sexta-feira, 18 de maio de 2018

Recuperar as variedades tradicionais de fruta portuguesa

Raul Rodrigues investigador variedades de maçã. FotoVida-Rural

Há mais de 100 variedades de maçãs identificadas na região do Minho que são praticamente desconhecidas e muitas em vias de extinção. Raul Rodrigues, professor na Escola Agrária de Ponte de Lima, está há 10 anos a recuperar este património e a plantar todas estas variedades regionais, num pomar com cerca de 1000 árvores que serve de base para o seu trabalho experimental. O próximo passo é replicar este trabalho numa outra fruta: as peras.

Já são mais de 100 as variedades de maçã identificadas na região do Minho. A grande maioria é desconhecida dos portugueses. São árvores, muitas em vias de extinção, que guardam tradições e histórias das terras minhotas. Abandonadas, como tem sido apanágio de muitas culturas em Portugal, as variedades de maçã do Minho oferecem potencialidades gastronómicas, culturais e económicas.

Raúl Rodrigues, professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, tem sido um acérrimo defensor deste património. Há cerca de dez anos começou um trabalho de levantamento e catalogação das variedades regionais de macieiras do Minho. Percorreu a região, conversou com as gentes locais, fotografou as árvores, registou as coordenadas e recolheu o material vegetal. Tudo com base numa pesquisa altruísta de fim-de-semana. Atualmente tem plantadas mais de 100 espécies regionais de maçã num terreno da ESA de Ponte de Lima. Mais de metade está já registada aos níveis morfológico e fenológico.

Valorizar o património

As maçãs do Minho têm nomes tão particulares como Porta da loja (porventura a mais conhecida e com mais potencialidades económicas), Pipo de Basto, Três ao prato, Sangue de boi, Victória, Camoesa, Malápio, maçã dos Namorados, Beijo da rainha, maçã da Boa vontade, Abadia, entre muitos outros. Junto com as designações populares trazem histórias e lendas. A maçã Três ao prato deve o nome ao tamanho, grande ao ponto de três maçãs encherem um prato. A maçã Camoesa (há a de Coura, do Biribau, Rosa, Verde, Fina e outras mais) era apanhada em setembro ainda verde e colocada a amadurecer no cimo dos armários, perfumando o interior das casas. Há a maçã da Abadia, que amadurece em agosto, por altura da Nossa Senhora da Abadia.


Já a maçã Porta da loja está intrinsecamente ligada às tradições de Natal. Em terras minhotas, o costume ditava assar na noite de Natal o fruto ao borralho (nas cinzas quentes da lareira) e depois misturá-lo com vinho verde tinto e açúcar. Na Páscoa, numa clara demonstração da capacidade de conservação da maçã que era apanhada no mês de outubro, era habitual oferecer maçãs Porta da loja ao padre. E Porta da loja porque eram guardadas na loja das casas, espaço térreo onde, em tempos mais antigos, se colocavam alimentos e outros produtos domésticos.

Diz Raúl Rodrigues que estas tradições se estão a perder, fruto da massificação do consumo que, no que se refere às maçãs, está muito centrado nas variedades Golden, Gala, Starking, Granny-Smith, Reineta ou Fuji. Mas não só. Os Planos de Fomento Frutícola do Estado Novo assumiram um papel fulcral na produção de novas variedades de maçãs e no abandono das macieiras regionais. Os agricultores foram orientados a investir no cultivo de espécies de maçãs mais procuradas pelos mercados externos, que aparentemente lhes traria mais riqueza e prosperidade.

Estas idiossincrasias dos tempos levaram ao quase esquecimento da diversidade vegetativa do Minho e à perda de património cultural e ambiental. Raúl Rodrigues assumiu assim um papel determinante quer na tentativa de preservação dessa herança, quer na divulgação dessa riqueza endógena. O professor da ESA de Ponte de Lima tem sensibilizado as instituições locais para a importância da classificação das variedades regionais de fruteiras como Património Vegetal de Interesse Municipal e como Património Vegetal Municipal.

Na sua opinião, o património vegetativo da região é uma herança cultural com potencialidades económicas. Certo é que já conseguiu que municípios como Ponte de Lima, Braga, Famalicão e Barcelos, que está na fase final do processo, reconhecessem as variedades como património de interesse municipal. Mas o projecto de Raúl Rodrigues é bem mais vasto.

Como frisa, há empresas internacionais que estão a ameaçar esta diversidade varietal e genética. Algumas destas variedades de fruta regional, que englobam também as peras e laranjas, estão a ser patenteadas por empresas externas ao país, perdendo-se assim o património e obrigando ao pagamento de royalties para plantação dessas espécies a entidades estrangeiras. Como refere, as variedades autóctones estão em risco de serem registadas nos catálogos nacional e europeu de frutas por empresas sem ligações à região e ao país.

Criação de riqueza

A preservação das variedades regionais de fruta do Minho deve ser encarada como uma mais-valia económica da região aos níveis da agricultura, e indústrias adjacentes, e turismo. O objectivo de Raúl Rodrigues é que se valorize os produtos que só existem na região, que são a sua autenticidade, e que permitam um desenvolvimento sustentável da região do Minho.

As variedades que ainda sobrevivem foram seleccionadas e cruzadas ao longo dos séculos pelo homem, construíram a paisagem e adaptaram-se às condições morfológicas da região. Para Raúl Rodrigues, isso significa que são espécies bem preparadas para viver e fortificar neste ambiente de alterações climáticas e desejáveis num sistema de agricultura biológica, pelas suas capacidades de resistir a pragas e doenças. Mas precisam de quem aposte na sua plantação.

“Não podemos dar uma perspectiva romântica a estas variedades, temos de lhes dar uso”, diz. A maçã Porta da loja é a variedade que actualmente tem maior aceitação no mercado. A campanha de 2017 esgotou. Raúl Rodrigues sublinha que os agricultores já estão a receber um preço justo, cerca de 1,25 euros por quilo, que compara com os cerca de 30 cêntimos pagos pelo quilo da maçã convencional.

No Minho, a safra anual da Porta da loja ronda as 80 a 100 toneladas. Um pomar de Porta da loja está em plena produção no 4º ano após a plantação, que deve ser feita no inverno, e num sistema de agricultura biológica tem capacidade para produzir 20 a 25 toneladas por hectare. Raúl Rodrigues garante que o escoamento é garantido. Um pomar tem uma vida útil de 20 anos.


O trabalho deste professor já se materializou na criação de uma pequena empresa em Ponte de Lima, constituída por duas antigas alunas da ESA. As jovens empreendedoras apostaram na produção de sidra artesanal, recuperando a tradição desta bebida que era fabricada pelos agricultores limianos para celebrar as colheitas, quando já não restava vinho nas pipas. A Corrupia, marca desta sidra artesanal, já foi agraciada com a medalha de prata no VI Salão Internacional de Sidras de Gala, em Espanha, na classificação de sidra de mesa semi-seca. As jovens empreendedoras aproveitaram o elã do prémio e, pouco depois, lançaram no mercado um espumante de sidra. Uma das prioridades da Corrupia é exactamente dar um uso económico às variedades regionais de maçã. Um dos projectos é produzir um lote especial de sidra só com maçã Porta da loja.

Raúl Rodrigues salienta que há outras soluções para obter valor acrescentado com as maçãs minhotas. Recuperar a tarte de maçã Porta da loja, a produção de pão com fermento desta variedade, a comercialização da maçã desidratada… Todo este potencial está a ser trabalhado na ESA, com o pomar de mil árvores que serve de campo de experimentação ao professor e aos alunos. As variedades são também estudadas tem em vista a sua aceitação no mercado, seja para consumo a fresco seja transformadas. A ESA, em conjunto com a Universidade de Trás dos Montes e a Universidade do Minho, estão também a fazer a caracterização genético molecular das macieiras regionais.

Novos projetos

Ao mesmo tempo que aguarda a instalação de um sistema de rega automático no campo experimental da ESA, Raúl Rodrigues já preparou um terreno para a plantação de variedades regionais de pêra. Neste momento, já fez o levantamento a mais de uma dúzia de variedades de pêras e tem já referenciadas mais de 40, que é só ir buscar para enxertar. O trabalho seguirá os mesmos passos que o feito com as maçãs.

E também com estas árvores de fruta não tem dúvidas. Há viabilidade económica. O exemplo é o Gin tinto, o primeiro gin tinto do mundo. Esta bebida, lançada no mercado em 2015 pelo empresário de Valença João Guterres, é produzida à base de 14 ingredientes e um dos que garante mais autenticidade é o perico de Fontoura, uma pereira singular, que é vendida a 5 euros o quilo e que está quase esquecida no Minho e em risco de desaparecer. Mas há mais, a diversidade varietal é grande. Há a pêra D. Joaquina (ou de água), a Amorim, a Arratel, de Lanhezes, a Bojarda, a Porta de Forno…

Esta região portuguesa guarda ainda duas variedades únicas de laranjas: a laranja de Amares e a laranja do Ermelo. O património é vasto e algum já perdido. Em tempos idos, foram identificadas 11 cerejeiras em terras minhotas. Na ESA, a colorir o jardim, encontra-se uma árvore de lima doce, tipicamente portuguesa, que Raúl Rodrigues quer reproduzir.

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