24.11.2008 - 10:18 Por Paulo Miguel Madeira, Público
Lévi-Strauss é um nome familiar a quem estudou na área das Ciências Sociais, onde as suas obras têm sido referência ao longo de gerações. É de algum modo um intelectual-vedeta global, sobretudo no meio científico, como a França produziu vários no século passado, daqueles que marcaram gerações. Foi o primeiro antropólogo na Academia Francesa, a cujas sessões se deslocava regularmente até há não muitos anos. No entanto, duas quedas obrigaram-no a limitar os movimentos, conta a AFP a propósito da efeméride. Habita num edifício discreto na zona oeste de Paris e não se mostra inquieto com a posteridade nem escreveu memórias.
A celebridade chegou-lhe cedo e a sua memória não parece comprometida. Entre as homenagens agendadas, há uma jornada especial na sexta-feira no Museu do Quai Branly, em Paris, onde uma centena de personalidades vão ler os seus principais textos. O canal de televisão franco-alemão Arte vai dedicar-lhe uma emissão especial e há cerca de vinte títulos seus nas livrarias. Filho de judeus franceses, nasceu na Bélgica, em 1908, mas mudou-se para França ainda em idade de estudar no liceu. Depois, na Sorbonne, em Paris, estudou Direito e Filosofia, tendo sido professor desta última disciplina no ensino secundário.
Em 1935 foi para o Brasil. Aceitou um lugar como professor de Sociologia na Universidade de São Paulo, onde começou a sua carreira de etnólogo. Naquela época, havia milhares de índios nos subúrbios da cidade, o que lhe permitiu dedicar os fins-de-semana à sua nova disciplina, conta o investigador José Pereira da Costa, da Universidade Nova de Lisboa, num artigo no PÚBLICO no 50.º aniversário da publicação de Tristes Trópicos. Lévi-Strauss não se ficou pela investigação de proximidade.
Partiu mais tarde para o Mato Grosso e a Amazónia, onde contactou muitas tribos. Mais tarde também estudaria índios norte-americanos, mas em menor número.
Em As Estruturas Elementares do Parentesco, sua primeira obra de grande projecção, publicada em 1949, forneceu um novo método de análise que se tornou comum a muitos antropólogos. A tese do livro é que o "parentesco" está no centro da Antropologia - que estuda o homem na sua dimensão social. E aqui o parentesco é entendido como as regras de aliança, de filiação, de residência ou de perpetuação das populações. "A grande questão da Antropologia é a variação entre as diferentes culturas. Porque é que há culturas diferentes?", resume uma das antigas alunas de Lévi-Struss, Anne-Christine Taylor, especialista em culturas indígenas da Amazónia, citada pela AFP. "Ele trouxe um olhar novo a esta questão, partindo do postulado de que há uma ordem por trás das diferentes culturas", acrescenta.
A sua obra mais marcante, Tristes Trópicos, chegou em 1950. Trata-se de uma autobiografia intelectual que recebeu o Prémio Goncourt e teve êxito também junto de um público muito para além da comunidade científica. E, em 1958, Antropologia Estrutural abre o caminho ao estruturalismo, a nova corrente do pensamento de que foi o principal teorizador, aplicando ao conjunto dos factos humanos de natureza simbólica um método que procura as formas invariáveis existentes em conteúdos diferentes. No ano seguinte era titular da Antropologia Social no Collège de France, de onde se reformou em 1982. Primitivos como nós
Já em 1962, em O Pensamento Selvagem, vem dizer-nos que este pensamento está em todos nós. "Não se trata tanto do pensamento dos selvagens, mas do pensamento selvagem, uma forma que é apanágio de toda a humanidade e que podemos encontrar em nós, mas normalmente preferimos procurar nas sociedades exóticas", explicava o autor na altura, segundo recorda a AFP. Pereira da Costa lembra que o método estruturalista se tornou uma moda que substituiu o existencialismo de Sartre nos anos 1960 e 70, sendo utilizado nas Ciências Sociais e Humanas em geral. Mas destaca, por palavras próprias, que para Lévi-Strauss cada membro de uma cultura deverá sentir-se grato pelas suas próprias especificidades: "A civilização mundial deverá consistir na coexistência de culturas o mais diversas que se possa imaginar, mas que preservem a sua originalidade. Nenhuma poderá invocar os seus próprios valores para julgar as outras e considerar-se superior a elas."
Por outro lado, Lévi-Strauss criticou também o aparecimento de uma corrente de pensamento humanista que secundarizou a natureza, tornando-se assim num precursor do movimento ecologista. O autor é centenário, a obra continua actual. O diário francês Libération diz que ele "instalou-se há muito numa espécie de intemporalidade", em que "não se mistura com nada que não tenha escolhido", o que já "é anterior à sua reforma". Numa entrevista em 2005, Lévi-Strauss disse: "Dirigimo-nos para uma espécie de civilização à escala mundial. (...) Estamos num mundo a que já não pertenço. Aquele que conheci, aquele de que gostei, tinha 1.500 milhões de habitantes. O mundo actual tem seis mil milhões de humanos. Já não é o meu."
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