quarta-feira, 8 de novembro de 2023

A Esperança Digna de Espanto


Enganem-se os que pensam que só nascemos uma vez. Para quem quiser ver, a vida está cheia de nascimentos. Nascemos muitas vezes ao longo da infância, quando os olhos se abrem em espanto e alegria. Nascemos nas viagens sem mapa que a juventude arrisca. Nascemos na sementeira da vida adulta, entre invernos e primaveras maturando a misteriosa transformação que coloca na haste a flor e dentro da flor o perfume do fruto. Nascemos muitas vezes naquela idade avançada onde os trabalhos não cessam, mas se reconciliam com laços interiores e caminhos adiados. Nascemos quando nos descobrimos amados e capazes de amar. Nascemos no entusiasmo do riso e na noite de certas lágrimas. Nascemos na prece e no dom. Nascemos no perdão e no confronto. Nascemos em silêncio ou iluminados por uma palavra. Nascemos na tarefa e na partilha. Nascemos nos gestos ou para lá dos gestos. Nascemos dentro de nós e no coração de Deus.
Não podemos viver sem esperança, mas esta não é uma tarefa nem evidente, nem fácil. Precisamos de uma educação para a esperança. A esperança não é um lenitivo que adormece a dor até que ganhemos coragem para tratar a sério da vida, mas uma força que impregna já o presente e nos motiva para a transformação da história.
A esperança é, então, um dinamismo concreto, uma laboriosidade no aqui e no agora, um fazer aberto ao futuro.
Sobre o seu significado profundo e como se pratica, há aquela história do velho monge que se propunha alcançar o cimo de uma montanha e que, numa das etapas iniciais do caminho, pernoitou numa estalagem. O estalajadeiro reparou na sua fragilidade e tentou dissuadi-lo, enumerando os perigos que o espreitavam. O monge, porém, respondeu: ‘Tenho a certeza de que chegarei lá’. ‘E como é que um homem fraco como tu pode ter semelhante certeza? Para mais, vem aí um inverno duro’. O ancião retorquiu: ‘Coloquei lá em cima o meu coração e por isso sei que, mesmo assim inseguros, os meus passos hão de chegar lá’.
José Tolentino Mendonça, in Expresso, 12.01.2019

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