quarta-feira, 12 de março de 2014

Júlio Henriques, um dos mais distintos directores do Jardim Botânico de Coimbra


Por Helena Freitas
Sempre quis homenagear Júlio Henriques. Por coincidência, (um daqueles acasos!) acabei por aceitar um convite para uma conferência pública em sua homenagem numa data simbólica: no dia 15 de Janeiro de 2013. Júlio Henriques nasceu (e morreu) no dia 15 de Janeiro.

Para a grande maioria dos cidadãos de Coimbra, o seu nome evoca apenas uma das alamedas mais frequentadas da cidade, mas o fascínio que tenho por este invulgar homem da ciência, fez-me sempre acalentar o gosto de o homenagear. Um homem invulgarmente culto, um investigador brilhante e um professor de excepção.

Júlio Henriques nasceu em 1838, em Cabeceiras de Basto, no distrito de Braga. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, licenciou-se mais tarde em Filosofia, pela mesma Universidade, onde também se veio a doutorar, em 1865. Na sua prestação pedagógica, destaco a regência de Botânica e Agricultura, duas áreas que então conviviam muito mais do que hoje. Nesta altura, sucederam-se os contributos estratégicos de Júlio Henriques, com destaque para o seu papel criativo em África e na direcção do Jardim Botânico.

Enquanto director do Jardim Botânico de Coimbra, Júlio Henriques não se cansou de inovar. O Jardim atravessava tempos difíceis desde Avelar Brotero, e Júlio Henriques estava determinado em qualificá-lo, procedendo a novas plantações e iniciando um forte intercâmbio com jardins botânicos do mundo inteiro. Restaurou as estufas e intensificou as permutas de plantas e sementes com os principais jardins botânicos de Portugal, da Europa e de outras partes do mundo, em especial com a Austrália.

É da sua inspiração a criação da biblioteca e de um Museu de Botânica; deve-se a Júlio Henriques a fundação da Sociedade Broteriana, em 1880, em homenagem a Avelar Brotero. Foi a primeira sociedade científica botânica em Portugal. Extraordinário foi também o seu contributo para a ciência. Doutorou-se em Filosofia, em 1865, com a dissertação “As espécies são mutáveis?”. Um momento de clarividência e arrojo, no que se pode considerar a primeira “incursão de Darwin” na Universidade Portuguesa. Um ano depois, Júlio Henriques apresentou a sua dissertação para o concurso de docente da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, intitulada “Antiguidade do Homem”, onde reflecte de forma brilhante sobre a evolução da espécie humana, defendendo de forma decisiva o evolucionismo, contra a corrente de pensamento dominante.

A agricultura colonial mereceu a atenção particular de Júlio Henriques. No Jardim Botânico de Coimbra, estudaram-se e ensaiaram-se novas plantas com vista à valorização agrícola das colónias. Muitas espécies vegetais com interesse para a agricultura, foram enviadas das estufas do Jardim Botânico de Coimbra para Angola e São Tomé e Príncipe. Destaco a cultura da Quina; da sua casca extraia-se o quinino, produto usado para combater a malária, que, na época, dizimava populações em África. Do Jardim Botânico de Coimbra saíram sementes e plantas vivas, que eram enviadas para agricultores das colónias portuguesas, para o desenvolvimento desta cultura. O próprio Júlio Henriques se deslocou a S. Tomé para avaliar e promover o trabalho de investigação aplicada que aí se realizava. Tinha então 65 anos.

O Jardim Botânico e o Colégio de S. Bento, edifício adjacente, foram a sua vida e a sua casa. Júlio Henriques entrou como aluno interno no colégio de São Bento, e aqui lhe foi atribuído um quarto onde acabou por viver toda a sua vida. Jubilou-se em 1918, aos 80 anos, após quatro décadas na direcção do Jardim Botânico de Coimbra. Morreu dez anos depois, em Coimbra. Presto-lhe hoje, de forma muito simples mas sentida, a minha homenagem e a minha gratidão, por tudo o que fez pela Botânica, pelo Jardim Botânico e pela Universidade de Coimbra.

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