quinta-feira, 15 de junho de 2023

Rio Douro está a ser “privatizado” e transformado num “parque temático”, criticam moradores de Gaia


Os 80 moradores do Edifício Destilaria Residence, situado no Cais do Cavaco, em Gaia, estão frontalmente contra a construção do terminal fluvial que consta da proposta apresentada pela Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) no passado dia 3 de maio.

Esta oposição “deve-se ao reduzido envolvimento da sociedade civil ao longo de todo o processo, que resulta do acordo prévio entre a Câmara Municipal de Gaia e a APDL relativamente a este projeto, o que transformou a consulta pública num mero pró-forma”, revela o comunicado dos moradores.

Os habitantes consideram que esta é “mais uma medida de privatização do rio Douro” que está a ser transformado num “parque temático”. E deixam críticas à forma como a APDL – Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo e a autarquia de Gaia estão a conduzir o processo.

“A despreocupação com o rio Douro e com a qualidade da sua água e ecossistemas é visível nas projeções para o crescimento turístico na Via Navegável do Douro: a APDL estima que em 2035 exista uma frota de 37 navios-hotel no Douro e um total de 125.500 passageiros anuais – aumentos de 48% e 26% face aos números mais recentes, respetivamente”, refere ainda o comunicado.

Ao mesmo tempo, “questionam a ausência de avaliação de sustentabilidade do rio, perante o objetivo de colocar 37 navios-hotel e 125 mil passageiros na Via Navegável do Douro até 2035”.

“A preservação das condições únicas do Douro é do interesse do país e do município. Ao aceitar estes números, a APDL assume, implicitamente, que não se deve estudar, previamente, o limiar da sustentabilidade e a capacidade de assimilação turística do Douro”.

O morador Paulo Leal, citado em comunicado, indica que “não se encontra, em nenhum documento disponibilizado na consulta pública, nenhuma razão que sustente a necessidade de um projeto desta envergadura e neste local específico”. “Os argumentos utilizados, meramente económicos, levam-nos a interpretar que este projeto é mais um passo dos operadores em privatizar o rio Douro, transformando-o num parque temático, afogado num turismo de massas descontrolado, assente numa procura de maximizar os lucros de terceiros sem considerar as preocupações das associações ambientais e da população local. Basta olharmos para exemplos de cidades europeias, como Veneza, que está a recuar neste tipo de atividade, para percebermos que há limites a este crescimento”, acrescenta.

O comunicado recorda as preocupações que vários académicos e especialistas têm levantado nos últimos dias sobre o projeto e assegura que os moradores afirmam que a APDL falhou em responder à totalidade dos seus impactos ambientais, “não apresentando, por exemplo, cálculos e medidas de minimização dos riscos de derrame de combustíveis”.

O grupo de moradores tem solicitado reuniões com decisores e entidades envolvidas no processo, como a Câmara Municipal de Gaia e a APDL, sendo que a porta do autarca Eduardo Vítor Rodrigues permanece fechada. “Até agora a única entidade que nos recebeu foi a APDL, que remeteu tudo para o processo de consulta pública e mostrou pouca preocupação com o bem-estar dos gaienses que aqui vivem todos os dias, mostrando valorizar mais um crescimento turístico descontrolado de pessoas que vêm cá uma vez e nunca mais voltam”, segundo outro morador, José Filipe Mesquita.

Os moradores destacam que a consulta pública do processo – que “resulta do acordo prévio entre a câmara municipal de Gaia e a APDL” – teve um “reduzido envolvimento da sociedade civil”, o que “transformou a consulta pública num mero pró-forma, desconsiderando por completo as preocupações dos gaienses e dos moradores daquela zona ribeirinha”.

Mas os moradores deixam mais críticas, notando que, face ao aumento da frota, “a preservação das condições únicas do Douro é do interesse do país e do município. Ao aceitar estes números, a APDL assume, implicitamente, que não se deve estudar, previamente, o limiar da sustentabilidade e a capacidade de assimilação turística do Douro”.

Os moradores estão “indignados” pelo ““desrespeito pela preservação do rio Douro, que chega ao absurdo de a APDL considerar que uma dragagem de 23 mil m3 e a extorsão de nove mil m2 de margem de Rio acabam por produzir, e cito, impactos “positivos, irreversíveis, de elevada significância”, quer ao nível do ordenamento do território, quer ao nível do uso do solo”.

Somado aos impactos sobre o leito do rio, decorrentes da construção da estrutura de 6.200m2 e 10 metros de altura diretamente sobre o Douro, os moradores consideram “importante alertar para a desfiguração da margem do Douro, sobre a encosta histórica de Vila Nova de Gaia.

“Os moradores do Edifício Destilaria Residence mostram-se ainda revoltados pela escassa consideração pelos impactos negativos nas suas vidas, nas suas famílias e no seu dia a dia, o que a APDL considera, no Resumo Não Técnico do projeto, como “pouco significativos, e, portanto, com reduzido potencial para configurarem situações de desconforto”.

Para terminar, os moradores pedem uma” verdadeira discussão pública, estudos mais aprofundados e um maior escrutínio no processo de tomada de decisão. Tendo sido apenas contactados pela primeira vez em agosto de 2022, mais de dois anos depois do início do estudo do projeto e sem que lhes tenha sido fornecida informação suficiente sobre o mesmo, os moradores vão levar a sua contestação a todas as instâncias, inclusive para lá do processo de consulta pública, que hoje termina”.


O Edifício Destilaria Residence é um edifício histórico do final do século XIX situado no Cais do Cavaco e projetado por um colaborador de Gustave Eiffel como fábrica da Destilaria do Álcool, segundo o comunicado que salienta que “após vários anos ao abandono, este imóvel foi reconvertido para fins residenciais em 2008”.

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