quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Embalagens descartáveis de papel têm forte impacto na biodiversidade e em futuros incêndios florestais em Portugal


A União Europeia (UE) está a rever o Regulamento de Embalagens e Resíduos de Embalagens (PPWR). Neste contexto, as embalagens de papel e cartão têm um forte destaque, sendo de prever um aumento da procura, alicerçada na urgente necessidade de redução do uso do plástico e associado às características de renovação e biodegradação da madeira.

A revisão dessas regras pela UE é encarada pela indústria de celulose como uma oportunidade de expansão da sua área de negócio, associada às fibras da madeira, aos “biomateriais”. Em Portugal, essa oportunidade tem suscitado um aumento da pressão das celuloses sobre a governação para o aumento das áreas de plantações de eucalipto.

As embalagens de papel e cartão estão associadas à produção de madeira para triturar. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), na publicação das Contas Económicas da Silvicultura de 2021, em junho deste ano, a produção de madeira para triturar triturada representou em 2021 (dados provisórios) 41,4% da produção de madeira, cortiça e outros bens silvícolas, o vlor mais alto desde 2015. Já a produção de cortiça e de madeira para serração representaram apenas 24,4% e 20,2%, respetivamente. Face a 2020, em 2021 a produção de madeira para triturar aumentou 2,5%, ao contrário da produção de cortiça que contraiu 6,0%. Em 2021, o Valor Acrescentado Bruto (VAB) da silvicultura registou uma contração de 1,8%, mantendo a tendência decrescente registada desde 2015. O VAB da silvicultura representa atualmente menos de metade do peso registado em 2000. Ou seja, o aumento na produção de madeira para triturar ao longo deste período de tempo não tem peso económico significativo para a silvicultura nacional. Os reflexos fazem-se sentir não só na economia, mas têm impacto social, no emprego, e ambiental, na perda de biodiversidade e em emissões de gases de efeito estufa decorrentes da tendência crescente dos incêndios, sobretudo em áreas de “povoamento florestal”.

A produção de madeira para triturar, essencial para a produção de embalagens, de papel de escritório e de “bio”energia, está associada em Portugal, sobretudo, às plantações de eucalipto, a extensas áreas de monocultura, a modelos de silvicultura intensiva, a crescente risco de incêndio. A expansão da área destas plantações, pelo peso crescente da área sob gestão de abandono nas últimas décadas em Portugal, acarretará significativos problemas sociais e ambientais no futuro, entre os quais os associados aos incêndios florestais e emissões decorrentes, como assistimos recentemente em Odemira, em Ourém/Leiria e em Coimbra.

O mito da aposta “verde” nos “biomateriais”, nas “forest fibers” tem consequências negativas, motivo pela qual a Acréscimo manifesta a sua preocupação face ao oportunismo associado à revisão do normativo da UE protagonizado por parte da indústria de celulose. No plano europeu, a Environmental Paper Network (EPN) e a Fern produziram e divulgaram um vídeo sobre os impactos do uso de embalagem descartáveis de papel e cartão, no caso, associados ao setor alimentar, nomeadamente ao “fast food” e ao “take away”.

O embalamento em papel tem algumas vantagens sobre o uso de plástico no que diz respeito à sustentabilidade. São mais fáceis de reciclar e, por serem biodegradáveis, podem ser utilizados para fins como compostagem. No entanto, a produção de papel exige muitos recursos: p.e., fabricar um saco de papel consome mais energia do que a produção de um saco de plástico, e os produtos químicos e fertilizantes utilizados na produção de sacos de papel criam danos adicionais para o ambiente. Estudos demonstraram que, para um saco de papel neutralizar o seu impacto ambiental em comparação com o plástico, teria de ser utilizado entre três e 43 vezes. Como os sacos de papel são os menos duráveis de todas as opções de ensacamento, é improvável que um consumidor aproveite o suficiente de qualquer saco de papel para equilibrar o impacto ambiental. O facto de o papel ser reciclável tem as suas limitações. Como as fibras do papel ficam mais curtas e mais fracas cada vez que ocorre o processo de reciclagem, existe um limite de quantas vezes o papel pode ser reciclado.

Se qualquer material de embalamento tem o seu impacte ambiental, seja papel, plástico, tecido, vidro ou outro, o fundamental é optar por aquele material que garanta maior capacidade de reutilização. O embalamento à base do corte de arvoredo tem, a este nível, enormes limitações. Por outro lado, o uso de madeira para embalamento descartável gera menos emprego, menor valor acrescentado na silvicultura, tem maior impacto na perda de biodiversidade e está associado a bens que rapidamente libertam para a atmosfera o carbono antes sequestrado pelo arvoredo, carbono esse que contribui para o aquecimento global, o que acarreta fortes consequências em futuros incêndios florestais.

2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

https://aviagemdosargonautas.net/2023/09/13/carta-de-braga-da-seca-de-brioches-e-da-cidadania-por-antonio-oliveira/

«O também filósofo e professor Viriato Soromenho Marques, resume bem esta situação numa crónica no DN, logo no princípio de Julho, destacando como as décadas de globalização neoliberal, colocaram o capital financeiro no comando, transformaram os Estados em servis leviatãs de negócios e bilionários, levando à degradação da saúde ecológica do planeta e, ‘A “economia que mata”, recordando a sábia expressão do Papa Francisco, desencadeou a sexta extinção da biodiversidade na história da Terra, alterou radicalmente a atmosfera e o clima, está a destruir a criosfera, alterou todos os grandes ciclos biogeoquímicos, do carbono ao enxofre, do azoto ao fósforo, dilatou e acidificou os oceanos, poluindo a hidrosfera com novos continentes de resíduos de plástico. A desmedida farra da globalização vem agora cobrar-nos o seu crédito. Sem descontos e com juros crescentes’.»

João Soares disse...

Exacto. Vivemos numa época do anarco-capitalismo, onde vontades de um núcleo de bilionários imperam e derrubam as democracias e estão a acelerar a crise ecológica e injustiça a nível mundial.