sábado, 22 de julho de 2006

Agricultura e Ambiente - a 3ª Via

Carlos Neves
Publicado em 03-06-2002, na Agroportal
Tenho acompanhado com atenção as várias notícias que chegam da Alemanha relativamente aos produtos de agricultura biológica contaminados com pesticidas. Independentemente dos responsáveis que vierem a ser encontrados, está lançada a suspeita sobre os produtos biológicos: a mesma comunicação social que “elevou aos altares” a agricultura biológica por oposição à agricultura convencional dos antibióticos, hormonas e vacas loucas, vai agora explorar o escândalo até aos limites. E, assim como muitos consumidores não conseguem ver um bife sem pensar em vaca louca, também agora pensarão “pesticida” de cada vez que olharem um produto de agricultura biológica.
A comunicação social dos nossos dias tem uma enorme tentação de dividir o mundo em “bons” e “maus”, como nos antigos filmes de cowboys, procurando frases curtas e bombásticas para a capa do jornal ou o rodapé do noticiário da TV. As propostas de moderação e bom senso vendem pouco. Compreende-se, por isso, que a proposta de uma agricultura “radical”, sem produtos químicos, respeitadora do ambiente, fosse o ideal para apresentar como alternativa a todos os males da agricultura convencional, praticada por pessoas “egoístas” e sem escrúpulos, que só pensam no lucro fácil.
Sem querer pôr em causa o valor efectivo da agricultura biológica e as enormes potencialidades que representa para muitas regiões do nosso país, creio ser oportuno lembrar que a agricultura biológica não tem o exclusivo da protecção agro-ambiental e que, entre o extremo de uma agricultura “convencional” baseada no exagero de produtos químicos e mutações genéticas e outro extremo de rejeitar todas as descobertas científicas e produtos da indústria, há um meio termo que muitos já praticam em Portugal e que poderíamos muito bem baptizar como 3ª via.
De facto, podemos observar um paralelismo curioso entre a evolução política da humanidade e a evolução da agricultura, pois tanto a revolução agrícola como o capitalismo foram consequências da revolução industrial e também a agricultura biológica e o comunismo surgiram por oposição aos excessos e consequências negativas dos primeiros.
Não vou naturalmente comparar a queda do muro de Berlim com este incidente que por acaso também aconteceu na Alemanha, mas, tal como foi proposta uma 3ª via intermédia entre o capitalismo e o comunismo, também será razoável defender uma agricultura sustentável que defenda o ambiente sem cortar radicalmente com todo o sistema de produção actualmente utilizado. Aliás, é isso o que já fazem milhares de agricultores em Portugal com a protecção integrada e a produção integrada, recorrendo ao apoio técnico de associações (como é o caso da AJAP) para utilizar o mínimo de produtos químicos no tratamento das culturas; É isso o que faz quem aplica as doses recomendadas nos rótulos e respeita os intervalos de segurança, não vendendo produtos com resíduos de pesticidas; É isso o que faz quem aplica estratégias de prevenção e bem-estar animal para evitar doenças e assim utilizar o mínimo de antibióticos no seu tratamento.
Cresci no meio de explorações de agricultura convencional, que utilizam adubos e pesticidas há dezenas de anos; Descobri depois a agricultura biológica e até me tornei sócio de uma associação que defende e promove esta forma de agricultura. Estou convencido que muita coisa tem de mudar na agricultura intensiva praticada actualmente, mas não acredito na sua substituição instantânea pela agricultura biológica que nos é proposta actualmente. Partilho com os agricultores biológicos os ideais de proteger o ambiente e a saúde dos consumidores (e agricultores) e partilho também o desejo de que haja por parte do Estado muito mais investigação no desenvolvimento da agricultura biológica, que ainda dá os primeiros passos. Mas, se nos preocupamos realmente com o ambiente e a saúde da população, não podemos utilizar a pouca agricultura biológica que temos actualmente como “descarga de consciência” ambiental, da mesma forma que as nossas cidades têm um “dia sem carros” e passam o resto do ano entupidas com engarrafamentos.
Precisamos garantir desde já a segurança alimentar em todas as formas de agricultura e um desenvolvimento agrícola sustentado, que respeite o meio ambiente, com bom senso, sem utopias de dispensar as multinacionais de agroquímicos (acredito mais depressa na pressão para que produzam também elas produtos mais “ecológicos”), sem pôr em causa todo o progresso científico que nos precedeu, com muito estudo e controlo nos produtos utilizados e produzidos e, sobretudo, sempre com bom senso e humildade para reconhecer que ainda temos muito para aprender.

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