Uma pesquisa publicada na revista Science oferece a imagem mais clara até agora das consequências do declínio de mamíferos terrestres nas teias alimentares nos últimos 130 mil anos. A foto não é nada bonita. |
lustração representando todas as espécies de mamíferos que habitariam o sul da Califórnia (topo), Nova Gales do Sul, Austrália (centro) e Colômbia central (esquerda) hoje, se não fossem as reduções e extinções ligadas ao homem desde o final do Pleistoceno até o presente. Crédito: Oscar Sanisidro/Universidade de Alcalá |
“Enquanto cerca de 6% dos mamíferos terrestres foram extintos nesse período, estimamos que mais de 50% das ligações da teia alimentar dos mamíferos desapareceram”, disse o ecologista americano Evan Fricke, principal autor do estudo. “E os mamíferos com maior probabilidade de declínio, tanto no passado quanto agora, são fundamentais para a complexidade da teia alimentar dos mamíferos.”
Uma teia alimentar contém todas as ligações entre predadores e suas presas em uma área geográfica. As teias alimentares complexas são importantes para regular as populações de forma a permitir a coexistência de mais espécies, apoiando a biodiversidade e a estabilidade do ecossistema. Mas o declínio de animais pode degradar essa complexidade, minando a resiliência do ecossistema.
Interações predador-presa
Embora o declínio de mamíferos seja uma característica bem documentada da crise da biodiversidade – com muitos mamíferos agora extintos ou persistindo em uma pequena porção de suas áreas geográficas históricas –, não ficou claro o quanto essas perdas degradaram as cadeias alimentares do mundo.
Para entender o que foi perdido das teias alimentares que ligam os mamíferos terrestres, Fricke liderou uma equipe de cientistas dos Estados Unidos, da Dinamarca, do Reino Unido e da Espanha usando as mais recentes técnicas de aprendizado de máquina para determinar “quem comeu quem” de 130 mil anos atrás para hoje. Fricke conduziu a pesquisa durante uma bolsa de estudos na Universidade Rice (EUA) e atualmente é pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, nos EUA).
Usando dados de observações modernas de interações predador-presa, Fricke e seus colegas treinaram seu algoritmo de aprendizado de máquina para reconhecer como as características das espécies influenciavam a probabilidade de uma espécie atacar outra. Uma vez treinado, o modelo pode prever interações predador-presa entre pares de espécies que não foram observadas diretamente.
“Esta abordagem pode nos dizer quem come quem hoje com 90% de precisão”, disse a ecologista Lydia Beaudrot, da Universidade Rice, autora sênior do estudo. “Isso é melhor do que as abordagens anteriores foram capazes de fazer, e nos permitiu modelar interações predador-presa para espécies extintas.”
Colapso em câmara lenta
A pesquisa oferece uma visão global sem precedentes da teia alimentar que ligava os mamíferos da era do gelo, afirmou Fricke, bem como como seriam as teias alimentares hoje se tigres-dente-de-sabre, preguiças gigantes, Thylacoleos (leões marsupiais) e rinocerontes-lanudos ainda vagassem ao lado dos mamíferos sobreviventes.
“Embora os fósseis possam-nos dizer onde e quando certas espécies viveram, essa modelagem nos dá uma imagem mais rica de como essas espécies interagiam umas com as outras”, disse Beaudrot.
Ao mapear as mudanças nas teias alimentares ao longo do tempo, a análise revelou que as teias alimentares em todo o mundo estão entrando em colapso devido ao declínio dos animais.
“A modelagem mostrou que as teias alimentares de mamíferos terrestres se degradaram muito mais do que seria esperado se espécies aleatórias tivessem sido extintas”, observou Fricke. “Em vez de resiliência sob pressão de extinção, esses resultados mostram um colapso em câmera lenta da teia alimentar causado pela perda seletiva de espécies com papéis centrais na teia alimentar.”
Nem tudo está perdido
O estudo também mostrou que nem tudo está perdido. Enquanto as extinções causaram cerca de metade dos declínios relatados na teia alimentar, o restante resultou de contrações nas áreas geográficas das espécies existentes.
“Restaurar essas espécies em suas áreas históricas tem um grande potencial para reverter esses declínios”, disse Fricke.
Ele disse que os esforços para recuperar espécies nativas de predadores ou presas, como a reintrodução do lince no Colorado, do bisão-europeu na Roménia e da marta-pescadora no estado de Washington (EUA), são importantes para restaurar a complexidade da cadeia alimentar.
“Quando um animal desaparece de um ecossistema, sua perda reverbera na teia de conexões que ligam todas as espécies desse ecossistema”, disse Fricke. “Nosso trabalho apresenta novas ferramentas para medir o que foi perdido, o que mais podemos perder se espécies ameaçadas forem extintas e a complexidade ecológica que podemos restaurar através da recuperação de espécies.”
Fonte: Revista Planeta
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