Por Helena Freitas
Sempre quis homenagear Júlio Henriques. Por coincidência, (um daqueles acasos!) acabei por aceitar um convite para uma conferência pública em sua homenagem numa data simbólica: no dia 15 de Janeiro de 2013. Júlio Henriques nasceu (e morreu) no dia 15 de Janeiro.
Para a grande maioria dos cidadãos de Coimbra, o seu nome evoca apenas uma das alamedas mais frequentadas da cidade, mas o fascínio que tenho por este invulgar homem da ciência, fez-me sempre acalentar o gosto de o homenagear. Um homem invulgarmente culto, um investigador brilhante e um professor de excepção.
Júlio Henriques nasceu em 1838, em Cabeceiras de Basto, no distrito de Braga. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, licenciou-se mais tarde em Filosofia, pela mesma Universidade, onde também se veio a doutorar, em 1865. Na sua prestação pedagógica, destaco a regência de Botânica e Agricultura, duas áreas que então conviviam muito mais do que hoje. Nesta altura, sucederam-se os contributos estratégicos de Júlio Henriques, com destaque para o seu papel criativo em África e na direcção do Jardim Botânico.
Enquanto director do Jardim Botânico de Coimbra, Júlio Henriques não se cansou de inovar. O Jardim atravessava tempos difíceis desde Avelar Brotero, e Júlio Henriques estava determinado em qualificá-lo, procedendo a novas plantações e iniciando um forte intercâmbio com jardins botânicos do mundo inteiro. Restaurou as estufas e intensificou as permutas de plantas e sementes com os principais jardins botânicos de Portugal, da Europa e de outras partes do mundo, em especial com a Austrália.
É da sua inspiração a criação da biblioteca e de um Museu de Botânica; deve-se a Júlio Henriques a fundação da Sociedade Broteriana, em 1880, em homenagem a Avelar Brotero. Foi a primeira sociedade científica botânica em Portugal. Extraordinário foi também o seu contributo para a ciência. Doutorou-se em Filosofia, em 1865, com a dissertação “As espécies são mutáveis?”. Um momento de clarividência e arrojo, no que se pode considerar a primeira “incursão de Darwin” na Universidade Portuguesa. Um ano depois, Júlio Henriques apresentou a sua dissertação para o concurso de docente da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, intitulada “Antiguidade do Homem”, onde reflecte de forma brilhante sobre a evolução da espécie humana, defendendo de forma decisiva o evolucionismo, contra a corrente de pensamento dominante.
A agricultura colonial mereceu a atenção particular de Júlio Henriques. No Jardim Botânico de Coimbra, estudaram-se e ensaiaram-se novas plantas com vista à valorização agrícola das colónias. Muitas espécies vegetais com interesse para a agricultura, foram enviadas das estufas do Jardim Botânico de Coimbra para Angola e São Tomé e Príncipe. Destaco a cultura da Quina; da sua casca extraia-se o quinino, produto usado para combater a malária, que, na época, dizimava populações em África. Do Jardim Botânico de Coimbra saíram sementes e plantas vivas, que eram enviadas para agricultores das colónias portuguesas, para o desenvolvimento desta cultura. O próprio Júlio Henriques se deslocou a S. Tomé para avaliar e promover o trabalho de investigação aplicada que aí se realizava. Tinha então 65 anos.
O Jardim Botânico e o Colégio de S. Bento, edifício adjacente, foram a sua vida e a sua casa. Júlio Henriques entrou como aluno interno no colégio de São Bento, e aqui lhe foi atribuído um quarto onde acabou por viver toda a sua vida. Jubilou-se em 1918, aos 80 anos, após quatro décadas na direcção do Jardim Botânico de Coimbra. Morreu dez anos depois, em Coimbra. Presto-lhe hoje, de forma muito simples mas sentida, a minha homenagem e a minha gratidão, por tudo o que fez pela Botânica, pelo Jardim Botânico e pela Universidade de Coimbra.
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