O biólogo Jonathan Balcombe nasceu na Inglaterra e cresceu na Nova Zelândia e Canadá, mas foi nos EUA que passou a viver desde 1987, onde conquistou seu PhD em Etologia pela University of Tennessee, em 1991.
Com uma visão ímpar e peculiar sobre as emoções dos animais, em específico a dos roedores, Balcombe já escreveu mais de 50 artigos científicos e contribuiu em muitos livros sobre comportamento animal e ética.
Autor de três obras importantes e conceituadas entre os defensores da causa animal -Pleasurable Kingdom: Animals and the Nature, traduzido no Brasil como “O Reino do Prazer: Saiba como os animais são felizes; The Inner Lives of Animals e The Exultant Ark: A Pictorial Tour of Animal Pleasure (Arca Exultante, em tradução literal) – o biólogo reuniu em seu último livro diversas imagens de fotógrafos quem captam as emoções de muitos animais em diferentes situações.
Presidente do Departamento de Estudos de Animais com a Humane Society University, Balcombe relata em conversa exclusiva com a repórter da ANDA, Maria Castellano, suas impressões sobre o relacionamento humano e animal, os testes de laboratório, suas obras e os desafios da sociedade em relação a libertação animal.
ANDA – Em sua pesquisa e nos seus textos, você tem dado foco às emoções positivas dos animais, como o prazer, ao invés das negativas, como a dor. Quais você considera as descobertas mais inovadoras nessa área e quais são suas implicações para as formas como nos relacionamos com os animais?
Jonathan Balcombe – A descoberta que me vem primeiramente à cabeça e que acho que é a mais impressionante de todas sobre prazer refere-se aos estudos sobre cócegas e riso em ratos, e eu escrevi sobre isso diversas vezes. Esse estudo foi conduzido por um neurocientista americano chamado Jaak Panksepp. Após anos tendo ratos em cativeiro e fazendo experimentos com eles – dos quais alguns não muito agradáveis – ele percebeu que os ratos pareciam estar gostando de um tipo de brincadeira que faziam entre eles, e decidiu gravar os sons que eles emitiam durante essas atividades. É sabido que ratos emitem sons ultrassônicos, e nas gravações ele percebeu que eles faziam uma espécie de chiado enquanto brincavam. Ele então começou a fazer cócegas nos ratos, e eles passaram a seguir a sua mão para receber as cócegas. Ele descobriu que as áreas do cérebro dos ratos que ficavam ativas nesses momentos são as mesmas que as nossas quando estamos rindo, recebendo cócegas ou brincando. Então, o que ele tem argumentado em vários artigos científicos publicados é que a fisiologia, a anatomia e o comportamento dos ratos nessas situações são compatíveis com os nossos quando estamos em situações semelhantes. Eu acredito que essas pesquisas são altamente inovadoras, e tem legitimidade por ele ser um cientista de renome, muito meticuloso, e por ter publicado essas pesquisas em revistas muito respeitadas. Ele escreveu um livro chamado Affective neuroscience: The Foundations of Human and Animal Emotions, que é um livro texto muito usado agora no estudo da ciência das emoções dos animais.
ANDA – Você acredita que essas idéias sobre as experiências emocionais dos ratos – animais que têm sido historicamente estigmatizados – já estão tendo influência na reavaliação das formas como esses animais são frequentemente explorados (por exemplo, como modelos para experimentação científica)?
Jonathan Balcombe – Infelizmente eu acho que os cientistas que fazem esse tipo de experimento serão os últimos na sociedade a mudar, porque é isso o que eles fazem, é esse seu trabalho e é nisso que eles põem o seu tempo, a sua energia, e as suas mentes, e é disso que eles ganham seu dinheiro. Eu duvido que nessa área já encontremos mudanças. Entretanto, houve um estudo recente em um laboratório que usa ratos e camundongos para experimentos sobre analgésicos e mostraram que os ratos mudam de expressão quando sentem dor. Embora o experimento seja sobre dor e não sobre prazer, é um sinal dos tempos que esses cientistas estejam olhando para as expressões de roedores, porque pouco tempo atrás isso seria visto de maneira muito cética pela comunidade científica. Então, quem sabe, isso tenha algum efeito, e eu não sei se eles citam os estudos de Panksepp sobre o riso dos ratos, mas e não me surpreenderia se eles o citassem.
ANDA – Você ainda encontra resistência por parte de outros cientistas quando utiliza termos como alegria, prazer ou tédio para se referir a emoções de animais não-humanos?
Jonathan Balcombe – Certamente. O “pecado” do antropomorfismo está muito enraizado na comunidade científica. Os cientistas – eu inclusive – são muito relutantes em usar palavras para descrever um sentimento em um animal, já que nós não sabemos realmente quais são esses sentimentos, porque são experiências privadas. Eu tenho usado palavras como alegria, porque acho importante pressionar, provocar as pessoas… e a exigência de provas deveria ser para aqueles que negam que um animal possa ter esses sentimentos. Infelizmente a ciência funciona de acordo com o princípio oposto, ou seja, ela sempre assume que os animais não podem (ter esses sentimentos), a menos que se prove o contrário – o que, na verdade é praticamente impossível. Você não consegue ter uma prova com 100% de certeza sobre o sentimento de um animal porque ele não pode te dizer o que ele sente – bem, talvez um papagaio ou um chimpanzé consiga. É desafiador, mas minha posição é que devemos conceder-lhes o benefício da dúvida, não vamos lhes negar que eles podem sentir tudo isso enquanto não tivermos provas. Vamos assumir que eles podem, porque o custo para eles é muito mais alto se assumirmos que eles não podem, e os tratarmos mal, quando na verdade eles podem sentir. Inclusive, o custo para nós, como espécie, também é maior quando lhes negamos o benefício da dúvida. Por quê? Porque é karma! Se nós formos pessoas que temos compaixão pelos ratos, seremos pessoas que também tem mais compaixão pelos outros humanos. Estou terminando de ler um livro que se chama The better angels of our nature: why violence has declined, do psicólogo Steven Pinker, e ele fala do declínio da violência e de como estamos nos tornando mais razoáveis, mais racionais, nossos sistemas de comunicação estão muito melhores, estamos nos tornando mais femininos – e a feminilidade, o nutrir e o cuidar, estão se tornando proeminentes em nossa sociedade e as mulheres estão tendo mais poder (…) tem ocorrido uma série de mudanças nos últimos 50 anos, que indicam que estamos nos tornando uma espécie mais ética, essa é a mensagem geral. Apesar do terrorismo e, é claro, há ainda muitos problemas, (…) na redução do crime e violência, mas eu acho que está bastante bem documentado que a compaixão é indivisível, e a crueldade é indivisível. Se você é cruel você é cruel, não é só com pessoas; as pessoas que abusam animais têm muito mais chance de serem ruins com humanos, e vice-versa. De modo semelhante, as pessoas que têm mais compaixão para com animais também tendem a ter mais compaixão com as outras pessoas. Penso que ao menos nesse ponto as pessoas deveriam ter interesse em conceder aos animais o benefício da dúvida, porque formaríamos uma sociedade mais compassiva e solidária, e isso seria bom para nós também. Se eu tivesse que ficar num quarto por um ano, ou por uma semana, com uma pessoa que costuma bater em cachorros, eu ficaria muito mais preocupado com meu próprio bem-estar do que se eu tivesse que passar esse mesmo período com uma pessoa que trata bem os animais.
ANDA – Quais foram os processos que te conduziram desde a escrita de Pleasurable Kingdom para a de Second Nature e depois The Exultant Ark, quais novos insights surgiram em cada um dos livros?
Jonathan Balcombe – Para ser sincero, não foi uma coisa muito planejada. A questão do prazer resultou de uma epifania, foi um momento em que eu comecei a ver comportamentos em certos animais – por exemplo, esquilos interagindo – e o prazer por trás de alguns desses comportamentos estava muito claro. Percebi então que eu nunca havia lido nada a respeito disso, e que ninguém havia escrito sobre isso. Ao mesmo tempo, essa é uma voz muito forte, por ser esse um tema tão importante, por diversos motivos (não vou poder entrar nisso agora). Essa percepção foi muito importante para mim, e motivou o começo da jornada de começar a escrever sobre o tema (particularmente, escrever livros) e expandir os horizontes a esse respeito. No caso do Second Nature – que de modo geral trata da vida interior dos animais, suas capacidades emocionais e cognitivas – alguns dos materiais que usei para escrevê-lo vieram das pesquisas que fiz para escrever Pleasurable Kingdom, e outros, é claro, vieram de novos materiais que estavam sendo publicados. Paralelamente, eu vinha pensando havia tempos que a questão do prazer era um ótimo tema para um livro de fotografias, fotos de animais que pudessem demonstrar os conceitos de prazer nas brincadeiras, no toque, na comida, no sexo, talvez na estética, no companheirismo, etc. Assim surgiu a idéia para The Exultant Ark, portanto esse livro foi realmente uma extensão do Pleasurable Kingdom, porém com outra abordagem. O livro que estou escrevendo agora – cujo título provisório é The Inner Lives of Fishes (A vida interior dos peixes) – é uma continuação da tentativa de usar a ciência, ou o que os cientistas estão dizendo, para elevar o status dos animais, tentar rebater os estereótipos e os pressupostos que as pessoas normalmente têm sobre eles e avançar nesse aspecto. Os peixes são, coletivamente, o grupo de animais vertebrados mais explorado no mundo e a ciência agora está bastante convencida de que eles são sencientes, conscientes, complexos, e até mesmo afetivos. Eu acho, portanto, que é um bom momento para termos um livro que venha em sua defesa, não apenas dos peixes coletivamente, mas como indivíduos, como seres sencientes.
ANDA – De que forma a mídia e a sociedade em geral tem recebido suas idéias? Eles são céticos com relação a elas?
Jonathan Balcombe – A mídia tem recebido as coisas que escrevo bastante bem. Quando publiquei Pleasurable Kingdom fiz muitas entrevistas, fotos, etc. Embora nada muito grande, não para as principais TVs, mas em geral nos lugares onde eu ia para dar palestras os jornais locais me entrevistaram (como o Toronto Star, por exemplo), e dei muitas entrevistas para rádios, o que continuo fazendo de vez em quando. Não foi um enorme boom, mas gerou uma quantidade bem razoável de interesse, e eu acho que o fato de ser um tema positivo – o prazer, principalmente – tem ajudado nessa receptividade.
ANDA – Para além do seu trabalho como cientista, você é também um defensor da causa animal (animal advocate), e vegano. Conte-nos um pouco sobre esse lado das suas atividades e sua importância.
Jonathan Balcombe – Sim, no meu site acho que uso as palavras “cientista, autor, líder, defensor (advocate)”. Acho que me vejo como tudo isso, e como um etólogo aplicado (no sentido científico do termo), ou seja, tenho uma formação acadêmica como etólogo e especialista em comportamento animal, mas para mim não é simplesmente uma questão de descrever como os animais se comportam (que é do que a etologia trata), mas sim do que fazemos com essa informação, como a aplicamos a este mundo real, para as sociedades humanas e, logicamente, para a forma como tratamos os animais. Aí é onde entra a parte do “defensor” (advocacy), tudo o que eu faço em relação aos animais como acadêmico é no contexto de tentar ajudar a melhorar suas vidas, sua situação, há muito para ser feito nesse sentido. Minhas atividades incluem os cursos que desenvolvi e que ministro na universidade; as palestras e falas públicas que faço (incluindo entrevistas para a mídia); meu papel como “testemunha especializada”* para grupos como o Mercy for Animals; os textos que escrevo, tanto no meu blog como em revistas científicas e livros…estou escrevendo um artigo chamado “After meat” (depois da carne), que penso que depois poderia se transformar em livro, onde faço um exercício de projetar como seria o mundo se todos parassem de comer carne – o que aconteceria no próximo ano, nos próximos dez anos, no próximo século, e assim por diante. Seria uma forma interessante de abordar os problemas associados a esta cultura de se comer animais. Por fim, é claro, há a questão do estilo de vida. Ser vegano, “viver a mensagem” é muito importante, porque você mostra que não é apenas uma idéia, é algo que você realmente pode fazer pela causa na prática, todos os dias.
*Testemunha especializada significa que eles podem me pedir para assistir a uma compilação de vídeos de investigações sigilosas que eles fizeram, por exemplo, de uma fazenda industrial de porcos, ou do tratamento de perus a caminho do abatedouro, ou do tratamento de peixes numa fábrica de processamento, coisas assim. Eu assisto o vídeo e faço comentários especializados que eles podem usar para dar suporte à investigação.
ANDA – Quais você acha que são os maiores desafios para alcançarmos a libertação animal?
Jonathan Balcombe – Acho que os principais desafios referem-se a duas palavras com i: “ignorância” e “inércia”. No caso da ignorância, a questão é que as pessoas não sabem, não têm a informação, ainda não fazem idéia de como os animais são tratados na produção. Elas estão começando a ficar cientes, porque agora temos a internet e outros canais para disponibilizar essas informações – o que é muito animador, ter essas ferramentas à nossa disposição – mas ainda há uma grande ignorância sobre o tema e as pessoas querem ser ignorantes. Elas não querem saber, porque se souberem poderão ter que pensar duas vezes sobre o que estão fazendo, e ninguém gosta de mudar seu comportamento. A segunda questão, da inércia, é que a questão animal é um grande problema, e os grandes problemas não se resolvem facilmente. É como um grande navio. Se você tem um barco pequeno, um caiaque, é muito mais fácil você virar e mudar a direção. Mas com um navio enorme, a inércia é muito maior, você não consegue fazê-lo girar de uma vez, você tem que ir virando gradualmente. Porque estamos falando de mais de um trilhão de peixes, de cerca de dez bilhões de frangos mortos só nos Estados Unidos por ano (na verdade esse número está diminuindo!), eu acho que o navio está começando a mudar de direção, mas ele é enorme e, claro, se você pensar em termos globais, ainda não começamos a mudar de direção. Acho que o timão já foi girado porém o navio ainda não começou a virar, tem esse atraso na resposta. Mas eu acredito que vamos ver, na próxima década, essa tendência que estamos começando a ver nos Estados Unidos, que foi uma redução significativa do consumo de carne em 2012. Eu tenho esperanças – e muitos podem dizer que sou louco por dizer isto – mas eu tenho esperanças de que poderemos ver essa tendência acontecer globalmente. Por enquanto, é como se houvesse um furor por comer carne em outros países, o que é frustrante, porque finalmente os países “desenvolvidos” estão começando a entender que comer carne não é a melhor coisa a ser feita, enquanto outros ainda estão caminhando para esse modelo de vida Ocidental.
ANDA – Você é otimista em relação ao futuro, você vê coisas importantes acontecendo concretamente em favor dos animais?
Jonathan Balcombe – Nós podemos escolher ser pessimistas, mas o que ganhamos com isso? Não quero dizer que sou otimista apenas porque é a melhor opção, eu realmente acredito que há motivos para isso – acho que temos que ser otimistas para fazermos as coisas melhorarem. Nós temos que pensar positivamente, buscar soluções, ser criativos, e também atraentes. Eu acho que isso é muito importante, que o movimento vegano e o movimento pelos animais seja alegre, e seja algo ao qual as pessoas queiram se juntar. Porque mesmo se a nossa mensagem está certa – e isso ajuda muito – se parecermos infelizes com o que estamos fazendo, isso não é convidativo para as pessoas. Eu acho que um ótimo exemplo do que deveríamos estar fazendo – eu vi isso ontem à noite e postei no meu FB – é um novo site sobre veganismo, e foi feito de forma linda, com modelos e fotógrafos profissionais para as imagens das comidas, chama-se Choose Veg. A página é ótima, as comidas parecem deliciosas, as pessoas saudáveis, há algumas informações, enfim, é um exemplo. E agora com a internet pessoas de qualquer lugar do mundo podem acessar essas páginas. (…) eu acho que o Brasil vai ser o grande indicador dessas mudanças na América Latina, porque é um país tão grande e tão importante. Acho que tudo é uma questão de disseminação das informações e, claro, de mudança de mentalidade. A questão da carne é tão antiga e está tão enraizada nas pessoas – essa idéia de que você precisa comer produtos de origem animal para obter proteínas, e isso é tudo mentira, é cientificamente falso. Você não forma músculo comendo carne, você forma músculo comendo proteínas e as proteínas, ou os aminoácidos que as formam, estão em todos os lugares. (…) A comunidade médica é uma das menos informadas nesse sentido, eles continuam trabalhando com base no antigo paradigma. O lado bom dessa história é que atualmente há uma grande quantidade de informação que contradiz esse antigo paradigma, e ela está amplamente disponível.
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