sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

'PIB cresce, mas destrói biodiversidade': Joan Martinez-Alier propõe mudar forma como medimos nossa produção de riqueza

Fumaça saindo de chaminés
Existem muitos economistas no mundo, mas são raros os economistas ecológicos — e o espanhol Joan Martínez Alier é um deles.

Um dos fundadores da Sociedade Internacional de Economia Ecológica e seu ex-presidente, ele é um dos mais conceituados especialistas da área. Dedicou toda sua vida acadêmica ao estudo da relação entre os desafios ambientais e a economia, contribuindo ativamente para a promoção do conceito de justiça ambiental.


Professor emérito e pesquisador do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Autônoma de Barcelona (ICTA-UAB) desde 2010, Martínez Alier teve seu trabalho aclamado recentemente ao conquistar o Prêmio Balzan.

A honraria, concedida desde 1961, é considerada por muitos como o primeiro passo para obter na sequência o reconhecimento da Academia Sueca. A prova disso é que vários vencedores do Prêmio Balzan posteriormente ganharam o Nobel.

Martínez Alier conquistou o Balzan pela "excepcional qualidade das suas contribuições para a criação da economia ecológica", entre outras razões.

Leia a seguir a entrevista realizada pela BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, feita com ele.

BBC News Mundo - O que é exatamente economia ecológica?

Joan Martínez Alier - É uma crítica à ciência econômica tradicional. Há dois pontos principais: você precisa olhar a economia fisicamente, contar os fluxos de energia e matéria-prima (em calorias, joules e toneladas) e não dar importância ao Produto Interno Bruto (PIB), que mistura o que é produção com o que é destruição. O PIB cresce, mas destrói a biodiversidade. Usa carvão, petróleo e gás que produzem excesso de dióxido de carbono e, consequentemente, as mudanças climáticas. Os danos não são subtraídos do PIB.

BBC News Mundo - Por que a economia e a ecologia tradicionalmente se dão tão mal?

Alier - Porque, quando a economia industrial cresce, os ecossistemas são destruídos.

BBC News Mundo - Você se considera mais economista ou ecologista?

Alier - Sou um economista ecológico, um dos fundadores da Sociedade Internacional de Economia Ecológica em 1990, autor já em 1987 do livro Economia Ecológica (em inglês, espanhol, japonês etc.) e cofundador das revistas Ecological Economics e Ecología Política em 1990.

BBC News Mundo - O atual modelo econômico está claramente exacerbando o problema das mudanças climáticas e da deterioração do meio ambiente. Como a economia ecológica pode ajudar nesse sentido?

Alier - Mudando a forma como medimos o que fazemos e diminuindo a importância do que dizem os economistas, que mandam demais na política.

BBC News Mundo - Desde 2012, você lidera o projeto Atlas da Justiça Ambiental, um levantamento que reúne os conflitos ambientais que existem no mundo e que somam atualmente 3.310. O que gera esses conflitos?

Alier - Precisamente o fato de que a economia industrial não é, e tampouco pode ser, circular, mas sim entrópica. Ela busca continuamente novas matérias-primas nas fronteiras de extração, da Amazônia ao Ártico. Seja petróleo, carvão, gás natural, minério de ferro, cobre, soja, eucalipto para celulose, o que for...

Como se sabe, se você queimar carvão ou óleo, não pode queimar duas vezes, não é reciclável. Isso é o que queremos dizer com a expressão mais fundamental da economia ecológica: a economia industrial não é circular, mas entrópica. A entropia é uma palavra de origem grega que os físicos começaram a usar por volta de 1870 para provar que a energia não se recicla.

Quando a economia industrial está em curso, ela inevitavelmente perde energia e matéria-prima. E isso acontece porque a energia que usamos há 200 anos — petróleo, carvão e gás natural — só pode ser usada uma vez.

Vou te dar um exemplo: se você esquentar água na sua cozinha e deixar ferver, pouco tempo depois de desligar o fogão, a água esfria, e para requentá-la, é preciso ligar o fogão novamente. Isso acontece porque a energia se dissipa. E o mesmo acontece com as matérias-primas.

O alumínio, por exemplo, é obtido por meio de uma rocha chamada bauxita, que é bombardeada com muita eletricidade. O alumínio é usado, entre outras coisas, em latas de conserva, das quais apenas 10% a 20% são recicladas, e no caso de outras matérias-primas, o percentual é bem menor. Os materiais de construção usados em obras quase não são reciclados.

Além disso, deve-se ter em mente que, ao queimar combustíveis fósseis como carvão, gás ou petróleo, produzimos dióxido de carbono. E estamos colocando tanto CO2 na atmosfera que ele está se acumulando e produzindo o chamado efeito estufa.

O embate entre economistas ecológicos e economistas acontece porque os economistas agem como se não soubessem de nada disso. Eles falam, por exemplo, de crescimento econômico, quando as reservas de petróleo e gás diminuem, o efeito estufa aumenta e a biodiversidade desaparece.

Obra
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'Os materiais de construção usados ​​em obras quase não são reciclados', explica Martínez Alier

BBC News Mundo - Quais são os conflitos ambientais mais urgentes?

Alier - Acredito que são aqueles que acontecem onde há população mais vulnerável, população indígena, gente pobre que não tem poder político para se defender das empresas extrativistas. O pior que eu vi foi a exploração de petróleo da Chevron-Texaco no Equador e da Shell no Delta do Níger, na Nigéria. Mas há centenas de casos semelhantes.

BBC News Mundo - Você prevê que os conflitos ambientais vão continuar crescendo nos próximos anos? Quais serão os mais relevantes?

Alier - Acho que vão seguir aumentando. As fronteiras da extração e da poluição continuam avançando. Chegam a territórios onde há pessoas, que protestam. Em 22 de outubro, mataram uma senhora ecologista, Fikile Ntshangase, em Somkhele, na região sul-africana de KwaZulu-Natal.

Centenas de ambientalistas são vítimas todos os anos, não acho que o número vai diminuir. Mas, se tornarmos esses conflitos mais visíveis, talvez possamos ajudar a reduzir a repressão contra ambientalistas em alguns países.

Protesto contra Shell
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Para ele, a exploração de petróleo da Shell no Delta do Níger, na Nigéria, é um dos conflitos ambientais mais prementes

BBC News Mundo - Nos últimos 120 anos, a população humana quintuplicou, enquanto a quantidade de produtos usados ​​por ano pela economia global no processo de produção (da biomassa aos combustíveis fósseis, passando por materiais de construção e metais) aumentou quase 13 vezes. O que isso significa e quais são as consequências?

Alier - Obviamente, a economia não se "desmaterializa", muito pelo contrário. É um bom sinal que o crescimento da população se freie por conta própria— a população humana atingirá um pico de cerca de 9,5 bilhões de pessoas até 2060 e, então, diminuirá um pouco, me parece. Mas o consumo está crescendo muito mais do que a população, pelo menos até este ano pandêmico de 2020.

BBC News Mundo - Cada vez se recicla mais, há mais economia verde, mais economia circular, mais energias alternativas. Isso significa que estamos no caminho certo?

Alier - É que não há mais do que isso, palavras. Há mais energia eólica e fotovoltaica, sem dúvida, mas globalmente elas se somam às fontes anteriores, carvão, petróleo, gás. O uso do carvão aumentou sete vezes no século 20 e continuou a crescer até 2020. Petróleo e gás, muito mais. A nível mundial.

BBC News Mundo - A epidemia de gripe espanhola de 1918 e 1919 deu lugar aos 'anos loucos' de 1920. Será que devemos esperar um consumo desenfreado e selvagem depois que o coronavírus for derrotado? E, caso sim, que consequências isso teria do ponto de vista da economia ecológica?

Alier - Acredito que a pandemia colocou a renda básica universal na mesa do debate político. Porque se a economia não cresce (e acredito que não deva crescer mesmo nos países ricos, porque é um crescimento falso), aumenta o desemprego. As pessoas não têm a renda dos salários. Portanto, você deve dar a elas uma renda que não seja proveniente de salários. Isso deve ser garantido pelos governos federais ou regionais, uma Renda Básica Universal.

Ruas vazias
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O confinamento mostrou que podemos viver consumindo menos

BBC News Mundo - O confinamento mostrou que podemos viver consumindo muito menos e também resultou em melhorias para o meio ambiente, ao reduzir a produção e o impacto do homem na natureza. Devemos continuar nessa linha ou o consumo é necessário para sustentar o atual modelo econômico?

Alier - É preciso aumentar o "consumo" social de assistência médica, de habitação popular. O consumo da moradia social deveria crescer, sem endividar as pessoas e sem despejos criminosos, não acha? O consumo de viagens de avião deve diminuir. A agroecologia deve crescer em detrimento das monoculturas que usam agrotóxicos.

BBC News Mundo - Você argumenta que a pandemia revelou que o PIB é um índice de medida com muitas deficiências. Que deficiências são essas na sua opinião?

Alier - O PIB se esquece de contabilizar o trabalho gratuito de cuidar das pessoas, o afeto gratuito e as obrigações familiares e sociais gratuitas, isso não entra no somatório porque não se paga no mercado; tampouco o tomate ou o feijão que cultivo na minha horta, caso eu tenha uma, para consumo da minha família e amigos, isso não é somado. O PIB não adiciona atividades que são realizadas fora do mercado e não subtrai os danos ambientais. As empresas quase nunca pagam seus passivos ambientais, é óbvio.

BBC News Mundo - E se o PIB não é um bom indicador, que índice deveria ser usado para avaliar a riqueza gerada por um país?

Alier - Esta é fácil: devemos usar vários indicadores físicos e sociais. Não apenas um único índice. E não usar a expressão "riqueza gerada", porque colocar mais CO² na atmosfera e destruir a biodiversidade não é exatamente gerar riqueza vital.

Joan Martínez Alier

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