O Brasil perdeu Rita Lee, considerada a rainha do rock no país, na noite de segunda-feira, 8 de maio. A cantora e compositora que marcou a música brasileira ao longo de seis décadas tinha 75 anos e não resistiu a um cancro no pulmão, que ela, ácida como sempre, chamava de "Jair", detetado há dois anos. Família, amigos e companheiros músicos choraram a diva do pop.
Lula da Silva, presidente do Brasil, considerou-a "um dos maiores e mais geniais nomes da música brasileira". "Cantora, compositora, atriz e multi-instrumentista. Uma artista à frente do seu tempo. Julgava inapropriado o título de rainha do rock, mas o apelido faz jus à sua trajetória. Rita ajudou a transformar a música brasileira com sua criatividade e ousadia. Não poupava nada nem ninguém com o seu humor e eloquência. Enfrentou o machismo na vida e na música e inspirou gerações de mulheres no rock e na arte", escreveu Lula.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, participava de uma audiência no Senado, quando foi informada e chorou. "Não é nem uma questão direta de amizade, eu estive em alguns poucos momentos com ela, mas é pelo que ela simboliza para o Brasil, para a música popular brasileira, como uma mulher revolucionária", disse a ministra, que também é cantora.
Nas redes sociais, o mundo artístico uniu-se no aplauso a Rita Lee e no pesar pela sua morte. "Comadre Rita, Anibal, cabrinha, caprichosa capricorniana, amiga... Descansa, minha irmã. Amo você. Um abraço fraterno da família Gil nos meninos Roberto, Beto, João e Antonio, nos familiares e amigos e nos fãs, assim como eu", escreveu Gil.
Milton Nascimento disse estar "muito triste" com a partida de Rita Lee. "Todo o meu amor aos seus familiares nesse momento tão difícil. Descanse em paz".
"Rita parte e leva com ela a brincadeira, a liberdade, a voz de muitas mulheres, a voz de muitas gerações. Rita era a luz, a irreverência, a brincadeira. Acabo de ser atropelada por essa notícia. Vai em paz minha amiga. Encontre a paz e a tranquilidade", disse Fafá de Belém, em vídeo.
Ney Matogrosso lembrou, emocionado, ter apresentado o marido, Roberto Carvalho, a Rita.
Filha de Charles Jones, um dentista americano radicado no Brasil, e de Romilda Padula, uma pianista italiana, Rita foi desafiada pela mãe a tocar piano e a cantar com as irmãs. Aos 16 anos, já integrava um trio vocal feminino, as Teenage Singers, e no ano seguinte passou para a banda, os Mutantes, que revolucionaria a música no Brasil, ao unir os ritmos locais ao som psicadélico, em voga no mundo nos anos 60, e inspiraria nomes como Kurt Cobain, David Byrne e outros.
Em 1967 e em 1968, os Mutantes, compostos também por Arnaldo Baptista, seu namorado na época, e Sérgio Dias, serviram de acompanhamento às composições de Gilberto Gil e de Caetano Veloso nos dois festivais brasileiros da canção daqueles anos, unindo-se definitivamente ao duo de compositores baianos, núcleo do movimento artístico conhecido como tropicalismo.
O fim da relação com Arnaldo originou a saída de Rita da banda e o início de um vigorosa carreira a solo mas em parceria com o futuro marido, o músico Roberto de Carvalho. Mania de Você, Chega mais, Doce Vampiro, Lança perfume e Baila comigo, temas que conquistaram o Brasil (e Portugal) de rajada, são desse período criativo.
Como é tradicional no país, Rita fez múltiplas parcerias com outros artistas, de Roberto Carlos, ícone romântico, a João Gilberto, pai da Bossa Nova, passando, novamente, por Gil e Caetano, e por Maria Bethânia, Elis Regina, Ney Matogrosso e muitos outros.
Em 2001 ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa com 3001 e seria indicada ao prémio mais cinco vezes até, no ano passado, lhe ser atribuída distinção Excelência Musical pelo conjunto de uma obra com 40 álbuns, seis pelos Mutantes, 34 a solo.
Os problemas físicos e de saúde começaram com uma queda na sua fazenda, em 1996, e com os excessos de drogas e álcool que só em 2006 conseguiu superar, conforme revelou em programa da Rede Globo.
Em 2012, com 63 anos, anunciou o fim dos concertos ao vivo por "fragilidade física". "Estou reformada dos shows mas nunca da música", afirmou. Nas despedidas, em Sergipe, discutiu com um polícia e foi levada à esquadra e, em Brasília, baixou as calças para o público, revelando o ADN de rock star até ao fim.
Em 2021, foi diagnosticada com um tumor no pulmão, que, segundo revelou o filho Beto Lee, apelidou de "Jair", numa piada, ácida, a Bolsonaro. A cantora atribuiu-o a anos de excessos, sobretudo de fumadora. No ano passado, chegou a ser noticiado que a doença teria entrado em remissão mas Rita, cautelosa, manteve-se reclusa sem mais entrevistas ou aparições até à morte - até ao fim, entretanto, usou a rede social Twitter para dizer, quase sempre com bom humor e sem papas na língua, o que lhe ia na alma. "Porque a vida é curta e eu grossa", escreveu.
Numa das suas autobiografias, a cantora escreveu que o seu "maior golo foi ter feito um monte de gente feliz" e que, quando morresse, cantaria para Deus: "Obrigada, finalmente sedada". Como epitáfio pediu: "ela não foi um bom exemplo, mas era gente boa".
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