terça-feira, 18 de maio de 2010

Comer com gosto


Deve haver poucas pessoas que não gostem de comer, e eu não sou uma delas. Gosto de experimentar receitas das sobremesas mais exóticas, amassar pão à procura do mais genuíno sabor, ficar-me esquecida nas livrarias a apreciar livros de cozinha recheados de resultados impossíveis de obter em casa. Mas não sou de olhar só para o resultado: os meus ingredientes escolho-os com cuidado e atenção porque é a minha família, a saúde e boa disposição de todos, que está em causa. E, neste capítulo, sou muito tradicional: procuro o melhor, sem compromisso. Por exemplo, se olho para a lista de ingredientes de uma embalagem de comida e vejo números além dos nomes... é porque foi feito no laboratório e não no campo.

E o que sai do laboratório, pela minha lógica, não pode ser comida.
Mas mesmo eliminando o que inclui números ainda sobra muita coisa que não entra no meu carrinho de compras. Por exemplo, não aprovo ingredientes que, há cem anos apenas, ninguém usaria na cozinha, mesmo se começarem pela palavra Vitamina, ou jurarem que fazem bem aos intestinos. E depois ainda há aquelas comidas que se querem fazer passar por outras – chamo-lhes os travestis. Margarina e bolachas com "sabor" a chocolate são bons exemplos, mas os adoçantes que querem fazer de conta que são açúcar para poupar nas calorias são talvez daqueles a quem mais cuidadosamente barro a porta de casa. Quando tenho dúvidas, aplico uns testes muito simples: pode ser produzido numa quinta, ou pescado no mar? Percebo como passa do estado original para a embalagem final? Se a resposta é não, é porque não é para mim. Isso leva-me a passar ao lado de quase todo o pão dos supermercados e padarias, repleto que está de "melhorantes" e "enzimas", ou ainda da míriade de outros alimentos com espessantes, corantes, estabilizantes ou demais maravilhas da tecnologia alimentar.

Claro, a maneira como a comida é processada também conta, não basta escrutinar os ingredientes. A radioactividade, por exemplo, pode ter muitos fins úteis, mas comida irradiada rima com comida doente... e que nos põe doentes a nós. E a aplicação de radiação electromagnética (vulgo forno de microondas) garantidamente também não foi pensada para nos trazer mais saúde. Quanto ao leite UHT, o tal que ainda está igual a si próprio mesmo após seis meses de esquecimento no fundo do armário, bem, arranjem leite do dia pasteurizado, encham um copo de cada um e façam o teste à família toda, a ver se não distinguem o que ainda sabe a leite daquele que do leite já só tem o aspecto.

Na busca da comida como "nos bons velhos tempos", gosto de reparar também nos ingredientes "invisíveis". Prefiro, tal como a restante população europeia, que as minhas hortaliças sejam sem pesticidas, o meu leite sem antibióticos e a minha carne sem hormonas... mesmo se trouxerem o selo europeu de autorizado. Se for do campo e não de aviário ou de aquacultura, melhor. E sendo colhido e comido na época, melhor ainda.


E que dizer da mais moderna de todas as invenções alimentares, os alimentos geneticamente modificados, ou transgénicos? Já ouvi as sete maravilhas sobre eles: mais nutritivos, mais duradouros, mais limpos de pesticidas, muito estudados e seguros, até a fome no mundo e a crise energética (através de biocombustíveis) eles se preparam para resolver. Mas eu confesso: a primeira vez que comprei óleo de soja e depois verifiquei pelo rótulo que continha soja geneticamente modificada senti um aperto abaixo do estômago que nunca me engana. Esta comida transgénica pode ser apropriada para cobaias de laboratório, mas não é comida de gente.

Mas claro, o problema é poder escolher. Para já anda por aí soja e milho transgénico, mas já este ano a Comissão Europeia pretende aprovar arroz transgénico. Arroz! O mais castiço dos cereais que comemos em Portugal!
Fui informar-me e fiquei a saber que os portugueses são os "chineses" da Europa: cada um de nós come em média 17 quilos de arroz por ano, enquanto que os italianos, que estão em segundo lugar atrás de nós, não comem mais que uns míseros sete quilos. Os dinamarqueses, coitados, não sabem o que é arroz doce e não vão além de quilo e meio por ano. E agora, querem abrir a nossa porta ao arroz transgénico?! Isso é, para a gastronomia, o mesmo que deitar abaixo o Mosteiro dos Jerónimos seria para a nossa história e cultura!

Senhor Ministro da Agricultura: espero que goste de arroz de ervilhas, de arroz malandro, de arroz de forno e de arroz de pato. Espero, em suma, que goste de arroz, porque ser português também é isso: durante a última grande guerra devemos em grande parte ao arroz a nossa sobrevivência alimentar. Quando se sentar em Bruxelas e chegar a vez de votar o arroz transgénico, Senhor Ministro, vote por nós.


Margarida Silva, bióloga

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