Carga fiscal em Portugal abaixo da média europeia |
Portanto, vamos a isto. Hoje acordei a pensar nos impostos que cada um de nós tem de pagar em Portugal. Isto numa altura em que se discute uma possível baixa para as empresas e ajuste nos escalões de IRS. Parece ainda que o Governo está interessado em conseguir um aumento de 5% para os salários médios e uma subida para 900 euros no salário mínimo em 2026. Sem saber o que dará a concertação social, diria que não é uma proposta muito má. O perigo está na inflação estimada (4%) que é manifestamente optimista.
Os impostos que todos pagamos são importantes; na minha opinião, absolutamente basilares numa sociedade civilizada. E é por isso que me pergunto, ao dia de hoje, se continuam a fazer sentido em Portugal.
Esclareço a inversão de pensamento.
Sempre defendi um modelo de sociedade solidário, assente em impostos progressivos. Ou seja, quem tem mais, paga para quem tem menos, tentando-se de alguma forma equilibrar a distribuição de riqueza, mas, essencialmente, financiar um conjunto de serviços que são a marca de qualquer país desenvolvido, que procure a justiça social e se insira no Primeiro Mundo. A saber: educação, saúde e solidariedade social.
Tudo o resto pode e deve ser discutido, mas, na minha opinião, são estas as três áreas prioritárias onde se deve investir o dinheiro dos contribuintes. Não quer dizer que o Estado Social termine aí – quer apenas dizer que deve começar aí.
Esta é uma forma de quem paga, quem no fundo suporta o Estado, ver o retorno dos seus descontos. Começa nas creches gratuitas e em quantidade suficiente para todas as famílias, segue na assistência médica, seja um pediatra ou um dentista, e termina no apoio ao desemprego ou nas pensões garantidas. Se estas premissas estiverem garantidas, então o sucesso na gestão do erário público está garantido. O contribuinte vê de facto o retorno e sente que a carga fiscal faz sentido.
Onde vivo a maior parte do ano, esta é a realidade. O Estado Social não termina aí, vai muitíssimo mais longe, mas estes três pilares estão garantidos há décadas. Foram agora um pouco abanados nas últimas eleições, e há notícias que o apoio ao desemprego poderá ser alterado, mas, até ver, a realidade é que a maioria dos habitantes na Suécia ficam contentes por pagarem impostos.
Ao fim de quase 18 anos aqui ainda não conheci uma pessoa que dissesse o contrário. Portanto, é possível ter uma carga fiscal alta e, mesmo assim, ficar contente depois de a pagar.
Em Portugal entrámos numa fase em que, honestamente, estamos cada vez mais longe da realidade. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem vindo a ser completamente desbaratado desde 2012, e durante a pandemia levou o golpe de misericórdia. Creches gratuitas são uma gota no oceano e todo o percurso escolar tem um custo elevado para as famílias. Um casal que queira ter filhos em Portugal acaba a fazer contas de quantos filhos pode ter. Ou se pode sequer ter algum. Isto num país envelhecido e com uma urgência assinalável em ter jovens que engrossem o mercado de trabalho.
Devo dizer, a título de comparação, que nunca comprei ao meu filho qualquer livro escolar, computador ou material de apoio. Não faço ideia sequer quanto custam. A Segurança Social está constantemente debaixo de suspeita no que concerne à sua sustentabilidade e os apoios no desemprego, pequenos como os salários, seguem uma burocracia pouco aconselhável e desesperante.
Temos, no entanto, as melhores estradas da Europa, as maiores parcerias público-privadas (PPPs) que nacionalizam o prejuízo e privatizam o lucro, uma banca que vive do erário público e uma infindável clientela que vagueia em torno dos sucessivos Governos do centrão. É mais ou menos simples perceber que as prioridades portuguesas na gestão do dinheiro dos contribuintes não são aquelas que se espera de um país que se quer civilizado. Daí a pergunta, se valerá a pena pagar tantos impostos?
Cada vez mais pessoas aderem aos seguros de saúde, quase todos pagam uma renda para deixarem os filhos na creche e, caso percam o emprego, trocam o baixo salário por um baixíssimo subsídio de ajuda.
Esta realidade é preocupante porque mostra o falhanço dos sucessivos Governos e abre espaço para o populismo de alguns partidos políticos que aproveitam para cavalgar a onda. Com a demagogia da preocupação com o povo, exigem a redução de impostos vendendo a ideia de que tudo será mais fácil com mais dinheiro do salário no bolso.
Aquilo que na verdade eles querem fazer é que aquele dinheiro que é entregue ao Estado e que deveria ser utilizado em serviços para todos nós, passe a ser entregue aos grupos privados. Sejam eles de hospitais, seguradoras, colégios ou planos de poupança e reforma. Nós ficamos com o mesmo dinheiro ou, provavelmente, com menos. Mas os grupos privados que apoiam e financiam estes partidos ficam bem mais ricos.
A abertura para este tipo de discurso acontece exactamente porque os nossos governos, todos, têm sido péssimos gestores dos fundos europeus e dos impostos dos portugueses. Somos cada vez mais pobres, pagamos cada vez mais impostos, recebemos cada vez menos serviços. Portanto… como não perceber a subida dos partidos populistas assentes no descontentamento da população?
Em vez de uma rede nacional de creches optámos por uma rede nacional de auto-estradas (já lhes perdi a conta). Nunca um país tão pequeno viu tanto alcatrão a gerar dinheiro para as clientelas. Começou com a maioria do Cavaco e nunca mais acabou. Rios e rios de dinheiro entregues às construtoras, à banca, aos gabinetes de advogados, às empresas dos amigos que fazem estudos para aeroportos. Uma elite que atravessa gerações e que já fez da distribuição dos fundos comunitários uma profissão de sucesso.
Entretanto, a classe média continua com salários médios que rondam os 1.000 euros, e, ainda há poucos anos, o salário mínimo andava nuns vergonhosos 500 euros. Agora estima-se que possa chegar a pouco mais de 700 euros em 2023. Portanto, andamos sempre a substituir miséria por pobreza. E daqui não passamos.
Portanto, quando nos perguntamos se faz sentido a carga fiscal em Portugal, para continuar a alimentar corrupção e amigos do regime, a resposta é não, não faz. É preferível que cada um fique com o salário no bolso e entramos numa selva de individualismo.
E é esse o modelo sustentável no longo prazo? Não, também não. É olhar para o norte da Europa e perceber que não.
Aquilo que faz falta, mesmo, é ter governantes honestos e que, por uma vez, coloquem o bem-estar da população à frente das clientelas. Alguém que nos faça pensar que pagar impostos em Portugal não é um exercício de masoquismo. Parece ser uma utopia, bem sei. E talvez seja mesmo.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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