terça-feira, 2 de julho de 2019

Gelo que arde escondido em permafrost pode revolucionar o jogo da energia

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O mundo é excessivamente dependente de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) e é fácil perceber porquê: são baratos, abundantes e fácil de extrair, alimentando o desenvolvimento da indústria mundial.

Cada vez mais, no entanto, os governos têm procurado alternativas aos hidrocarbonetos tradicionais – seja porque são altamente poluentes ou porque sua extração se tem tornado mais difícil, à medida que algumas reservas se vão esgotando.

Um potencial substituto – em enormes quantidades – foi encontrado e repousa profundamente sob o permafrost (pergelissolo, o solo eternamente gelado do Ártico) ou os leitos dos oceanos: o hidrato de metano.

Apesar de potencialmente menos poluente do que o petróleo e o carvão, porém, sua extração apresenta enormes riscos ambientais.

Reservas gigantes
Conhecido como “gelo que arde“, o hidrato de metano consiste em cristais de gelo com gás preso no seu interior, são formados a partir de uma combinação de temperaturas baixas e pressão elevada. Podem ser encontrados no limite das plataformas continentais, onde o leito marinho entra num súbito declive até chegar ao fundo do oceano.

De acordo com Chris Rochelle, do Serviço Geológico Britânico, acredita-se que as reservas dessa substância sejam gigantescas. A estimativa é de que haja mais energia armazenada em hidrato de metano do que na soma de todo o petróleo, gás e carvão do mundo.

Ao reduzir a pressão ou elevar a temperatura, a substância simplesmente divide-se em água e metano – muito metano.

Um metro cúbico do composto liberta cerca de 160 metros cúbicos de gás, o que o torna uma fonte de energia altamente intensiva. Por causa disso, da sua oferta em abundância e da relativa facilidade para libertar o metano, um grande número de governos está cada vez mais entusiasmado com a nova fonte de energia.

Desafios técnicos
O problema, contudo, é extrair o hidrato de metano. Além do desafio de alcançá-lo no fundo do mar, sob altíssimas pressões e baixas temperaturas, há o risco de desestabilizar o leito marinho, provocando deslizamentos.

Uma ameaça ainda mais grave é uma potencial fuga de metano. Extrair o gás de uma área localizada não é tão complicado, mas prevenir que o hidratado se quebre e liberte o metano a sua volta é mais difícil.

Isso teria consequências sérias para o aquecimento global. Alguns estudos recentes sugerem que o metano é 30 vezes mais perigoso do que o CO2.

Por causa desses desafio técnicos, ainda não existe uma escala comercial de produção de hidrato de metano em nenhum lugar do mundo – mas alguns países estão perto disso.

Os Estados Unidos, o Canadá e o Japão investiram milhões de dólares em investigação e já realizam alguns testes. Os mais bem sucedidos ocorreram no Alasca em 2012 e na costa central do Japão em 2013, quando, pela primeira vez, houve uma extração de gás natural com êxito a partir de hidrato de metano no mar.

Os Estados Unidos lançaram um programa de investigação e desenvolvimento nacional já em 1982 e, em 1995, tinham terminado a sua avaliação dos recursos disponíveis do gás de hidratos no país. Desde então, têm realizado projetos-piloto na costa da Carolina do Sul, no norte do Alasca e no Golfo do México. Cinco ainda estão em execução.

Exploração comercial
O interesse do Japão é óbvio, assinala Stephen O’Rourke, da empresa de consultoria energética Wood Mackenzie: “Japão é o maior importador de gás do mundo”.

No entanto, o especialista ressalta que o orçamento anual do Japão para investigação na área é relativamente baixo – 120 milhões de dólares (cerca de 85 milhões de euros). Os planos do país de produzir em escala comercial até o fim desta década, portanto, parecem muito otimista, mas o potencial é enorme.

“O gás metano pode mudar o jogo para o Japão”, diz Laszlo Varro, da Agência Internacional de Energia (IEA).

Em outros países, no entanto, os incentivos para explorar o gás comercialmente são menores por enquanto. Os Estados Unidos estão a dar prioridade para as suas reservas de gás de xisto, recurso que também é abundante no Canadá. Já a Rússia ainda tem enormes reservas de gás natural.

Com a China e a Índia, e a sua feroz procura por energia, a história é diferente. No entanto, estão muito atrás nos seus esforços para explorar o recurso.

“Houve alguns progressos recentes, mas não se prevê produção comercial antes de 2030“, afirma O’Rourke.

De facto, a IEA não incluiu gás hidratado nas suas projeções globais de energia para os próximos 20 anos.

Riscos
Se essa fonte for explorada, o que parece provável no futuro, as implicações ambientais podem ser extensas.

Apesar de ser menos poluente que o carvão ou o petróleo, o “gelo combustível” continua a ser um hidrocarboneto e, portanto, emite CO2. E há ainda o risco mais sério da libertação direta de metano na atmosfera.

Alguns argumentam, porém, que pode não haver alternativa, na medida em que o aumento da temperatura global pode provocar a libertação do gás “naturalmente”, devido ao aquecimento dos oceanos e ao derretimento das calotas polares.

“Se todo o metano for libertado, vamos ver um cenário de filme ao estilo Mad Max”, diz Varro. “Mesmo com estimativas conservadoras sobre as reservas de metano, isso faria todo o CO2 de recursos fósseis parecer uma anedota”, destacou.

“Por quanto tempo o gradual aquecimento global pode prosseguir sem libertar o metano? Ninguém sabe. Mas quanto mais o aquecimento avança, mais perto estamos de uma autêntica roleta russa”, acrescentou.

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