segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Os Nemátodes – Os “super agentes” do solo e os benefícios são superiores aos prejuízos


Ao longo de ano e meio, na minha tese de Mestrado, trabalhei com nemátodes e tive a sorte de estudar e aprofundar os meus conhecimentos sobre estes espantosos animais. O meu trabalho foi realizado no Sistema Importante do Património Agrícola Mundial (GIAHS), na região do Alto Barroso, classificação atribuída pela FAO.

Para entender a grande importância dos nemátodes nos solos é necessário conhecer algumas das suas características principais assim como algumas das suas funções essenciais para o sustento dos ecossistemas.

Os nemátodes são os animais de solo com maior profusão e distribuição a nível mundial. A sua importância está intimamente ligada às funções fundamentais que realizam para a manutenção dos serviços de ecossistemas, como o fornecimento de alimento, a purificação da água ou até o controle de pragas e doenças das plantas. Nas cadeias alimentares do solo, os nemátodes atuam na transformação de matéria orgânica em nutrientes que poderão ser absorvidos pelas plantas cooperando (ainda que indiretamente) para o seu desenvolvimento, e consequentemente para o aumento da produtividade das culturas agrícolas. Quanto maior for a variedade funcional de nemátodes maior será a resiliência e saúde do solo.

Relativamente à gestão dos ecossistemas agrícolas, tradicionalmente, as “investidas” incidiram essencialmente sobre nemátodes fitoparasitas/parasitas de plantas com efeitos nocivos nas colheitas agrícolas. Estes nemátodes provocam doenças principalmente através de danos nas raízes, mas podem atacar outros órgãos. Por exemplo, espécies de nemátodes-das-galhas-radiculares (NGR) como Meloidogyne incognita, Meloidogyne javanica, Meloidogyne luci (…), já são bem “conhecidos” em Portugal e estão associadas a perdas significativas nas culturas de tomateiro, milho, batata, entre outras. As doenças originadas pelos nemátodes exigem um controlo rigoroso, daí a necessidade de certificar a maior estabilidade possível aos agroecossistemas para suster a sua propagação; evitar as monoculturas e apostar na rotação de culturas resistentes são medidas a ter em conta para evitar grandes danos biológicos e económicos.

Apesar de algumas espécies de nemátodes causarem danos nos ecossistemas agrícolas, a maioria dos nemátodes tem uma participação saudável nestes sistemas. A atuação dos nemátodes bacterívoros e fungívoros é bastante significativa para a manutenção dos ciclos de nutrientes e outros processos dos solos, enquanto que os nemátodes omnívoros e predadores fornecem pontos de regulação. Os nemátodes, na sua universalidade, servem de alimento a seres vivos que se encontram em níveis tróficos superiores. Casos mais específicos de ações benéficas, abrangem os nemátodes que provocam infeções nos insetos hospedeiros, atuando assim como agentes de controlo biológico de pragas de insetos em sistemas agrícolas ou até a existência de interações entre nemátodes e bactérias que concebem antibióticos que assistem na prevenção e/ou tratamento de doenças de várias espécies florísticas.

É ainda bastante importante referir que os nemátodes são excelentes bioindicadores para a interpretação de distúrbios ambientais, sendo a análise das suas comunidades um dos requisitos principais para deduzir sobre os processos e a qualidade do solo. Estas comunidades são sensíveis às práticas/procedimentos agrícolas e podem ser usadas como bioindicadores da qualidade dos sistemas agrícolas e silvícolas de maneira a assegurar a sustentabilidade das capacidades ecológicas do solo.

É assim necessário “desmistificar” a ideia que os nemátodes são exclusivamente animais que provocam doenças e danos. Os nemátodes são animais fundamentais para o bom funcionamento dos ecossistemas a nível mundial, incluindo os agroecossistemas.


Mestre em Ecologia

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