O país é o mesmo. O dia, mês e ano também. Brasil, 28 de abril de 2009. No Rio Grande do Sul o índice de chuvas está 96% abaixo do que seria normal neste período. A taxa de umidade despencou para menos de 20%, enquanto o saudável é praticamente o dobro. Tudo é seca e insolação. Brasil, 28 de abril de 2009. No Piauí os moradores enfrentam as piores cheias dos últimos 25 anos. Chove sem parar.
Cidades estão ilhadas. Cerca de 100 mil pessoas ficaram desabrigadas. "O tempo anda louco", eis a frase leiga e padrão que mais se fala e mais se ouve na queixa das pessoas em relação às radicais discrepâncias climáticas. Vale para o Norte e Nordeste do País, vale para a região Sul também. A mais nova e polêmica explicação para tais fenômenos trata de uma revolucionária teoria sobre as chuvas, chamada "bomba biótica", e pode mudar os conceitos da meteorologia tradicional.
Olhemos agora, por exemplo, não para a "loucura do tempo" em um único país, mas, sim, para a "loucura a dois". Por que chove tanto em algumas regiões distantes da costa, como no interior da Amazônia, enquanto países como a Austrália se transformaram em deserto? Os cientistas russos Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva, do Instituto de Física Nuclear de São Petersburgo, sustentam, embasados na metodologia da bomba biótica, que as florestas são responsáveis pela criação dos ventos e a distribuição da chuva ao redor do planeta - como uma espécie de coração que bombeia a umidade. Esse modelo questiona a meteorologia convencional que explica a movimentação do ar sobretudo pela diferença de temperatura entre os oceanos e a terra.
Ao falarem de chuva aqui e seca acolá, Gorshkov e Anastassia acabam falando de um dos mais atuais e globalizados temas: a devastação de matas. "São as florestas que trazem a umidade atmosférica para o continente. Destruir árvores modifica a direção dos ventos, tranca a entrada de umidade no continente e, no final, o transforma em deserto", dizem eles.
Para o biogeoquímico Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e principal proponente da linha da bomba biótica no Brasil, é somente ela que explica com clareza a contradição entre a seca e a aridez que estão minguando as lavouras na região Sul e as chuvas intensas que transbordam o Norte e o Nordeste. "O primeiro efeito da devastação das florestas é o aumento na frequência de todo tipo de clima extremo", dizem os pesquisadores russos. "São os sintomas de um sistema desregulado", endossa o brasileiro Nobre.
A dinâmica do processo começa pela transpiração das árvores e consequente liberação de alto volume de vapor d'água. Ao subir, esse vapor encontra camadas de ar frio e se condensa, formando nuvens. É nessa condensação que a água passa do estado gasoso para o líquido, diminuindo de volume, e o ar acima das florestas se torna mais rarefeito, gerando queda da pressão atmosférica.
Nesse ponto a bomba biótica, segundo seus defensores, entra em ação. A queda na pressão acima das florestas faz com que o ar de superfícies vizinhas seja puxado em direção a elas, e isso resulta em ventos. Se estiverem próximas ao mar, o ar úmido resultante da evaporação do oceano é puxado para o continente, possibilitando a circulação de água ao redor da Terra. Segundo Gorshkov e Anastassia, a evaporação de água é mais intensa acima das grandes matas que nos mares e a queda de pressão superior no continente sugaria o ar úmido do mar.
"O efeito da evaporação e da redução da pressão atmosférica acima das florestas na circulação do ar é muito pequeno", diz o professor americano David Adams, da Universidade do Estado do Amazonas - ou seja, é uma voz contra a teoria dos físicos russos, que, segundo ele, estão supervalorizando a força da bomba biótica.
Agora uma voz que lhes dá pelo menos o benefício da reflexão por parte da comunidade científica. Vem do climatologista José Antonio Marengo, do Inpe: "Precisamos considerar a viabilidade da tese, estudar mais o fenômeno para definir quão crucial é o papel da bomba biótica na circulação do ar." Se for provada a correção da nova teoria, isso torna o papel das florestas ainda mais essencial para o bem-estar do planeta. Enquanto a meteorologia convencional prevê que o desmatamento reduza as chuvas de uma região em cerca de 20%, a bomba biótica prega que tal redução pode bater na casa dos 100%.
"Destruir a Amazônia, por exemplo, significa transformar todo o continente num insuportável e inabitável deserto", diz Gorshkov.
"As florestas podem mudar drasticamente o clima de uma cidade"
Victor Gorshkov, "físico"
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