sábado, 10 de junho de 2006

Organismos Geneticamente Modificados e a Agricultura



1. A engenharia genética na agricultura
A manipulação genética das sementes levada a cabo pela engenharia genética é sem dúvida a transformação mais radical na produção de alimentos desde os primeiros dias da agricultura, há cerca de 10.000 anos. Os organismos geneticamente modificados (OGM) misturam espécies que nunca se poderiam cruzar na Natureza: bactérias com cereais, vírus com árvores, peixes com frutas, entre outros.
A primeira cultura geneticamente modificada (GM) foi comercializada nos EUA em 1994, foi o tomate Flavr Savr, mas acabou por ser retirado do mercado em 1997, mas outras culturas GM viram o seu cultivo aumentar significativamente, principalmente nos EUA, desde 1996, com destaque para o milho e a para a soja.
As variedades de culturas comerciais de OGM pertencem essencialmente a dois grupos de variedades – tolerância a herbicida (TH) e resistência a insectos (Bt) ou “plantas pesticida”. As variedades TH representam cerca de 75% e as Bt 25%. A variedade TH com resistência a um herbicida, o glifosato, a sua denominação comercial é conhecida por Roundup Ready (RR) e pode encontrar-se, por exemplo, na soja ou milho RR. As plantas Bt têm uma modificação genética que consiste num gene extraído de uma bactéria natural do solo, o Bacillus thuringiensis, que contém a informação para produzir uma toxina insecticida nos seus tecidos (nas raízes, no caule, nas folhas, no pólen e também no grão comestível) que libertam através das raízes para o solo.
A área global semeada com culturas GM cresceu rapidamente, em particular entre 1996 e 1999. A área global estimada de cultivo de OGM em 2004 e 2005 foi de 81 e 90 milhões de hectares respectivamente, em todo o mundo, mas foram apenas 5 os países que cultivaram 96% da área total: EUA (59%), Argentina (20%), Canadá (6%), Brasil (6%) e China (5%). Outros países que também cultivam OGM são: Paraguai (2%), Índia (1%), África do Sul (1%), Uruguai, Austrália, Roménia, México, Espanha e Filipinas (menos de 1% do total).
Na Europa, o único país europeu que desde 1998 permitiu o cultivo de transgénicos à escala comercial, foi a Espanha, ainda que a superfície cultivada seja relativamente pequena (estimada em cerca de 20.000 a 25.0000 ha). A partir do ano 2005, vários países europeus passaram a ter autorização de cultivo comercial de 17 novas variedades de milho transgénico Bt.



2. Mercado
Paralelamente ao aumento da área cultivada com OGM e apesar dos esforços das empresas multinacionais de biotecnologia promotoras dos transgénicos e dos apoios de alguns governos e políticos, no sentido de garantir que a alimentação transgénica é segura e de que há controlo, cresce um movimento global de cidadãos de recusa a estes alimentos, tendo pela sua pressão conseguido que alguns supermercados e fabricantes de alimentos recusem os OGM.
Apesar de 75% do milho norte-americano ser não GM os clientes recusam-no por não haver garantias de ser livre da contaminação e segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o valor de exportações de milho para a UE (União Europeia) caiu 99,4% entre 1996 e 2001, e as exportações para a Ásia também diminuíram significativamente. Pelo que os OGM actualmente, na sua grande maioria só têm escoamento para a alimentação animal dado não ser ainda exigida a rotulagem nos produtos de origem animal (carne, peixe, ovos, lacticínios, etc).



3. Impacto do cultivo de OGM



3.1- Produção
Em ensaios de campo com outras plantas transgénicas, como a soja RR, a beterraba sacarina e a colza têm demonstrado uma quebra de produção de 5 a 10%, comparativamente às plantas convencionais em idênticas condições.
Nos EUA, a rentabilidade do milho Bt tem sido variável, dependendo do ano e do nível da incidência das pragas. No período 1996-2001 a média dos resultados foi negativa.
Apesar de no relatório de Graham Brookes, consultor inglês que habitualmente é procurado pelas empresas de biotecnologia, se afirmar que o milho Bt permite aumentos de rendimento de 10-15%, em Espanha, por exemplo, os estudos revelaram que certas variedades de milho convencionais produzem mais do que a variedade GM Compa CB. Não obstante, a variedade de milho convencional Dracma estar bem adaptada e o dano real da broca ser baixo, a Syngenta esforça-se por convencer os agricultores das vantagens do milho Bt.



3.2- Uso de pesticidas
As empresas de biotecnologia, grupos de agricultores e defensores da biotecnologia dizem que há uma redução de 20 a 30% no uso de pesticidas. No entanto, desde a introdução das culturas transgénicas TH nos EUA, há 9 anos, que o consumo de herbicidas aumentou cerca de 67 mil toneladas. Dados do USDA sugerem que em 2000 foi aplicado mais 30% de herbicida no milho RR do que no milho não GM. O impacto do milho Bt no uso de insecticidas nos EUA é muito reduzido ou nulo. Nos EUA houve uma redução no uso de insecticidas nas culturas de algodão GM.



3.3- Impacto económico
Os maiores custos com as sementes GM, o aumento do uso de herbicidas/pesticidas, a quebra de produtividade, a taxa paga nas patentes das sementes GM e a redução dos mercados, explicam porque os cultivos GM reduzem o rendimento dos agricultores.
Com a introdução dos OGM os custos com herbicidas diminuíram, simplesmente porque graças ao aumento do seu uso surgiu uma “guerra de preços”, tendo baixado consideravelmente os seus preços, o que significou em muitos casos a redução significativa dos custos totais com herbicidas.
Só nos EUA, as condenações impostas aos agricultores norte-americanos ascendem a 15 milhões de dólares, sempre sob a acusação de terem guardado, sem autorização legal, sementes transgénicas patenteadas.
Paralelamente ao aumento da área de cultivo de OGM, houve uma descida no preço das propriedades devido à perda de exportações, o que levou ao aumento dos subsídios governamentais estimados em 3 a 5 mil milhões de dólares anualmente. O rendimento dos agricultores continua muito baixo, apesar dos subsídios, que apenas ajudaram a mascarar a falha económica dos OGM junto dos agricultores. No total, as culturas GM nos EUA, entre 1999 a 2001, já custaram à economia daquele país pelo menos 12 mil milhões de dólares.



3.4- Para os agricultores convencionais e biológicos
O prejuízo para os agricultores convencionais e biológicos decorre: da contaminação das suas culturas, o que por sua vez leva à perda da certificação, no caso da produção biológica, e à perda de mercados; de gastos adicionais para manter os alimentos livres de transgénicos, nomeadamente através da realização de análises; outros danos, como o uso de insecticidas mais tóxicos pelo aparecimento de resistência ao Bt. Mesmo que tenham sido vítimas da contaminação indesejada a empresa detentora da patente geneticamente modificada (GM) tem direitos sobre toda a produção.



4. Impacto / Risco sobre o ecossistema e a agricultura
Os conhecimentos actuais sobre a genética são extremamente limitados, e a investigação realizada pelo mundo científico não conhece ainda os efeitos a longo prazo da libertação de OGM na natureza.
Têm sido apontados vários riscos potenciais associados às culturas GM, nomeadamente a contaminação, o aparecimento de insectos com resistências múltiplas e de superpragas, os impactes em espécies não-alvo, dependência e intensificação do uso de químicos. Alguns destes riscos já começaram, infelizmente, a manifestar-se. A experiência norte-americana de vários anos mostra que os cultivos GM produziram sérios problemas à agricultura: a contaminação de sementes e de culturas não GM, a maior dependência dos agricultores e a perda do seu direito de escolher livremente as práticas de cultivo, os problemas legais entre agricultores e entre agricultores e empresas, assim como o aparecimento de problemas de responsabilidade legal, entre outros. Em Espanha é muito difícil conhecer o impacte real das culturas GM, por falta de investigação e de acompanhamento independentes.
Alguns efeitos imprevistos nas plantas GM foram já detectados, mas outros poderão vir a manifestar-se consoante as situações de stress sofridas pelas plantas, alguns de imediato, outros ao cabo de várias gerações.



4.1 Contaminação
Os OGM podem contaminar a produção convencional e biológica, por razões de vária ordem, nomeadamente mistura de sementes durante o manuseamento mecânico, dispersão de pólen, transporte acidental de sementes por animais e maquinaria, controle ineficiente... A contaminação genética é muito diferente de outras formas de contaminação, devido ao seu potencial para multiplicar-se já que os microorganismos e as plantas GM crescem e reproduzem-se, por isso os danos causados pelos OGM no ambiente e na agricultura não se limitam apenas ao local onde foi introduzido.
São já inúmeros os casos conhecidos de contaminação, muitos provavelmente são desconhecidos por falta de análises. Eis alguns:
Nos EUA a contaminação da produção convencional por OGM é tal, que já não é possível obter sementes certificadas não-GM.
A Agência Francesa de Inspecção e Segurança Alimentar (AFSSA) detectou em 2001, a contaminação de milho com sementes GM. Pelo menos parte dessa contaminação era proveniente de testes de ensaios de campo.
Cerca de 100 agricultores no Piemonte italiano foram avisados em 2003 pelo seu governo de que estavam em situação ilegal, porque o milho não transgénico que semearam afinal estava contaminado por sementes transgénicas da Pioneer.
Em 2001 descobriu-se na Áustria que a variedade de milho convencional PR39D81 da Pioneer estava contaminada com duas variedades de milho transgénico. A empresa não explicou sequer a proveniência da contaminação.
A contaminação é preocupante tendo já atingido, inclusive, alguns bancos de germoplasma, como no já conhecido caso do México, último bastião dos milhos regionais.



4.2 Aparecimento de insectos resistentes e de super-pragas
Do ponto de vista ambiental e de rendimento dos agricultores, a perda de eficácia do glifosato e do Bt pode ser desastroso. A história demonstrou que a excessiva relevância numa única estratégia para o controlo de infestantes e insectos irão falhar a longo prazo. Em 1997, detectou-se nos EUA o primeiro caso de resistência duma praga ao cultivo de sementes transgénicas Bt.
Por outro lado, a manipulação genética pode provocar alterações na planta transgénica que podem atrair ou favorecer a proliferação de outros insectos prejudiciais para as culturas.
A menos que o agricultor decida manter para sempre a mesma cultura no mesmo terreno, ele terá de lutar contra as plantas “voluntárias” – plantas que germinaram mais tarde e que foram semeadas em épocas anteriores e que não germinaram nessa altura ou em resultado da queda de sementes da cultura anterior. No caso da cultura anterior ser TH o controle com herbicidas será mais difícil devido à sua resistência, ou seja, as culturas transgénicas TH constituem-se elas próprias infestantes às culturas seguintes.



4.3 Impacto em espécies não-alvo
A toxina Bt do milho GM não tem as mesmas propriedades da toxina na sua forma natural produzida pela bactéria. A segunda é inactiva, só se tornando activa em certas larvas, por isso só mata alguns insectos e degrada-se ao fim de 3 dias. Enquanto que a primeira é segregada na forma activa, pelo que pode afectar outras espécies não-alvo, nomeadamente insectos benéficos, animais insectívoros, como pássaros, para além de permanecer activa pelo menos durante 234 dias. Não há nenhuma informação oficial sobre estes efeitos em Espanha.
As consequências no solo podem incluir a diminuição do rendimento/produtividade, o surgimento de novas doenças nas plantas, uma menor tolerância à seca e o aumento da necessidade de fertilizantes ou outros factores de produção. Devido ao aumento do uso de herbicidas nas culturas TH, têm de ser consideradas as consequências associadas à sua toxidade.



5. Impacto sobre a pecuária
Apesar da maior parte das culturas GM comercializadas na América do Norte se destinarem à alimentação animal, praticamente não foram efectuados ensaios que estudassem os efeitos desta alimentação animal em porcos e outros animais de pecuária, antes da comercialização desses produtos de origem animal. Por isso, interessa particularmente registar os efeitos inesperados detectados pelos produtores pecuários desde a introdução dos OGM nas rações para animais.
Assim, têm sido relatados várias situações algumas, como por exemplo no estado de Iowa (EUA), em que vários suinicultores detectaram quebra acentuada da taxa de fertilidade, atingidos nalguns casos uma quebra de 80%, em suínos alimentados com o milho Bt; morte de animais, como: no estado de Andhra Pradesh, na Índia, durante Fevereiro e Março de 2006, morreram pelos menos 1820 ovelhas que pastaram em campos de algodão Bt, após a colheita, e, numa quinta em Woelfershire, na Alemanha, em que o agricultor nos anos de 2000 e 2001 apenas cultivou milho GM, verificou que as vacas adoeciam com mais frequência a partir do ano 2000 e no intervalo de 4 meses morreram 5 vacas e outras produziram menos leite e tiveram de ser abatidas; recusa em comer OGM, diminuição da produção de leite em vacas e diminuição da taxa de crescimento em gado, são outros efeitos relatados.



6. As empresas de seguros
As seguradoras na Alemanha, Suíça, Reino Unido e Bélgica já anunciaram publicamente que não fazem seguros agrícolas para culturas transgénicas. A empresa Lloyds exclui especificamente os OGM colocando-os na mesma categoria dos actos de terrorismo. Um responsável por uma seguradora britânica disse: “Há 50 anos atrás as seguradoras faziam seguros para o amianto sem qualquer preocupação – agora têm indemnizações de centenas de milhões de libras pela frente … há um sentimento muito claro de que os OGM podem vir a mostrar os seus efeitos negativos dentro de uns cinco anos.”
De facto, em Portugal como em toda a Europa, a indústria dos seguros considera existir nas culturas transgénicas uma margem de incerteza científica tal que condiciona o cálculo do risco e assim, também não é transferível a responsabilidade civil por esse risco.



7. OGM e o futuro
As empresas da biotecnologia estão a preparar para um futuro a curto, médio prazo a comercialização de novas espécies e variedades de alimentos transgénicos (como por exemplo: batata-doce, morangos, banana, café, ananás), árvores GM, a introdução do gene Terminador (de modo a que as sementes GM sejam estéreis) e ainda o cultivo de plantas alimentares GM, mas sem fins alimentares. A eventual introdução do gene Terminador pode aumentar ainda mais a dependência dos agricultores face às empresas de sementes, sendo imprevisíveis as suas consequências a nível ambiental. O cultivo de plantas alimentares sem fins alimentares, num novo conceito de agricultura que dá pelo nome de biofábrica, para produzir vacinas, hormonas, vários medicamentos e também novos tipos de plásticos, lubrificantes e outros compostos industriais, poderão ter riscos ainda maiores do que os do cultivo de OGM com fins alimentares, pois para além do seu impacto no Ambiente há um risco acrescido para a saúde humana e animal devido à possível contaminação destas culturas com as culturas com fins alimentares, transgénicas ou não.



8. Considerações finais
Apesar de não haver ainda muita informação científica credível disponível, os defensores dos OGM socorrem-se das estatísticas das áreas de cultivo para suportar os seus benefícios, o que é extremamente limitado e insuficiente. No entanto, cruzando informação de várias fontes, nomeadamente de fontes oficiais, de relatórios de Organizações Não Governamentais, de estudos independentes, de testemunhos de agricultores, entre outras, é já possível tirar as primeiras conclusões sobre a primeira década de cultivo de OGM.
Dado que os OGM são sementes patenteadas (as empresas privatizam um recurso de toda a humanidade para seu benefício económico, como se o tivessem inventado), o risco de contaminação gerou uma preocupação quanto à incerteza de quando a indústria de biotecnologia acusa o agricultor convencional ou biológico de cultivar OGM sem licença, e ainda, ficam os agricultores impedidos de guardarem sementes, ano após ano, para a sementeira seguinte, perdendo o seu direito milenar a guardar sementes. Para além disso, os OGM podem criar uma dependência económica relativamente aos fornecedores de sementes e/ou pesticidas, devido ao aparecimento de resistências.
O mercado de alimentos não transgénicos é uma oportunidade de negócio que só os países e regiões que se mantenham livres de transgénicos podem continuar a dar garantias de produtos livres de transgénicos, dado que a coexistência é praticamente impossível de assegurar.
A adopção de melhores práticas agrícolas, como por exemplo a protecção integrada, e agricultura biológica, que só recentemente começou a dar os primeiros passos, com vista à conservação de recursos, diminuição do uso de pesticidas, melhoria do rendimento e cativar uma mais-valia no mercado, podem ser fortemente abaladas pelos OGM, ao sofrerem contaminação, uma vez que não há um regime de responsabilidade por parte da indústria e dos agricultores de OGM para pagar as medidas de protecção e indemnização em caso de contaminação.

Maio 2006
Plataforma Transgénicos Fora do Prato
Apartado 5052, 4018-001 Porto e.mail: info@stopogm.net

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