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Em novembro de 1967, Gonçalo Ribeiro Telles (GRT) deu-se a conhecer publicamente durante a comoção nacional das grandes cheias do Tejo, que ceifaram a vida a mais de 500 pessoas. A abrupta emergência enfraqueceu a censura. Só isso explica que GRT tivesse tido oportunidade de falar na RTP. Em vez de um flagelo inexplicável da natureza, aquela tragédia passou a estar associada a erros e escolhas humanas que destruíram a protetora vegetação ripícola da margem dos cursos de água, e à construção desordenada em cima de solos de leito de cheias.
Mais tarde, admirei o seu trabalho como um dos pioneiros da política pública de ambiente em Portugal, seguindo, aliás, o legado de José Correia da Cunha (1927-2017), responsável por colocar o ambiente na agenda política da Primavera Marcelista. Da sua experiência executiva, tanto nos governos provisórios como no Governo de Pinto Balsemão (1981-1983), salientam-se as iniciativas para impedir a destruição dos solos, das paisagens, dos recursos hídricos.
É verdade que as nossas cidades se expandiram delapidando capital natural. O êxodo rural transformou paisagens humanizadas em solos roubados pelas monoculturas infestantes e incendiárias, como o eucalipto. Sabemos também que uma rede viária redundante impermeabilizou solos férteis de que precisaremos amanhã para a nossa mais elementar segurança alimentar. Mas só podemos estremecer quando imaginamos quanto pior poderia estar hoje Portugal sem a legislação associada ao determinante trabalho de GRT que introduziu a Reserva Agrícola Nacional, a Reserva Ecológica Nacional e os instrumentos fundamentais para o ordenamento municipal e regional.
Por convite de José Rebelo, tive o prazer de conviver em Colares, no início de 1999, com GRT, numa longa conversa que também juntou Francisco Ferreira e Francisco Nunes Correia. O resultado está publicado num livro indispensável para quem queira perceber a génese biográfica e intelectual da sua obra política (Ecologia e Ideologia, Lisboa, coordenação José Rebelo, Livros e Leituras, 1999).
Na ação de GRT combinam-se duas fontes principais. Uma vertente mais tradicional e outra mais moderna. A primeira, vinculada à sua defesa da monarquia, recupera os debates sobre o rural e o urbano, o antigo e o moderno que atravessam o final da monarquia constitucional. A segunda prende-se com a sua capacidade de trazer para a liça política os ensinamentos do seu mestre Caldeira Cabral, introdutor da arquitetura paisagista no país em 1942.
GRT ensina-nos que - depois de as ilusões seculares do que ele chamava a civilização positivista naufragarem no oceano da realidade - só sobreviverão os povos que tiverem cuidado do seu território.
Os responsáveis políticos, que agora lhe prestam homenagem, deveriam também submeter o programa económico com que se pretende recuperar Portugal pós-pandemia ao crivo da obra de GTR. O resultado provaria como é abissal a distância entre as palavras de apreço e os atos que as desmentem.
Professor universitário
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