segunda-feira, 10 de abril de 2023

Defesa da petição pela regulação das criptomoedas no Parlamento Europeu



Em janeiro estive no Parlamento Europeu a defender a necessidade desta instituição europeia criar mecanismos de dissuasão e regulação do uso de criptomoedas.

A minha intervenção - sumariamente - foi feita em torno de cinco pontos:
-Não existiria uma florescente e crescente "indústria de ransomware" sem criptomoedas. Cidadãos, empresas e Estados não teriam perdido 20 mil milhões de euros para o ransomware - apenas em 2022 - se as criptomoedas não existissem.
- A anonimidade quase total (se os agentes envolvidos dominarem os métodos adequados) das transacções serve os interesses dos grandes grupos criminosos multinacionais. Estima-se que estes tenham lavado em criptomoedas mais de 8.7 mil milhões de dólares em 2021 (mais 30% do que em 2020) e que, este ano, este valor seja ainda maior.
- Apesar de correcções recentes, os níveis de valorização das criptomoedas mais populares continuam a ser excessivos e a representarem um risco para a economia real: Estima-se que mais de 1,7 triliões de USDs estejam investidos nestas moedas: o equivalente ao PIB de Itália: a 8ª economia mundial!... Muitos investidores - os mais incautos - converteram para estas moedas todas as suas poupanças, isto embora, desde maio de 2022, as criptomoedas tenham perdido 2/3 do seu "valor". O colapso desta bolha não pode deixar de ter consequências na economia real (como sucedeu, aliás, com a "Dot-com bubble" em 2000) e o colapso recente de algumas bolsas (FTX, Three Arrows Capital, Alameda Research, Voyager Digital, Genesis BlockFi e Celsius Network: entre outras) demonstra a fragilidade desta indústria e a má governança interna destas organizações. Tratá-las como se tratam aos Bancos, com garantias de Estado em troca de regulação pode contribuir para a sua credibilidade e para as tornar ainda mais atractivas aos investidores mas certamente que não resolve o problema das criptomoedas.
- A mineração de criptomoedas em 2021 é um seríssimo problema ambiental e de consumo de energia: a criptomoeda mais popular, a Bitcoin, deverá consumir anualmente algo em torno dos 150 terawatt/hora anuais (o mesmo que consome a Argentina e três vezes mais do que Portugal) ou seja: o equivalente a 45,8 milhões de pessoas... Em termos de emissões de gases de efeito de estufa este valor astronómico é ainda mais grave porque equivale a mais de 65 megatoneladas de emissões anuais (um terço a mais do que emite Portugal todos os anos). Isto significa que as criptomoedas são - também - uma ameaça grave para o clima e para o planeta.
- Os representantes das maiores empresas europeias de seguros já avisaram: em breve não serão capazes de cobrir os riscos de ataques por ransomware (e, recordemo-nos: sem criptomoedas não pode existir ransomware). Este alerta é um efeito do crescimento deste fenómeno em quantidade e volume e o que vai, necessariamente, adicionar mais um risco sistémico a toda a economia porque uma parte central da estratégia de resposta e prevenção de muitas empresas assenta, precisamente, neste tipo de seguros.
Se a União Europeia decidir agir nesta direcção não estará apenas a proteger os seus cidadãos, organizações públicas e empresas: será também o clima e o planeta que sairão mais protegidos. 
Se o fizer não será a primeira entidade estatal ou supra-estatal a agir nesta direcção: A Argélia proíbe o uso de criptomoedas desde 2018, o mesmo faz o Bangladesh, a Bolívia desde 2014, a China que as restringe desde 2021, a Colômbia que proíbe aos seus bancos facilitação de transacções em Bitcoin desde 2014, o Egipto, que em 2020 proibiu publicidade a esta indústria e que desde 2018 as classifica como "haram", ou seja, contrárias à lei islâmica, a Indonésia que as proíbe desde 2018, a União Indiana que, desde 2021, criminalizou até a simples posse de criptomoedas, o Iraque desde 2017, o Kosovo devido aos custos energético da mineração, o México desde 2021, o Nepal desde 2017 e o Vietname aplicando multas severas a quem as use como forma de pagamento, embora não proíba a sua compra e venda.
Sei bem que a União Europeia não gostaria de agir no sentido de proibir todas as transacções ou posse de criptomoedas porque, simplesmente, não acredita que é possível impedir a inovação por decreto (já ouvi isto no Parlamento português). Mas pode e deve criar mecanismos de dissuasão, taxação (através dos Estados membros), de regulação (sem credibilizar), de dificultar a anonimidade das transacções e de monitorização das transacções neste tipo de activos financeiros que dificultem (pelo menos) ou impeçam (idealmente) o seu uso por especuladores, cibercriminosos, estados-párias (como a Rússia, Irão e a Coreia do Norte) ou de máfias de droga (para branqueamento dos seus rendimentos ilícitos).
Não fazer nada é que não pode ser opção: não neste contexto actual de crise económica, risco de colapso nos mercados financeiros e de grave crise climática.

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