenas 4% acreditam que “o conflito está a caminho de uma resolução”.

Dez por cento não sabem ou não quiseram responder.

Ficha Técnica

Este inquérito foi realizado pelo CESOP - Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena1 e Público entre os dias 9 e 17 de fevereiro de 2023. O universo alvo é composto pelos eleitores residentes em Portugal. Os inquiridos foram selecionados aleatoriamente a partir duma lista de números de telemóvel, também ela gerada de forma aleatória. Todas as entrevistas foram efetuadas por telefone (CATI). Os inquiridos foram informados do objetivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 1002 inquéritos válidos, sendo 46% dos inquiridos mulheres. Distribuição geográfica: 29% da região Norte, 20% do Centro, 37% da A.M. de Lisboa, 7% do Alentejo, 4% do Algarve, 2% da Madeira e 2% dos Açores. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população por sexo, escalões etários e região com base no recenseamento eleitoral e nas estimativas do INE. A taxa de resposta foi de 26%. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 1002 inquiridos é de 3,1%, com um nível de confiança de 95%.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Este fungo de aspeto estranho pode ser uma alternativa biodegradável ao plástico


O fungo tinder (Fomes fomentarius) tem algumas propriedades surpreendentes, que podem fornecer uma alternativa natural e biodegradável a certos plásticos e outros materiais no futuro, descobriram investigadores.

O fungo tinder (Fomes fomentarius) tem algumas propriedades surpreendentes, que podem fornecer uma alternativa natural e biodegradável a certos plásticos e outros materiais no futuro, descobriram investigadores.

Como o seu nome sugere, o fungo devorador de madeira tem sido historicamente utilizado para detetar a faísca de incêndios, embora também tenha sido incorporado no vestuário e utilizado na medicina.

Agora poderá ter todo um novo nível de utilidade como alternativa biodegradável aos plásticos, graças à forma como o micélio F. fomentarius  é montado.

Composto por filamentos finos conhecidos como hifas, o micélio forma redes radiculares que se espalham pelo solo ou material em decomposição. No caso do fungo tinder, esta rede pode ser dividida em três camadas distintas, diz a equipa de instituições de investigação na Finlândia, Holanda e Alemanha.

“O micélio é o componente primário em todas as camadas”, dizem os investigadores. “Contudo, em cada camada, o micélio exibe uma microestrutura muito distinta com orientação preferencial única, relação de aspeto, densidade, e comprimento de ramo”, acrescentam.

Os investigadores analisaram a composição estrutural e química do corpo frutífero de F. fomentarius, utilizando amostras recolhidas na Finlândia. Testes de resistência mecânica foram combinados com varreduras detalhadas do fungo para examinar as suas características em detalhe, revelando três camadas: uma crosta exterior dura e fina que reveste uma camada espumosa por baixo e pilhas de estruturas tubulares ocas no núcleo.

Partes do fungo eram tão fortes como o contraplacado, pinho, ou couro, relata a equipa – embora também fossem mais leves do que esses materiais. É uma combinação que não está normalmente associada à parte carnuda de um fungo como este.

Os investigadores descobriram que os tubos ocos, que constituem o grosso dos corpos de frutificação de F. fomentarius, podem resistir a forças maiores do que a camada espumosa, tudo sem sofrerem grandes deslocamentos ou deformações.

Contudo, talvez não seja assim tão surpreendente: este fungo tem de ser construído para resistir aos rigores das estações em mudança, bem como aos ramos de árvores que caem de cima para baixo. Este é o tipo de tenacidade que pode inspirar novos materiais sintéticos.

Normalmente, mais fortes, mais rígidos ou materiais são também mais pesados e mais densos – mas não neste caso.

“O que é considerado extraordinário é que, com alterações mínimas na sua morfologia celular e composição polimérica extracelular, formulam diversos materiais com desempenhos físico-químicos distintos que ultrapassam a maioria dos materiais naturais e humanos que são normalmente confrontados com trocas de propriedade”, escrevem os investigadores.

“Acreditamos que os resultados devem atrair um vasto público da ciência dos materiais e não só”.

O fungo F. fomentarius já desempenha um papel fundamental na natureza, na forma como se agarra a árvores mortas e liberta nutrientes importantes que de outra forma permaneceriam na casca. Agora, poderia ser ainda mais útil no campo da ciência dos materiais.

É necessário determinar exatamente como e onde este fungo poderia ser utilizado, mas compreender as suas camadas é um passo importante: sabemos agora como é construído a nível celular.

Faz parte de um corpo crescente de investigação sobre o potencial dos materiais vivos, utilizando células vivas de forma controlada e programada para alcançar determinados resultados finais – que, neste caso, seriam tipos particulares de materiais.

“Estes resultados poderiam oferecer uma grande fonte de inspiração para a produção de materiais multifuncionais com propriedades superiores para diversas aplicações médicas e industriais no futuro”, escrevem os investigadores.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Subsídios ao consumo de combustíveis fósseis atingem valor recorde em 2022


Em novembro de 2021, representantes de quase todos os países do mundo reuniram-se em Glasgow, no Reino Unido, para a 26.ª cimeira global do clima (COP26). Daí resultou um Pacto Climático em que, entre outros compromissos, os Estados reconheceram a urgência de acelerar a transição energética e de abandonar progressivamente “subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”.

No entanto, 2022 não foi o ano em que essas promessas se cumpriram. Um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), divulgado este mês, revela que no ano passado os subsídios ao consumo de combustíveis fósseis duplicaram face a 2021, atingindo um valor sem precedentes de um bilião de dólares

Esse aumento é explicado pela crise energética despoletada para invasão da Ucrânia pela Rússia, que provocou um abalo estrondoso nos mercados energéticos mundiais, limitando fortemente as exportações de petróleo e de gás russos e fazendo disparar os preços desses produtos energéticos.

Nesse quadro, para proteger os consumidores dos custos cada vez mais elevados dos combustíveis, os governos ativaram medidas para tentar reduzir os impactos sobre as populações e também sobre as empresas, por exemplo, com a redução dos impostos sobre a venda de energia fóssil.

A nível global, os subsídios ao consumo de petróleo aumentaram aproximadamente 85% face a 2021, sendo que os orientados para o gás natural e para a energia mais do que duplicaram.

Segundo a análise, a maioria dos subsídios ao consumo de combustíveis fósseis foram concedidos em países em desenvolvimento e em economias emergentes, sendo que mais de metade se concentraram em países exportadores.

Apesar de reconhecerem que as medidas implementadas pelos governos pretendiam sobretudo evitar que os consumidores sofressem as consequências mais duras da crise energética causada pela guerra, os autores do relatório indicam que, ainda assim, “a escala destas intervenções” não deixa de ser motivo de preocupação, uma vez que levanta grandes obstáculos à concretização da transição para energias renováveis e menos poluentes.

“Embora muitas outras medidas aplicadas pelos governos sirvam para acelerar as transições [energéticas], estas intervenções nos preços funcionam em sentido contrário, ao favorecerem os combustíveis fósseis”, escrevem os especialistas da AIE.

“O abandono progressivo dos subsídios aos combustíveis fósseis é um ingrediente fundamental para o sucesso das transições para energia limpa, tal como plasmado no Pacto Climático de Glasgow”, assinalam, alertando, contudo, que “a atualmente crise energética global tornou também claros os desafios políticos para fazer disso uma realidade”.

Por isso, os relatores defendem que a melhor proteção contra crises energéticas e contra a volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis é o investimento em “mudanças estruturais” que impulsionem o desenvolvimento e a massificação das energias renováveis e limpas.