terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Pedro Abrunhosa- retrato real do País


Primeiro ignorei. Mas a coisa foi-se agigantando de tal forma, à boa maneira da tão Tuga cultura da Inveja, que se tornou boa demais para a guardar só para mim.
Vamos aos factos: em Outubro de 2022 fiz uma curta, mas muito eficaz digressão internacional, como faço ciclicamente, tendo convidado o Grupo Etnográfico Cantadores de Pias, liderados por Paulo Ribeiro, para me acompanharem desta vez. Lotámos as salas mais emblemáticas de Londres, Paris, Bruxelas e Luxemburgo. A magnificiência, a beleza pura do Cante Alentejano, pela voz destes 27 incríveis cantores, conquistava o coração da Europa. Sucesso total. Milhares de pessoas puderam entender a razão pela qual o Cante foi tão justamente elevado a Património da Humanidade pela UNESCO.
Como é meu hábito, e porque me cumpre, como a todos nós, defender e dignificar o meu país seja a que preço for, levei a cabo esta operação integralmente custeada pelo meu bolso. É minha obrigação sustentar os meus devaneios artísticos e sempre obtive para mim, e para Portugal, o melhor proveito possível. Muitas vezes, como foi este o caso, o prejuízo financeiro é compensado pela satisfação e, porque não dizê-lo, pelo prestígio de concretizar algo Profundo. Fazer dialogar as minhas canções com modas tradicionais alentejanas pareceu-me uma oportunidade imperdível para sustentar a tese de que a Música é a linguagem dos homens que mais fronteiras derruba. Mais: tendo eu convidado ao longo dos anos para pisar o palco comigo os melhores músicos de Jazz e Funk norte-americanos, como o caso de Maceo Parker, de Country, Lucinda Williams, da música Brasileira, Maria Bethania, Caetano Veloso, Ney Matogrosso, do Flamenco Andaluz, El Duquende, da música francesa, Carla Bruni, entre muitos outros, achei que o Património da Humanidade do meu país não ficaria mal representado se o convidasse para o meu palco.
Regressados a Portugal com os ecos do impacto que tivéramos na Europa, achei que poderíamos, e deveríamos, levar mais longe a nossa ousadia. Buenos Aires, Nova Iorque, Rio de Janeiro, Sao Paulo, Tóquio, Estocolmo, Oslo, Berlim, Amsterdão, num total de vinte cidades, afiguram-se destinos óbvios para tão feliz e bem sucedida ligação. Porque sozinho já não poderei custear tal operação, dado que, para além dos 27 cantadores de Pias, teria que levar 1 músico e 5 técnicos, num total de 33 pessoas, atrevi-me a pedir à Direcção de Turismo do Alentejo que me ajudasse a fazer o levantamento de eventuais entidades, privadas ou públicas, que quisessem colaborar da maneira que entendessem em levar adiante tal empreitada.


Para tal, tive uma reunião prévia de 40 minutos, apenas consultiva, com o Turismo do Alentejo, em Beja. A única conclusão desse encontro foi que era necessário desenvolver um documento claro, exaustivo e transparente, para apresentar a instituições múltiplas. E a coisa ficou por aqui. Ou ficaria.
É preciso relembrar que Portugal aguentou, e muitas vezes colaborou, com um sistema de nacional-chibismo que permitiu à Inquisição queimar centenas de vítimas e à PIDE ter um esbirro em cada associação. De repente, sabe-se lá indigitado por quem, eu já era ‘Embaixador do Cante Alentejano’ e, provavelmente, deveria estar a receber por debaixo da mesa milhões de euros que gastaria em passeios no meu opulento veleiro fundeado no cais de Beja. Eu, ímpio estrangeiro, como me podia permitir tocar no sacrossanto Cante?
Essa Arte sublime, o maravilhoso Cante Alentejano, é afinal, para alguns iluminados, uma posse, uma coisa parada, uma cena de vitrine, adereço de enfeite prisioneiro das fronteiras da mesquinhez. Para estes novos-inquisidores do reino dos parolos, o merecidíssimo título de Património da Humanidade é, afinal, um estorvo. Com este tipo de ‘defensores’ o Cante não precisa de inimigos..
Um gajo do Porto ri-se disto. E provavelmente o Alentejo e os meus queridos companheiros Alentejanos, rir-se-ão também. Uma das razões pelas quais este país tem perdido oportunidades soberanas de sair do provincianismo é esta: os que vivem sentados, encostados ao ‘opinismo’ de teclado, incapazes de se mexerem para concretizar algo que seja pelo seu país, afastam aqueles que concretizam, os que tem sangue na guelra e não se contentam com o medíocre quando podem criar o excelente.
Não sei em que é que isto vai ficar. Se desista de levar o encantamento secular do Cante Alentejano ao público que, pelo mundo, tem acompanhado generosamente as minhas aventuras artísticas ao longo de três décadas. A ver vamos.
Uma palavra final: ao Alentejo e aos Alentejanos, o meu sentido, comovido agradecimento pela Luz que tem transmitido a todo o país através da vossa incrível Música.
Que melhor maneira há para explicar, a quem não conhece, de que é feito o Chão de Portugal? Viva o Alentejo!
Pedro Abrunhosa
Porto, 14,Janeiro, 2023

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