sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Fogo-de-artifício: A mais vistosa ameaça para o clima e a saúde

Para que todos os dias avancemos com um bom passo:
Nem tudo o que é belo é bom.
Talvez interiorizando que é nefasto, passemos a deixar de considerar belo.
Falo do fogo-de-artifício. Deslumbrante. Maléfico. O futuro de festividades já é hoje. Vamos reduzir ao mínimo o fogo de artifício...


Aqui está porquê (Fonte: DN, 2019):

De Norte a Sul do país, mais as ilhas, milhares de pessoas aguardam por aquela que é considerada a melhor diversão do ano. Na passagem de 2019 para 2020, no Terreiro do Paço, em Lisboa, estão prometidos 15 minutos de fogo-de-artifício. Cacilhas junta-se à grande festa do réveillon do Tejo com dez minutos de espetáculo. Na Avenida dos Aliados, Porto, estão anunciados 16 minutos, e na Praça do Forte, Figueira da Foz, outros 10 minutos; tantos quantos os esperados na Praia dos Pescadores, Albufeira. Já na Madeira, a festa de pirotecnia que celebra a chegada do novo ano terá a duração de oito minutos, a partir de 38 postos de lançamento de fogo em terra e no mar.

Muitos deliram com o momento, e há quem acredite até que a ausência de fogo será o prenúncio de um mau ano. Recorde-se, por exemplo, a contestação dos portuenses na passagem de 1999 para 2000 na Cidade Invicta, quando o fogo-de-artifício previsto para a Avenida dos Aliados teimou em não sair na sequência de um problema técnico. Um réveillon que ficou cunhado como um fiasco. Contudo, esta é uma festa que pode custar caro à nossa saúde.

Os fogos-de-artifício causam uma elevada poluição atmosférica num curto período de tempo, deixando partículas de metal, toxinas perigosas, produtos químicos nocivos e fumo a pairar no ar. Algumas destas toxinas nunca chegam a decompor-se completamente, permanecendo no ambiente e envenenando tudo o que contactam. As principais consequências para a saúde humana, decorrentes da proliferação destas partículas, principalmente as finas (com menos de 2,5 milionésimos de metro), são as doenças respiratórias e cardiovasculares, englobando principalmente ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais (AVC), segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA).

Num curto período de tempo, os fogos-de-artifício espalham cerca de cinco mil toneladas de partículas finas, responsáveis por aproximadamente 400 mil mortes por ano na Europa, de acordo com estimativas atuais. Apenas na Alemanha, a poluição proveniente deste espetáculo equivale a cerca de um quinto das partículas finas emitidas nas ruas, principalmente pelos carros.

Esta situação pode ser tão perigosa que os médicos recomendam o uso de máscaras, para proteger da poluição. "Respirar partículas finas põe em perigo a saúde das pessoas, com repercussões que vão desde deficiências temporárias do sistema respiratório a uma maior necessidade de medicamentos para asmáticos com doenças respiratórias ou cardiovasculares graves", segundo a agência ambiental alemã.

Os fogos-de-artifício causam uma elevada poluição atmosférica num curto período de tempo, deixando partículas de metal, toxinas perigosas, produtos químicos nocivos e fumo a pairar no ar

Espetacular, mas tóxico
Existem exemplos bem documentados, como é o caso da Festa de São João, em Girona (Espanha), ou na Índia, aquando do festival das luzes (Diwali), que causa uma poluição atmosférica muito pior do que o registado em Pequim nos piores dias. E, claro, o que sobe tem de descer. O remanescente que cai no chão contém resíduos de propulsores e corantes não queimados, enquanto as partículas expelidas no ar acabam por se depositar nos solos ou são levadas pelas chuvas, em direção aos lagos e rios, onde as infiltrações já foram associadas a problemas de tiroide.

Francisco Ferreira, da associação Zero, corrobora este problema. Em declarações ao Diário de Notícias, enfatizou que o fogo-de-artifício tem efeitos particularmente nocivos na qualidade do ar, com repercussões dramáticas para a saúde. Os níveis de partículas finas na atmosfera chegam a triplicar em épocas festivas. "Há estudos que relacionam a exposição a estas partículas, mesmo que durante curtos períodos, como nos espetáculos de pirotecnia, a maiores índices de mortalidade e morbidade."

Importante ainda considerar as condições meteorológicas, acautela. "Se houver pouco vento, a dispersão das partículas será menor, logo, os valores de contaminação no ar serão mais elevados", enfatiza. De acordo com o ambientalista, os maiores riscos associados ao fogo-de-artifício são mesmo para a saúde pública. As partículas maiores permanecem nas vias respiratórias superiores, não sendo tão problemáticas. Já as finas, chegam aos pulmões, estando associadas a graves problemas de saúde, adverte.

Depois, há ainda a influência na camada do ozono e a poluição sonora, mas esta, segundo Francisco Ferreira, é quase negligenciável. Relativamente à última, destaca, o impacto do ruído não é considerável, uma vez que "as pessoas já estão à espera dele, e o nosso organismo reage de forma controlada, em tudo diferente quando acontece uma explosão não anunciada".

"Se houver pouco vento, a dispersão das partículas será menor, logo, os valores de contaminação no ar serão mais elevados", diz Francisco Ferreira, da Zero

História: Da pólvora ao advento da química moderna
O início do uso de pirotecnia não é fácil de precisar, mas pensa-se que tenha acontecido na Ásia, na Pré-História. Mas, seguramente, há provas de que a pólvora foi fabricada pela primeira vez na China há cerca de 2000 anos, quando um alquimista juntou acidentalmente salitre (nitrato de potássio) com enxofre e carvão; mistura que ficaria conhecida como pólvora ("fogo químico"). Já o fogo-de-artifício data de alguns milhares de anos a.C., numa época muito anterior à descoberta da pólvora. Terá surgido quando se descobriu que canas de bambu ainda verdes explodiam em contacto com o fogo. De início foi o susto, mas os chineses acostumaram-se e tomaram-lhe o gosto. Começaram a atirar caules verdes de bambu (pao chuck) para as fogueiras em épocas festivas. O objetivo? Afugentar os maus espíritos. Dois mil anos depois, observaram que ao rechear as canas de bambu com o já conhecido "fogo químico", o estrondo resultante era muito maior. Foram os primeiros fogos de artificio a serem fabricados como hoje os conhecemos.

O domínio da pirotecnia, circunscrito à China, e mais tarde alastrado à Índia, chegou à Europa através dos árabes e gregos. Posteriormente, os alquimistas islâmicos adicionaram sais oxidantes de potássio, e ainda magnésio e alumínio. Metais que conferiam um brilho nunca antes visto e um variado número de efeitos luminosos. Com o advento da química moderna e a descoberta das suas leis, muitos elementos foram estudados, assim como as suas reações. De lá para cá, diversos efeitos visuais foram acrescentados ao fogo de artifício através da mistura de diferentes substâncias, como:

Nitrato + carbonato ou sulfato de estrôncio = vermelho

Nitrato + clorato ou carbonato de bário = verde

Oxalato ou carbonato de sódio = amarelo

Carbonato ou sulfeto de cobre + cloreto mercuroso (calomenano) = azul

Apesar de existirem vários tipos de fogo, e os seus efeitos dependerem da composição ou estrutura da peça, todos são construídos com fundamento num mesmo princípio: armazenar o máximo de energia num mínimo espaço.

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