terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Estética e Megaprojectos Eólicos e Fotovoltaico


A principal razão para nos opormos à proliferação actual de instalações solares e fotovoltaicas é de ordem estética. Pode parecer uma frivolidade, mas vamos demonstrar que não o é.

A política energética segue a tese de que a quantidade de energia gasta está correlacionada com o nível de bem-estar. Esta crença é consistente com a ideia moderna da história, que assume que o curso da humanidade consiste, basicamente, na luta para extrair da natureza os recursos que necessita para evitar uma vida de privação. Graças a existências penosas intermináveis, como se fosse uma verdadeira penitência, a humanidade tem vindo a alcançá-la agonizantemente. Chamamos-lhe “trabalho”, abstração cardeal que aglutina tarefas e ofícios muito diversos, com implicações muito diferentes. A moderna noção de “trabalho” foi criada durante o século XVIII, mas as pessoas hoje assumem-na como sendo a coisa mais natural, aceitando como evidente a ideia que fazer roupas, bonecas ou auto-estradas, por exemplo, é o mesmo: “trabalho” é “produzir”.

É o mito do Crescimento da Economia que dá sentido ao quadro institucional da sociedade industrial e proporciona às massas industrialistas petulância etnocêntrica, fundamentalmente porque dispõem de artefactos tecnicamente mais sofisticados do que os seus avós. As hierarquias do industrialismo promovem megaprojectos invocando mitos, e inundam as paisagens. A natureza colossal destas obras atordoa as pessoas comuns, mas estas aceitam-nas com gratidão, uma vez que carregam o mito nas veias. É inoculado pelos aparelhos educativos e publicitários dirigidos pelas mesmas hierarquias que executam os megaprojetos. Assim, a maioria acredita que estas obras insanas contribuirão positivamente para o “crescimento da economia”, ergo do seu bem-estar e dos seus descendentes. E, finalmente, aplaudem entusiasticamente as liturgias industriais, como as inaugurações de barragens gigantescas, etc. Nesta linha de pensamento, não deve haver dúvidas de que o sonho da tecnocracia especializada (engenheiros, agentes de desenvolvimento, gestores…), treinado na busca ansiosa de prémios e emolumentos, é coroar os picos do mundo com moinhos tão gigantescos que deixam as pirâmides dos antigos impérios ridiculamente pequenos. Trata-se de uma simples questão de escala, embora os exegetas do Produtivismo justifiquem as obras colossais de hoje, em contraste com as antigas: as de agora são úteis, porque são feitas para produzir; as de antigamente, sumptuárias, porque serviam para adorar os deuses.

Mas este mito do Crescimento da Economia foi respondido desde o início, quando Smith, Malthus e Marx completaram o seu cânone. Segundo Marx, a chave para a humanização e a civilização é a supracitada abstração do “trabalho”, não a palavra, nem a poesia, nem a peça e o devaneio artístico, como se acreditava, pelo menos desde Aristóteles. De acordo com esta mais antiga cosmologia, que repele as noções de Produção e Trabalho, a palavra, ao significar tudo, retira os humanos do ambiente (reino biológico) e coloca-os no mundo (reino simbólico), o lugar em que, irrevogavelmente, habitamos. A palavra não nasce do indivíduo, mas da comunidade, e nela as pessoas falam. Portanto, a condição humana é tornar-se comunidade (zoom politikon), e a questão essencial é o estar, que determina e dá sentido à existência. De acordo com esta permissa, os impulsos da comida, do abrigo e do sexo não determinam nada, mas são determinados pela identidade e ligação, e convertidos em formas de comunicação, ocasiões para o reconhecimento. Portanto, a condição humana não é determinada materialmente, mas pela identidade e ideais. É isso que explica a cultura humana na sua diversidade, não na luta pela existência.

Questionar o mito da Produção leva-nos a desafiar as suas hierarquias, que fingem ser fornecedores solventes das nossas “necessidades materiais”; e noções que pareciam inabaláveis parecem agora absurdas para nós, como a da “classe adequada” e da “classe trabalhadora”. Ou a da “matéria-prima”, que os economistas definem como qualquer coisa que só adquire valor se for usada na Produção. A noção atual de matéria-prima provém dos alquimistas, quando se acreditava que a Terra era praticamente infinita. Sabemos hoje que não é esse o caso, mas a noção permanece incólume, porque não deriva de provas, mas sim da fé tecnológica. É a idolatria da técnica (tecnolatry), e reduz-se a isto: a sofisticação técnica salvará a humanidade. Lançamentos de foguetes lunares, corridas de velocípedes ou exposições electrónicas da China são exemplos de cerimoniais deste culto.

Mais concretamente, as autoridades voltam agora à carga anunciando a “estratégia das matérias-primas críticas”. É a revitalizada litania da Produção, pregada durante o século e meio por capitalistas e socialistas, agora envernizada como “verde”, “circular” e “sustentável”. Esta idolatria sombria deve ser denunciada por respeito à justiça, à bondade e à beleza. E recuperar outros significados para as “matérias-primas” que o jargão económico enterrou, ou renomeá-los. Por que não bens comuns em vez de matérias-primas? Temos de deixar para trás o olhar pedestre da Economia, para recuperar o sentido de admiração, ao qual Rachel Carson apela, contemplar a maravilha do mundo, e depois compreender que as plantações solares e eólicas são horrores nocivos a que valem a pena opormo-nos.

A cosmologia da produção concebe noções de justiça, bondade e beleza de acordo com uma versão da ideia antiga da identidade dos opostos (a “dialéctica”, disse Marx). É por isso que os economistas insistem em que esses bens mais elevados só serão alcançados amanhã, negando-lhes o hoje. Por exemplo, na estética, pregam um prosaísmo orgulhoso e um modesto adiamento do belo.
Mas, uma vez que o que está em jogo aqui é negar a Produção, vamos fazê-lo precisamente a nível estético. Pensador@s dos últimos dois séculos compreenderam o crucial debate estético para sancionar ou invalidar a teoria da Produção. O romantismo e as suas derivações, bem como as tradições místicas (de Willian Blake a Octavio Paz ou Ludovico Einaudi, de Willian Turner a Martin Buber, Gandhi ou María Zambrano) ridicularizam a lógica sacrificial da Produção, com o seu rescaldo da fealdade e da devastação. Mas, ao mesmo tempo, há notáveis apologistas (todos masculinos) das paisagens industriais insanas, que nascem na mina moderna e se desdobram em impressionantes excrescências de tubos, fornos infernais e secreções tóxicas. E agora, além disso, moinhos gigantes e planícies de metal. Aspiram ao solene dos loucos, como símbolo do poder redentor.

H. D. Thoreau considerou as pirâmides um precedente do gigantismo industrial. Referindo-se a eles, escreveu em Walden (1854):
Não há nada para se surpreender tanto como o facto de poder haver tantos homens degradados para passar a vida a construir a sepultura de um tolo ambicioso…
Um século depois, E. F. Schumacher também escolheu a crítica estética do gigantismo industrial para desacreditar a cosmologia da Produção. O seu trabalho mais conhecido, Small is Beautiful, é um apelo contra a Produção.

A linha oposta de justificação estética do excesso de produto é bem capturada, por exemplo, J. M. Keynes, que, nas Possibilidades Económicas dos Nossos Netos, admoesta:
… pelo menos por mais cem anos temos de simular… que o belo é sujo e o sujo é bonito… Porque só [o sujo pode] guiar-nos para fora do túnel da necessidade económica para a clareza do dia.
Na homilia deste Pai da Economia é rastreável, embora no registo anti-literário, o simbolismo da travessia do deserto, que Deuteronomi, com respiração poética, descreve da seguinte forma:
Grande e inspiradora selva, com serpentes venenosas e escorpiões e com solo sedento que não tem água (Deuteronômio 1:19; 8:15).
Não há dúvida de que a soteriologia do industrialismo deve muito a estas metáforas antigas para expressar a lógica sacrificial e expiatória que o encontrou. Nesta linha, o grande profeta da modernidade foi, sem dúvida, Karl Marx, que avisa a humanidade de que terá de atravessar o inferno do capitalismo para ascender ao socialismo definitivamente progredido. A sua escrita enigmática e entediante, que atinge o seu clímax em O Capital, já contém a mensagem subjacente de que os feios, os sujos e os ininteligíveis anunciam, dialéticamente, a verdade, a beleza e a bondade. Após a consagração do trabalho destes Pais, é já uma convenção que a escrita antipoética e abstrusa e a ingenuidade técnica titânica e insana são um caminho de martírio, no entanto, necessário para a verdade, a bondade e a beleza.

Simone Weil, que escreveu talvez o apelo mais lúcido contra o inferno industrial (“Reflexões sobre as causas…”, 1934), desafia todos estes Pais – embora dirigindo-se expressamente a Marx – com apenas duas perguntas: como poderiam pensar que a propagação da fealdade e da devastação traria beleza e abundância?
Portanto, de acordo com uma simples razão estética, rejeitamos megaprojetos de vento e fotovoltaicos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Praias tunisinas estão a encolher. Porquê?



No Magrebe (Marrocos, Tunísia, Argélia e Líbia), a Tunísia regista as taxas de erosão mais elevadas das últimas três décadas, com uma média de quase 70cm por ano, admite o Banco Mundial. Pelo menos 85% da população da Tunísia, com mais de 12 milhões de habitantes, vive junto à costa, o que faz com que o país seja desproporcionadamente afetado pela erosão costeira. A subida do nível do mar, causada principalmente pelo derretimento global do gelo induzido pelo aquecimento e pelo aumento da temperatura da água, é um dos principais culpados da erosão costeira.

Com a erosão das praias tunisinas, os pescadores da cidade costeira de Ghannouch dizem que os seus barcos e redes são cada vez mais danificados pelas rochas o que faz o seu rendimento sofrer quebras de 20% em relação a anos anteriores. O sobredesenvolvimento imobiliário nas praias e a destruição de defesas naturais como as dunas estão a duplicar o efeito da subida do nível do mar.

A aceleração das alterações climáticas trouxe também um aumento das temperaturas, agravando a seca na Tunísia. Juntamente com a subida do nível do mar, isto está a prejudicar não só o sector pesqueiro do país, mas também a sua agricultura e turismo.

80% da areia costeira da Tunísia vem do interior, segundo Gil Mahé, director de investigação do laboratório de hidrociências da Universidade Francesa de Montpellier, atualmente a trabalhar no INSTM na Tunísia. "As barragens... [são] o grande impacto que aumenta a vulnerabilidade das costas arenosas à erosão", diz ele. Três anos de seca deixaram muitas das 37 barragens do país esgotadas ou vazias, e levaram o governo a subir os preços da água da torneira para as famílias e empresas. O país está a investir na construção de mais barragens para tentar armazenar tanta água doce quanto possível.

A subida do nível do mar e o desaparecimento da areia prejudicaram gravemente os negócios de praia, tendo o turismo registado um grande declínio ao longo da última década. À medida que a erosão costeira se agrava, a água salgada move-se para o interior, arruinando áreas aráveis. Há já projetos em parceria com instituições internacionais como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para reduzir a erosão através de soluções baseadas na natureza. Uma iniciativa instalou 0,9 km de vedações de retenção de areia e 1,1 km de frondes de palmeiras presas ao solo para reduzir o impacto das ondas numa praia de Djerba, onde a erosão costeira provocou fortes inundações de zonas húmidas.

A erosão costeira é um fenómeno há muito conhecido e documentado. Todos os anos chegam-nos notícias de que o mar ‘engoliu’ mais uma enorme fatia. Da Califórnia, à Carolina doNorte, da Florida, ao Rio deJaneiro, de Yorkshire a Ovar. Mas a ganância, a sede do lucro rápido, a especulação imobiliária, a corrupção têm impedido a tomada de medidas sérias para conter o problema.

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domingo, 26 de fevereiro de 2023

António Sampaio da Nóvoa: "Segundo a UNESCO, no mundo, metade dos alunos terminam a escola sem terem aprendido praticamente nada"

Ciência, Educação e Conhecimento é o tema a debate no ciclo "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. A iniciativa com a presença de António Sampaio da Nóvoa, decorre online, via Zoom, hoje a partir da 18.00. António Sampaio da Nóvoa, doutor em Educação e em História, foi Embaixador de Portugal na UNESCO, de 2018-2021, presidente da sessão da Conferência Geral da UNESCO e é, atualmente, titular de uma Cátedra UNESCO sobre os futuros da educação. Conferencista detalha algumas das reflexões que leva ao encontro.
Propõe-se abrir a sua participação na conferência "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", referindo-se às "identidades assassinas", numa alusão ao livro do escritor e ensaísta libanês Amin Maalouf. A obra é um manifesto contra a loucura da morte em nome daquilo que se designa identidade. Como faz a ponte entre estas identidades e o tema que o leva à conferência, "Ciência, Educação e Conhecimento"?
George Steiner tem páginas luminosas sobre a música como linguagem fundamental para unir a humanidade. Maria Bethânia disse-o à sua maneira: "A música é a língua materna dos deuses." Depois da música, a ciência é a outra linguagem fundamental para tentarmos viver em paz com a Terra e em paz com os Outros. Num mundo fragmentado, alimentado por negacionismos de todos os tipos, por narrativas delirantes reforçadas por documentos e imagens que parecem "credíveis", resta-nos a ciência como linguagem comum. Se a perdermos, ficaremos à mercê dessas "identidades assassinas" de que nos fala Amin Maalouf. A ciência é a nossa "última razão", talvez mesmo a última possibilidade para uma conversa humana. Sem esquecer que "conversar" significa dar voltas ao pensamento, às ideias, na companhia dos outros.

Reimagining our Futures Together é o terceiro relatório da UNESCO, datado de 2021, dedicado ao futuro da educação. Na abertura do documento é salientada a necessidade de "um novo contrato social para a educação que possa reparar as injustiças enquanto transforma o futuro". A que injustiças alude o documento e que propostas apresenta para as reparar?
Estamos a viver a maior transformação de que há memória na história da educação. O contrato social celebrado no século XIX tinha dois grandes pilares: a obrigatoriedade escolar para a infância e um modelo escolar normalizado em torno da sala de aula. A escola pública tornou-se uma instituição central, talvez mesmo, como escreve Darcy Ribeiro, "a maior invenção do mundo". Este contrato cumpriu o seu papel, mas já não é suficiente. A educação tem de se renovar, valorizando a relação entre gerações e novos ambientes educativos. Trata-se de pensar a educação para além da escola, em todas as idades, tempos e lugares. No espaço público da cidade. E, na escola, construir ambientes para todos e onde todos aprendam. Só assim poderemos reparar exclusões e injustiças do passado. Para ser transformadora, a escola tem ela própria de se transformar.

Num tempo de desinformação e retrocesso em matéria de confiança na ciência, os currículos escolares estão à altura de promover o compromisso de defender a verdade?
É inquestionável a importância da ciência e da educação científica. Os alunos devem adquirir conhecimentos, mas também compreender o modo como as diferentes disciplinas se organizam e produzem conhecimento. É isso que lhes permitirá um olhar crítico, esclarecido, sobre as "inverdades" que circulam a um ritmo alucinante. Frequentemente, o problema não está nos currículos, mas na pedagogia. Há duas ideias centrais: a convergência entre disciplinas e a pedagogia do trabalho. A revolução da convergência, título de um relatório do MIT, alerta-nos para a necessidade de uma educação construída em torno de temas e problemas, com base em projetos de investigação, produção e criação dos alunos. Por isso, o mais importante é sempre o trabalho dos alunos, a forma como estudam, procuram, criam, resolvem problemas, individual e coletivamente. Ninguém se educa sozinho. Precisamos dos outros para nos educarmos. A pedagogia é tudo menos facilitismo. É conseguir que os alunos trabalhem mais, e não menos, mas que o façam com sentido, emoção e curiosidade.

"O lugar da Escola vem sendo discutido com ardor e entusiasmo. Após um século de enormes progressos, surgem sinais claros de insatisfação e de mal-estar (...) Há cada vez mais alunos que abandonam a escola privados de tudo: sem um mínimo de conhecimentos e de cultura, sem o domínio das regras básicas da comunicação e da ciência, sem qualquer qualificação profissional". O professor deixou estas palavras na Revista Saber e Educar, em 2006. Volvidos 17 anos, que análise faz desta mesma realidade?
A realidade está pior. A pandemia cavou novas e profundas desigualdades. Segundo a UNESCO, no mundo, metade dos alunos terminam a escola sem terem aprendido praticamente nada. É inaceitável. Muitos, consideram que é preciso investir mais na educação. Têm razão. Mas não basta. É preciso também que haja uma metamorfose da escola, uma mudança da forma e da configuração da escola. Não vale a pena esperar por uma novidade extraordinária, que venha de uma lei, de uma reforma, de um método ou de uma tecnologia. A novidade está naquilo que, hoje, já se faz em tantas escolas e que precisamos de conhecer, estudar, repertoriar e partilhar. É a partir destas experiências que podemos, em conjunto, pensar e construir novas formas de educar.

Associa às métricas dominantes para avaliar as universidades e os universitários àquilo que são, nas suas palavras "duas tendências particularmente negativas: a hiperespecialização ["os instruídos incultos e os cultos ignorantes"] e o híper produtivismo ["universidades como fábricas de artigos"]. Quer aprofundar, alertando para os riscos que impõem estas duas tendências?
A essência de uma universidade está na diferença. A universidade é um lugar único, marcado pela relação intergeracional e pelo diálogo entre todas as formas de conhecimento. Quando procura copiar as lógicas de funcionamento e as métricas das outras instituições, a universidade empobrece-se e torna-se irrelevante. Na sua tomada de posse, em 2007, disse a Reitora de Harvard: "A universidade é responsável perante o passado e perante o futuro - não só, nem sequer primordialmente, perante o presente". Com estas palavras, abre uma crítica a duas tendências. Por um lado, a hiperespecialização que, segundo Michel Serres, conduz à formação de duas populações de imbecis: os instruídos incultos, cientistas que não querem saber nada da cultura geral, humanística; e os cultos ignorantes, letrados que ignoram totalmente a matemática, a física ou a biologia. Por outro lado, o híper produtivismo que está a transformar as universidades em fábricas de artigos, autores sem leitores, produções sem sentido, com riscos sérios para a integridade e a originalidade do trabalho científico. Medir é preciso, mas a razão de ser de uma universidade está muito para além do que se pode medir no imediato.

Hoje vivemos um tempo breve de crises e de urgências. A pandemia é disso exemplo; a crise climática também o é. Estas crises obrigam a políticas públicas também elas urgentes. É um tempo compaginável com o tempo ponderado que exige a ciência, a investigação e a produção de conhecimento?
A universidade existe no tempo longo, não no tempo breve das "crises" e das "urgências". A sua maior utilidade está em cultivar o que não parece ter "utilidade imediata" e, no fim, se revela a coisa mais útil. A tecnologia tem, hoje, uma base científica. Mas a ciência vai muito para além da tecnologia. É nesse sentido que o filósofo italiano Nuccio Ordine faz o "elogio do tempo perdido", chegando mesmo a citar a oitava sátira de Juvenal para alertar as universidades de que não podem, para salvar a vida, perder a razão de viver. Numa sociedade híper acelerada, permanentemente ocupada, 24 horas/7 dias, espera-se da universidade um processo de desaceleração, uma forma diferente de pensar e de agir para, assim, ser "útil" às sociedades. É preciso dar tempo ao tempo, devolver o tempo às universidades. E à ciência. "Não há pressa. Um grande poema pode esperar 500 anos, sem que ninguém o leia ou compreenda", diz-nos Walter Benjamin.

Vai levar à conferência uma questão de suma importância, a da Ciência Aberta. Quer enquadrar-nos o conceito e resumir o seu contributo para aquilo a que chamamos o "bem público", de um "bem comum" e de como pode esbater as desigualdades no mundo, entre o Sul e o Norte?
O conceito de Ciência Aberta refere-se a um conjunto de tendências que procuram afirmar a importância da partilha do conhecimento, da colaboração entre cientistas e de uma maior presença da ciência na sociedade. Há três temas centrais. O primeiro, e mais óbvio, é o acesso aberto. O segundo prende-se com a cultura científica e uma ciência ligada ao exercício da cidadania. O terceiro diz respeito à importância da ciência para a nossa vida coletiva, nomeadamente no domínio das políticas públicas. A pandemia do coronavírus tornou nítida a importância da ciência como bem público e comum. Sabemos que os indicadores de educação continuam a ser aqueles que melhor explicam as desigualdades entre indivíduos, mas sabemos também que os indicadores de ciência são aqueles que melhor explicam as desigualdades entre países e regiões. Reforçar o Sul Global é, acima de tudo, reforçar as suas capacidades científicas, de produção de conhecimento e de tecnologia. Sem isso, como assegurar um desenvolvimento sustentável?

Vivemos maravilhados com a inteligência artificial, com a biotecnologia, com os avanços na ciência que prometem catapultar a vida humana muito além dos limites concebíveis há cem anos.
Hoje, tudo parece ao alcance da ciência. Mas nem tudo é desejável. Mais do que nunca precisamos de estabelecer limites. Não se trata de censurar, mas de estabelecer padrões éticos e transparentes através do debate público. É impossível evitar ambições desmedidas. Mas é possível controlá-las através da consciência crítica, pública, assente em princípios e instrumentos internacionais. Sobre a inteligência artificial, ainda esta semana a ONU alertou para avanços recentes que representam uma ameaça real aos direitos humanos. Não é ficção científica, diz-nos António Guterres, "os nossos dados estão a ser usados, sem a nossa autorização, para fins que desconhecemos", condicionando as nossas decisões e comportamentos. Também aqui precisamos de desenvolver possibilidades e ferramentas digitais, abertas, que permitam transformar a esfera digital num bem público e comum.

Em todo este contexto, ainda pensamos com humanidade a ciência, a educação e o conhecimento?
Este ano celebra-se o 75.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Devemos estar mais atentos à ligação entre direitos humanos e ciência, e dedicar uma grande atenção aos temas do digital - e da inteligência artificial. Sempre com o olhar numa ciência que também é arte. À maneira de Almada: "Arte e ciência não podem deixar de estar estreitamente ligadas entre si. É a íntima união do sentimento com o conhecimento humanos, formando o entendimento da humanidade". No tempo de transição que estamos a viver, transição de que temos consciência, mas que não conseguimos ainda alcançar com a vista, é bom pensar com humanidade a ciência, a educação e o conhecimento. Com humanidade e com humanismo.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Marinha brasileira vai afundar porta-aviões tóxico no Atlântico


Após 37 anos de serviço na marinha francesa e 10 anos sob a bandeira brasileira, o Brasil decidiu afundar o seu porta-aviões São Paulo ao largo da sua costa do Atlântico Nordeste, apesar da presença de elevados níveis de amianto e de resíduos tóxicos a bordo. Face a certos riscos de poluição dos ecossistemas da região e da cadeia alimentar marinha, várias ONG denunciam este crime ambiental.

Anteriormente conhecido como o Foch, este porta-aviões participou nos primeiros testes nucleares franceses no Pacífico, e foi destacado para África, Médio Oriente e ex-Jugoslávia, até ser substituído pelo nuclear Charles-de-Gaulle. Em 2000, este antigo porta-estandarte da marinha francesa foi vendido ao Brasil pela modesta soma de 12 milhões de dólares. Para o tornar plenamente operacional, teria sido uma intervenção no valor de 80 milhões de dólares. Nem a marinha francesa nem a brasileira investiriam na remodelação.

A empresa turca de reciclagem marítima Sök Denizcilik adquiriu o casco por 10,5 milhões de dólares. Com a ajuda do rebocador holandês ALP Guard, o São Paulo partiu para águas turcas. Contudo, ao chegar ao Estreito de Gibraltar, as autoridades ambientais turcas recuaram, temendo que contivesse mais amianto do que o esperado. No seu regresso ao Brasil, infelizmente, não conseguiu atracar, pois a viagem tinha danificado seriamente o estado do seu casco.

A Associação Robin Hood descreveu o antigo porta-aviões como um "pacote tóxico de 30.000 toneladas".

Segundo um estudo realizado pela norueguesa Grieg Green, o porta-aviões continha 9,6 toneladas de amianto, 644,7 toneladas de metais pesados e 10.000 lâmpadas fluorescentes de mercúrio. Numa altura em que os nossos oceanos e biodiversidade marinha já estão sob pressão e o recém-eleito presidente brasileiro, Lula da Silva, comprometeu-se a pôr fim aos múltiplos ecocídios que afetaram o Brasil durante a era Bolsonaro, este afundamento controlado parece ser um novo crime ambiental. Segundo organizações ambientalistas, como a Greenpeace Brasil, as autoridades brasileiras terão violado vários tratados internacionais dos quais são signatárias:

- a Convenção de Basileia sobre o Controlo dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação

- a Convenção de Londres sobre o Controlo da Poluição Marinha e sobre a Proibição de Dumping de Resíduos Industriais no Mar;

- a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes.

Guerra na Ucrânia ameaça nova onda de apropriação de terras nos países mais pobres


O impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia vai dar novo alento ao movimento de aquisição em grande escala de terras em países em desenvolvimento por empresas ou governos estrangeiros, para as destinar a produzir produtos agrícolas ou florestais que não beneficiam a população local, mas sim a de outro país, alerta uma equipa internacional de cientistas na edição desta sexta-feira da revista Science. “Esta apropriação de terras conduz tipicamente a problemas sociais e ambientais”, escrevem.

Desde o início do século XXI, e com maior incidência após a crise alimentar de 2007-2008, quando os preços da comida disparam, criando instabilidade social e insegurança alimentar tanto em países em desenvolvimento como países desenvolvidos, “mais de 45 milhões de hectares, aproximadamente a dimensão da Suécia ou de Marrocos, foram adquiridos através de negócios transnacionais para produção agrícola”, contabiliza o artigo que tem como primeiro autor Jampel Dell’Angelo, do Instituto de Estudos Ambientais da Universidade Vrije, em Amsterdão, nos Países Baixos.

A crise alimentar de 2008 teve múltiplos factores, mas foi sugerido que as alterações graduais na dieta das populações de países que alcançaram uma nova prosperidade nas últimas décadas foram um factor decisivo para o aumento dos preços que desencadeou essa crise. Mas os mais pobres ressentiram-se mais, não só por causa do preço dos alimentos, como devido à pressão sobre as terras agrícolas dos seus países, procuradas para satisfazer as necessidades de outras sociedades mais prósperas.

“A expansão sem precedentes destes investimentos fundiários suscitou preocupações acerca de uma onda neocolonial de apropriação de terra e recursos hídricos no Sul Global”, explicam os autores, que temem os efeitos da nova crise alimentar causada pela guerra na Ucrânia. Esta faz-se não só através da falta de alimentos e fertilizantes, mas também do disparar da inflação.

Para se ter uma ideia do impacto da guerra, há que dizer que a Ucrânia a Rússia, juntas, garantiam 30% das necessidades do mundo em trigo e cevada, um quinto do milho e mais de metade do óleo de girassol, segundo números das Nações Unidas.

“Propomos que os impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia vão alimentar a ressurgência de uma nova corrida global por terras agrícolas, provocando transformações que vão ter uma cascada de efeitos de longa duração, em múltiplas dimensões do desenvolvimento rural”, escrevem na Science.

“Esta previsão baseia-se na experiência histórica (repetição da crise pós-2008), bem como na observação de alguns sinais que estão a surgir, como choques de produção alimentar, aumento do preço dos fertilizantes, do petróleo, da energia em geral e também da procura [de alimentos]”, explicou ao PÚBLICO, por e-mail, Jampel Dell’Angelo.

Um padrão globalizado
Colocar a questão apenas em termos de países que adquirem ou fazem contractos de aluguer de longa duração de terras com os governos de noutros países pode ser limitador, sublinha Dell’Angelo. “É frequente que as empresas que investem em aquisições de larga escala de terras tenham diferentes bandeiras”, diz o investigador.

“Por exemplo, pode haver um fundo de investimento com base em Nova Iorque e accionistas de diferentes países, talvez a maioria deles do Médio Oriente, que detém uma empresa na Tanzânia que é a proprietária legal da concessão de terra e do desenvolvimento do negócio agrícola”, ilustra.

Embora em vários casos os investidores sejam empresas públicas, pode ser complicado compreender quais os países envolvidos num negócio específico. “Em geral, há um padrão globalizado, com o envolvimento de vários países em cada contracto. Mesmo quando se trata de investimentos domésticos, é frequente haver capital estrangeiro envolvido no negócio”, conclui Dell’Angelo.

É mais fácil identificar os países que são objecto do interesse dos investidores. “A maior parte dos negócios são na América Latina, no Sudeste Asiático e na África subsariana”, resume.

Aumento da desflorestação e destruição da biodiversidade, diz Dell’Angelo, são os principais impactos em termos ambientais do avanço destes negócios em que largas extensões de terras em países em desenvolvimento são adquiridas ou alugadas para a produção agrícola e florestal destinada a países de elevados rendimentos.

Uma consequência grave é a apropriação dos recursos hídricos. “É algo que está integrado na apropriação das terras. A água que é usada para cultivar as pastagens que alimentam o gado no Brasil que vai acabar em hambúrguers que alimentam os norte-americanos, ou entrar na cadeia industrial de processamento de carne chinesa, pode ser encarada como água que está a ser ‘exportada’, que não é usada na Brasil pela população ou ecossistemas locais”, explica Dell’Angelo. “Isto é especialmente grave porque acontece em países que têm níveis elevados de escassez de água e/ou taxas de subnutrição”, salienta o cientista.

Os impactos negativos destes contractos transnacionais para a utilização de terras agrícolas em países em desenvolvimento são, no entanto, variados: “Vão desde a apropriação dos recursos hídricos até ao aumento de combustíveis fósseis, insegurança alimentar e uma variedade de efeitos sociais e políticos como redução do emprego, expropriação de terras e a supressão violenta de mobilizações sociais”, enumera a equipa no artigo na Science.

Mudanças irreversíveis
“O nosso maior receio é que as transformações desencadeadas se possam tornar irreversíveis”, salientou Dell’Angelo ao PÚBLICO. “Quando populações locais, agricultores, povos indígenas, são expulsos das suas terras, será muito difícil poderem regressar. Os ecossistemas são destruídos, as florestas desbravadas, e será muito difícil que sejam restaurados”, especifica.

O principal alerta que os cientistas querem fazer é exactamente este, os impactos da guerra na Ucrânia na alimentação e na agricultura globais podem desencadear mudanças estruturais irreversíveis.

“A questão da apropriação de terras e água devia ter destaque na negociação de acordos internacionais e tratados de investimento”, diz a equipa. “Cadeias de abastecimento globais, desflorestação, biodiversidade, água e alterações climáticas são tudo áreas em que devia haver um esforço coerente para a integração de políticas relativas à apropriação de terras”, escrevem na Science. É uma forma de mencionar acordos recentes sobre a biodiversidade ou as alterações climáticas, por exemplo.

“As regulamentações sociais e ambientais existentes têm perdido força gradualmente, e na maior parte dos casos, as salvaguardas para evitar a apropriação de terras são apenas de carácter voluntário. Para a questão da apropriação dos recursos hídricos o problema é ainda mais complicado, é um assunto que não recebeu praticamente nenhuma atenção até agora em termos de iniciativas de governação”, sublinha Dell’Angelo.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Improvável que abatimento da tundra provoque degelo acelerado



Uma complexa simulação informática realizada no Laboratório Nacional de Oak Ridge (ORNL), nos Estados Unidos, prevê ser improvável que o abatimento da tundra devido ao aquecimento global provoque um degelo descontrolado.

A paisagem permanentemente gelada da tundra ártica, que durante milhares de anos armazenou grandes quantidades de carbono, corre o risco de descongelar e libertar na atmosfera gases com efeito de estufa.

O grupo internacional de peritos sobre as mudanças do clima das Nações Unidas considerou uma das principais preocupações nas próximas décadas a possibilidade de o abatimento do solo naquela zona desencadear um degelo acelerado.

O derretimento rápido causado por abatimento de terras foi observado em zonas mais pequenas e em prazos mais curtos, mas as avaliações do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) deixavam dúvidas sobre o que poderia acontecer a longo prazo.

Seguiu-se a intervenção do ORNL com o Simulador Terrestre Avançado (ATS), “um modelo altamente preciso baseado na física da hidrologia da região, alimentado por medições detalhadas do mundo real, para ajudar os cientistas a entender a evolução do planeta”, segundo a agência de notícias privada espanhola Europa Press.

Assim, descobriu-se que, embora o solo continue a afundar-se à medida que derretem os grandes depósitos de gelo, o abatimento desigual causa uma paisagem mais seca e limita a aceleração do processo até ao final do século, indica o estudo divulgado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, dos Estados Unidos.

“Uma drenagem melhorada resulta numa paisagem mais seca ao longo de uma década e o processo autolimita-se”, indica Scott Painter, que dirige o grupo de Modelização de Sistemas de Bacias Hidrográficas do ORNL, num comunicado.

Painter referiu que se conseguiu pela primeira vez “perceber o efeito da mudança da microtopografia e representá-lo em modelos climáticos”, adiantando que a equipa tem muita confiança no modelo que utilizou.

Seixoso Vieiros - Lítio Não


Vimos desta forma manifestar a nossa preocupação e indignação pela inclusão da zona denominada Seixoso Vieiros no processo concursal para atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de lítio, enquanto representantes do Movimento Seixoso Vieiros - Lítio Não, que se empenham a favor de uma participação cívica ativa e de uma visão sustentável do desenvolvimento das regiões afetadas pelo processo supracitado, nos concelhos de Felgueiras, Fafe, Guimarães, Amarante, Mondim de Basto e Celorico de Basto.

Reconhecemos a necessidade e urgência da descarbonização e da implementação de estratégias para mitigação das alterações climáticas, mas não consideramos que estas propostas de mineração, dependentes da volatilidade do mercado global e com a previsão de períodos curtos de exploração, possam representar um contributo válido para o desenvolvimento sustentável do nosso território. Ao contrário, acreditamos que serão causa de declínio ambiental e socioeconómico.

Para este declínio contribuirão os impactes ambientais, cuja exploração prevista será a céu aberto, através de rebentamentos e detonações do solo, lavagem das rochas com processos químicos que implicam a utilização de milhares de litros de água. Todo este processo tem efeitos nocivos, como a poluição e a contaminação do ar, dos solos e, sobretudo, das águas e lençóis freáticos. O nosso território e as nossas paisagens serão irremediavelmente destruídos.

As regiões de Tâmega e Sousa e do Ave constituem uma realidade económica competitiva, fortemente industrializada, onde se concentram os maiores produtores de calçado e do setor têxtil, com um capital humano muito especializado, onde se destacam atividades económicas de cariz inovador e altamente empreendedor. Na área da agricultura destacam-se a produção do quivi, do mel e do vinho verde, para isso contribuindo a abundância e a qualidade da água destas regiões. 

Estamos convencidos que a indústria extrativista não será um contributo válido para as nossas regiões que podem, antes de mais, ser protagonistas, como já são, de um desenvolvimento genuinamente sustentável, pelo que exigimos dos nossos representantes políticos uma visão de longo prazo para os nossos territórios. Contamos com Todos. A nossa Terra precisa de Todos!


O Estado da Arte dos Povos Aborígens da Austrália


Os Nativos Australianos (aborígines)
supostamente tinham o status de flora e fauna (vida vegetal e animal) até 1967 em sua terra natal ...
Acredita-se que a Lei da Flora e da Fauna seja um mito.
Esta foto de 1902 confirma que não era apenas um mito.

Os Aborígenes foram os primeiros povos habitantes do território australiano.

Os territórios que formariam a nação independente da Austrália já tinham população humana há pelo menos 50.000 anos. De acordo com a teoria mais predominante, os primeiros habitantes teriam vindo do sudeste asiático durante a ocorrência da última Era Glacial, espalhando-se eventualmente por todo o continente. Divididos em centenas de clãs, que tinham um modo de vida caçador-coletor, eles são melhor conhecidos hoje como os aborígenes e permaneceriam culturalmente isolados do restante do mundo por dezenas de milhares de anos.

Apesar de menções à região australiana ocorrerem em documentos portugueses e espanhóis da Era Medieval e início da Era Moderna, o contato mais conhecido dos aborígenes com o mundo exterior veio já quase na Era Contemporânea, quando o capitão James Cook foi encarregado de realizar uma expedição exploratória na região. Em 28 de abril de 1770, ocorreu o primeiro desembarque de Cook e sua tripulação na costa australiana. Pouco depois, em 22 de agosto, ocorreu a posse oficial das novas terras pela Coroa britânica, nomeadas em seu conjunto como Nova Gales do Sul (New South Wales).

De início, a nova possessão foi basicamente utilizada como uma colónia penal. Em paralelo ao domínio brutal exercido sobre a população nativa aborígene, os ingleses expandiam possíveis benefícios económicos sobre Nova Gales do Sul ao doar terras para plantio aos milhares de prisioneiros que conseguiram terminar de cumprir as suas penas durante o século XIX. Eventualmente, seis estados ficariam estabelecidos: Nova Gales do Sul, Austrália Meridional, Austrália Ocidental, Queensland, Victoria, e Tasmânia, mais alguns territórios, sendo o Território do Norte o maior deles.

A Austrália é um país mundialmente conhecido por suas belezas naturais, pelo seu desenvolvimento económico e pela qualidade de vida da população (atualmente apresenta o quarto maior Índice de Desenvolvimento Humano do planeta). No entanto, pouco se comenta da história dos primeiros povos habitantes do território australiano, os Aborígenes.

Os Aborígenes são a população nativa da Austrália, habitavam a maior parte do território australiano, totalizavam aproximadamente 750.000 indivíduos, subdivididos em 500 grupos e com cerca de 300 dialetos diferentes. Esses grupos possuíam estilos de vida distintos e tradições culturais e religiosas próprias em cada região.

Com a chegada dos colonizadores ingleses em 1758, deu-se início aos massacres das comunidades Aborígenes. Soldados ingleses visitavam as aldeias fingindo uma aproximação amigável, oferecendo presentes. Porém, outros soldados envenenavam com arsénio a água e os alimentos dos Aborígenes; várias pessoas, inclusive crianças, morreram em consequência do envenenamento.

Os soldados ingleses destruíram locais considerados sagrados pelos Aborígenes. Também ofereciam bebida alcoólica à população local, e se aproveitavam do estado de embriaguez para instigar confrontos entre as diferentes aldeias, fazendo com que eles mesmos se aniquilassem.

Após proclamada a independência australiana, os Aborígenes passaram a sofrer com a discriminação da população de seu próprio país. Parte da população australiana considerava os Aborígenes como sendo parte da fauna e da flora, não havendo o devido respeito por esses indivíduos.

Dentre as diversas perseguições sofridas por essa comunidade, se destaca a “The Stolen Generations”, uma tentativa de “limpeza étnica”. Homens, a mando do governo, invadiram as tribos e raptaram crianças, inclusive bebés; muitas foram retiradas de suas famílias, pouco se sabe a respeito do verdadeiro paradeiro delas.

Atualmente os Aborígenes correspondem a apenas 1% da população australiana. Alguns vivem em aldeias no deserto, outros moram em bairros periféricos das grandes cidades. A maioria não consegue emprego formal e recebe auxílio do governo. Alguns conseguem contribuições da população, tocando nas ruas da cidade o didgeridoo, um instrumento de madeira que produz um som forte parecido com o apito de um navio. É comum encontrar pela cidade aborígenes embriagados, e muitas vezes envolvidos em confrontos com a polícia.

Com o intuito de minimizar essa triste história, o governo australiano está desenvolvendo políticas antidiscriminação, e preservando as tribos Aborígenes que restam, proporcionando a preservação das tradições deste povo.

Sondagem da Católica. Maioria dos portugueses culpa Putin e Rússia pela guerra na Ucrânia


Nesta sondagem, 85% dos inquiridos responderam que “o principal responsável pela guerra na Ucrânia” é Putin/Rússia, enquanto apenas 1% considera que é o presidente Volodymyr Zelensky/Ucrânia.


A conclusão é de uma sondagem realizada pelo CESOP - Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena 1 e Público, segundo a qual os inquiridos estão divididos sobre a atribuição de mais apoio financeiro a Kiev.

Dois por cento dos participantes acreditam que a culpa é dos Estados Unidos, 1% diz ser da NATO e outro 1% crê que os responsáveis são os países europeus/União Europeia. Sete por cento não sabem ou não quiseram responder, enquanto 3% responderam “outro”.

Questionados sobre como avaliam a atuação da NATO e dos seus países-membros até ao momento, no que diz respeito à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, 51% disseram que “estão a envolver-se o necessário”, 30% considerou que “estão a envolver-se menos do que deviam” e 12% pensam que “estão a envolver-se mais do que deviam”. Sete por cento não responderam.

Já sobre a atuação de Portugal, em concreto, quanto à guerra na Ucrânia, as respostas foram mais uniformes. Setenta e dois por cento dos inquiridos responderam que o país está a “envolver-se o necessário”, 12% disseram que está “a envolver-se menos do que devia” e 10% “mais do que devia”. Apenas 6% não responderam.

Portugueses divididos sobre apoio financeiro

Esta amostra da população portuguesa foi também questionada sobre se Portugal deve conceder mais apoio financeiro à Ucrânia, ao que a resposta foi equilibrada: 38% disseram discordar e 38% disseram concordar.

Catorze por cento “discordam completamente”, enquanto 6% “concordam completamente”.

Sobre o envio de mais material e equipamento militar de Lisboa para Kiev, as respostas foram mais díspares. Cinquenta e um por cento concordaram; 12% concordaram completamente; 24% discordaram; e 9% discordaram completamente.

Notou-se mais consenso no que diz respeito ao acolhimento de mais refugiados ucranianos por parte de Portugal. Cinquenta e oito por cento concordaram que o país deve receber mais destes refugiados e 21% “concordaram completamente”.

Do lado aposto, 15% discordaram e apenas 3% “discordaram completamente”.

Ucrânia vista como país “que mais perde com a guerra”

Foi também perguntado aos portugueses quanto consideram que cada país ganha ou perde com a guerra. Neste ponto, a sondagem da Católica concluiu que a Ucrânia é vista como o país que mais perde com o conflito, sendo que a Rússia e a União Europeia (incluindo Portugal) “também têm mais a perder do que a ganhar”.

Na coluna do “perde muito”, a Ucrânia sobressai, com 63% a responderem nesse sentido. Em segundo lugar, para os inquiridos, surge a Rússia, com 26% de respostas. Segue-se a União Europeia (18%), Portugal (12%), EUA (4%) e China (3%).

Já na coluna do “perde”, quem se destaca é Portugal. Sessenta por cento dos portugueses acreditam que o país perde com a guerra, seguindo-se a UE (55%), Rússia (41%), Ucrânia e EUA (ambos com 24%) e, por último, a China (15%).

Por outro lado, os participantes consideram que os Estados Unidos e, principalmente, a China, “são os países que menos têm a perder e mais poderão ganhar com esta guerra”. Pequim reuniu 39% das respostas na coluna do “ganha”, os EUA 30%, a Rússia 12%, UE 8%, Ucrânia 5% e Portugal 2%.

Na resposta “ganha muito” os resultados foram mais residuais, destacando-se a China (com 12%) e os Estados Unidos (11%).

Maioria acredita que guerra não sairá da Ucrânia

Sobre o futuro do conflito, 39% dos participantes consideraram mais provável que a guerra ainda vá demorar, mas que ficará circunscrita ao território ucraniano.

Já 26% acreditam que “o conflito vai tornar-se num conflito global”, enquanto 14% pensam que irá “alargar-se a outros países vizinhos que não sejam membros da NATO”.

Sete por cento creem que o mais provável é a guerra “alargar-se aos países vizinhos membros da NATO” e apenas 4% acreditam que “o conflito está a caminho de uma resolução”.

Dez por cento não sabem ou não quiseram responder.

Ficha Técnica

Este inquérito foi realizado pelo CESOP - Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena1 e Público entre os dias 9 e 17 de fevereiro de 2023. O universo alvo é composto pelos eleitores residentes em Portugal. Os inquiridos foram selecionados aleatoriamente a partir duma lista de números de telemóvel, também ela gerada de forma aleatória. Todas as entrevistas foram efetuadas por telefone (CATI). Os inquiridos foram informados do objetivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 1002 inquéritos válidos, sendo 46% dos inquiridos mulheres. Distribuição geográfica: 29% da região Norte, 20% do Centro, 37% da A.M. de Lisboa, 7% do Alentejo, 4% do Algarve, 2% da Madeira e 2% dos Açores. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população por sexo, escalões etários e região com base no recenseamento eleitoral e nas estimativas do INE. A taxa de resposta foi de 26%. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 1002 inquiridos é de 3,1%, com um nível de confiança de 95%.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Este fungo de aspeto estranho pode ser uma alternativa biodegradável ao plástico


O fungo tinder (Fomes fomentarius) tem algumas propriedades surpreendentes, que podem fornecer uma alternativa natural e biodegradável a certos plásticos e outros materiais no futuro, descobriram investigadores.

O fungo tinder (Fomes fomentarius) tem algumas propriedades surpreendentes, que podem fornecer uma alternativa natural e biodegradável a certos plásticos e outros materiais no futuro, descobriram investigadores.

Como o seu nome sugere, o fungo devorador de madeira tem sido historicamente utilizado para detetar a faísca de incêndios, embora também tenha sido incorporado no vestuário e utilizado na medicina.

Agora poderá ter todo um novo nível de utilidade como alternativa biodegradável aos plásticos, graças à forma como o micélio F. fomentarius  é montado.

Composto por filamentos finos conhecidos como hifas, o micélio forma redes radiculares que se espalham pelo solo ou material em decomposição. No caso do fungo tinder, esta rede pode ser dividida em três camadas distintas, diz a equipa de instituições de investigação na Finlândia, Holanda e Alemanha.

“O micélio é o componente primário em todas as camadas”, dizem os investigadores. “Contudo, em cada camada, o micélio exibe uma microestrutura muito distinta com orientação preferencial única, relação de aspeto, densidade, e comprimento de ramo”, acrescentam.

Os investigadores analisaram a composição estrutural e química do corpo frutífero de F. fomentarius, utilizando amostras recolhidas na Finlândia. Testes de resistência mecânica foram combinados com varreduras detalhadas do fungo para examinar as suas características em detalhe, revelando três camadas: uma crosta exterior dura e fina que reveste uma camada espumosa por baixo e pilhas de estruturas tubulares ocas no núcleo.

Partes do fungo eram tão fortes como o contraplacado, pinho, ou couro, relata a equipa – embora também fossem mais leves do que esses materiais. É uma combinação que não está normalmente associada à parte carnuda de um fungo como este.

Os investigadores descobriram que os tubos ocos, que constituem o grosso dos corpos de frutificação de F. fomentarius, podem resistir a forças maiores do que a camada espumosa, tudo sem sofrerem grandes deslocamentos ou deformações.

Contudo, talvez não seja assim tão surpreendente: este fungo tem de ser construído para resistir aos rigores das estações em mudança, bem como aos ramos de árvores que caem de cima para baixo. Este é o tipo de tenacidade que pode inspirar novos materiais sintéticos.

Normalmente, mais fortes, mais rígidos ou materiais são também mais pesados e mais densos – mas não neste caso.

“O que é considerado extraordinário é que, com alterações mínimas na sua morfologia celular e composição polimérica extracelular, formulam diversos materiais com desempenhos físico-químicos distintos que ultrapassam a maioria dos materiais naturais e humanos que são normalmente confrontados com trocas de propriedade”, escrevem os investigadores.

“Acreditamos que os resultados devem atrair um vasto público da ciência dos materiais e não só”.

O fungo F. fomentarius já desempenha um papel fundamental na natureza, na forma como se agarra a árvores mortas e liberta nutrientes importantes que de outra forma permaneceriam na casca. Agora, poderia ser ainda mais útil no campo da ciência dos materiais.

É necessário determinar exatamente como e onde este fungo poderia ser utilizado, mas compreender as suas camadas é um passo importante: sabemos agora como é construído a nível celular.

Faz parte de um corpo crescente de investigação sobre o potencial dos materiais vivos, utilizando células vivas de forma controlada e programada para alcançar determinados resultados finais – que, neste caso, seriam tipos particulares de materiais.

“Estes resultados poderiam oferecer uma grande fonte de inspiração para a produção de materiais multifuncionais com propriedades superiores para diversas aplicações médicas e industriais no futuro”, escrevem os investigadores.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Subsídios ao consumo de combustíveis fósseis atingem valor recorde em 2022


Em novembro de 2021, representantes de quase todos os países do mundo reuniram-se em Glasgow, no Reino Unido, para a 26.ª cimeira global do clima (COP26). Daí resultou um Pacto Climático em que, entre outros compromissos, os Estados reconheceram a urgência de acelerar a transição energética e de abandonar progressivamente “subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”.

No entanto, 2022 não foi o ano em que essas promessas se cumpriram. Um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), divulgado este mês, revela que no ano passado os subsídios ao consumo de combustíveis fósseis duplicaram face a 2021, atingindo um valor sem precedentes de um bilião de dólares

Esse aumento é explicado pela crise energética despoletada para invasão da Ucrânia pela Rússia, que provocou um abalo estrondoso nos mercados energéticos mundiais, limitando fortemente as exportações de petróleo e de gás russos e fazendo disparar os preços desses produtos energéticos.

Nesse quadro, para proteger os consumidores dos custos cada vez mais elevados dos combustíveis, os governos ativaram medidas para tentar reduzir os impactos sobre as populações e também sobre as empresas, por exemplo, com a redução dos impostos sobre a venda de energia fóssil.

A nível global, os subsídios ao consumo de petróleo aumentaram aproximadamente 85% face a 2021, sendo que os orientados para o gás natural e para a energia mais do que duplicaram.

Segundo a análise, a maioria dos subsídios ao consumo de combustíveis fósseis foram concedidos em países em desenvolvimento e em economias emergentes, sendo que mais de metade se concentraram em países exportadores.

Apesar de reconhecerem que as medidas implementadas pelos governos pretendiam sobretudo evitar que os consumidores sofressem as consequências mais duras da crise energética causada pela guerra, os autores do relatório indicam que, ainda assim, “a escala destas intervenções” não deixa de ser motivo de preocupação, uma vez que levanta grandes obstáculos à concretização da transição para energias renováveis e menos poluentes.

“Embora muitas outras medidas aplicadas pelos governos sirvam para acelerar as transições [energéticas], estas intervenções nos preços funcionam em sentido contrário, ao favorecerem os combustíveis fósseis”, escrevem os especialistas da AIE.

“O abandono progressivo dos subsídios aos combustíveis fósseis é um ingrediente fundamental para o sucesso das transições para energia limpa, tal como plasmado no Pacto Climático de Glasgow”, assinalam, alertando, contudo, que “a atualmente crise energética global tornou também claros os desafios políticos para fazer disso uma realidade”.

Por isso, os relatores defendem que a melhor proteção contra crises energéticas e contra a volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis é o investimento em “mudanças estruturais” que impulsionem o desenvolvimento e a massificação das energias renováveis e limpas.

Economia Verde: eis os 5R’s da sustentabilidade


Em 2004, aquando da Cimeira do G8, foi sugerida a já conhecida regra dos 3Rs que diz respeito aos conceitos: Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Desde então, grande parte dos países se mobilizou com o objetivo de implementar os 3Rs nas suas estratégias, mas o avançar do tempo tem vindo a tornar a sociedade de consumo numa sociedade ainda mais preocupada com a “sustentabilidade das coisas”. Neste sentido, surgem mais dois Rs que vêm completar a tríade: Recondicionar e Reparar.

Desperta para a importância dos 5 Rs, a Cash Converters, empresa líder na compra e venda de produtos em segunda mão, esclarece, em comunicado, os cinco conceitos que constituem a base atual da sustentabilidade e da gestão de resíduos, e que devem ser tidos em conta a favor da economia circular.

1.Reduzir
Implica ter clareza face às necessidades e, principalmente, tê-la no momento da decisão de compra. Reduzir é sinónimo de deixar para trás alguns artigos que já não são utilizados e evitar as compras por impulso apenas para aproveitar descontos, por exemplo. Este R leva não só à poupança monetária como também à poupança de tempo, recursos naturais e materiais.

2.Reutilizar
A reutilização pressupõe a utilização de produtos mais do que uma vez, com o objetivo de reduzir o impacto dos mesmos no ambiente, nomeadamente, através da produção de produtos novos ou destruição dos mesmos. Exemplo de reutilização é a substituição de garrafas de água descartáveis por garrafas de aço inoxidável, a utilização de sacos de tecido em vez de sacos de plástico e, mais do que nunca, a compra de produtos em segunda mão, que lhes permite dar uma nova vida.

3.Reciclar
O terceiro pilar da tríade de Rs conta com a separação de produtos e materiais de modo que seja possível evitar que os mesmos acabem em aterros, prejudiciais ao ambiente. Em casa, nas empresas e até na rua, os ecopontos coloridos devem fazer parte do cenário para garantir um melhor futuro para o ambiente.

4.Reparar/Recondicionar
O 4º pilar dos 5 existentes atualmente defende a reparação de produtos danificados ou com defeito para que o tempo de vida do mesmo possa ser estendido. A curto prazo, para as empresas, este R pode não trazer benefícios para o negócio, já que as pessoas passam a preferir reparar os produtos que já têm. Porém, a longo prazo, irá ajudar a consolidar o posicionamento de uma empresa socialmente responsável e aumentar a venda de novos produtos com base na sua reputação.

5.Recusar
Hoje já é possível recusar a compra de produtos que sejam embalados em plástico ou recusar palhinhas em restaurantes – um comportamento que faz toda a diferença. Recusar determinados produtos ou materiais permitirá eliminar grande parte dos resíduos produzidos, incentivar a procura de novas alternativas e ter um papel mais ativo na preservação da sustentabilidade.

Com loja online e cinco lojas físicas em Lisboa (Rua Antoni Pereira Carrilho, 5; Rua José Rodrigues Migueis, 1; Rua Pinheiro Chagas, 101B; Edf.Trevo – Rua Quinta Do Paizinho, 2 R/C B) e Porto (Rua Fernandes Tomas, 432), a Cash Converters apela ao consumo inteligente e consciente e promove a compra de segunda mão como solução sustentável à Sexta-Feira do consumo desmedido.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guerra da Rússia contra Ucrânia está a prejudicar a conservação da biodiversidade a nível global, alerta estudo


No dia 24 de fevereiro, terá passado um ano desde que o Presidente russo Vladimir Putin decretou uma ofensiva militar contra a vizinha Ucrânia, uma guerra que muitos observadores consideram ter começado logo em 2014, quando as tropas russas invadiram e anexaram a península da Crimeia.

Além da trágica perda de inúmeras vidas humanas de ambos os lados, também a Natureza está entre as vítimas deste conflito. Num artigo divulgado na revista ‘Frontiers in Conservation Science’, mais de 20 cientistas de todo o mundo avisam que a conservação da biodiversidade está a sofrer duramente com o conflito armado.

A monitorização de espécies migradoras, como a baleia-de-bossa (Megaptera novaeangliae) e a tarambola-dourada-siberiana (Pluvialis fulva), é hoje muito mais difícil do que antes do estalar da guerra, uma vez que é um trabalho que depende de uma ampla rede de cooperação científica, composta por investigadores, organizações e entidades governamentais que recolhem dados sobre a vida selvagem.

“A troca de conhecimento está a ser afetada, porque as parcerias científicas internacionais já não podem contar com financiamento russo ou com a expertise russa, e vice-versa”, lamenta Melissa Price, da Universidade do Havai em Mānoa e uma das coautoras do artigo.

“Estão suspensos projetos colaborativos, como no Ártico, e numerosos estudos sobre aves, baleias e outras espécies migradoras que passam parte do seu tempo em águas ao largo da costa da Sibéria”, diz a cientista, que acrescenta que são também sentidos impactos nos programas de intercâmbio de estudantes e de investigadores.

Escrevem os autores que “manter a paz e conservar a biodiversidade dependem de um sistema internacional de cooperação codificado em instituições”, mas a invasão russa da Ucrânia veio imprimir caos e incerteza a essas redes científicas internacionais.

Afirmando que os esforços de conservação e os que são orientados para a manutenção da paz foram impulsionados pelo fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, e com o fim da Guerra Fria, com o esbatimento das fronteiras geopolíticas que facilitou o estudo de espécies e ecossistemas que se movem e ocupam mais do que um território nacional, os cientistas dizem que as atenções têm estado fortemente focadas nos impactos sobre a diversidade biológica na Ucrânia, mas salientam que o conflito “pode ter efeitos na conservação da biodiversidade que transbordam para a escala global”.

Price aponta que “a guerra é uma ação política, mas tem consequências enormes para a biodiversidade”, detalhando que “quando as espécies se movem entre as águas árticas e tropicais, precisamos de grandes alianças internacionais para monitorizá-las, estudá-las e conservá-las”.

Além disso, o isolamento da Rússia no plano internacional, na ótica desses investigadores, tem atuado como um obstáculo a negociações no âmbito da proteção da Natureza e à cooperação ambiental, e também reorientou as prioridades dos governos um pouco por todo o mundo, que, em tempos de crise, tendem a atirar para segundo plano a proteção do planeta para lidarem com os problemas mais imediatos e visíveis.

A Rússia é também um ‘ponto quente’ de diversidade de formas de vida, pelo que o seu afastamento do mundo terá graves repercussões em muitas das espécies que habitam nesse país. Entre elas, está o urso-pardo-de-kamchatcka (Ursus arctos beringianus), uma subespécie do urso-pardo, bem como uma multiplicidade de espécies migratórias de insetos, aves e mamíferos, que, com o ‘apagão russo’, ficam além dos olhos da Ciência global.

Adicionalmente, estima-se que a Rússia seja o local de reprodução de mais de 550 espécies de aves migradoras, das quais 52 estão atualmente ameaçadas, e que retenha no seu território mais florestas naturais do que qualquer outro país. Como tal, sem a Rússia não será possível alcançar os objetivos de conservação da biodiversidade adotados em dezembro na COP15, no Canadá, dizem os autores.

Reconhecendo que, como seria de esperar, a segurança nacional está a tomar prioridade sobre a conservação, os cientistas instam os decisores e investigadores das ciências sociais a traçaram um nexo claro entre as agendas da segurança e da biodiversidade, tal como aconteceu quando, especialmente ao nível da União Europeia, os Estados assumiram o compromisso de apostar fortemente nas energias renováveis para abandonar a dependência do petróleo russo.

“Mesmo nestes tempos negros, sobrevive a esperança de que os esforços para travar a agressão da Rússia contra a Ucrânia sejam bem-sucedidos, mantendo-a um Estado livre e pacífico, enquanto também se mantém o progresso feito ao nível da governança internacional para a conservação da biodiversidade”, destacam.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

João Gabriel Ribeiro: devemos temer a Inteligência Artificial?



O interesse mediático e a discussão pública em torno da Inteligência Artificial têm aumentado consideravelmente nos últimos anos, especialmente com o lançamento do ChatGPT, um modelo de linguagem pré-treinado que tem gerado muita expectativa e controvérsia. Uma conversa com João Gabriel Ribeiro, diretor do Shifter. O ChatGPT é considerado um marco na Inteligência Artificial, pois é capaz de realizar uma ampla variedade de tarefas de linguagem natural com um nível de precisão e flexibilidade impressionantes. O ChatGPT tem sido alvo de críticas por refletir os preconceitos e desigualdades presentes na sociedade, o que tem suscitado debates sobre a responsabilidade dos criadores de IA em evitar esses problemas. Formado em Publicidade e Marketing, João Gabriel Ribeiro enveredou pelo jornalismo, onde se especializou em temas como o cruzamento entre a sociedade e a tecnologia, capitalismo digital e arte. Dirige o site informativo Shifter e é o convidado para uma conversa sobre o potencial de transformação e os dilemas éticos da Inteligência Artificial. Segundo algumas poucas linhas de comando que foram digitadas sobre o tema em debate e as informações curriculares do convidado deste episódio, esta descrição não foi escrita por um ser humano.

É mais que uma entrevista, é menos que um debate. É uma conversa com contraditório em que, no fim, é mesmo a opinião do convidado que interessa. Quase sempre sobre política, às vezes sobre coisas realmente interessantes. Um projeto jornalístico de Daniel Oliveira e João Martins. Imagem gráfica de Vera Tavares com Tiago Pereira Santos e música de Mário Laginha.

O Glifosato - Cartoon por Serguei

Serguei (Serguei Goizauskas)


No dia 15 de dezembro de 2022, aconteceu algo que passou completamente despercebido pela sociedade. Quase nenhum comunicado de imprensa foi coletado. No entanto, é algo tão importante quanto chover ou não; tão importante quanto saber se a água que bebemos está contaminada ou não, mas o que foi omitido da sociedade?

A Comissão Europeia decidiu estender, por mais um ano, a permissão de uso do herbicida glifosato em nossas lavouras e parques públicos. E fê-lo sem ainda ter disponível o relatório da EFSA que sustenta, ou não, a extensão legal da sua utilização. A EFSA é a Agência Europeia para a Segurança Alimentar, encarregada de prestar aconselhamento técnico-científico à Comissão Europeia. Deve ser lembrado que esta agência deve ser um órgão independente. No entanto, suas reportagens foram historicamente influenciadas por lobbies. A elaboração do relatório sobre a relação entre a saúde humana e o glifosato, por este órgão, foi estendida para chegar a cinco anos, desde a anterior prorrogação legal do período de uso que ocorreu em 2017.

Mas, realmente não há evidências suficientes sobre como o glifosato afeta a biodiversidade de nossos ecossistemas e a saúde humana? Pelo menos isso parece emergir das ações da Comissão Européia. Apesar da recusa de vários países em continuar com a legalidade de seu uso como produto fitossanitário, incluindo a França, a UE decidiu usar sua prerrogativa para desfazer o "bloqueio institucional" que tornou ilegal o glifosato e, assim, estender a licença.
Por enquanto, o glifosato é um disruptor comprovado do sistema endócrino, alterando nosso sistema hormonal desde o início do desenvolvimento embrionário. Demonstrou-se capaz de alterar a biota intestinal de qualquer organismo a níveis patológicos. Da mesma forma, também provou ser um disruptor de ecossistemas, afetando polinizadores, organismos fotossintéticos e a fauna e as bactérias que habitam o solo.

Deste grupo dedicamos alguns artigos para demonstrar as abundantes evidências científicas disponíveis sobre os efeitos do glifosato na saúde humana ou sobre seu efeito disruptivo nos ecossistemas e sua limitada capacidade de melhorar as técnicas convencionais de cultivo. Além disso, um estudo epidemiológico recente realizado pela Association Campagne Glyphosate na França indica que 99,8% dos franceses teriam níveis detectáveis ​​de glifosato em seus corpos. A quantidade média encontrada é de 1,19 ng/ml; quantidade aparentemente minúscula a que, no entanto, tem sido observado atividade estrogênica (interrupção endócrina) enquanto altera a expressão do receptor de estrogênio em células humanas em concentrações “ambientalmente relevantes”

Então, por que a Comissão Européia concordou em estender seu uso na União Européia por mais um ano? O que há de novo nas evidências científicas disponíveis sobre como o herbicida mais usado no mundo afeta a saúde humana e os ecossistemas? O seu benefício realmente supera o risco?

Os números do capitalismo herbicida
Entre 2011 e 2020 , foram vendidas em média 350.000 toneladas anuais de pesticidas na União Europeia, herbicidas representando ⅓ do volume total de vendas e, destes, a maior parte, 40%, correspondem a herbicidas organofosforados, onde o glifosato é o representante da maioria. Na Espanha, durante esses anos, houve um aumento de 46% nas vendas de herbicidas, chegando a cerca de 20.000 toneladas por ano.

Só um grande volume de negócios como esse pode explicar por que mais de 14 países apoiam a continuidade do uso do glifosato em nossas lavouras. Países que, no seu conjunto, representam nada menos que 64,73% da população. No entanto, no Comité de Recursos da Comissão Europeia, onde foi finalmente resolvida a extensão da sua utilização, é necessária uma maioria qualificada de ⅔ para aprovar um parecer. O poderoso lobby do agronegócio quase conseguiu. As grandes abstenções de França, Alemanha e Eslovénia, bem como os votos contra de 3 outros países (Croácia, Luxemburgo e Malta), permitiram bloquear uma votação a favor de uma autorização de longo prazo para a utilização deste herbicida.

O grande volume desse negócio pode explicar por que tantos países são a favor do comércio legal dessa substância em nossas lavouras, apesar das abundantes evidências dos danos que ela causa à nossa saúde e aos ecossistemas. As vendas da empresa que criou o herbicida, Bayer-Monsanto, ascenderam em 2021 a cerca de 4.200 milhões de euros . É um herbicida que, comercialmente, vem em cerca de 200 formulações e que existem várias empresas que o comercializam. Nos EUA, as vendas totais deste herbicida ascenderam a 1 bilião de dólares em 2018, enquanto em Espanha representaram cerca de 1.100 milhões de euros em 2017.

Em contraste com o poder das empresas que lucram com esse negócio, destacam-se as quase 1,5 milhão de pessoas na Europa que se manifestaram e assinaram a favor da proibição do glifosato em 2017, quando a proibição foi discutida pela primeira vez. .

Saúde humana
Desde que a proibição do glifosato foi rejeitada na UE em 2017, novos efeitos na saúde humana foram descobertos, como danos neurológicos e sintomas psicológicos decorrentes da exposição contínua. Além disso, já existe uma base empírica sólida que relaciona o glifosato com danos ao tecido neuronal e algumas hipóteses sobre as vias de ação do glifosato quando se trata de produzir esses sintomas preocupantes.

Por outro lado, uma revisão da bibliografia recente, realizada pela pesquisadora Bożena Bukowska e vários colegas da Universidade de Łódź (Polônia), mostra que o glifosato estaria afetando a sociedade de forma sistémica, além de poder prejudicar tecidos específicos. O herbicida seria capaz de alterar o padrão de expressão de múltiplos genes, incluindo aqueles que controlam a estrutura tridimensional do DNA quando ele é compactado no núcleo de nossas células. Essa estrutura tridimensional, que se forma graças a diferentes proteínas, entre elas as histonas, é o que se chama de cromatina. O glifosato estaria afetando a produção de algumas proteínas que controlam o grau de compactação da cromatina. Assim, muitas outras proteínas que devem se ligar a determinados locais para regular a expressão de genes (proteínas chamadas fatores de transcrição) não seriam capazes de fazê-lo.

O grau de alteração é muito grande.Tanto que afeta a regulação do ciclo celular. O ciclo celular é um padrão altamente regulado de função, crescimento e divisão. Sua alteração é um dos requisitos na formação de tumores. Além disso, segundo Bukowska, não apenas a expressão desses "oncogenes" seria alterada, mas também a expressão de outros genes importantes no metabolismo e na própria regulação da expressão gênica. Mesmo em baixas concentrações de glifosato. Mas a coisa é ainda pior: existem alguns desses mecanismos regulatórios cuja modificação durante a vida (seja por glifosato, por outros contaminantes, por estilos de vida e outros fatores) é herdada pela prole, então potencialmente nossa exposição ao glifosato pode afetar a vida de gerações futuras.Isso é conhecido como epigenética e o glifosato estaria alterando isso.

Outra descoberta recente mostrou uma conexão plausível entre a exposição ao glifosato durante a gravidez e o parto prematuro.
O trabalho, realizado por um grupo interdisciplinar liderado por Corina Lesseur, do Departamento de Medicina Ambiental e Saúde Pública da Icahn School of Medicine (Nova York, EUA), afirma que a exposição ao glifosato "pode ​​afetar a saúde reprodutiva ao encurtar a duração gestação” e lamentam a escassez de estudos a esse respeito “dada a exposição crescente [ao herbicida] e o peso do parto prematuro para a saúde pública”.

Na mesma linha, também foram encontradas evidências de que diminuiria o crescimento fetal em concentrações atualmente presentes em nossos corpos.

Ecossistemas e biodiversidade
Recentemente, um grupo de pesquisadores da Universidade de Konstanz (Alemanha) descobriu mais um efeito do glifosato nos polinizadores. Já sabíamos que afetava a microbiota simbiótica das abelhas melíferas, mas o que não se sabia era que os zangões selvagens podiam ver afetada a sobrevivência da sua ninhada porque “a capacidade colectiva de manter as altas temperaturas necessárias da ninhada diminui mais de 25% durante os períodos de limitação de recursos” na presença de concentrações de glifosato comuns em nossos ecossistemas. Para os polinizadores em nossos ecossistemas fortemente estressados, a exposição ao glifosato acarreta custos ocultos que até agora foram amplamente negligenciados. Na mesma linha, um estudo aprofundado sobre os efeitos do glifosato na microbiota e no sistema imunológico das abelhas melíferas, conduzido por Erick VS Motta, da Universidade de Austin (Texas, EUA), não deixa margem para dúvidas:
As concentrações presentes nos campos de cultivo produzem uma inibição do sistema imunológico das abelhas e simplificam sua microbiota intestinal, tornando-as mais suscetíveis a infecções por bactérias e fungos oportunistas.

Conclusão
Pesquisas publicadas recentemente mostraram os efeitos nocivos do glifosato nos ecossistemas e na própria saúde humana. A Comissão Europeia não pode fazer ouvidos moucos às evidências disponíveis em quantidade e qualidade suficientes para aplicar a suspensão do uso do glifosato pelo tempo que a legislação permitir. O número de transtornos de saúde que pode produzir e a profundidade das alterações sistêmicas em nosso ecossistema não podem ser ignorados antes do relatório da EFSA, que será publicado ao longo deste ano. Nem é preciso recorrer ao princípio da precaução dado o número de casos.

No entanto, a última decisão está nas mãos dos interesses políticos e dos mercados. E é aí que a sociedade civil deve se organizar e influenciar para mudar as posições de suas elites políticas e assim evitar uma nova licença para esse herbicida. O dilema é claro : divulgar esse fato é necessário e o pessoal científico não pode ficar calado diante de mais um desastre para a vida em nosso planeta, como o glifosato.