A recusa da realização de uma avaliação de impacte ambiental (AIA) por parte do Governo português, no processo de renovação da autorização concedida em 2007 às empresas ENI e Galp para um furo de prospecção de hidrocarbonetos ao largo de Aljezur, tem provocado um justificado coro de protestos, exigindo nomeadamente a demissão do ministro do Ambiente e de outras figuras ligadas a departamentos técnicos do ministério.
Contudo, o que está em causa é muito mais do que a mera continuidade do posto de um qualquer ministro. O que nos preocupa como cidadãos é a forma de fazer política por parte deste Governo no seu conjunto, enfraquecendo a qualidade da nossa democracia.
O que o furo de Aljezur significa é que, apesar de o país ter alegadamente “virado a página da austeridade”, Portugal continua a tomar decisões políticas numa perigosa metodologia de caso a caso, sem fundamentação rigorosa com base em informação técnica e científica, sem horizonte estratégico e coerência interdepartamental, e ignorando de modo ostensivo a opinião de dezenas de milhares de cidadãos que, por iniciativa própria, ou integrados em associações cívicas ou organizações profissionais e empresariais, têm procurado contribuir, generosamente, para um desenlace justo e construtivo deste processo.
Com efeito, a decisão do Governo revela:
Ausência de uma política energética coerente e de longo prazo. Uma política progressivamente baseada em fontes renováveis, capaz de estar à altura dos compromissos internacionais assumidos no combate às alterações climáticas com a aposta numa economia descarbonizada, em consonância com o Acordo de Paris e os objectivos da União Europeia.
Incapacidade de defender a marca de um Portugal moderno e sustentável. Numa altura de transição energética para a sustentabilidade, ao fazer embarcar o país nos riscos inerentes à extracção off-shore de hidrocarbonetos, ainda por cima na posição subalterna de fornecedor de matéria-prima, o Governo está a ferir a nossa vantagem competitiva em vários aspectos. Referimo-nos à modernização e inovação do seu tecido económico em todos os sectores, à aposta nas renováveis, à qualidade do seu ambiente, à beleza da sua paisagem, ao profissionalismo da sua indústria turística – aspectos que lhe têm granjeado notoriedade, como o provam, de modo eloquente, o nosso PIB e a nossa balança comercial.
Desprezo pela política de ambiente como critério de civilização. O Governo deveria ser a primeira instituição a saber e a tentar corrigir as imensas falhas no conhecimento e ordenamento do território, que são particularmente evidentes no imenso espaço marítimo da nossa Zona Económica Exclusiva. A dispensa da AIA num país que em 2017 concedeu 440 milhões de euros de isenções fiscais aos combustíveis fósseis, segundo palavras do próprio ministro do Ambiente, num país que continua a descapitalizar orçamentalmente os organismos dedicados à administração e protecção ambiental, é incompreensível e portanto inaceitável.
Preferência pela política de opacidade negocial que lançou a vergonha sobre Portugal. Para além da sua dimensão ambiental, a AIA seria um sinal positivo de que o actual Governo pretende caminhar demarcando-se em relação ao passado recente. Sabemos hoje que contratos opacos e secretos, como aquele que foi assinado em 1 de Fevereiro de 2007 entre a ENI e a Galp e o Estado português representado por José Sócrates e Manuel Pinho – precisamente o contrato que deu origem ao problema do furo de Aljezur –, são caldos de cultura da corrupção, que se traduz hoje na dívida colossal herdada pelas gerações futuras resultante da inqualificável série de Parcerias Público-Privadas (PPP) ruinosas para o interesse público, contratadas por governos anteriores.
Os signatários deste Manifesto são cidadãos livres, que se uniram por razões cívicas e imperativos de consciência. Não estamos ao serviço de nenhum partido, de nenhuma igreja e de nenhum potentado económico ou financeiro. Estamos preocupados com o futuro dos nossos filhos e netos, num mundo cada vez mais vulnerável e num Portugal que continua demasiado frágil.
A decisão de autorizar o furo de Aljezur é um mau sinal. Ele revela que até este momento, o Governo coloca a “estabilidade” de um contrato opaco e obscuro, com uma indústria cada vez mais obsoleta e ligada a uma actividade danosa, à frente da Constituição e do seu artigo 66.º que reconhece: “Todos têm o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.” Deixar os combustíveis fósseis, eventualmente existentes em Portugal ou em qualquer parte do mundo, por explorar, constitui hoje um acto moral e portanto político, porque temos consciência do impacto nefasto da sua queima para o agravamento das alterações climáticas, particularmente em Portugal, onde este aquecimento anormal potencia fogos florestais descontrolados.
Exigimos que a prioridade do interesse público seja reposta! Exigimos ao senhor primeiro-ministro que seja coerente com as afirmações que proferiu em Marraquexe em 2016, e com o compromisso de Portugal com o Acordo de Paris! Exigimos ao senhor primeiro-ministro que mande cancelar o contrato que permite ao consórcio ENI/Galp a prospecção de hidrocarbonetos ao largo de Aljezur!
Nós, os signatários deste documento, não abdicaremos dos nossos direitos constitucionais.
Adelino Gomes, jornalista; Alexandra Lucas Coelho, escritora e jornalista; Álvaro Garrido, prof. Universitário; Ana Benavente, prof. Universitária; Ana Drago, socióloga e investigadora; Ana Nunes de Almeida, prof. universitária, presidente do Conselho Científico do ICS; Ana Zanatti, actriz e escritora; André Freire, prof. universitário; António Araújo, jurista e historiador; António Betâmio de Almeida, prof. emérito do IST; António-Pedro Vasconcelos, cineasta; Boaventura Sousa Santos, prof. catedrático jubilado; Bruno Fialho, vice-presidente do SNPVAC; Carla Amado Gomes, prof. universitária (ICJP) e investigadora (CIDP); Carlos da Câmara, prof. Universitário; Carlos Fiolhais, físico, prof. universitário e ensaísta; Carlos Pimenta, empresário e ex-secretário de Estado; Catarina Albuquerque, relatora especial da ONU; Catarina Roseta Palma, economista e prof. universitária; Cláudio da Silva, actor; Fausto Bordalo Dias, compositor e cantor; Filipe Duarte Santos, prof. emérito da Universidade de Lisboa; Francisco Abreu, editor; Francisco Faria Paulino, coronel da Força Aérea Portuguesa (reforma); Francisco Ferreira, prof. universitário; Francisco Louçã, economista e político; Francisco Teixeira da Mota, advogado; Gil Penha Lopes, prof. universitário; Hélder Costa, autor, actor e encenador; Helena Freitas, prof. universitária e política; Irene Flunser Pimentel, historiadora; João Luís Carrilho da Graça, arquitecto; Joaquim de Almeida, actor; José Castro Caldas, prof. universitário; José Osório, engenheiro electrotécnico; José Viriato Soromenho-Marques, prof. catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; José Vítor Malheiros, jornalista; Júlia Seixas, prof. universitária e investigadora; Lídia Jorge, escritora; Luís Ribeiro, prof. universitário do IST; Luís Tinoco, compositor; Luisa Costa Gomes, escritora, dramaturga e tradutora; Luísa Schmidt, socióloga e investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Manuela Silva, prof. universitária; Margarida Magalhães Ramalho, historiadora; Maria do Rosário Gama, prof. aposentada e presidente da Associação APRe!; Maria José Melo Antunes, MBA Finanças; Maria Luísa Ribeiro Ferreira, prof. catedrática de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Maria Manuel Mota, cientista e investigadora principal na Unidade de Malária no IMM; Pedro Abrunhosa, músico; Pedro Bacelar de Vasconcelos, prof. universitário; Pilar del Rio, jornalista; Ricardo Paes Mamede, economista e prof. universitário; Rui Horta, coreógrafo; Sérgio Godinho, músico; Teresa Calém, artista plástica; Viriato Soromenho-Marques, prof. catedrático; Vitor Cóias e Silva, engenheiro, membro da Assembleia de Representantes da Ordem dos Engenheiros
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