Fotografia: É Apenas Fumaça / Frederico Raposo |
Na entrevista de hoje (05-01-2018), com Pedro Bingre do Amaral, conversamos sobre ordenamento de território e sobre que políticas públicas de gestão da floresta devem ser implementadas. O que é a floresta? Como deve ser gerida pelo Estado? Como chegou o Estado português ao ponto de deter menos de 2% da floresta? Qual a relevância de não se saber quem é dono de ⅓ da floresta? Porque temos tanto eucalipto nas nossas florestas? Que medidas devem ser tomadas para prevenir que aconteça algo semelhante ao que aconteceu no verão de 2017?
Portugal tem uma das maiores áreas florestais da Europa, com mais de três milhões de hectares de matas, matos, bosques, o que equivale a cerca de 36% de todo o território. Por outro lado, o controlo da floresta por parte do Estado é uma miragem, quando comparado com outros países europeus. Apenas 2% da floresta portuguesa é propriedade exclusiva do Estado - na Europa, a média é de mais de 40%.
A diferença é significativa mas não é de agora. Desde há muito que tem vindo a ser reduzido o controlo estatal da floresta. Teríamos de recuar até ao século XIX, às privatizações dos terrenos da Igreja Católica e à venda dos terrenos das comendas de Ordens Religiosas, para explicar o porquê de hoje termos tanta floresta sob controlo privado.
Mas, afinal, de quem é a floresta? Cerca de 85% da nossa floresta pertence a privados, e a maior parte dela está dispersa e distribuída em minifúndios de poucos hectares e com retorno económico reduzido. Talvez isso explique os milhares de terrenos abandonados, ou o facto de se desconhecer quem é dono de ⅓ de toda a floresta portuguesa, o que faz com que a responsabilização dos proprietários à limpeza dos terrenos e ao cumprimento de normas ambientais se torne uma missão quase impossível. Por outro lado, o Estado não tem o poder de assumir a propriedade para si em caso de incumprimento. Como explica Pedro Bingre do Amaral, professor no Instituto Politécnico de Coimbra e investigador nas áreas do Ordenamento do Território e Ambiente, na entrevista desta semana: “Se uma pessoa tiver um terreno e o mantiver inculto durante décadas, e houver um ânimo visível de abandono, nem por isso perde a titularidade”.
A história mais recente tem-nos mostrado que a floresta não foi uma prioridade para o Estado português. “Nos últimos 30 anos, os serviços florestais do Estado foram cada vez mais emagrecidos e desorçamentados, independentemente do governo estar à direita ou estar à esquerda” diz-nos Pedro Bingre do Amaral, que acusa os vários governos de falta de ambição no que toca a política florestal.
Sintomático desse “emagrecimento”, foi a extinção, na década passada, da Direção Geral das Florestas, que passou a ter o título de Autoridade Nacional. Em 2012, foi-se mais longe e fundiu-se a gestão das florestas com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, passando a designar-se Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Em 2006, o governo de José Sócrates extinguiu a Guarda Florestal, incorporando os seus trabalhadores na GNR. Desde 2005 que não se contratam guardas florestais. Hoje, são 317 em todo o país.
Enquanto o Estado não investe, empresas da indústria da celulose, como a Navigator - nacionalizada a seguir ao 25 de Abril com o nome Portucel, e mais tarde privatizada, quando já dava lucro - foram elevando Portugal ao trono mundial de país com mais área relativa de eucaliptal na sua floresta, uma espécie mais inflamável que outras, como sobreiros ou carvalhos. São cerca de 900 mil hectares, mais de um quarto de toda a floresta. Mas não só das grandes celuloses se faz a produção de eucalipto. Os pequenos proprietários vêem também nessa cultura uma forma de poder rentabilizar as suas terras, algumas delas que apenas visitam de quando em vez.
O acumular de todas estas decisões e da falta de investimento por parte do Estado português nas últimas décadas contribuíram para a calamitosa cena a que assistimos no passado verão, onde mais de 100 pessoas morreram e mais de 500 mil hectares de floresta arderam, marcando 2017 como o ano com mais mortes diretamente provocadas por incêndios desde que existem estatísticas, e o ano em que mais floresta ardeu desde 1980. Em 2016, tínhamos já assistido à maior área ardida da década, com 160,000 hectares reduzidos a cinzas. Entre os verões, não foram poucos os que exigiram reformas de prevenção.
O governo atual, liderado pelo PS, diz-se ativo e preocupado como nenhum outro. Luis Capoula Santos, ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, afirmou em Agosto do ano passado à Lusa que “O governo fez a maior revolução que a floresta conheceu desde os tempos de D. Dinis”. Saberemos mais tarde que resultado dará.
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