sexta-feira, 5 de abril de 2019

Portugal com elevados níveis de resistência a antibióticos nas águas residuais



Já há uns anos que se tem vindo a verificar que os níveis de resistência clínica a antibióticos são mais elevados nos países do Sul da Europa do que nos do Norte. Será que o mesmo acontece nas águas residuais? Esta foi a pergunta de uma equipa internacional de cientistas liderados por Célia Manaia, investigadora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, no Porto. Para obter uma resposta, o grupo analisou amostras em estações de tratamento de águas residuais (ETAR) de sete países europeus. Concluiu que os níveis de resistência a antibióticos nos esgotos também são superiores nos países do Sul, onde se inclui Portugal. Publicado esta quarta-feira na revista científica Science Advances, este é o primeiro estudo europeu de vigilância a antibióticos em ETAR.​

Célia Manaia especifica ao PÚBLICO que já há 12 anos que o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) tem vindo a monitorizar a ocorrência de resistência a antibióticos em ambiente clínico. “Tem-se verificado consistentemente que há um gradiente de resistência dos países do Norte da Europa para os do Sul.”
A equipa quis então perceber se o mesmo ocorria em águas residuais. Para isso, ao longo de dois anos, recolheu amostras antes e depois do tratamento de 12 ETAR de sete países: Portugal, Espanha, Chipre, Irlanda, Finlândia, Noruega e Alemanha. Em Portugal, obtiveram-se amostras de três ETAR, as quais Célia Manaia não revela a localização: “Um dos compromissos que fazemos neste tipo de estudos é não dizer qual o local da amostragem.”

As amostras eram todas retiradas nos mesmos dias (terça, quarta e quinta-feira) e era extraído ADN para análise dos genes de resistência a antibióticos – fragmento de informação genética que quando é adquirido por uma bactéria a torna insensível a um antibiótico. 

Para perceberem qual o nível de resistência a antibióticos (abundância relativa de genes de resistência), a equipa analisou o ADN total e quantificou 229 genes de resistência. O que se concluiu? “Verificámos que os níveis de resistência nos esgotos nos países do Sul da Europa são superiores aos dos do Norte”, responde Célia Manaia. Ou seja, há uma maior abundância relativa de genes de resistência nos países do Sul.

Contudo, ao contrário do que acontece a nível clínico, a cientista refere que não é possível fazer cálculos em percentagens. Porquê? Se a nível clínico se quantifica o número de bactérias com resistência a antibióticos face a todas as que estão a causar infecção, a nível das águas residuais analisam-se genes e uma bactéria pode ter múltiplos genes, não sendo assim possível fazer uma relação directa como se faz no contexto clínico.

Por exemplo, a nível clínico, concluiu-se num outro estudo que em doentes infectados com a bactéria Escherichia coli a resistência a antibióticos foi de 7,8% em Portugal, 11,4% em Chipre, 5,7% em Espanha e 5,1% na Irlanda. Já na Noruega essa percentagem foi de 1,9%, na Finlândia de 2,4% e na Alemanha de 3,2%.

Mas Célia Manaia avisa que há variáveis que devem ser consideradas: “Os países do Sul da Europa são países com uma temperatura mais alta e, em geral, as estações de tratamento de águas que analisámos no Sul eram mais pequenas do que as do Norte.”

Quanto aos resultados em Portugal, salientam-se duas situações. No efluente final, em situações esporádicas, obteve-se uma quantificação de genes de resistência mais elevada do que nos restantes países mesmo dentro do Sul da Europa. Estes resultados foram verificados em duas ETAR e podem estar relacionadas com factores como descargas ilegais e chuva. Contudo, Célia Manaia adianta que, apesar de se terem verificado níveis de resistência mais elevados nessas situações, no geral a quantificação de genes não “é significativamente diferente” da de outros países do Sul da Europa.

Já num comunicado da Universidade de Helsínquia (Finlândia), destaca-se que o tratamento nas ETAR analisadas diminuiu o nível de resistência aos antibióticos na maior parte dos casos. A excepção verificou-se numa ETAR em Portugal.

Mas Célia Manaia salienta que isto só aconteceu uma vez. “Provavelmente, o motivo pelo qual isso aconteceu teve a ver com um problema operacional com a ETAR”, reforça, dizendo que essa ETAR parou a sua actividade e foi restaurada. Esta situação também pode ter ocorrido devido a factores como a chuva ou a recirculação de lamas. “É importante sublinhar que este estudo não foi feito para avaliar a qualidade do tratamento [das ETAR]. Se quiséssemos fazer um estudo para avaliar a qualidade do tratamento tínhamos de ter outras variáveis que não analisámos.”
Novas soluções para o problema

E que consequências podem ter os resultados obtidos? “Se temos níveis de resistência mais elevados, isso deve fazer acender algumas campainhas e há ilações que devem ser tiradas”, responde a investigadora. Como tal, é importante fazer uma vigilância regular nas ETAR, assim como uma avaliação para se encontrar soluções para este problema.

Contudo, Célia Manaia refere que este tipo de estudos não nos permite avaliar os riscos para a saúde humana. “Para fazermos uma avaliação a esses riscos, este estudo teria de ser feito de outra forma”, avisa. E faz questão de sublinhar que as ETAR têm sido “indispensáveis” e estão a fazer um trabalho “excelente”. “Estão dimensionadas de uma forma que não estão preparadas para este novo desafio.”

Nos últimos tempos, já têm sido “desafiadas” novas soluções. Em Portugal tem-se estudado processos de desinfecção de águas, tem-se explorado tratamentos combinados como nanossensores com membranas, assim como evitar descargas directas para os rios. Mas nestas soluções há limitações como custos elevados e exequibilidade, segundo Célia Manaia.

Fonte: Público

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