Os Velhos
Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final.
Os mais velhos têm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
não menos de 50 — enorm'idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proíbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infrigiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarão
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me vêem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milénios.
Sigo, seco e só, atravessando
a floresta de velhos.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo'
2 comentários:
Um texto que estando do outro lado do mar se aplica aqui a qualquer "largo municipal"
Somos aqui, também, uma floresta de velhos, mas... com boas promessas (viu o video da Joana? é o mais belo discurso intergeracional que me foi dado ouvir...)
Caro Rogério!
Sim, magnífica intervenção cívica, sem dúvida.
Também gostei imenso da intervenção de Fernando Loureiro,um antigo quadro do banco que se mostrou indignado com a indignação de banqueiros que têm elevadas reformas.
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