“Acho parvo o refrão da música dos Deolinda que diz «Eu fico a pensar, que mundo tão parvo, onde para ser escravo é preciso estudar». Porque se estudaram e são escravos, são parvos de facto. Parvos porque gastaram o dinheiro dos pais e o dos nossos impostos a estudar para não aprender nada.
Já que aprender, e aprender a um nível de ensino superior para mais, significa estar apto a reconhecer e a aproveitar os desafios e a ser capaz de dar a volta à vida.
Felizmente, os números indicam que a maioria dos licenciados não tem vontade nenhuma de andar por aí a cantarolar esta música, pela simples razão de que ganham duas vezes mais do que a média, e 80% mais do que quem tem o ensino secundário ou um curso profissional.
É claro que os jovens tiveram azar no momento em que chegaram à idade do primeiro emprego. Mas o que cantariam os pais que foram para a guerra do Ultramar na idade deles? A verdade é que a crise afecta-nos a todos e não foi inventada «para os tramar», como egocentricamente podem julgar, por isso deixem lá o papel de vítimas, que não leva a lado nenhum.
Só falta imaginarem que os recibos verdes e os contratos a termo foram criados especificamente para os escravizar, e não resultam do caos económico com que as empresas se debatem e de leis de trabalho que se viraram contra os trabalhadores.
Empolgados com o novo ‘hino’, agora propõem manifestar-se na rua, com o propósito de ‘dizer basta’. Parecem não perceber que só há uma maneira de dizer basta: passando activamente a ser parte da solução. Acreditem que estamos à espera que apliquem o que aprenderam para encontrar a saída. Bem precisamos dela.”
Vê a resposta do Gonçalo na continuação…
“Cara Isabel Stilwell,
Antes de mais espero que este a-mail a encontre bem, se é que algum dia chegará aos seus olhos. Espero que sim!
Custa-me acreditar que alguém com o seu nível possa sequer pensar em fazer um artigo com este título e teor (o artigo encontra-se transcrito no post). É ridícula a forma como pensa e a falta de informação que pelos vistos tem, porque a demonstra, nos assuntos por si abordados no mesmo.
Primeiro de tudo, vou-me identificar e situá-la um pouco, para que possa ter uma noção do porquê desta minha reacção ao seu artigo. O meu nome é Gonçalo Morgado Marques, tenho 25 anos e sou formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Lusíada (sim, uma universidade privada! Que parvo que sou por gastar tanto dinheiro em estudos!). Trabalho desde os meus 15 anos, logo já conto com 10 anos de trabalho e respectivos descontos. Habituado a fazer a vida sem depender de ninguém, cedo me apercebi que era realmente importante ingressar numa formação superior, tentando assim, com o tempo, melhorar a minha condição de vida. Com grande sacrifício pessoal e também dos meus pais, consegui fazer o curso de direito e terminá-lo nos 5 anos (duração do curso). Digo sacrifício porque ao longo de todo o meu curso não fui só um estudante, fui também um trabalhador por conta de outrem! Se não tem noção, digo-lhe já que não é tarefa nada fácil e pouco ou nada compensadora para quem aufere 750€/mês (o que já é muito bom!). Tal não é o meu espanto que quando acabo o curso e sou obrigado a fazer um estágio profissional de 2 anos (inerente à profissão de advogado em que pretendia ingressar) e me dizem que não existe nenhuma obrigatoriedade de pagamento de tal estágio, ou seja, seria um escravo (é essa a definição que tenho).
Tentei vários escritórios de advogados e havia sim os que realmente pagavam aos seus estagiários (cerca de 5%), mas as funções eram sempre as mesmas e pouco ou mesmo nada se aprendia (o estágio serve para isso mesmo, aprender!). Optei por um escritório de advogados mais pequeno em que pudesse realmente aprender qualquer coisa, mas tal como 95% dos escritórios em que fiz entrevistas, este não pagava aos estagiários. TORNEI-ME UM ESCRAVO! Ou melhor, PIOR QUE UM ESCRAVO pois pagava para trabalhar (despesas de transporte, alimentação, telemóvel, entre outras). E no meio disto tudo, como pagava essas despesas!? Com outro trabalho, que me pagava e em que tinha funções que V. Excia certamente considera “inferiores”. Ou seja, para me sustentar e sustentar o meu estágio fui forçado a ter dois Trabalhos (muita gente diria empregos, mas eu digo TRABALHO!). Certo e sabido que a energia e o ânimo para manter esta situação foi-se desvanecendo, tornando-se a mesma, com o tempo, impraticável!
Tomei uma decisão, abdiquei dos meus sonhos e EMIGREI! Hoje, estou a viver em Maputo, Moçambique, trabalho num escritório de Advogados conceituado, em que sou Consultor Senior (imagine-se em Portugal ser senior com 25 anos, IMPENSÁVEL!). Tenho a minha vida de novo nos carris e não tenciono sair daqui.
Mas eu não estou a responder a este seu artigo para falar de mim, agora que já a situei, posso passar à minha crítica às barbaridades (peço desculpa, mas não encontro outro nome para definir) que escreveu neste artigo.
Sempre me disseram que para criticarmos alguém devemos primeiro colocar-nos nos sapatos dessa pessoa. Experimentou colocar-se nos sapatos de um comum jovem português? Digo comum, referindo-me aqueles, que tal como eu, não têm pais influentes que conseguem “cunhas” e “tachos” para os filhos! Não encare isto como uma crítica a esses jovens, porque não é.. nessa posição faria talvez o mesmo… Agora coloque-se nos sapatos de um jovem comum, recém licenciado, que procura desesperadamente o primeiro emprego e tudo o que lhe oferecem são estágios de curta duração que nem remunerados são. Não pensaria na mesma linha que a Ana Bacalhau (vocalista dos Deolinda)? Eu acho que sim! E mesmo aceitando essa proposta, na esperança de: “eu vou provar as minhas capacidades e irei ficar nesta empresa”, essa esperança irá, na GRANDE maioria dos casos, sair frustada. Pois qualquer empresa prefere contratar mais um “parvo” (como refere) que irá preencher aquele lugar e a quem não terá de dar boas condições, nem mesmo pagar o que quer que seja. Já se colocou nestes sapatos?
Como directora de um meio de comunicação era inteligente da sua parte informar-se sobre os assuntos sobre os quais escreve. Sabia que em termos proporcionais, são mais os desempregados com Formação superior do que aqueles que não a têm!? Ainda acha “parvo” o refrão da música dos Deolinda? Explique-me por favor o que se aprende num curso superior que nos possa fazer dar a volta a esta situação! Como, com o que aprendemos, podemos dar a volta à precariedade laboral, à ganância de gestores e empresas, à ganância política, ao aproveitamento de quem precisa e ao “desumanismo”. Ainda digo mais, vá para uma faculdade de hoje e, SEJA ELA QUAL FOR, veja se ainda mantém esta definição de ensino superior, face à realidade que hoje se vive.. Parva é esta sua frase: “aprender a um nível de ensino superior para mais, significa estar apto a reconhecer e a aproveitar os desafios e a ser capaz de dar a volta à vida”. Acho que não está totalmente ciente da realidade social dos dias de hoje nem àquilo que se passa à sua volta… Talvez tenha ficado perdida num dos seus romances históricos sobre raínhas e princesas…. OLHE À SUA VOLTA!!!
No seu “parvo” artigo, refere que 80% dos licenciados ganham duas vezes mais do que a média (comparando com aqueles que não têm licenciatura ou formação superior). Não duvido! Mas isso aplica-se aos licenciados que realmente têm um trabalho!!! Quando se faz um comentário destes deve-se ver “a coisa” por várias perspectivas e não só por aquela que mais nos convém! É “parvo” pensar e actuar assim! É ÓBVIO que a crise afecta-nos a todos e nós não somos as vítimas exclusivas! Mas tal como todos, temos o direito a demonstrar a nossa insatisfação! Não somos vítimas! Não somos os “Coitadinhos”… Mas como sabe, e certamente melhor que eu, é difícil um jovem ser ouvido, respeitado e entendido, porque pessoas como V. Excia têm ideias pré-concebidas e pouca ou nenhuma atenção dão. PARA SE APRESENTAREM SOLUÇÕES É PRECISO QUE QUEM AS TENHA SEJA OUVIDO! Não quer soluções? Não acha que deviam partir de nós (jovens)!? então oiçam-nos!! Estão à espera que apliquemos o que aprendemos!? Como? Para isso é preciso dar oportunidade aos jovens!! Onde está essa oportunidade? No trabalho precário? No trabalho escravo!? No trabalho a recibos verdes!? Essas coisas não foram criadas para nos escravizar, mas somos nós enquanto jovens que estamos a pagar por anos e anos de má gestão das gerações anteriores. Detesto generalizações e normalmente não as faço, mas como as fez, vou seguir a sua linha de raciocínio! Se estamos nesta situação a culpa é de quem!? Nossa!? Não me vai dizer que é da economia mundial!? Também é, é um facto, mas então e os anos de má gestão por parte dos políticos que pessoas da sua idade ajudaram a eleger? Então e se não estão contentes com a situação porque não se fazem ouvir? O nosso problema enquanto jovens é a vossa herança, são os problemas que vocês e mais ninguém ajudaram a criar! Ponha-se no “nosso” lugar de “parvos” e verá a sua atitude a mudar um pouco!
Esta resposta não tenta proteger aqueles jovens que pouca ambição e vontade têm, que os há! Mas sim defender aqueles, que como eu se sentiram ofendidos com aquilo que escreve.
Por isso, e em modo de conclusão, a única “parva” aqui, já ficou definida e dá pelo nome de Isabel Stilwell. Espanta-me que ainda esteja como directora do Destak e não como Directora de um Jornal Expresso, ou diria mesmo de algum conhecido jornal internacional! Ahhh, caso não tenha percebido, estou a ser irónico! Ponha um “parvo” (leia-se jovem) no seu lugar e verá que ele fará certamente um melhor trabalho ou, no mínimo, irá abster-se de escrever artigos de opinião “parvos”!
Lanço aqui um desafio. Vá para a rua nesse dia e fale com os “parvos”… verá que não são todos tão parvos como a Sra.
Os Melhores Cumprimentos,
Gonçalo Morgado Marques
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