sábado, 27 de janeiro de 2024

Portugueses vão investigar alterações climáticas na Antártica a bordo de veleiro


Uma expedição científica portuguesa vai levar, em fevereiro, 11 investigadores de três universidades portuguesas, uma espanhola e outra chilena, até à Península Antártica para estudar os efeitos das alterações climáticas nas zonas costeiras da região.

Pela primeira vez, na fronteira entre o mar e a terra, durante 15 dias, uma expedição científica portuguesa vai estar a bordo de um veleiro de 24 metros, capaz de fazer chegar os investigadores até às baías da Península Antártica de mais difícil acesso.

Durante duas semanas, o El Doblón, veleiro turístico alugado para a missão, será o novo laboratório de uma equipa de investigadores das universidades de Lisboa, Algarve e Coimbra e das universidades Autónoma de Madrid, responsáveis por dez projetos que vão desde as ciências naturais até às ciências sociais. Pretende desvendar como as alterações climáticas estão a influenciar as temperaturas e os solos das zonas costeiras daquela península no hemisfério Sul.

O “COASTANTAR 2024” é a primeira expedição portuguesa de veleiro pelas baías escondias na “pontinha da vírgula” da Antártica, zonas onde os cientistas encontrarão áreas livres de gelo e rochosas. “Assistimos agora a um novo retorno do aquecimento nesta região. A temperatura tinha subido muito desde que há registo, entre 1950 e até ao ano 2000. Depois estabilizou, desceu um pouco, e começámos a ter verões com mais neve porque houve uma mudança da posição das cinturas de vento. Mas, a partir de 2015, voltámos à tendência rápida de aquecimento, pelo que será interessante observar os seus impactos”, sublinhou, em declarações ao JN, Gonçalo Vieira, coordenador da expedição e investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa, à margem da apresentação da missão, esta sexta-feira, em Lisboa.

A primeira expedição do geógrafo físico foi em 2000, mas esta será a primeira vez que irá trabalhar a bordo de um veleiro. “Neste momento, estou curioso para ver de que maneira é que a fusão do solo gelado e, essencialmente, os episódios extremos de temperatura e precipitação, que estão a ser mais frequentes, estão a ter impactos ao nível da erosão. Mas também vamos trabalhar nos fluxos de contaminantes e olhar para as encostas, tentar começar a monitorizar essas áreas, ligando com imagens satélite para ver que impactos é que está a ter na paisagem”, explicou Gonçalo Vieira.

Os investigadores, cada um responsável por um projeto diferente, irá desenvolver as suas observações e recolher amostras de contaminantes na água, neve, gelo e solo, de microrganismos na atmosfera e em espécies marinhas, fitoplâncton e microplásticos pelas zonas costeiras. A missão decorrerá durante um mês, mas o sucesso de cada dia de trabalho no terreno irá depender das condições meteorológicas e do mar. Nesta altura do ano, a equipa de cientistas irá apanhar o verão na Antártica, com tempo frio a 1ºC e a água do mar com temperaturas a rondar os zero graus, apontou o coordenador durante a apresentação.

Os cientistas irão partir já no domingo, 28 de janeiro, com destino a Punta Arenas, no Chile. Daí deverão embarcar no voo antártico português, na quinta-feira, 1 de fevereiro, para uma base científica chilena, na ilha de Rei Jorge, arquipélago de Shetland do Sul. Se o vento soprar a favor da equipa científica, irão embarcar nesta ilha a 5 de fevereiro, com destino ao arquipélago de Palmer. Pelo caminho irão parar em várias ilhas da península no hemisfério sul: a ilha Livingston, ilha Deception, Cierva Cove, Estreito de Gerlache, Base Palmer e ilhas Melchior. De regresso à ilha de Rei Jorge a 20 de fevereiro, a investigação passará a ser feita apenas em terra. O regresso a Portugal do primeiro grupo de investigadores está previsto para 29 de fevereiro.

Mais do que ter uma infraestrutura permanente na Antártica, a comunidade científica portuguesa tem manifestado ao longo do tempo a sua vontade de chegar ao terreno. Dessa necessidade surgiu a ideia de criar um veleiro que pudesse ser usado para apoiar a investigação ainda em 2007, ano em que arrancou mais um Ano Polar Internacional. O "COASTANTAR" foi aprovado em 2020, e depois dos atrasos da pandemia estará no terreno já na próxima semana.

Equipa de 16 a bordo num veleiro de 24 metros
O número de pessoas a bordo ascende às 16 com uma realizadora que irá realizar um documentário sobre a missão e os tripulantes. O espaço é um dos grandes desafios. A organização dentro do veleiro foi pensada quase ao milímetro para conseguirem arrumar 400 kg de equipamento necessário às investigações. “É óbvio que o espaço limita a nossa atividade científica, mas é uma experiência com aprendizagens para missões futuras. Perceber se será melhor levarmos menos gente de cada vez porque agora já enchemos os lugares e chegámos à conclusão de que é preciso gerir muito bem a maneira como organizamos o espaço para trabalhar”, afirmou o especialista.

Mas a grande mais-valia de usar um veleiro, aponta o coordenador, é permitir à equipa de cientistas chegar a zonas mais remotas, onde a ação humana não está tão presente. Além disso, é uma solução que reduz em muito o impacto ambiental de missões desta natureza. “A ideia por detrás deste modelo é mostrar que conseguimos, com um veleiro, ter uma pegada ecológica reduzida. Naturalmente também iremos andar a motor porque há locais em que será mais seguro fazê-lo, mas não se compara uma embarcação pequena com um grande navio oceanográfico”.

A Carlos Vital, asistente de pesquisa, cabe apoiar logisticamente toda a missão. “Irei na expedição para garantir todo o apoio necessário nos voos, como também para ajudar cada um dosinvestigadores, seja em terra seja no veleiro. Haverá muito trabalho a fazer em pouco tempo. Além dos 15 dias já serem poucos, o tempo é também reduzido por causa das condições atmosféricas, o que faz com que seja necessário aproveitar todos os minutos”.

Outro objetivo da expedição será também monitorizar a expansão de vegetação em zonas que, em tempos, já estiveram cobertas de gelo e começar a analisar o risco do trabalho de investigadores e técnicos das estações científicas presentes numa das regiões mais suscetíveis do Mundo às alterações climáticas.

A experiência será documentada por Madalena Boto que se juntou à missão para, através da imagem, “aproximar as pessoas da ciência”. A ideia é que a realizadora filme o dia a dia durante o mês da missão com vista a um documentário que deverá sair ainda este ano. “Estaremos num ambiente bastante inóspito, com vários desafios e num espaço limitado, mas tenho boas expectativas. Cada projeto tem características muito diferentes, com objetos de estudo específicos em ambientes diferentes, alguns no mar, outros na terra e nas zonas mais litorais, mas estão todos a trabalhar para um objetivo comum”. Além disso, no site da expedição será feito um diário de bordo para que qualquer um acompanhe a missão a milhares de km de distância.

Contribuir para um esforço global
Todas as amostras recolhidas seguirão, congeladas, para Espanha para serem posteriormente utilizadas pela equipa já de volta aos seus laboratórios. Desta missão espera-se um contributo para agir face às alterações climáticas. “A comunidade científica já deu indicações há muito tempo do que é que se tem de mudar. O que é fundamental é agirmos. Todos os projetos vão contribuir para construir a ciência e gerir melhor o território antártico. É uma missão pequena, de baixo custo, mas ocupa nichos da ciência importantes e que, com publicações internacionais, vão contribuir para um esforço global”, advertiu Gonçalo Vieira.

Prevê-se que os resultados sejam apresentados durante o verão numa conferência internacional do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica (Scientific Committee on Antarctic Research). Seguir-se-ão meses de divulgação a nível nacional, em partilha com os ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e dos Negócios Estrangeiros, mas também com o velho continente através do European Polar Board, órgão que une as agências europeias financiadoras de investigação polar.

Embora o financiamento possa representar uma barreira, Gonçalo Vieira acredita que no futuro venham a ser realizadas mais expedições em veleiro, em articulação com outros programas parceiros, num modelo de rotatividade de equipas por períodos de tempo mais longos. “Imaginemos que o veleiro se mantém em continuidade durante um ou dois meses. Durante esses meses podem entrar várias equipas portuguesas e internacionais e o veleiro faz missões contínuas em que se vai rodando as equipas científicas”.

A expedição, organizada em conjunto pelo Pograma Polar Português (PROPOLAR/FCT) e o Colégio de Ciências Polares e de Ambientes Extremos da Universidade de Lisboa (POLAR2E/ULISBOA), é cofinanciada em 150 mil euros pela Universidade de Lisboa e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Conta também com a colaboração logística do Comité Polar Espanhol e do Instituto Antártico Chileno.
Fonte: JN

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