Por Helena Freitas
O declínio da biodiversidade e as alterações climáticas estão a afetar o funcionamento dos ecossistemas e a qualidade de vida das pessoas. Determinante para esta tendência global de degradação que todos os dias se intensifica é o uso insustentável dos recursos naturais, as desigualdades entre e dentro dos países, e a prevalência de políticas que priorizam os valores da natureza negociados pelo mercado. Por outro lado, o acesso aos benefícios das múltiplas contribuições da natureza para as pessoas, e a sua distribuição, é claramente injusto.
Ainda assim, um consenso global firmado pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e pela Visão para a Biodiversidade 2050 estabeleceu uma visão partilhada de prosperidade para as pessoas e para o planeta. A concretização desta visão depende de uma mudança transformadora e sistémica, capaz de incorporar os diversos valores da natureza alinhados com os objetivos de justiça e sustentabilidade, e a inter-relação das dimensões económica, social e ambiental.
Percebe-se a urgência da mudança quando se atenta à supremacia dos apoios ao lucro a curto prazo e ao crescimento económico, tendo por base indicadores macroeconómicos como o Produto Interno Bruto. Estes indicadores têm geralmente em conta os valores da natureza refletidos através dos mercados, não traduzindo as alterações na qualidade de vida.
Na verdade, ignoram os valores associados às contribuições da natureza para as pessoas, não inscritos no mercado, incluindo serviços de ecossistema dos quais depende a vida. Por outro lado, estes indicadores não têm em conta os limites planetários e os impactos da sustentabilidade a longo prazo. Deste modo, as políticas de conservação que se centram demasiado na biodiversidade tendem a desvalorizar outros valores e a excluir as comunidades locais que dependem da natureza para a sua sobrevivência.
A recente avaliação sobre os diversos valores e valorização da natureza desenvolvida pelo Painel Intergovernamental para a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES) procurou traçar diretrizes no sentido da conciliação da prosperidade para as pessoas e para o planeta. Introduz a compreensão das relações entre diferentes visões e valores de mundo, uma tipologia de valores, orientações para a conceção e implementação de métodos e processos de avaliação, e recomenda a incorporação dos distintos valores da natureza na tomada de decisão.
A natureza é entendida pelo IPBES de uma forma inclusiva, abrangendo múltiplas perspetivas e entendimentos do mundo natural, como a biodiversidade e as perspetivas dos povos indígenas e das comunidades locais que usam conceitos como a Mãe Terra. A avaliação agora elaborada tem ainda em vista contribuir para a concretização da visão para a Biodiversidade 2050, da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e do futuro quadro global da biodiversidade pós-2020, para um futuro justo e sustentável.
O documento do IPBES destaca quatro perspetivas gerais que devem ser tidas em conta: viver da natureza, ou seja, a sua capacidade de nos proporcionar bens essenciais, como alimentos e bens materiais; viver com a natureza, respeitando o direito da vida não-humana a prosperar; viver na natureza, que se refere ao direito das pessoas a um sentido de lugar e identidade, e, finalmente, viver como natureza, o que significa cuidar o mundo como integrante espiritual do ser humano.
Neste sentido, vale a pena recordar o biólogo norte-americano E. O. Wilson, e a sua hipótese da biofilia, segundo a qual o amor pela natureza nos seres humanos é algo inato; um produto de milénios de evolução em que vivemos em estreita relação com os elementos, as espécies e os habitats naturais. Os nossos instintos, o nosso corpo e os nossos sentidos estão sintonizados para perceber os perigos naturais e encontrar segurança, abrigo e os alimentos que a natureza providencia.
Mais do que isso, a natureza é a essência das nossas fantasias, surgindo tantas vezes em fábulas e religiões. A natureza é a chave para a nossa satisfação estética, intelectual, cognitiva e até espiritual, escreveu Wilson. A biofilia de Wilson expressa o nosso amor pela vida; não só a nossa própria vida, mas a vida das espécies e lugares selvagens com os quais, nas palavras de Wilson, sentimos um inato e imperioso apelo à ligação.
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