O ar está tão poluído em Nova Deli, na Índia, que há quem não consiga sair de casa com medo de expor o corpo a consequências imprevisíveis - e a poluição é tanta que o Governo teve de mandar encerrar escolas e desviar voos. Mas a Índia não é caso único e a Organização Mundial de Saúde tem feito sucessivos alertas. Portugal também corre riscos — com gravidade diferente e menor, mas cuidado com o diesel e as lareiras.
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O Governo indiano declarou este fim de semana estado de emergência de saúde pública, mandando encerrar escolas, restringir o trânsito e deslocar voos com destino a Nova Deli. Os valores de poluição do ar na capital indiana atingiram novos máximos nos últimos dias e muitos habitantes preferem não sair de casa do que circular por entre um ar “irrespirável”. Há um céu de nevoeiro a cobrir a cidade, à qual o chefe do governo local, Arvind Kejriwal, chama agora “uma câmara de gás”.
É como se Nova Deli vivesse uma “tempestade perfeita”, em que tudo o que pode correr mal corre ainda pior. Todos os anos, por esta altura, a cidade vê os níveis de poluição atingir valores recorde - por um lado porque já são altos, por outro porque, ao elevado número de habitantes e à quantidade quase correspondente de carros, junta-se a Diwali, uma festa hindu celebrada a 27 de outubro em que o fogo-de-artifício marca sempre presença. Nos estados vizinhos de Punjab e de Haryana, conta a BBC, as queimadas feitas para limpar os resquícios da festa agravaram a situação na capital.
Francisco Ferreira é professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, onde leciona sobre temas como qualidade do ar, e acrescenta aos problemas de Nova Deli a produção agrícola e as condições climatéricas desfavoráveis desta altura do ano. Com o fim da monção, um fenómeno que leva vento e chuvas importantes para a rega dos terrenos agrícolas, “os poluentes acabam aprisionados à superfície, o que, juntamente com os outros motivos, dá resultados destes”. O também presidente da associação ambientalista Zero conta que foi em Nova Deli a única cidade onde se sentiu mal por causa do ar. “A certa altura ia no tuk-tuk e olhei para o lenço do motorista”, que devia ser branco. “Estava completamente preto”, recorda. Não é por isso novidade que a capital indiana enfrente dificuldades deste tipo, mas os valores de pequenas partículas registados na cidade, principalmente no domingo, fizeram os alarmes soar ainda mais alto. O Governo distribuiu já cerca de cinco milhões de máscaras pela população.
Índia declara estado de emergência na capital por causa da poluição do ar
A poluição do ar é medida, entre outras variáveis, pelos níveis de partículas finas inaláveis na atmosfera que se podem infiltrar no organismo e que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que não ultrapassem 25 microgramas por metro cúbico numa média de 24 horas. Ao final do dia de domingo, esse valor diário superava já os 900 microgramas de partículas a entrar nos pulmões dos habitantes de algumas regiões de Nova Deli.
Se o problema não é novo na Índia, também não o é noutros países. No último relatório global publicado pela OMS, há um mapa mundo colorido a verde, amarelo, laranja e vermelho - a cor dos países é tanto mais escura quanto mais grave for o nível de poluição (ver mais aqui). Olhando o mapa, percebe-se que há não só cidades como países inteiros pintados a vermelho. Camarões e Egito lideram o ranking em África, um continente fustigado pela poluição atmosférica, com valores não muito diferentes dos que se observam na China, Arábia Saudita e, claro, Índia, onde estão várias das cidades mais poluídas do mundo. Na América Latina, é no Brasil que o vermelho é mais vivo, tal como acontece mais abaixo no mapa, no Chile.
Como lembra Francisco Ferreira, também com base em dados da OMS, “97% das cidades com baixo e médio rendimento e com muita população estão acima dos limites recomendados”. O problema é, por isso, também de desigualdade. Os carros antigos e pouco eficientes (em Nova Deli circulam 20 milhões de veículos), as práticas agrícolas ou o uso de lenha e de carvão vegetal para cozinhar são algumas das dificuldades extra identificadas pelo presidente da Zero. A estas é preciso juntar o que habitualmente provoca a libertação destas partículas no ar — que podem ir de solfatos a metais pesados —, como a produção de electricidade, o tráfego rodoviário, a queima de resíduos, os incêndios ou o funcionamento da indústria do carvão.
Portugal corre outros riscos
O mapa português aparece quase todo pintado a verde. “Em Portugal estamos, de facto, com níveis de partículas relativamente baixos”, confirma Francisco Ferreira. A amarelo estão 15 cidades: Estarreja, Almada, Cascais, Lisboa, Portimão, Albufeira, Buraca, Faro, Algueirão, Mem-Martins, Ílhavo, Marateca, Aveiro, Chamusca, Setúbal e Vila do Conde. Na altura da apresentação do relatório, a Câmara Municipal de Estarreja justificou-se, em declarações ao “Diário de Notícias”, dizendo que a taxa de eficiência de recolha de dados foi inferior ao legislado a nível nacional e que os dados são por isso “meramente indicativos”, tese secundada pela associação Zero. “Servem mais para nos dar uma ideia”, concorda Francisco Ferreira.
Porém, os resultados não isentam o país de outros riscos de poluição atmosférica. “O mais problemático é o dióxido de azoto, provocado principalmente pelos veículos a diesel”, afirma o presidente da associação, alertando para os níveis elevados no centro das cidades de Lisboa, Porto e Braga. Para Francisco Ferreira, “é preciso fiscalizar a retirada dos filtros de partículas” dos carros, além de se proibir as queimadas em algumas épocas do ano.
O investigador recorda que as partículas resultam, precisamente, de gases como o dióxido de azoto, pelo que “tudo está interligado” e pode representar um risco para o país. E se há problemas que não se controlam, como os que o vento traz do norte de África, há também um inimigo que se vê sempre que o inverno chega a Portugal. “As lareiras são um grande problema”, alerta. “Muitas não são eficientes na retenção de partículas. Em Aveiro, por exemplo, vimos no ano passado picos de poluição à uma da manhã.” O frio e a falta de vento são as “piores condições possíveis” para o ar que se respira.
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