domingo, 26 de abril de 2020

(Re)ler Fernando Pessoa


(Re)ler Fernando Pessoa. Uma terapia diária que faço todos os dias. Limpa-me de todos os desassossegos. Cristaliza e refina-me angústias, distopias, opiniões, gráficos, estatísticas, confinamentos. Voo com Pessoa. Nele encontro a paz profunda e limpa. Quais instagram, quais quê? Não há informática possível, palavras, sossego profundo que é (re)ler Pessoa. Ler um livro é também o gosto de tocar nas páginas e sentir o olfacto.

Fernando Pessoa descobriu todas as sensações e crises que assolam a vida individual e colectiva. Um ser Formidável. Partilho aqui o poema completo: A Verdadeira Liberdade
A liberdade, sim, a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço!

A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais
A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristã da minha infância que rezava
Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim...
A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente,
A noção jurídica da alma dos outros como humana,
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez
Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma
E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!

Passos todos passinhos de criança...
Sorriso da velha bondosa...
Apertar da mão do amigo [sério?]...
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da vida!

Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade,
Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do pote
Da casa do campo da minha velha infância...
Eu bebia e ele chiava,
Eu era fresco e ele era fresco,
E como eu não tinha nada que me ralasse, era livre.
Que é do púcaro e da inocência?
Que é de quem eu deveria ter sido?
E salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim?

Álvaro de Campos, in "Poemas (Inéditos)"
Heterónimo de Fernando Pessoa

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