Tradução de Ana Pacheco
Original
The EU Must Fight the Collapse of BiodiversityOs trabalhos de Charles Darwin sobre biologia evolutiva, com a aplicação do principio da selecção natural: “sobrevivência do mais apto” inspiraram uma série de ideologias e actividades humanas que vão desde o fascínio fascista pela eugenia e pureza de raça, ao desenvolvimento de organismos geneticamente modificados na agricultura e à economia “Laissez-faire”.
A mentalidade da sobrevivência do mais apto continua muito viva na geopolítica de hoje. A centralização de poder foi racionalizada, como um meio natural de segurança, que, por sua vez, exige competição por recursos e ideologias opostas.
Actualmente, as ilhas Galápagos, um ecossistema com elevada biodiversidade, onde Darwin efectuou a sua pesquisa, sofrem com a sobrepesca das frotas pesqueiras chinesas que saqueiam as áreas marinhas ao seu redor, numa flagrante demonstração de poder. Com esta actuação, a China contribui para a destruição do oceano, que abriga espécies criticamente importantes, como os tubarões-martelo, alterando toda uma cadeia alimentar onde a humanidade se inclui.
Este exemplo não é apenas um evento isolado. Na verdade, a destruição da biodiversidade passou a ser a norma. Os humanos causaram o desaparecimento de 83% dos mamíferos selvagens, e 50% das plantas, nas últimas quatro décadas. Acresce que, ainda mais impressionante, o último relatório da Plataforma Intergovernamental para a Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES) anunciou que teve início a sexta extinção em massa do planeta. Como mostra a revisão de Dasgupta, esta extinção está directamente relacionada com a aceleração da globalização económica actual.
De salientar que uma extinção em massa não se limitaria aos reinos vegetal e animal. Como humanos é fundamental que entendamos a nossa pertença e interdependência à natureza, se quisermos salvar a humanidade da fome, do colapso civilizacional e da extinção.
Porquê que a biodiversidade é importante?
Biodiversidade é vida.
A maioria das pessoas demonstra um grande desconhecimento acerca da biodiversidade que os rodeia: que uma complexa ligação de plantas e insectos acarreta a polinização das plantas, que por sua vez produz alimentos. Espécies chave – animais que têm um papel central em determinados ecossistemas, como os castores que projectam paisagens, regulam fluxos de água e contribuem para a filtração da mesma. O fitoplâncton e a vegetação marinha e terrestre usam o dióxido de carbono para a produção de oxigénio. Certas espécies de animais e plantas que participam na despoluição de solos, enquanto outras o descompactam, permitindo o estabelecimento de vida. Os mangais que protegem os litorais de inundações e tempestades devastadoras, ao mesmo tempo que alimentam a vida marinha.
Individualmente, as espécies desempenham funções cruciais no solo, subsolo, nas profundezas oceânicas e em diversas paisagens terrestres. Juntas, cada espécie complementa outras, colaborando de forma interdependente para o benefício comum dentro dos ecossistemas e entre ecossistemas. Em suma, a biodiversidade é a base da resiliência ecossistémica, que é essencial para combater as mudanças climáticas.
A biodiversidade é essencialmente uma arte e ciência da natureza. É informação em movimento e inteligência dos modelos, cores, formas, texturas, cheiros e aprendizagem. É a própria evolução, e nós fazemos parte dela. As culturas humanas costumam emanar de bio-regiões, resultando em diferentes hábitos alimentares, arquitecturas e negócios económicos. O termo francês “terroir” integra este conceito na perfeição: a cultura que exerce a sua força sobre os ecossistemas, criando uma economia e pessoas resilientes.
A Visão Global da Biodiversidade
Contudo, dois fenómenos interligados estão a enfraquecer as culturas humanas e a biodiversidade natural. Primeiro, a globalização económica que favorece as economias de escala em relação à produção tradicional. Para tal, contribuem os fortes benefícios macroeconómicos, que produzem efeitos colaterais: padronização, uma vez que, os humanos precisam de forma crescente de solo para as suas monoculturas, e urbanização, dependente da forma como a economia desenvolve os sectores industriais e de serviços. Como resultado temos a invasão exponencial humana dos habitats naturais.
O segundo fenómeno é a uniformização das técnicas agrícolas de cultivo. Estas aumentaram significativamente após a Segunda Guerra Mundial e com a Revolução Verde (na qual os países em desenvolvimento começaram a usar pesticidas e culturas de elevado rendimento), assim como, o uso de poluentes e combustíveis fósseis. Como consequência, este comportamento acarretou um ataque aos solos e à água das quais a biodiversidade depende. Com o tempo, esta uniformização enfraqueceu a saúde dos ecossistemas em todo o mundo, degradando a sua capacidade de armazenar carbono, água e vida. Para os humanos, isto significa que a água está poluída e que as cadeias alimentares estão contaminadas. Como resultado, os alimentos são menos nutritivos, porque os solos perderam nutrientes que a biodiversidade produz.
Além destes fenómenos decorrentes do crescimento económico e das estratégias de desenvolvimento, a biodiversidade passou a ser um objecto directo de consumo. Como as espécies-chave, exemplo dos tigres, leões e elefantes, que são cada vez mais raras, também é mais lucrativo caçar. Em 2014, a Interpol alertou que o tráfico de animais selvagens se tornou a quarta actividade mais lucrativa em todo mundo – correspondendo a cerca de 15 mil milhões de euros anuais em receitas. Este sector ilegal combina altos níveis de violência com corrupção, resultando em abusos sistémicos dos direitos humanos de defensores ambientais e comunidade indígenas. Em 2017, cerca de quatro defensores ambientais foram mortos por semana. Com eles, o conhecimento precioso para redesenhar de forma sustentável os habitats humanos foi perdido.
Todas estas questões estão intrinsecamente ligadas a níveis crescentes de desigualdade económica. Na verdade, a desigualdade realmente prevê a perda de biodiversidade. Este é um aviso severo: a padronização económica não apenas despojou os ecossistemas da sua vitalidade, como também despojou as comunidades humanas da sua capacidade de administrar a natureza e contribuir para a sua complexidade. Para ilustrar, os acordos de livre comércio entre a Europa e os países latino-americanos promovem produções em grande escala que invadem os ecossistemas locais e os meios de subsistência tradicionais. Isso reduz os preços das culturas tradicionais e empurra os agricultores para a pobreza, ao mesmo tempo que estimula a dependência económica de aportes agroquímicos. Na verdade, não há nada de gratuito ou libertador neste tipo de actuação.
O resultado? Desintegração social e ecológica. Quanto mais a política falha em reconhecer os fundamentos aberrantes sobre os quais se sustenta, mais rápido irá gerar conflito a várias escalas.
Qual o papel da União Europeia neste contexto?
Para que a UE tenha sucesso na luta concomitante contra as alterações climáticas e o colapso da biodiversidade, deve abordar os fatores fundamentais da desintegração ecológica. O Acordo Verde da UE é um passo significativo na direção certa. Ainda está em fase de desenvolvimento estratégico, para o qual o setor de política externa deve contribuir de forma proactiva e construtiva. Algumas áreas já precisam de mais atenção e maior priorização.
A biodiversidade, a economia circular e as estratégias do campo à mesa devem ser apoiadas pela reforma de antigos mecanismos como a Política Agrícola Comum (PAC), que em seu estado actual mina a credibilidade do Acordo Verde quer na Europa, quer nos restantes países fora da Europa. A PAC na Europa é o principal motor da perda de biodiversidade e um dos principais contribuintes para as emissões de dióxido de carbono. O próximo quadro financeiro plurianual deve fornecer incentivos robustos para mudanças sistémicas em direção a abordagens agroecológicas e restauração de ecossistemas.
Acresce que, a PAC incentiva a concorrência desleal com parceiros em todo o mundo, incluindo países da África Ocidental. Em Burkina Faso, a PAC pode diminuir a contribuição dos meios de subsistência tradicionais para a economia nacional e criar pobreza desnecessária, pois os produtos europeus subsidiados inundam os mercados e automaticamente excluem os produtores de leite, por exemplo. Na melhor das hipóteses, a UE é uma celebração da diversidade em todas as suas formas. Portanto, deve também celebrar as paisagens produtivas da biodiversidade como um marco político em seus investimentos internos e externos.
Num mundo onde a competição geopolítica leva países e povos a saquear a natureza, é essencial que a UE construa a sua reputação como parceiro de política externa, que apoia novos contratos socio-ecológicos a nível mundial. Devemos mapear e reconhecer as interdependências ecológicas que regulam o nosso planeta, e então governar de acordo com elas. Devemos alinhar políticas, investimentos e projetos com a gestão social e económica da natureza. A UE deve investigar como conceber a sua política externa de forma a preservar, regenerar e institucionalizar a saúde dos ecossistemas locais ao longo dos seus compromissos diplomáticos. Assumir este compromisso também implica habilitar ou incentivar os sistemas sociais e políticos a assumirem uma função de administração do seu ambiente natural, por exemplo, fortalecendo os direitos humanos e ambientais em conjunto.
A UE também deve contribuir urgentemente para tornar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) das Nações Unidas mais coesos em questões ambientais. Um estudo recente demonstra que as metas ambientais dos ODS não preservam a biodiversidade. Em vez disso, distorcem os dados em direção a indicadores socioeconômicos que promovem o progresso em detrimento da natureza. O financiamento de desenvolvimento da Europa deve resolver esse problema.
Finalmente, dentro do Acordo Verde, a UE deve ser extremamente cuidadosa para não comparar o clima com as metas ambientais. É cada vez mais claro que a tecnologia digital europeia e as ambições verdes dependem das atividades de mineração que terão efeitos negativos nos principais ecossistemas que regulam o clima. A menos que a UE invista em maior pesquisa e desenvolvimento de novas baterias, a demanda industrial e popular por extração mineral levará rapidamente a UE a ultrapassar as fronteiras planetárias - limites naturais essenciais cuja extensão levaria a danos dramáticos e irremediáveis a uma escala global.
2 comentários:
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