Portugal é pródigo em discussões inúteis, em não dar valor ao essencial e em valorizar o acessório. Também é pródigo em legislação mal feita, inútil e cínica, na exacta medida dos buracos que contém que servem todos aqueles que por eles se querem escapar.
A muito recente Lei 59/2021 de 18 de Agosto é um exemplo claríssimo de inutilidade jurídica, com uma pitada (grande) de cinismo.
Vamos ver onde acho encontrar-se a inutilidade e onde acho encontrar-se o cinismo. Desde logo e a bem da justiça, devo dizer que a intenção é boa. Num país em que a destruição de árvores é desporto nacional, faltava uma lei que enquadrasse a questão. Não devia ser necessário, bastando o bom senso e algum conhecimento técnico de como se fazem podas e de como as árvores são construções naturais, do melhor que há para, por exemplo baixar a temperatura das cidades, reter carbono, contribuir para a riqueza da paisagem, dar abrigo a outras espécies, ajudar à retenção de água…. etc…etc… Mas apesar de todas estas evidências, ainda assim temos que legislar sobre o óbvio. É o mundo em que vivemos.
Mas, dando de barato que se deve legislar sobre o óbvio, ainda assim, convinha que fosse uma legislação com um mínimo de eficácia e da qual se pudesse retirar algo de prático para o imediato. Sim, porque é no imediato que o problema se colocar, é no imediato que árvores estão a ser diariamente mutiladas à conta da ignorância dos (i)responsáveis camarários, é no imediato que se abatem árvores para dar lugar ao betão.
Lamento (ou não) dizer que desta Lei, tal como está redigida, não sai nada que possa ajudar as nossas árvores, pelo menos em tempo útil; nada sai de útil para evitar que sejam mutiladas e destruídas, arrancadas.
Vejamos a Lei:
Guia de boas práticas (artigo 6.º)
Só o nome causa calafrios. Quando não se quer fazer nada, faz-se um guia; quando não se quer legislar de forma efectiva, faz-se um guia e não um Código. 6 meses para o Governo elaborar este guia. Entretanto …
Regulamento municipal de gestão do arvoredo urbano (artigo 7.º, 8.º e 9.º )
A ser elaborado pelas Câmaras Municipais no prazo de um ano após a entrada em vigor do diploma. Mesmo sendo de 1 ano, quase de certeza que ele não será cumprido. Haverá coisas mais importantes na vida dos municípios…
Depois há o cinismo com que as Câmaras vão encarar este guia. Vão ver que enquanto o Governo não coloca cá fora o tal guia de boas práticas, os municípios ficam legitimados a fazer NADA.
Inventário municipal do arvoredo em meio urbano.
O mesmo do ponto anterior mas, desta feita, a ser feito em 2 anos. Mais uma forma de protelar quase ad aeternum O que pode, eventualmente, ter aplicação imediata são os artigos 15.º, 16.º e 17.º da dita lei. Em princípio e sem depender sequer de regulamentação – assim espero – a preservação do arvoredo face a uma operação urbanística, ou a justificação fundamentada para a sua não manutenção ou a aplicação de medidas de compensação, estão asseguradas para projectos posteriores à entrada em vigor deste diploma. No entanto, como eu sou um pessimista julgo que o que vai acontecer é estas normas apenas serem aplicadas quando existir o tal regulamento municipal. Se repararem no n.º 4 do artigo 16.º remete-se para o tal regulamento municipal, recorde-se, a ser feito no prazo de 1 ano.
Portanto, como está e para aquilo que seria necessário, ou seja, uma intervenção imediata em muitas situações que destruição de arvoredo em espaço urbano, a lei é de uma inutilidade absoluta.
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