Em seu centenário, sociólogo relembra a resistência francesa – e compara a fome de então à dos precarizados de hoje. Para ele, jovens são, num mundo que convida à indiferença, o sujeito capaz de resistir à domesticação da vida adulta.
Entrevista de Guillaume Erner, na France Culture, com tradução do IHU Online
Nesta manhã, recebemos não apenas um testemunho privilegiado de nossa época, mas também um grande ator do século XX. Edgar Morin é o pai do pensamento complexo, autor de uma obra transdisciplinar. Viveu todas as crises desses cem últimos anos, as consequências da gripe espanhola e, agora, da pandemia do novo coronavírus. Suas obras revelam indiscutivelmente um trabalho de resistência intelectual. Em colaboração com Sabah Abouessalam, acaba de publicar pela editora Denöel, Mudemos de vida, lições sobre o coronavirus que reflete sobre o mundo que surgirá depois da pandemia. Para retomar a juventude de ontem e de hoje nosso convidado é Edgar Morin. Bom dia. Não sei se é necessário dizer que o senhor é um sociólogo, mas mesmo assim ressalto que você é um twitteiro com mais de 100 mil seguidores. Como teve essa ideia?
Fui aconselhado e então encontrei a oportunidade de poder dizer as coisas que acredito, minhas ideias essenciais, por meio de um formato concentrado, porque o Twitter tem um número limitado de caracteres. Twittando eu me sinto um pouco como na Grécia Antiga, quando os filósofos discutiam em praça pública as questões levantadas pelas pessoas, e minha paixão é justamente fazer intervenções públicas. Mas minha adesão tem vários motivos. Por um lado, é uma forma de me expressar. Por outro, meu editor pretende publicar em breve essas pequenas reflexões.
O senhor sempre foi interessado pela juventude e uma de suas principais obras de sociologia foi uma pesquisa na Comuna de Plozévet, intitulada Metamorfose de Plozévet: uma comuna francesa, publicada em 1965. O livro focaliza como a juventude desse pequeno povoado da Bretanha e objetivo da pesquisa era descobrir como a juventude encarava o processo de modernização pelo qual passava a França.
O que me marcou bastante foi um fenômeno que revolucionou o mundo e que se passou em 1963, a Noite da Nação. Trata-se de um programa de rádio chamado Olá, companheiros!, mais voltado para a divulgação do rock americano e francês, que organizou um concerto na Place de la Nation, em Paris. Era um programa muito popular entre os adolescentes. E de repente o evento se transformou em um grande tumulto.
Nessa ocasião, o editor-chefe do jornal Le Monde me convidou para interpretar o fenômeno. Porque para os sociólogos da época a juventude não era uma categoria sociológica. Os sociólogos falavam mais em classes sociais, mas não em classe de idade. Como cinéfilo que sou, a juventude significava o aparecimento de heróis da adolescência que não existiam antes, como James Dean, Marlon Brando, além de rebeldes, revoltados, e também outras pessoas marcadas por extrema ternura.
O que eu constatava era o surgimento de uma classe de idade entre o isolamento da infância e a integração na vida adulta que descobriu uma própria forma de falar, de se vestir; surgiu então uma nova linguagem como forma de afirmação de uma classe que antes não existia e que exibia uma vontade de viver intensamente. Essa foi minha primeira interrogação acerca da juventude, que se prolongou em Plozévet, quando me defrontei com a formação dos primeiros comitês da juventude. Em 1968, havia uma revolta contra a domesticação da vida adulta, cronometrada, prosaica, etc.
Mas penso que naquela época havia uma dupla necessidade, contraditória e ao mesmo tempo complementar, de realizar não apenas suas aspirações, mas também fazer parte de uma comunidade, de uma fraternidade, de uma família. Embora seja esse o desejo geral da condição humana, acabamos por abandoná-lo à medida em que vamos sendo integrados à idade adulta.
Mas há uma grande diferença com os dias atuais, em virtude da precariedade da vida social e individual, assim como da incerteza da juventude em particular. Embora possa ser considerado como um fenômeno singular e único, ele se assemelha um pouco com minha própria juventude que foi marcada pela invasão nazista e pelo regime de Pétain, durante a Ocupação. Quando eu era estudante, chegava ao restaurante universitário morto de fome. Tínhamos que nos virar para nos alimentar, pois não havia alimentos suficientemente ricos em calorias. Hoje constato fenômeno semelhante e os jovens também têm igualmente necessidade de comer.
E como foi sua vida na Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial?
Naquele momento percebi que existe uma contradição entre viver e sobreviver. Sobreviver é fazer as coisas necessárias para se manter vivo. Viver a Resistência era perigoso, mas me sentia extremamente bem em ser um resistente. Para mim, a diferença hoje em dia está em que a juventude se encontra um tanto passiva, resignada em relação a muitas coisas. Se pensarmos que fazemos parte de uma mesma comunidade de destino, que somos corresponsáveis pela destruição do planeta, nossa casa comum, a juventude poderá tomar consciência do perigo que corremos e, certamente, as coisas podem mudar. Uma outra coisa: a pandemia nos mostra claramente que o sistema social, político, econômico tem muitos problemas e precisamos tomar consciência de que é preciso mudar de via. Se pensarmos bem, em todos os momentos de revolução, a juventude foi o grande agente histórico de transformação. E continua sendo. É ela que pode recuperar a força da solidariedade e da fraternidade em prol de um mundo melhor.
E como você encontrou essa força da juventude num momento como o da Segunda Guerra Mundial?
Durante a Guerra eu era ao mesmo tempo o jovem que lutava desesperadamente por um mundo melhor e o sociólogo iniciante que começava a se empenhar na observação dos fenômenos sociais. Mas as esperanças se abalaram durante a Guerra Fria. Eu, que acreditei no comunismo como a saída para um mundo melhor, me desconverti durante os processos de Moscou e minha geração acabou se dispersando. A esperança é algo que não se pode abandonar, mas que também não pode nos deixar demasiadamente eufóricos. Eu sempre esperei o inesperado. A resistência de Moscou e a entrada dos Estados Unidos na Guerra, fatos que mudaram o rumo da história, foram totalmente inesperados e improváveis. Muitas coisas inesperadas mudaram o rumo da história.
O momento de hoje é trágico mas sempre penso que algo de inesperado pode acontecer e mudar a sociedade. Cabe à juventude fortalecer o espírito de resistência. Aproveitei a minha para fortalecer minha formação, lendo Rousseau, Dostoievsky, Montaigne, Pascal, para ir ao cinema ver filmes admiráveis; a música, a poesia, a literatura, tudo isso me acompanhou durante a vida e me deu prazer de viver. É importante aproveitar este momento para se cultivar, cultivar a fraternidade, a amizade, o amor, etc. O mundo depende de que a juventude tenha ou não consciência do que está em jogo no presente e no futuro.
A humanidade hoje vive ao mesmo tempo um momento de tragédia inacreditável, mas também um momento de ultrapassá-la rumo a outra via. É preciso não permanecer cego diante das circunstâncias, mas também não professar um otimismo ingênuo. É preciso estar presente, porque é nossa vida que está em jogo. Nosso destino está ligado ao destino coletivo, e nesta pandemia também.
E essa pandemia nos revela a importância da solidariedade de todos os povos. Todas os povos foram afetados, ameaçados e, por isso, participamos da mesma aventura. Nos dias atuais, precisamos salvaguardar e defender nossas pátrias, mas jamais esquecer que somos integrantes da mesma Terra-Pátria. Somos seus filhos. Somos filhos da Terra, e devemos defende-la a qualquer custo.
GE: Muito obrigado, Edgar Morin.
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