A polícia britânica está a investigar uma violação “virtual” a uma jovem, menor de idade, que terá acontecido num jogo - Horizon Worlds – no metaverso. Apesar de haver registo de outros casos semelhantes, tanto no Reino Unido, como nos Estados Unidos, esta será a primeira vez que uma entidade policial abriu um inquérito. A notícia foi avançada pelo jornal britânico Daily Mail.
A jovem, com menos de 16 anos, ou melhor, o seu avatar, foi atacado durante o jogo e abusado sexualmente por um grupo de desconhecidos. Foi uma violação virtual em grupo. Apesar de fisicamente não haver qualquer dano, as autoridades britânicas consideram que ela ficou psicologicamente e emocionalmente afetada como alguém que tivesse sido violada no mundo real. O tema é polémico e nem todos concordam com a opção.
Elsa Veloso, advogada especialista em privacidade e proteção de dados e CEO, da DPO Consulting, conhece o caso e espera que este seja levado à justiça. “As pessoas e os menores ficam traumatizados, são efetivamente assediados e sentem-no fisicamente”, porque a sensação do metaverso, do mundo virtual, “é extremamente física e real”, explica a advogada.
Há quem defenda que não existem consequências no mundo real, “mas estamos a ver que existem consequências no mundo real”, acrescenta. Na sua opinião, seja no mundo virtual, seja online, “relativamente ao metaverso, as violações, os bullyings, todas as formas de chantagem ou de extorsão de dinheiro não estão devidamente reguladas”. Principalmente a garantia de “proteção das crianças e dos jovens” que considera essencial.
Neste caso concreto, Elsa Veloso diz que o primeiro passo é “ver a lei que se aplica, do ponto de vista do direito internacional. E qual é a lei aplicável? Em que território foi cometido, efetivamente, o crime? Quem são os intervenientes? Qual a idade dos intervenientes?”.
A Meta, criadora do metaverso, propriedade de Mark Zuckerberg, tem uma sede na Irlanda. “As empresas são obrigadas a cumprirem com a legislação do território onde estão a operar”, explica Elsa Veloso. Por isso, “em princípio, deve-se aplicar o RGPD, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, que prevê capítulos especiais de proteção das crianças. E essas leis têm de ser aplicadas”.
Como, por exemplo, perceber se no acesso “às redes foram cumpridos os princípios da idade. O que acontece é que cabe ao metaverso provar que tomou todas as medidas necessárias para garantir que quem acedeu tinha a idade necessária para aceder”.
É por isso que defende que “o metaverso existe uma necessidade imensa de regulamentação, porque a verdade é que, do ponto de vista emocional, as crianças e os adolescentes, os jovens, não estão protegidos”.
O caso desta jovem britânica não é o primeiro a ser notícia. Em 2022 foi também notícia outra situação que envolvia uma mulher. Esta foi revelada no relatório “Metaverse: outra fossa de conteúdo tóxico”, elaborado pela organização sem fins lucrativos SumOfUs, que se dedica a abordar questões como os direitos humanos e o poder corporativo.
A mulher garantiu que foi "violada" no metaverso do Facebook durante uma festa privada enquanto outros utilizadores assistiam. O relatório descreve o caso com algum pormenor, revelando a natureza sórdida da situação. A vítima diz que se sentiu completamente "desorientada".
E a ida desta vítima ao metaverso começou por ser um estudo sobre o comportamento dos utilizadores no Horizon Worlds, mas depressa culminou numa violação e numa experiência emocional tão confusa quanto traumática. A investigadora entrou no espaço virtual da Meta, mas nem uma hora depois o seu avatar já estava a ser violado.
“O metaverso abre caminhos para predadores cometerem crimes horrendos contra crianças”
Ian Critchley, o responsável máximo do Conselho Nacional da Polícia para a Proteção das Crianças contra o Abuso alertou mesmo, após o caso da violação da menor se ter tornado conhecido, que “o metaverso abre caminhos para predadores cometerem crimes horrendos contra crianças”, escreve o Daily Mail.
Elsa Veloso acredita que não é só no mundo virtual que o perigo é muito real. E aponta o dedo às redes sociais. “As redes sociais transmitirem esta política dos ‘likes’, em que as pessoas sabem nomes e marcas, mas esqueceram-se de aprender dos animais e as plantas. E, portanto, estão desligados do mundo real, do mundo concreto, do dia-a-dia, vive-se da dopamina constante”.
Além disso, “com a inteligência artificial, vamos assistir a um incremento substancial das deep fakes, fake news, que vão confundir por completo as crianças e os jovens, que não têm capacidade crítica, nem estão preparados para distinguir o que são notícias falsas e notícias verdadeiras”.
Uma das primeiras regras, para esta especialista, devia ser a garantia de que as redes ou as plataformas não são usadas por quem não tem a idade legal prevista para o fazer. Isto “não garante tudo, mas é uma primeira linha”.
O caso do Tik Tok, “que tem sido alvo de coimas altíssimas” é um exemplo dado pela advogada. “O TikTok está a ser proibido e banido, está a ter coimas altíssimas, porque existe uma invasão enorme da privacidade. Existe ainda uma transferência de dados para a China. Não existe proteção relativamente aos menores e existem técnicas para viciar, que é a palavra certa. Criar comportamentos aditivos relativamente a estas plataformas”.
Além disso, Elsa Veloso deixa outro alerta: “Existem redes organizadas de exploração sexual infantil, que fazem com que os mais novos comecem por dar o endereço e depois dão uma fotografia e depois a seguir já estão a fazer vídeos online”. “São redes organizadas que têm objetivos muito próprios de apanharem os mais vulneráveis e conseguirem atraí-los para fins menos próprios”.
O apelo final é para os pais. Para que estejam atentos. Os mais novos “não podem estar sozinhos, permanentemente, ligados aos computadores, às redes sociais. Sem falarem, sem brincarem, sem interagirem, sem ganharem capacidade crítica. Eles têm de ganhar capacidade crítica através do mundo real”.
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