sexta-feira, 27 de maio de 2011

Como José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo foram mortos no faroeste do Brasil por defenderem a floresta



Por Alexandra Lucas Coelho, em Belo Horizonte, Ecosfera, 27.05.2011 

José Cláudio já tinha avisado que um dia o iam matar, por atrapalhar os madeireiros que devastam a Amazónia. E terça-feira foi morto a tiro, com a mulher.
Um cortejo de cinco mil pessoas seguiu ontem o funeral de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados na terça-feira, quando viajavam de moto perto de casa, em Nova Ipixuna, Sudeste do Pará, Amazónia.

Dois pistoleiros alvejaram-nos com tiros de revólver e espingarda e depois cortaram uma das orelhas de José Cláudio, presumivelmente para entregar a quem os contratara, como prova.

O crime aconteceu horas antes de ser aprovado no Congresso Brasileiro um novo Código Florestal que amnistia desmatadores da floresta e reduz a área protegida. E está a ser comparado, em termos simbólicos, às mortes do seringueiro Chico Mendes, em 1988, ou da missionária Dorothy Stang, em 2005. "É algo que nos comove a todos", disse a ambientalista Marina Silva, ex-candidata à presidência: "O José Cláudio e sua esposa foram assassinados covardemente."

Presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (aquelas que colhem da natureza sem a prejudicar), José Cláudio era das vozes mais activas na defesa da floresta.

Ele e a mulher, representando 300 famílias juntas num projecto ecológico, interditavam estradas para forçar os camiões madeireiros a parar, anotavam as placas e denunciavam-nos ao IBAMA (protecção do ambiente) e ao Ministério Público. O casal já tinha escapado a uma emboscada em 2010.

José Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa, Maria do Espírito Santo da Silva
Em Novembro, num espantoso depoimento para a série de palestras TED, José Cláudio conta como começou a colher castanha-do-pará aos sete anos e a partir daí viveu sempre da floresta: de fazer geleia de cupuaçu (uma fruta amazónica), cestos de cipó ou artesanato de madeira caída naturalmente, além da castanha.

De pé em cima do palco, mulato grisalho, de boina, jeans e T-shirt, José Cláudio explicou à plateia como em 1997 a região dele tinha 85 por cento de floresta nativa e com a chegada das madeireiras passou para pouco mais de 20 por cento, "um desastre" para quem vive da floresta.

Mais: como as madeireiras significam risco de morte violenta. "Vivo da floresta, protejo ela de todo o jeito, por isso eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora. Porque eu vou para cima, denuncio os madeireiros, denuncio os carvoeiros, e por isso eles acham que eu não posso existir. A mesma coisa que fizeram no Acre com o Chico Mendes querem fazer comigo, a mesma coisa que fizeram com a irmã Dorothy querem fazer comigo. Eu posso estar hoje aqui conversando com vocês e daqui a um mês vocês podem saber a notícia de que eu desapareci. Me perguntam: "Tem medo?" Tenho. Sou ser humano. Mas o medo não empata de eu ficar calado. Enquanto eu tiver força para andar, estarei denunciando todos aqueles que prejudicam a floresta. Essas árvores que tem na Amazónia são as minhas irmãs."

Violência crescente

Esse depoimento é a crónica de um assassinato anunciado. Não passou um mês, passaram seis, e José Cláudio morreu mesmo à bala, sem que nada tivesse sido feito para combater a impunidade dos madeireiros e proteger quem protege a floresta.

Pelo contrário: o número de trabalhadores rurais assassinados aumentou 30 por cento em 2010 (segundo um relatório recente da Comissão Pastoral da Terra) e só uma percentagem mínima dos assassinos é identificada (um em cada 17, de acordo com contas da revista Carta Capital).

Ao condenar o assassinato de terça-feira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) disse que este crime "escancara a deficiência do Estado brasileiro em defender os filhos da terra que lutam em favor da vida", lembrando que, desde 2001, José Cláudio era ameaçado de morte. Estava numa lista de 58 pessoas marcadas para morrer.

Entre missionários, bispos, padres, irmãs e leigos, a CNBB regista muitas denúncias de pessoas ameaçadas no Pará, sobretudo no Sudeste do estado, uma espécie de faroeste.

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