quinta-feira, 19 de junho de 2025

Projecto Invisíveis


"Pronta para o 2º turno?
Depois do expediente, começa o segundo turno.
O que não dá dinheiro, mas dá dores nas costas.
Que não tem horário, mas ocupa tempo.
Que não conta para a reforma,
mas conta e muito na desigualdade.

Em casa, as mulheres trabalham três vezes mais.

Trabalho sem contrato, sem aplausos,
sem fim-de-semana:
cozinhar, limpar a casa,
cuidar dos filhos, tratar dos pais,
organizar tudo e ainda sorrir.

Sim, é trabalho.
Mesmo quando feito com amor, é trabalho.
Mesmo quando é invisível, tem valor.
E é preciso fazer esse tempo aparecer, agora:
porque se o mundo parasse para ver
quem realmente o sustenta…
O Mundo mudava.

Se fosse contabilizado, o trabalho não pago de cuidado e doméstico teria um valor na economia de 78 mil milhões de euros. Mais do triplo do sector do turismo.

Por isso, queremos algo tão simples, mas que parece revolucionário:
justiça.

"Tarefa de mulher” é um conceito antigo e ultrapassado.
Responsabilidade partilhada é justiça e também inteligência.

Homem que “ajuda” em casa não é moderno.
É mal informado.

Queremos horários flexíveis,
redes públicas de creches e lares,
apoios domiciliários
e empresas que percebam que
igualdade é produtividade.

Queremos que cada mulher
possa ser mais dona do seu tempo.
Não para fazer tudo.
Mas para fazer o que quiser.

Cuidar de si, estar com os filhos,
crescer na carreira, respirar com calma,
fazer política ou fazer nada.
Porque tempo livre também é um DIREITO.
E não devia ser um luxo.

Conheça o Projeto Invisíveis, cuidado doméstico e de cuidado não pago.
Estação de Metro do Cais do Sodré, Lisboa.

Visita virtual em www.coracoescomcoroa.org.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Fred again - Cmon


To a place that′s only ours
I will rest my head on your shoulder for a moment
Please make it

Please make it
Come on, come on

Please make it count
Come on, come on

Please make it count
Come on, come on

Qualidade de Brian Eno, mas as nuances electrónicas da voz de Fred Again, emocionam e não nos deixam indiferentes. Há uma linguagem transversal e que denuncia estes tempos de ódio. Diz a grande Clarisse Lispector o seguinte "A vida é igual em toda a parte e o que é necessário é a gente ser a gente."

terça-feira, 17 de junho de 2025

HOJE - 17 de Junho é o Dia da Desertificação e da Seca, criado pela ONU em 1994


Para aumentar “a consciencialização e promover soluções para a desertificação, degradação da terra e seca”. Em Portugal a desertificação avança mas o Núcleo Regional de Combate à Desertificação do Centro, coordenado pelo ICNF, está inactivo. 

“Mais de metade do PIB global depende de ecossistemas saudáveis. No entanto, todos os anos, uma área do tamanho do Egipto é degradada, provocando a perda de biodiversidade, aumentando o risco de seca e deslocando as comunidades. Os efeitos colaterais são globais - desde o aumento dos preços dos alimentos à instabilidade e à migração". [Fonte]

Neste ano, o lema das Nações Unidas é “Restaurar a Terra. Desbloquear as Oportunidades”.

Câmara de Loulé viabilizou construção de aparthotel numa recém-criada área protegida - Petição para assinar


A Câmara Municipal de Loulé viabilizou a construção de um aparthotel e de um estacionamento com 377 lugares dentro da Reserva Natural da Foz do Almargem-Quarteira, uma recém-criada área protegida. O aparthotel ficará situado a 600 metros da praia, numa faixa litora odne o mar já engoliu o antigo forte novo e onde três restaurantes se encontram à beira da derrocada.

O projeto foi criado em agosto de 2024, por proposta do município. Três meses depois, a autarquia deu um parecer favorável ao projeto da unidade hoteleira. Segundo o jornal Público, o projeto do aparthotel implica uma área bruta de construção de 21.500 metros dentro de um pinhal centenário.

Movimentos locais e ambientalistas já se mobilizaram numa petição com mais de 3.500 assinaturas para pedir aos municípios que trave as obras. Segundo estes, na discussão pública da aprovação da reserva natural, nada foi mencionado sobre os projetos imobiliários.

O espaço da reserva natural é um ecossistema que faz parte de uma zona húmida com 11 habitats naturais e seminaturais, numa abrangência de 135 hectares. Desde o início do ano que os movimentos locais denunciam a ocupação da reserva natural. Foi nessa altura que a construção de um restaurante levou ao abate de duas dezenas de pinheiros centenários.

Na petição, que pode ser assinada online, denuncia-se o cercamento da área privada, a movimentação de terras em larga escala, a destruição de vegetação nativa e a remoção de árvores não apenas no terreno do projeto, mas também fora dele, “comprometendo ainda mais o ecossistema da reserva”.

É também apontada a falta de um Estudo de Impacte Ambiental (EIA) atualizado que considere o novo estatuto da área protegida. Os movimentos esclarecem que o projeto “ignora espécies protegidas e habitats frágeis, comprometendo o equilíbrio ecológico da reserva”.

As exigências dos cidadãos passam pela suspensão imediata das obras do restaurante e do estacionamento, a realização de um EIA atualizado, a reconsideração da licença do hotel, a responsabilização dos órgãos envolvidos e medidas para assegurar a recuperação da área, porque “a natureza não se defende sozinha”.

A Almargem, associação de defesa do património cultural e ambiental do Algarve, reagiu às obras ainda em Maio, pedindo esclarecimentos às autarquias e solicitando a realização de uma reunião extraordinária da Comissão Diretiva da Reserva Natural Local da Foz do Almargem e do Trafal.

A associação considera "insuficiente" a resposta das autarquias e reafirma que continuará a acompanhar o processo "com firmeza".

Pedrógão Grande? Não esquecemos, nem perdoamos...


Começou precisamente neste dia, há 8 anos, um dos incêndios mais devastadores do nosso País.

O balanço oficial contabilizou 66 mortos (65 civis e 1 bombeiro voluntário de Castanheira de Pera) e 254 feridos (241 civis, 12 bombeiros e 1 militar da Guarda Nacional Republicana), dos quais 7 em estado grave (4 bombeiros, 2 civis e 1 criança). Entre as vítimas mortais, 47 foram encontradas nas estradas do concelho de Pedrógão Grande, tendo 30 morrido nos automóveis e 17 nas suas imediações durante a fuga ao incêndio. Uma outra vítima, morreu na sequência de um atropelamento ao fugir do incêndio. O incêndio também arrasou dezenas de lugares.

Mais de metade da região do Pinhal Interior Norte, que abrange Pedrógão Grande, estava ocupada por plantações de eucaliptos (Eucalyptus), cujo óleo é altamente inflamável, e de pinheiro-bravo (Pinus pinaster). O Jornal de Leiria escreveu: "a ajudar a violência do fogo pode ter estado a natureza do coberto vegetal da região, composto por mais de 90% de eucalipto, o baixo teor de humidade do dia de ontem e as altas temperaturas que, mesmo durante a noite, ainda se mantêm"

Os tempos não

Os tempos não vão bons para nós, os mortos.
Fala-se de mais nestes tempos (inclusive cala-se).
As palavras esmagam-se entre o silêncio
que as cerca e o silêncio que transportam.

É pelo hálito que te conheço....no entanto
o mesmo escultor modelou os teus ouvidos
e a minha voz, agora silenciosa porque nestes tempos
fala-se de mais são tempos de poucas palavras.

Falo contigo de mais assim me calo e porque
te pertence esta gramática assim te falta
e eis por que não temos nada a perder e por que é
cada vez mais pesada a paz dos cemitérios.

in Todas as palavras - Poesia reunida (2012) - Manuel António Pina

Flor de Murta


Em Junho a murta (Myrtus communis) encontra-se no seu pico de floração. Este é um dos arbustos mais emblemáticos da flora portuguesa, contudo, já foi mais comum na nossa paisagem. Incêndios, secas prolongadas e lavouras reduziram drasticamente a sua ocorrência. 

Ocorre perto de linhas de água e barrancos, bermas de estradas e caminhos, sebes e taludes, preferencialmente em encostas mais frescas e umbrias. Os seus frutos e as suas folhas podem ser utilizados em fitoterapia, como condimento ou na alimentação humana. 

Curiosamente, a flor da murta surge ligada à História de Portugal. Luísa Clara de Portugal (1702-1779), fidalga natural de Lisboa, ficou conhecida pela sua relação extraconjugal com o rei D. João V. Já era casada e mãe de três filhos quando iniciou a sua relação com o rei, de quem teve uma filha, Maria Rita Gertrudes de Portugal, que foi freira no Convento de Santos-o-Novo. Após terminar o caso com D. João V, foi amante do Duque de Lafões, de quem teve uma filha, D. Ana de Bragança. Pela sua beleza, ficou conhecida na Corte como a Flor de Murta, e deu origem a uma canção, cuja autoria alguns atribuem ao próprio rei D. João V:




Oh! flor da murta
Raminho de freixo
Deixar d'amar-te
É que t'eu não deixo.
Morrer sim
Mas deixar-te não
Oh! flor da murta
Amor do meu coração.
Oh! flor da murta
Do meu coração
Deixar d'amar-te
Ai não deixo, não.

Tal como defendeu Jorge de Sena, a sociedade portuguesa não conheceu o puritanismo protestante. O adultério foi tolerado, desde que com discrição e “sem escândalo público”. É assim a arte portuguesa de amar.

O avanço da Intorelância e o Silêncio da Empatia



São cada vez mais evidentes os sinais de uma escalada de intolerância e violência em Portugal, num registo que historicamente não nos era habitual. Os episódios multiplicam-se nas ruas, nas escolas, nas redes sociais, nos discursos públicos,  com uma frequência que percebemos crescente. Por vezes são subtis, outras vezes explícitos, mas todos têm em comum perceção de que algo se está a deteriorar no nosso tecido social. 
Vivemos tempos de frustração acumulada, de insegurança difusa, de um mal-estar que se infiltra lentamente na vida quotidiana. A imprensa nacional destacou recentemente o brutal ataque a um ator à saída do teatro, a agressão de duas voluntárias que levavam ajuda a pessoas sem-abrigo, ou mesmo ameaças e intimidações contra professores que defendem a inclusão nas escolas. Quando esta tensão se transforma em violência contra quem representa a cultura, a solidariedade ou o cuidado, ultrapassamos um limiar perigoso: o da desumanização do outro.
A polarização cresce quando deixamos de reconhecer a dignidade e a legitimidade de quem pensa, vive ou age de forma diferente. Quando o discurso público se transforma numa trincheira onde se dispara em vez de dialogar, quando se normaliza - direta ou indiretamente - a hostilidade como reação aceitável, e quando a raiva passa a ter mais protagonismo do que o respeito, é aí que o tecido social começa a rasgar. A convivência democrática exige mais do que regras institucionais; exige uma ética da relação, sobretudo na diferença e no desacordo.
Portugal tem uma tradição de convivência pacífica e de solidariedade discreta, mas eficaz. São traços que marcaram o nosso percurso coletivo, mesmo em tempos difíceis. Não podemos permitir que essa herança se dilua na banalização do ódio ou na indiferença face à degradação do espaço público. 
Quando quem cuida, quem acolhe, quem ensina, quem cria - em suma, quem constrói comunidade - começa a ser alvo de desconfiança ou hostilidade, estamos a destruir as bases da nossa democracia. Essa erosão abre caminho para o fortalecimento de discursos simplistas e excludentes que, lamentavelmente, têm vindo a ganhar cada vez mais espaço para se afirmar.
A raiz desta tensão é complexa. As crises sucessivas - económica, pandémica, habitacional, ambiental - têm gerado um sentimento de desorientação, de perda de controlo, de uma inquietante ausência de futuro. E onde falta horizonte, facilmente emerge o ressentimento. A indignação pode ser justa, mas quando não é acompanhada de lucidez e de responsabilidade, transforma-se em cinismo ou fúria. 
É muito importante restaurar a confiança mútua. Reabilitar o espaço público como lugar de encontro e não de ameaça. Valorizar a empatia como prática política e cívica; não como ingenuidade, mas como condição fundamental de humanidade. Porque resistir à violência simbólica ou física começa na forma como olhamos, ouvimos e falamos uns com os outros. Porque a democracia, afinal, é também a forma como nos tratamos todos os dias.

Saber mais sobre o Livro "O Poder da Empatia

Linhagens e ramificações do desenvolvimento no pensamento filosófico ocidental



Linhagens e ramificações do desenvolvimento no pensamento filosófico ocidental.
Adaptação baseada a partir do esquema de Ferreira-Santos (1996), através de pontos de intersecção e linhas de conexão (que podem não coincidir historicamente).
Dissertação e design do pesquisador Marcos Beccari: 'Articulação Simbólica: uma abordagem junguiana aplicada à filosofia do design', UFPR, Curitiba, 2012, p. 58.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Consenso Imigração



A polarização e fratura que o tema da imigração tem provocado na sociedade portuguesa precisa de ser revertido. Precisamos de encontrar o "caminho do meio", uma abordagem equilibrada, capaz de mobilizar um consenso alargado, de uma política de imigração humanista e realista.

É necessário deixarmo-nos de agredir mutuamente e, pior ainda, de usar os imigrantes para o combate politico-partidário. Haverá caminhos para nos unirmos no essencial e para dialogar sobre as diferenças de perspetivas e negociar pontos de convergência. Esta iniciativa que mobiliza várias pessoas, no seu núcleo fundador, entre os quais os últimos 4 Altos-comissários para a Imigração, irá fazer o seu caminho e procurará ser parte da solução.

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Carta de Princípios do “Consenso Imigração”

Num tempo marcado por discursos de medo, de simplificações e generalizações perigosas e de crescente polarização em torno do fenómeno migratório, afirmamos a necessidade urgente de construir um espaço de pensamento, diálogo e propostas que recupere o valor do consenso informado, da dignidade humana e da convivência intercultural.
Portugal, além de ser historicamente um país incontornavelmente ligado a dinâmicas migratórias de entrada e de saída, enfrenta hoje uma crise demográfica com acentuado envelhecimento da população e necessidades de mão de obra cruciais para o contínuo desenvolvimento da nossa economia e desenvolvimento social.

O “Consenso Imigração” nasce como um espaço de reflexão da sociedade civil, enquanto expressão plural e independente, reunindo pessoas e instituições, a partir de uma significativa diversidade política e ideológica, comprometidas com uma visão positiva, realista e humana da imigração em Portugal — uma visão que reconhece os desafios, mas não ignora os contributos, as histórias e o potencial transformador da diversidade para a criação de uma comunidade com futuro.
Esta Carta de Princípios orienta o nosso trabalho coletivo.

1.⁠ ⁠Dignidade Humana como fundamento
Afirmamos o respeito pelo princípio de direitos humanos universais e da dignidade de todas as pessoas, independentemente da sua origem, nacionalidade, religião, nível socioeconómico, características étnico-raciais ou estatuto migratório. Recusamos a instrumentalização da imigração para fins políticos ou eleitorais.

2.⁠ ⁠Conhecimento rigoroso como base para a ação
Defendemos que o debate público sobre imigração deve assentar em dados fiáveis, investigação científica e análise crítica. Combater a desinformação, em todas as esferas, seja nas redes sociais, na comunicação social ou na interação direta com as comunidades é um imperativo ético e democrático.

3.⁠ ⁠Combate à polarização e compromisso com o diálogo e o consenso
Assumimos o compromisso de promover o diálogo construtivo, ouvindo diferentes perspectivas e rejeitando a lógica dos extremos. O consenso não é ausência de debate — é a procura honesta de pontos comuns para soluções sustentadas.

4.⁠ ⁠Valorização da contribuição dos Migrantes
Reconhecemos e tornamos visíveis os contributos sociais, económicos e culturais das pessoas migrantes para o desenvolvimento do país. A imigração legal, se bem gerida nos seus fluxos e devidamente integrada, não é uma ameaça — é uma oportunidade de desenvolvimento para o país, que exige políticas públicas justas, realistas e inclusivas.

5. Encontrar respostas para as preocupações da sociedade de acolhimento
Compreendemos que, em momentos de crescimento rápido do número de imigrantes, podem emergir incertezas e receios. Integramos e respeitamos esse sentimento. Dialogaremos para a procura de soluções que, no quadro do respeito pela lei e pela dignidade humana, promovam um bem-estar comum, gerador de tranquilidade e um sentimento de fraternidade e de diálogo entre todos, autóctones e imigrantes.

6. Recusa da generalização e da culpabilização coletiva
Comportamentos incorretos ou ilegais podem existir em qualquer grupo social - autóctones ou imigrantes, crentes ou não-crentes, caucasianos ou negros, pessoas de direita ou de esquerda, pobres ou ricos. Porém, isso não pode culpabilizar, nem caracterizar todo um grupo por alguma ação de um indivíduo.
Recusamos a estigmatização coletiva. Não se pode confundir a árvore com a floresta.

7. Compromisso com a coesão social e a inclusão, sem discriminação.
Defendemos a convivência baseada no respeito mútuo entre pessoas de diferentes origens e culturas, combatendo todas as formas de racismo, xenofobia, aporofobia e exclusão. A integração é um processo bidirecional que exige responsabilidade individual e coletiva.

8. Responsabilidade partilhada e Governança colaborativa
Entendemos que as questões migratórias são um desafio nacional e europeu, que exigem uma resposta articulada entre o Estado, as autarquias, o setor empresarial, a sociedade civil e as comunidades migrantes. Neste contexto, sublinhamos o papel da sociedade civil organizada, com a participação ativa e ampla dos cidadãos, como contributo relevante e urgente. Ninguém está dispensado desta responsabilidade. Cada tem um papel a desempenhar na construção das soluções necessárias.

9 . Esperança como horizonte político
Recusamos a política do medo e do ressentimento. Escolhemos a esperança como horizonte para pensar e construir um país mais justo, inclusivo e preparado para os desafios do século XXI, em que se constrói, todos os dias, o futuro que desejamos.
Assumimos estes princípios como guia para as nossas intervenções públicas, investigações, propostas e parcerias. O “Consenso Imigração” está aberto à participação de pessoas e entidades que partilhem esta visão e desejem contribuir para um debate mais responsável e construtivo sobre imigração em Portugal.

Lisboa, 16 de Junho de 2025

Catarina Marcelino (ex-Sec. Estado da Igualdade)
Catarina Reis Oliveira (ex-Coordenadora do Observatório das Migrações)
Eugénia Quaresma (Dir. Obra Católica Portuguesa das Migrações)
Francisca Assis Teixeira (ex-Diretora Centro Nacional de Apoio ao Imigrante)
Lucinda Fonseca (Professora universitária, Especialista em Migrações)
Paulo Mendes (ex-Presidente da AIPA – Associação Imigrantes dos Açores)
Pedro Calado (Ex-Alto-Comissário para as Migrações)
Rosário Farmhouse (ex-Alta-Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural)
Rui Marques (ex-Alto-Comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural)
Sónia Pereira (ex- Alta Comissária para as Migrações)

Universidade de Coimbra confirma segurança de agente de controlo biológico para combater a acácia


Um estudo liderado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) confirma a segurança ecológica de Trichilogaster acaciaelongifoliae, o primeiro agente de controlo biológico introduzido em Portugal continental para combater a planta invasora acácia-de-espigas (Acacia longifolia).

Este trabalho, liderado por Francisco López-Núñez, investigador do Centro de Ecologia Funcional (CFE) da FCTUC, está publicado na revista Restoration Ecology e representa um marco no rigor do acompanhamento pós-libertação de agentes de controlo biológico.

«A Trichilogaster acaciaelongifoliae é uma pequena vespa nativa da Austrália, que atua depositando ovos nos botões florais e vegetativos da acácia-de-espigas, formando galhas que interrompem a sua capacidade de reprodução e dispersão de sementes e crescimento, respetivamente. Após extensivos testes de especificidade, este agente de controlo biológico foi selecionado e libertado em 2015 em vários locais do litoral português», explica Francisco López-Núñez.

Três anos após a introdução deste agente de controlo biológico, uma equipa de investigadores da FCTUC e do Instituto Politécnico de Coimbra demonstrou, através de análise de redes tróficas complexas, que este inseto altamente especializado não causou impactes negativos, diretos ou indiretos, em espécies não-alvo.

O estudo incluiu a análise e identificação de 154 espécies de plantas, cerca de 45 mil galhas e 11 mil insetos no Litoral Centro de Portugal, além da construção e análise de redes tróficas complexas entre plantas, galhas e parasitoides. Os resultados mostram que, quando devidamente planeado e monitorizado, o controlo biológico pode ser uma estratégia segura e eficaz para ajudar a restaurar ecossistemas invadidos, com impacte mínimo sobre a biodiversidade nativa.

«A ausência de efeitos não desejados sobre outras plantas e insetos nativos é um sinal muito promissor. Este é um passo pioneiro na Península Ibérica, e muito importante para aumentar a confiança no uso sustentável do controlo biológico na conservação da natureza. Este estudo reforça a importância da monitorização a longo prazo e demonstra que é possível avaliar detalhadamente as interações ecológicas geradas por agentes de controlo biológico», conclui Francisco López-Núñez.

O artigo científico “Three-trophic level food webs support the safety of a biocontrol agent 3 years after release” pode ser consultado aqui.

domingo, 15 de junho de 2025

Música do BioTerra : Alvvays - Tom Verlaine



Looking back, I should have known
All the nights that I spent in outer space
If in fact, I had said no
What becomes of this? It's hard to say

I'll feel better with the breeze on my back
And I'll sleep better knowing it's in the past

Looking back, I should have known
All the nights that I spent in outer space
Cigarettes and old regrets
Piled in a stack out in the back of my brain

When you walk away
Better be for good

I put my money on a horse
Who won't be steered on any course or lane
And if I ever see a dime
You'd take that money to divide and separate

When you walk away
It better be for good

I know you'll be there in the rain
Glowing like the first night
Telling me you've changed
I know you'll be there in the rain
Glowing like the first night
Trying to explain

That when you walk away
It's gonna be for good
You were my Tom Verlaine
Just sitting on the hood

sábado, 14 de junho de 2025

José Saramago


Vivemos num mundo que está a ir de mal a pior e é humanamente inútil. O espetáculo global é uma demonstração clara e óbvia daquilo a que chamo a irracionalidade humana. Vemos o abismo, está mesmo diante dos nossos olhos, mas movemo-nos em direção a ele como uma turba de lemingues suicidas, com a diferença fundamental de que, ao longo do caminho, nos divertimos a enganarmo-nos uns aos outros.
Cadernos de Lanzarote

sexta-feira, 13 de junho de 2025

As mulheres que fizeram museus


Abra quase qualquer pesquisa histórica sobre a coleção e verá um catálogo dos homens que formaram grandes coleções ao longo dos séculos — com Catarina, a Grande, e Peggy Guggenheim entre as poucas exceções, talvez. Mas muitas das grandes colecções que conhecemos hoje foram criadas ou moldadas por mulheres cujo impacto na história do gosto e na evolução das colecções para se tornarem museus acessíveis ao público está finalmente a receber a devida atenção. Esta conversa explora as personagens e as coleções de três mulheres que se rodearam de arte – Alice de Rothschild, Marjorie Merriweather Post e Helene Kröller-Müller – e como os obstáculos e as oportunidades que encontraram podem ter influenciado as coleções que construíram. Explora a forma como os legados destas mulheres se refletem hoje em – respetivamente – Waddesdon Manor (Buckinghamshire), Hillwood Museum (Washington, D.C.) e no Kröller-Müller Museum (Otterlo). 

Moderado por Fatema Ahmed (revista Apollo) 

Palavra de boas-vindas de Hidde van Seggelen Com Tanja de Boer, Kate Markert e Pippa Shirley

Entre os 30 neofascistas que agrediram Adérito Lopes, um escreveu para o Observador - João Augusto Henriques Gomes Martins


Quem é o novo líder nacionalista português: discreto, paciente e metódico
Discreto, paciente, metódico, estudioso, licenciado, com o dom da palavra - são algumas das capacidades que lhe são apontadas por analistas das autoridades que acompanham a evolução da extrema-direita em Portugal.

João Martins, 44 anos, condenado a 17 anos de prisão pelo homicídio de Alcindo Monteiro, é apontado pela Polícia Judiciária (PJ), PSP e Serviço de Informações de Segurança (SIS) como o novo líder em ascensão nos designados "grupos identitários", ou "fascistas do terceiro milénio" - como os caracteriza o investigador José Pedro Zúquete, num livro que escreveu sobre o tema - em crescimento na Europa.

Desde Mário Machado - ex-líder dos cabeças-rapadas hammerskins e atual dirigente do movimento nacionalista que quer ser partido, Nova Ordem Social - que não havia uma figura a concorrer para uma nova liderança dos nacionalistas. "João Martins tem sabido gerir muito bem o seu terreno de apoio, fora dos holofotes mediáticos e, nos últimos anos, sob os radares das autoridades, ao contrário de Machado", sinaliza fonte policial.

Apesar de usar as redes sociais como plataforma de divulgação dos seus ideais, não é fácil encontrar João Martins numa simples pesquisa no Google. O seu perfil só aparece no VK, um equivalente russo ao Facebook, onde partilha fotografias que mostram a sua atividade desde, pelo menos, 2012, data de uma foto de grupo em que está ao lado (e abraçado) de Gianluca Iannone, dirigente do CasaPound, um partido italiano neofascista.

Noutra foto, de dezembro de 2015, destaca-se à frente de um grupo, Misanthropic Division, em que alguns dos elementos fazem saudação nazi. Partilhou também, em outubro de 2016, a foto de um encontro em Portugal com nacionalistas de sete países.

Em 2017, foi o tradutor para português da bíblia dos identitários - Geração Identitária, do austríaco Markus Willinger, que assume a obra como "uma declaração de guerra". Para o autor, "imigração em massa" e uma "propaganda seletiva e vilipendiante" contribuem para "a transformação da Europa numa não entidade".

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o caso de Alcindo é descrita a sua participação em diversas agressões a negros nessa mesma noite e, particularmente, na do cabo-verdiano. "Já no final, e com a vítima prostrada no solo em decúbito ventral, inanimada, o arguido João Martins colocou um pé sobre a cabeça da vítima, levantando os braços em atitude de triunfo", é escrito.

O STJ recorda que João Augusto de Henriques Martins, nascido a 23 de novembro de 1974, "não mostrou sinais de arrependimento" no seu depoimento em tribunal. Nesta altura, tinha 21 anos e fazia parte do grupo de Machado - também condenado neste processo - e era já tido como o "ideólogo" dos neonazis. A defesa salientou o seu "gosto pelo estudo da filosofia política" dizendo que era "possuidor de extensa literatura acerca de tal matéria".

A preocupação das autoridades com a extrema-direita é extensível a todos os grupos, mas é no movimento identitário que notam mais adesões: uma faixa etária mais jovem (muitos recrutados nas universidades), intelectualmente elevada, com solidez ideológica e normalmente sem violência - e participam em várias atividades com skins, neonazis e motards. [Diário de Notícias, 10 Fev 2019]

Saber mais aqui e aqui

quinta-feira, 12 de junho de 2025

A explicação de Gaza, por Augusto Baptista


Gaza será "totalmente destruída", afirma ministro israelita [Fonte]

Sabes o que é uma bomba,
uma bomba dia e noite a explodir-te a cabeça,
uma bomba dia e noite a explodir-te o pai, a mãe,
a explodir-te os filhos, os avós, os irmãos,
uma bomba dia e noite a explodir-te os vizinhos,
os amigos, a casa, a rua, o quarteirão,
tu sem pão, sem água, sem luz,
enterrado na metralha, na dor, nos gritos, no medo,
nos escombros empapados de sangue,
tu sem poderes ir para lado nenhum
tu sem teres para onde fugir
nem para dentro de ti?
Sabes ?

Mortes em Gaza pela guerra passam de 55 mil, diz governo do Hamas
 [Fonte]
Sabes o que são cem bombas,
cem bombas dia e noite a explodir-te a cabeça.
Cem bombas dia e noite a explodir-te o pai, a mãe,
a explodir-te os filhos, os avós, os irmãos,
cem bombas dia e noite a explodir-te os vizinhos,
os amigos, a casa, a rua, o quarteirão,
tu sem pão, sem água, sem luz,
enterrados na metralha, na dor, nos gritos, no medo,
nos escombros empapados de sangue,
tu sem poderes ir para lado nenhum
tu sem teres para onde fugir
nem para dentro de ti?

Sabes?

Nesta Insânia estão cercados dois milhões
sem poderem ir para lado nenhum
sem terem para onde fugir
nem para dentro de si
são crianças,
são mulheres,
são homens
como tu!
Isto é Gaza
Poema escrito em 30.03.2024
Sobre o autor

Guerra e violência mantêm 122 milhões deslocados em todo o mundo


Cerca de 122,1 milhões de pessoas vivem longe de casa em todo o mundo devido a guerras, violência e perseguições, um recorde que quase dobra o número de 2015, indica um relatório publicado hoje pela ONU.

Conflitos como os de Myanmar (antiga Birmânia), Sudão e Ucrânia continuam a ser os principais responsáveis por esta deslocação forçada, que inclui mais de 42,7 milhões de refugiados em países que não o de origem e 73,5 milhões de deslocados internamente, de acordo com o relatório da agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Destes refugiados e deslocados internamente, 40% são menores de idade e 7% têm mais de 60 anos.

Os números recorde, atualizados até abril, surgem num contexto de "relações internacionais voláteis" e de conflitos marcados por um enorme sofrimento para os civis, afirmou o Alto Comissário do ACNUR, Filippo Grandi, no lançamento do relatório.

De acordo com o documento, a Síria deixou de ser o país com mais refugiados e deslocados em todo o mundo (13,5 milhões), tendo sido ultrapassada pelo Sudão, com 14,3 milhões de pessoas deslocadas pela guerra civil.

O Afeganistão ocupa o terceiro lugar, com 10,3 milhões de deslocados, e a Ucrânia a quarta posição, com 8,8 milhões.

Em termos de refugiados em outros países, as quatro nações mencionadas tenham cada uma um número semelhante, cerca de seis milhões.

Em termos de países de acolhimento, o Irão ocupa o primeiro lugar, com 3,8 milhões de refugiados, na maioria afegãos, seguindo-se a Turquia (3,1 milhões, na maioria sírios), Colômbia (2,8 milhões, principalmente da Venezuela), Alemanha (2,7 milhões) e Uganda (1,7 milhões).

Em termos relativos, o Líbano lidera a lista, com um refugiado em cada oito habitantes, seguido do Chade e da Jordânia, onde a proporção é de um refugiado em cada 16 pessoas.

O relatório do ACNUR inclui ainda estatísticas relativas aos países que recebem mais pedidos de asilo, uma lista encabeçada pelos Estados Unidos (729 mil só na primeira metade de 2024), seguidos do Egito (433 mil para todo o ano), Alemanha (229 mil), Canadá (174 mil) e Espanha (167 mil, muitos deles colombianos, venezuelanos e ucranianos).

Numa perspetiva positiva, 9,8 milhões de pessoas - um número notavelmente mais elevado do que noutros anos - regressaram a casa em 2024, incluindo dois milhões de sírios, um número que deverá aumentar acentuadamente em 2025, na sequência da queda do regime de Bashar al-Assad, no final do ano passado.

Embora o regresso de deslocados seja, em princípio, uma notícia positiva, o ACNUR observa que, em alguns casos, ocorreram num contexto adverso para estas populações, como é o caso do grande número de afegãos que estão a ser forçados a voltar ao país, ainda abalado pela violência, a partir dos vizinhos Irão e Paquistão.

O ACNUR recorda no relatório que, contrariamente à perceção em muitos países desenvolvidos, 60% das pessoas deslocadas à força não abandonam o país de origem e que, dos refugiados que o fazem, dois em cada três vivem em países vizinhos e três em cada quatro em economias em desenvolvimento.

A agência da ONU alertou ainda para o facto de que, embora o número de deslocados no mundo tenha quase duplicado em relação aos 65 milhões contabilizados em 2015, o financiamento da agência permanece quase ao mesmo nível, "num contexto de cortes brutais na ajuda humanitária".

Embora o relatório não detalhe esses cortes, fontes internas da agência indicaram nos últimos meses que, na sequência do congelamento das contribuições dos EUA, um dos seus principais contribuintes, a agência foi forçada a reduzir o pessoal em todo o mundo em cerca de 30%.

Perante este cenário, a agência para os refugiados insta os dadores a continuarem a financiar os programas de assistência aos refugiados e deslocados, "um investimento essencial para a segurança regional e mundial".

É melhor derrotar o militarismo


“O que eu sei é que, se queremos manter as nossas sociedades seguras... veja bem, se não fizermos isso, se não chegarmos aos 5%, incluindo os 3,5% destinados a despesas essenciais com a defesa, ainda poderemos ter o National Health Service, ou, noutros países, os seus sistemas de saúde, o sistema de pensões, etc., mas é melhor aprender a falar russo”, disse o secretário geral da NATO, Mark Rutte.


De forma ridícula chutam para debaixo do tapete a sabotagem americana do NordStream, facto que os EUA anunciaram antecipadamente e do qual, repetidamente, se gabam.

Excluem-se do acesso a energia russa barata. Fazem-no de forma despudoradamente anti-democrática, contra a vontade da maioria parlamentar alemã auxiliados por uma Comissão Europeia em processo acelerado de açambarcamento de competências que os tratados não prevêem, nomeadamente a competência da guerra.

Fizeram os preços subir em espiral. Geraram uma devastadora crise de custo de vida, assimétrica, que penaliza de forma esmagadora os de baixo, enquanto transfere milhares de milhões para os de cima.

Colocaram trabalhadores nacionais contra trabalhadores migrantes e acentuaram a exploração de todos eles.

Por ação e inação tornam-se cúmplices do Estado Israelita no genocídio do povo Palestiniano.

Criam leis, que designam por leis anti-ódio, que criminalizaram as manifestações contra este genocídio e sancionam os dissidentes sem lhes assegurar previamente o direito à defesa nos tribunais.

Pressionam Estados soberanos com o tribunal europeu porque os seus cidadãos, sabendo na pele o que é o poder colonial, não se calam sobre o televisionado massacre a que assistimos.

Vendem armas aos genocidas.

Permitem, sem tugir nem mugir, que cidadãos europeus, eurodeputada incluída, sejam maltratados.

Dizem-nos que as sanções que aplicaram aos russos, que teriam sido obrigados a pilhar chips das máquinas de lavar e dos frigoríficos ucranianos, os colocaram de joelhos.

E agora, finalmente, dizem-nos que, embora podendo e devendo aldrabar a contabilidade pública para mascarar despesas com a guerra e agradar a quem as impõe, ainda assim, temos de trocar os nossos serviços públicos de saúde, cada vez menos grátis e universais, e as nossas pensões pela possibilidade de resistir aos tais russos que estavam de joelhos.

E, numa União Europeia que proscreve liminarmente toda e qualquer política económica minimamente keynesiana que seja, ainda nos dizem que foi o socialismo que nos trouxe aqui.

E, à esquerda, aquela que participa diretamente do extremo-centro que aqui nos trouxe, mas não só, enredados com a fidelidade à ideia de uma UE que não existe e se tornou parte do problema e incapazes de reconhecer que erraram quando não condenaram o cerco da NATO à Rússia, ainda há quem tenha a coragem de defender que é mesmo necessário embarcar nesta óbvia loucura destrutiva que é a corrida armamentista imposta pelos idiotas celerados que puxam os cordelinhos na plutocracia americana e na burocracia vassala e desprovida de qualquer sentido moral e estratégico que desgoverna a irreformável UE.

Pessoalmente não vejo outro caminho: estarei com aqueles que este sistema colocou de fora, contra a guerra, contra o capitalismo que a impõe, interpelando os que decidem não ver.

Façam todos o teste de ADN e verifiquem as suas origens! "Somos todos primos"!


Há vários testes, eu fiz do My Heritage.

Estávamos no ano 2016
O inglês, que é "provavelmente do melhor país no mundo", tem a certeza que é integralmente inglês e foge a sete pés dos alemães. O islandês, que diz ser 100% islandês, sente-se mais importante do que muita gente e a francesa está certa que tem pais franceses, avós franceses, ascendentes unicamente franceses. Mas basta um teste de ADN para derrubar todas as convicções e abalar tudo aquilo em que se acredita: talvez o inglês não seja tão britânico assim, talvez o cubano tenha qualquer coisa do outro lado do mundo. No final de contas, somos todos primos, estamos todos ligados, temos muito mais em comum com outras nacionalidades do que aquilo que se possa pensar — eis a mensagem que a última campanha do motor de busca de viagens Momondo tenta passar. "Não haveria lugar para certas coisas, como extremismo no mundo, se as pessoas conhecessem os seus antepassados desta forma. Quem seria tão estúpido ao ponto de pensar que existem cosias como uma raça pura?", diz, a dada altura, a tal francesa neste vídeo que já é viral. O portal dinamarquês juntou-se à empresa AncestryDNA e testou o ADN de 67 pessoas que aceitaram descobrir o seu passado. O vídeo "The DNA Journey", que ao fim de um mês tem mais de seis milhões de visualizações no YouTube e 29 milhões no Facebook, mostra as primeiras suposições e, depois, as emotivas reacções aos resultados. No entanto, está longe de ser consensual: houve quem criticasse o método científico e a veracidade das reacções, já que algumas das pessoas escolhidas são actores; a empresa, no entanto, emitiu um comunidado em que explica o processo e garante que tudo é real. Esta acção surgiu de um estudo que a Momondo realizou junto de mais de sete mil pessoas de 18 países (entre as quais, cerca de 400 portugueses) e que concluiu que viajar abre mentalidades, diminui a intolerância e aumenta a confiança no outro. Nele, entre outras coisas, mais de 40% pessoas responderam que há hoje mais preconceito do que há cinco anos. Daí surge a campanha "Let's Open Our World" [Vamos abrir o nosso mundo] que promoveu um passatempo para "celebrar a colorida diversidade do mundo", em que qualquer um pode ganhar "uma viagem pelo seu ADN". Até 16 de Agosto, os interessados teriam de convencer a empresa, num texto de 250 caracteres em inglês, como irão ajudar "a abrir o mundo" ao viajarem. As melhores respostas ganharam um kit de ADN. Depois, ao receberem os resultados, foram convidados a filmar a reacção — esse vídeo podia valer viagens para qualquer país que se encontrasse no mapa genético ou para aquele que preferirem. Puderam concorrer residentes de 17 países, entre os quais Portugal.

Em Fevereiro de 2017 Manuel Maqueo Martínez, mexicano de 27 anos, visitou Portugal pela primeira vez. Não veio à toa, veio com uma missão: descobrir as suas raízes portuguesas. Assim, passeou por Lisboa, pelo Porto mas o seu destino principal era Pereira, freguesia de Barcelos – o seu bisavô era português, o sobrenome da mãe Pereira.

No início de 2019, o vídeo tornou-se viral nos Estados Unidos. Enquanto o presidente norte-americano não desistia de erguer um muro na fronteira com o México, a Aero Mexico, companhia aérea mexicana, decidiu lançar uma campanha chamada “DNA Discounts”, em que oferecia descontos em voos para americanos. Os interessados só tinham de fazer um simples teste de saliva. Se tivessem acedência mexicana —e as probabilidades eram muitas — tinham descontos diretos numa viagem para aquele país. 

Foi a forma de a companhia mexicana mostrar a Trump e ao mundo que a ascendência mexicana é generalizada no território americano. Tão generalizada que até há escalões de descontos: uma pessoa com 15% de herança mexicana tem 15% de desconto, 50% dá direito a metade da viagem paga e por aí fora.

Esta é apenas mais uma história daquela que foi, disseram os especialistas, uma das grandes tendências de viagens nos últimos anos. Esteve, aliás, no top das 10 tendências de 2019, segundo a “Lonely Planet”. 

Saber mais: 

A consciência dos Povos da Floresta


As representações das comunidades indígenas e extrativistas da Amazônia se organizam para ter voz forte na COP30. Afinal, são esses territórios que apresentam os menores índices de desmatamento e devastação.

Então, não é só uma questão, que já seria fundamental, dos direitos dessas comunidades, mas também o efeito climático da conservação da floresta por esses povos.

Entre os pontos que vão levar para a COP em Belém está a aceleração da demarcação e conservação desses territórios, que anda travada pelo Congresso reacionário; a prevenção de incêndios; a garantia de terem acesso direto aos fundos internacionais.

De toda ajuda internacional que chega aos países do Sul global, só 1% vai para essas comunidades. Por quê? Porque tem muitos intermediários, e, claro, o dinheiro fica pelo caminho.

E com esses recursos, eles podem melhorar a sua qualidade de vida, e como no caso dos extrativistas, diminuir o êxodo para as cidades e também melhorar a própria fiscalização contra invasões e incêndios florestais.

Eles querem também o direito de serem ouvidos em relação ao desenvolvimento da região, deixando de ser considerados apenas um “zoológico” de exposição – “olha, aqui estão os indígenas”. Não, eles são parte da solução do problema e querem ter voz ativa nisso.

Parabéns a essa consciência dos povos indígenas, dos extrativistas e quilombolas.

Cultura agredida e análise da situação crítica em Portugal



A semana passada fui a uma aldeia perto do Fundão e perguntei à Sra de uma tasquinha junto ao rio se tinha pão caseiro, disse-me que não porque a proibiram de vender, "ainda na semana passada vieram cá os GNRs e me vasculharam os papéis todos". Numa aldeia que visito sempre perto de Alcobaça há autênticas rusgas da ASAE a exigir que o café pague a taxa de música, de TV, mesmo que seja o único de toda a aldeia e tenha 4 clientes. Esta semana um sindicato de guardas prisionais diz que quer processar o líder anti racista Mamadou Ba por delito de opinião, que consideram difamação por este ter questionado a violência e morte nas prisões. Pedem 4 milhões de euros. E o Partido Fascista Chega anunciou mesmo, no dia 11  que quer expulsar quem se opõe ao patriotismo e ao nacionalismo, quem viola, dizem, os símbolos nacionais - ou seja, querem perseguir as pessoas pela sua ideologia internacionalista e socialista ou de direitos humanos. Na noite do dia 10, na Barraca, teatro de gentes comunistas e de esquerda, em plena hora de jantar, um actor, que interpretava Camões, no centro da cidade de Lisboa, é atacado, entre outros actores, por 30 neonazis, conhecidos da zona, dizem as reportagens, 30 anos depois de ter sido morto à pancada um negro que ia a passear no Bairro Alto, Alcindo Monteiro. Era para celebrar o dia da pátria, 10 de Junho. Os agressores fazem parte do "Sangue e Honra", uma organização internacional de extrema-direira com representação em Portugal. A principal vítima deste grupo foi o ator Adérito Lopes. Foi agredido - com um soco no olho, provavelmente com uma soqueira ou com anéis. Ficou com rasgões na cara e teve de levar pontos. Os mesmos deixaram um papel na porta "Portugal aos portuguezes (com z))". Tudo se passou a menos de 1 km da Esquadra da PSP da Lapa, à hora em que os actores chegavam ao seu trabalho. E a menos de 500 metros do Parlamento. Às 8 da noite.
Ou saímos à rua em defesa dos direitos, liberdades e garantias, ou podemos dizer adeus à liberdade. Pela via eleitoral, Parlamentar, ou pelo ataque directo, a liberdade, o pensamento e até a vida de quem quer viver em democracia está tudo em risco.
Começaram nos imigrantes no Porto e em Lisboa, agora vão à cultura, seguir-se-ão os lideres sindicais e intelectuais. Ontem Trump mandou prender o Vice Presidente dos Sindicatos de Los Angeles, que representa um milhão de trabalhadores.
Só há um caminho, defender nas ruas a liberdade."

quarta-feira, 11 de junho de 2025

O discurso de Lídia Jorge na íntegra – a mensagem do 10 de Junho que será recordada


Contra a possibilidade de loucos atingirem o poder e contra "a fúria revisionista que assalta pelos extremos", a escritora e conselheira de Estado Lídia Jorge dedicou o discurso que proferiu no âmbito das celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas a uma condenação do racismo, da escravatura e da cultura da mediocridade. Para ler aqui na íntegra

Lídia Jorge, conselheira de Estado falava enquanto presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho, em Lagos, num discurso que antecedeu o do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.

Na sua intervenção, com cerca de 30 minutos, citou Shakespeare, Camões e Cervantes, “três autores perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência”.

O discurso na íntegra

“Os países escolhem datas de referência para celebrarem a sua história, contemplando memórias de batalhas, ações de independência, encontros civilizacionais, momentos importantes em torno dos quais concitam a unidade dos cidadãos e promovem o orgulho patriótico.

Mas, em Portugal, é a data da morte de um poeta que protagoniza o nosso momento cívico de unidade mais relevante.

Muito se tem discorrido sobre o significado desta nossa singularidade e, muitas vezes, é difícil explicar que não se trata de um sinal de melancolia, mas sim do seu oposto.

Há a assunção de que um poeta do século XVI nos legou uma obra tão vigorosa que acabou por ser adotada no seu conjunto como exemplo da vitalidade de um povo e que a própria biografia do seu autor se oferece como exemplo não só de um percurso português, mas se transformou em símbolo universal da nossa peregrinação prometeica sobre a terra.

A fidelidade que Camões manteve em relação à pátria, quando se encontrava em paragens remotas, alimenta a simbologia que lhe é atribuída como exemplo da proximidade que os portugueses que se encontram longe mantêm com a sua cultura de origem.

O país retribui-lhes, reconhecendo, desde há muito, que as comunidades portuguesas são o corpo essencial do nosso ser identitário.

Mas as celebrações deste ano de 2025 têm um cunho muito particular. Em primeiro lugar, porque voltam a ter lugar na cidade de Lagos. No século passado, foi cidade anfitriã em 1996.

Passados 29 anos, esta cidade do Algarve continua a ser democrática, livre, próspera.

O que mudou e o que justifica que, de novo, tenha sido escolhida para ser palco das celebrações foi a nova consciência de que Lagos passou a representar um lugar obrigatório quando se pretende avaliar as relações entre os povos ao longo dos séculos.

É sabido que Lagos, lugar de saída para a África e lugar do comércio prático, tem como símbolo complementar o Promontório de Sagres.

A escassos 40 quilómetros de distância, Sagres e Lagos representam historicamente uma dualidade contrastiva cujo papel se encontra em avaliação.

A comunicação digital que se afirmou a partir dos anos 90 permite agora uma divulgação ampla dos estudos que os arqueólogos, antropólogos e historiadores estão a realizar neste espaço geográfico designado por Terras do Infante.

Era a altura de atribuir a Lagos, de novo, o estatuto de cidade vencedora e de apoiar estas celebrações de importância ou de interesse cultural.

Mas há outro motivo para que, este ano, a celebração deste dia seja particular. Desde há dois anos que estamos a invocar o nascimento de Camões, ocorrido há 500 anos, presume-se que entre 1524 e 1525. Calcula-se que assim tenha sido, mas vale a pena refletir sobre o facto, pois, tal como não sabemos como decorreu a sua infância, nem a sua formação, também desconhecemos o local e o dia em que o poeta nasceu.

Para sermos justos sobre a sua vida inicial, apenas podemos dizer o que um certo maestro célebre disse de Beethoven: Um dia Camões nasceu e nunca mais morreu. Nunca mais morreu.

Provam-no a forma como, passados cinco séculos, tem sido revisitado ao longo destes dois últimos anos. As escolas, a academia, o mundo da edição, os vários campos das artes e das ciências humanísticas em Portugal têm dado rosto a toda uma espécie de comemoração espontânea e informal em torno do nosso poeta maior.

Novos autores têm surgido, atualizando a exegese sobre os seus poemas e o conhecimento acumulado em torno da vida de Camões.

O jovem ensaísta Carlos Maria Bobone pôs recentemente em relevo o papel decisivo que Camões desempenhou ao fixar uma língua nova à altura de um pensamento novo que resultaria definitivamente na Língua Portuguesa moderna que hoje usamos.

Demonstrou como a língua portuguesa, manobrada no seu esplendor, resultou como uma dádiva que devemos ao grande cantor do Oceano, como lhe chamou Baltasar Estaço.

Por sua vez, a biógrafa Isabel Rio Novo, numa visita recente, profusamente documentada que faz à vida de Camões, no final, não deixa de se comover com os testemunhos sobre os últimos dias do poeta, demonstrando que as histórias que correm sobre certos passos da sua vida, afinal, não são lendas, são verdades.

O receio de sermos românticos não nos deveria afastar da realidade testemunhada. E assim, a mim, não me pareceria errado que os adolescentes portugueses conhecessem o comentário que Frei José Índio redigiu na margem de um exemplar d’Os Lusíadas, presumivelmente oferecido pelo próprio autor na hora de partir. Escreveu o frade: Yo lo vi morir en un hospital en Lisboa sem tener uma sábana com que cobrisse, despues de haver navegado 5.500 léguas per mar.

Assim foi, sem um lençol. Terá sido um amigo quem lhe enviaria a sábana, já depois de morto.

Não me parece que daí se devam retirar conceitos patrióticos ou antipatrióticos. Conceitos sobre a vida humana e seu mistério, isso, talvez.

Entretanto, por contraste, sobre a obra que deixou, milhares de páginas de novo têm sido escritas, confirmando a dimensão invulgar do poeta que foi.

Hélder Macedo, um dos seus leitores mais subtis, disse recentemente numa entrevista que, se Camões tivesse continuado a viver, ninguém mais em Portugal teria sido capaz de escrever um verso. Essa hipérbole é linda.

Assim como é reconfortante saber que os professores deste país continuam a ler às crianças epigramas, redondilhas e vilancetes de Camões, como se fossem filos modernos, feitos de palavras, o que mostra que os portugueses continuam vivamente enamorados do seu poeta maior.

Mas se o patrono destas celebrações é o poeta do virtuosismo verbal e do amor conceptual, o amor maneirista, o poeta do questionamento filosófico e teológico, como é em “Sôbolos rios que vão”, e o poeta dos longos versos enfáticos sobre o heroísmo dos viajantes do mar, ao regressarmos a todos esses versos, escritos há quase 500 anos, encontramos coincidências que nos ajudam a compreender que os tempos duros que atravessamos têm conformidade com os tempos em que o próprio viveu.

Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo e, sobre a consciência dessa mudança, no conjunto das 1.102 oitavas que compõem Os Lusíadas, 22 delas contêm avisos explícitos sobre a crise que se vivia então.

Aliás, hoje é ponto assente que o poema épico encerra um paradoxo enquanto género, o paradoxo de constituir um elogio sem limites à coragem de um povo que havia resultado da criação do Império e, em sentido oposto, conter a condenação das práticas que, passados 50 anos, impediam a manutenção desse mesmo Império.

E nesse campo pode-se dizer que Os Lusíadas, poema que no fundo justifica que o dia de Portugal seja o dia de Camões, expressa corajosas verdades dirigidas ao rosto dos poderes que elogia.

É bom lembrar que, entre os séculos XVI e XVII, três dos maiores escritores europeus de sempre coincidiram no tempo apenas durante 16 anos e, no entanto, os três desenvolveram obras notáveis de resposta ao momento de viragem de que eram testemunhas.

Foram eles Shakespeare, Cervantes e Camões. De modo diferente, mas em convergência, procederam à anatomia dos dilemas humanos e, entre eles, os mecanismos universais do poder, corpus que continua válido e intacto até aos nossos dias: sobre o poder grandioso, o poder cruel, o poder tirânico, o poder temeroso e o poder laxista.

No caso de Camões, de que se queixa ele quando interrompe o poema das maravilhas da história para lembrar a mesquinha realidade que envenenava o presente de então? Queixava-se da degradação moral, mencionava “o vil interesse e sede imiga/Do dinheiro, que a tudo nos obriga”, e evocava, entre os vários aspetos da degradação, o facto de sucederem aos homens da coragem que tinham enfrentado um mar desconhecido, homens novos, venais, que só pensavam em fazer cultura. Mais do que isso, queixava-se da subversão do pensamento, queixava-se da falta de seriedade intelectual, que resultava depois, na prática, na degradação dos atos do dia a dia.

Escreve o poeta no final do canto oitavo: “Este deprava às vezes as ciências,/ Os juízos cegando e as consciências./ Este interpreta mais que sutilmente/ Os textos; este faz e desfaz leis;/ Este causa os perjúrios entre a gente/E mil vezes tiranos torna os Reis”.

Na verdade, Camões, Cervantes e Shakespeare, de modos diferentes, expuseram os meandros da dominação, envolvidos com o tempo histórico dos impérios que viveram.

Por essa altura, sobre os reis de Portugal, Espanha e Inglaterra, dizia-se que lutavam entre si pelo domínio do globo terrestre. Ou mais concretamente, dizia-se então que os três competiam para ver quem acabaria por pendurar a terra ao pescoço como se fosse um berloque.

Os três autores perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência.

Escreveu Shakespeare no ato IV do Rei Lear: “É uma infelicidade da época que os loucos guiem os cegos”.

Enquanto isso, Cervantes criava a figura genial do alucinado Dom Quixote de La Mancha, que até hoje perdura entre nós como o nosso irmão ensandecido.

Por seu lado, Camões, no corpo d’Os Lusíadas, não falou da loucura, mas a vida haveria de lhe demonstrar que as páginas escritas por si mesmo haviam sido proféticas, em resultado dela, da loucura. O desastre de Alcácer-Quibir, ocorrido em 1578, estava assinalado numa das últimas estrofes do Canto X. Era a história, como sempre, a confirmar o pressentimento experimentado pela literatura.

No entanto, o fim do ciclo, que neste caso aqui interessa, não é mais uma transição localizada que diga apenas respeito a três reinos da Europa.

Nos dias que correm, trata-se do surgimento de um novo tempo que está a acontecer à escala global. Porque nós, agora, somos outros.

Deslocamo-nos à velocidade dos meteoros e estamos cercados de fios invisíveis que nos ligam para o espaço.

Mas alguma coisa desse outro fim de século, que se seguiu ao tempo da Renascença malograda, relaciona-se com os dias que estamos a viver. O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra redonda é disputada por vários pescoços em competição, como se mais uma vez se tratasse de um berloque.

E os cidadãos são apenas público, que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores. E os seus ídolos são fantasmas.

É contra isso e por isso que vale a pena que Portugal e as Comunidades Portuguesas usem o nome de um poeta por patrono. Por isso mesmo, também vale a pena regressar a Lagos.

Sobre estes areais, aconteceram momentos decisivos para o mundo.

No início da Idade Moderna, Lagos e Sagres representaram tanto para Portugal e para a Europa que à sua volta se constituíram mitos que perduram. O Promontório e a silhueta do Infante austero que sonhou com o achamento de ilhas e outros descobrimentos, como parte de uma guerra santa antiga, e tudo realizou a poder de persistência férrea e sagacidade empresarial, transformou-se numa figura de referência como criador de futuros. À sua figura anda associado um sonho que se realizou e depois se entornou pela terra inteira e a lenda coloca-o a meditar em Sagres.

Numa referência um tanto imprecisa, mas que permite a sua evocação, Sophia escreveu: “Ali vimos a veemência do visível/ o aparecer total exposto inteiro/ e aquilo que nem sequer ousáramos sonhar/ era o verdadeiro”.

Esta ideia de que, na mente do Infante, se processou uma epifania, anda-lhe associada enquanto mentor de uma equipa mais ou menos informal que teve a capacidade de motivar e dirigir. Sagres passou, assim, para a história e para a mitologia como lugar simbólico de uma estratégia que mudaria o mundo.

Mas existe uma outra perspetiva, como é sabido, e hoje em dia o discurso público que prevalece é, sem dúvida, sobre o pecado dos Descobrimentos e não sobre a dimensão da sua grandeza transformadora.

É verdade que a deslocação coletiva que permitiu estabelecer a ligação por mar entre os vários continentes e o encontro entre povos obedeceu a uma estratégia de submissão e rapto, cujo inventário é um dos temas dolorosos de discussão na atualidade.

É preciso sempre sublinhar, para não se deturpar a realidade, que a escravatura é um processo de dominação cruel, tão antigo quanto a humanidade.

O que sempre se verificou foi diversidade de procedimentos e diferentes graus de intensidade.

E é indesmentível que os portugueses estiveram envolvidos num novo processo de escravização longo e doloroso.

Lagos, precisamente, oferece às populações atuais, a par do lado mágico dos Descobrimentos, também a imagem do seu lado trágico.

Falo com o sentido justo da reposição da verdade e do remorso pelo facto de que se ter inaugurado o tráfico negreiro intercontinental em larga escala, como polos de abastecimento nas costas de África, e assim se ter oferecido um novo modelo de exploração de seres humanos que iria ser replicado e generalizado por outros países europeus até ao final do século XIX.

Lagos expõe a memória desse remorso. Mostra como, num dia de agosto de calor tórrido de 1444, desembarcaram aqui 235 indivíduos raptados nas costas da Mauritânia e como foram repartidos e por quem.

Alguém que, muito prezamos, encontrava-se em cima de um cavalo e aceitou o seu quinhão de 46 cabeças. Esse cavaleiro era nem mais nem menos do que o próprio Infante D.Henrique.

Lagos não se furta a expor essa verdade histórica.

Lagos também mostra o local onde depois levas sucessivas iriam ser mercadejados os escravos. E mais recentemente relata-se como eram atirados ao lixo quando morriam sem um pano a envolver os corpos. Até agora foram retirados desse monturo de Lagos os restos mortais de 158 indivíduos de etnia Banta.

Lagos mostra esse passado ao mundo para que nunca mais se repita. Talvez por isso estejamos aqui,no dia de hoje.

Aliás, a UNESCO criou a Rota do Escravo e inscreveu Lagos na Rota da Escravatura, para que saibamos como os seres humanos procedem uns com os outros, mesmo quando se fundamentam em religiões fundadas sob os princípios do amor e sob a lei dos direitos humanos.

Lagos mostra esse filme e faz-se parente de quem escreveu na porta de um lugar de extermínio moderno o pedido solene: Homens não se matem uns aos outros.

É verdade que só conhecemos o que sucedeu naquele dia 8 de agosto de 1444 porque o cronista do infante Dom Henrique o narrou. Eanes Gomes de Zurara não conseguiu evitar um sentimento de compaixão e comentou, de forma comovida, como a chegada e a partilha dos escravos era cruel. Felizmente que dispomos dessa página da “Crónica dos Feitos de Guiné” para termos a certeza de que havia quem não achasse justo semelhante degradação e o dissesse.

Aliás, sabemos que sempre houve quem repudiasse por completo a prática e o teorizasse.

O que significa que Lagos, a cidade dos sonhos do Infante de que Sagres é a metáfora, passados todos estes séculos, promove a consciência sobre o que somos capazes de fazer uns aos outros. Esta tornou-se, pois, uma cidade contra a indiferença.

É uma luta nossa, contemporânea.

Em Lagos, hoje em dia, está presente de outro modo a mensagem do cartoon de Simon Kneebone, datado de 2014, que tem corrido mundo.

A cena é nossa contemporânea. Passa-se no mar. Num navio enorme, aparelhado com armas defensivas, no alto da torre, está um tripulante que avista ao longe uma barca frágil, rasa, carregada de migrantes.

O tripulante da grande embarcação pergunta: de onde vêm vocês? Da lancha, apinhada, alguém responde: vimos da terra.

Sugiro que os jovens portugueses, descendentes de cavadores braçais, marujos, marinheiros, netos de emigrantes que partiram descalços à procura de trabalho, imprimam este cartoon nas camisas quando vão ao mar.

Consta que em pleno século XVII, 10% da população portuguesa teria origem africana.

Essa população não nos tinha invadido. Os portugueses os tinham trazido arrastados até aqui. E nos miscigenámos.

O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro. A falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade. Cada um de nós é uma soma.

Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou. Filhos do pirata e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas.

A consciência dessa aventura antropológica talvez mitigue a fúria revisionista que nos assalta pelos extremos nos dias de hoje, um pouco por toda a parte.

Agora que percebemos que estamos no fim de um ciclo e que um outro se está a desenhar, e a incógnita existencial sobre o futuro próximo, ainda desconhecido, nos interpela a cada manhã que acordamos sem sabermos como irá ser o dia seguinte.

A pergunta é esta: quando ficarem em causa os fundamentos institucionais, científicos, éticos, políticos e os pilares de relação de inteligência homem-máquina, entrarem num novo paradigma, que lugar ocuparemos nós como seres humanos? O que passará a ser um humano?

Comecei por dizer que Camões nasceu e nunca mais morreu.

Regresso à sua obra para procurar entender que conceito tinha a poeta sobre o que era um ser humano. Sobre si mesmo, toda a sua obra o revela como vítima da perseguição de todas as potestades conjugadas. A sua obra lírica é uma resposta a esse abandono essencial.

Em conformidade com essa mesma ideia, ao terminar o canto I d’Os Lusíadas, Camões define o ser humano como um ente perseguido pelos elementos: “Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida/ Que não se arme, e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno”.

Nestes versos, se reconhece o conceito renascentista, o da grande solidão do ser humano e a sua luta estóica contra, centrada na confiança em si mesmo.

Mas, na prática, essa atitude representava uma orfandade orgulhosa que facilmente a fortuna não reconhecia. Curiosamente, no final da vida, o corpo nu de Camões só teve um lençol, o oferecido, a separá-lo da terra. Igual à sorte do seu corpo, essa sorte não difere daquela que mereceram os corpos dos escravos aqui em Lagos.

Mas entretanto, no século XIX, o direito à proteção beneficiada pelo Estado começou a emergir. Criaram-se documentos essenciais tendo em vista o respeito pelos cidadãos. Depois das duas guerras mundiais do século XX, foi redigida e aprovada a Carta dos Direitos Humanos e, durante algumas décadas, foi tentado implantá-los como código de referência um pouco por todo o mundo. Só que ultimamente regride-se a cada dia que passa.

O conceito de representatividade respeitável da figura do Chefe de Estado, oriundo do povo grego, princípio que sustentou a trama purificadora das tragédias clássicas, a que se juntou depois o princípio da exemplaridade colhida dos Evangelhos, essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre os dignos, está a ser subvertida.

A cultura digital subverteu a regra da exemplaridade. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende.

Um Chefe de Estado de uma grande potência, durante um comício, pôde dizer: adoro-vos, adoro os pouco instruídos. E os pouco instruídos aplaudiram.

Pergunto, pois, qual é o conceito hoje em dia de ser humano? Como proteger esse valor que até há pouco funcionava e não funciona mais?

Hoje, dia de Portugal, de Camões e das comunidades, não será legítimo perguntar, sem querer ofender quem quer que seja, perguntar como manteremos a noção de ser humano respeitável, livre, digno, merecedor de ter acesso à verdade dos factos e à expressão da sua liberdade de consciência?

Nós, portugueses, não somos ricos. Somos pobres e injustos. Mas, ainda assim, derrubámos uma longuíssima ditadura e terminámos com a opressão que mantínhamos sobre diversos povos e com eles estabelecemos novas alianças e criámos uma comunidade de países de língua portuguesa. E fomos capazes de instaurar uma democracia e aderir a uma união de países livres e prósperos que desejam a paz.

Assim sendo, por certo que ainda não temos as respostas, mas, perante as incógnitas que nos assaltam, sabemos que temos a força.

Leio Camões, aquele que nunca mais morreu, e comovo-me com o seu destino, porque se alguma coisa tenho em comum com ele, que foi génio, e eu não sou, é a certeza de que partilho da sua ideia, de que um ser humano é um ser de resistência e de combate. É só preciso determinar a causa certa.

Muito obrigada.”