segunda-feira, 31 de julho de 2017

365 dias da vida de uma árvore (com vídeo)



Parque Abruzzo

Um novo vídeo publicado online pelo Parco Nazionale d’Abruzzo, Lazio e Molis, no centro de Itália, mostra um ano completo na vida de uma faia, visitada pelos vários animais que vivem na floresta, de lobos e raposas a javalis e ursos. “Quatro estações que fluem em torno de uma importante encruzilhada de odores, sinais e mensagens deixadas. Há árvores onde colocar seus ovos ou onde encontrar um abrigo; árvores para procurar comida ou simplesmente coçar as costas e, assim, deixar um traço de sua passagem “, escreveu o parque na descrição.

Localizado no coração da cordilheira dos Apeninos, o Parco Nazionale d’Abruzzo abrange uma área de quase 500 km2. Além do urso pardo marsicano, símbolo do parque, a camurça dos Montes Apeninos é uma das espécies mais frágeis que aqui se encontra, classificada como vulnerável.

O vídeo que publicamos, de autoria de Bruno D’Amicis/Umberto Esposito, tem apenas o som natural da floresta.


sexta-feira, 28 de julho de 2017

Manifesto Pela Floresta Contra a Crise, 2011 (texto e os signatários)

Parque Natural Serra São Mamede

"O que tem faltado? (...) na pequenez da propriedade e no individualismo da nossa matriz cultural. Sem cortar este nó górdio e desenhar medidas que transformem a estrutura da propriedade, será impossível promover a eficiência económica dos dinheiros públicos e privados, cada vez mais escassos, e assegurar a competitividade das fileiras florestais.
Isto implica a necessidade de conduzir com urgência uma reestruturação fundiária sob o primado do interesse nacional, respeitando a propriedade privada.
Esta reestruturação fundiária é decisiva, uma vez que mais de 90% das terras florestais são detidas por privados. Assim, o tema decisivo e prioritário da política florestal é a capacidade de assegurar que a propriedade florestal seja adequadamente gerida."
(excerto do Manifesto Pela Floresta contra a Crise, 2011)

O manifesto “Pela Floresta contra a Crise”, apelando a uma “política fiscal coerente” para aproveitar o potencial económico, social e ambiental da floresta foi entregue em Setembro de 2011 no Ministério da Agricultura, Ambiente, Mar e Ordenamento do Território, tendo sido na altura amplamente publicado em diversos jornais.

Este manifesto sublinha que é preciso «reforçar o papel do associativismo» e «conceber uma política fiscal coerente que propicie uma reestruturação fundiária adequada».

Transcrevo de seguida o manifesto na íntegra:



O manifesto – Pela Floresta Contra a Crise

Para sair do ciclo vicioso da recessão, endividamento externo, empobrecimento e aumento do desemprego a sociedade portuguesa tem de crescer economicamente e valorizar o trabalho, consumir menos produtos importados, criar riqueza transaccionável com base nos recursos nacionais, transformar esse produtos e exportá-los para mercados que valorizem a qualidade. Vários estudos têm destacado o potencial dos recursos endógenos, como o turismo, o património cultural, o mar, os recursos geológicos, a agricultura e a floresta.

Em Portugal os espaços silvestres ocupam 64% do território dos quais mais de metade estão arborizados (38%). Esta riqueza que herdámos e que temos vindo a utilizar, com base na transformação e exportação dos seus produtos (12% das exportações nacionais), permite pagar o que importamos para nos alimentarmos; cria e mantém mais de 140.000 postos de trabalho directos, remunera muitos milhares de proprietários e contribui em 3% para o PIB nacional. A floresta é uma das nossas principais riquezas! Cria emprego e desenvolve o interior do país, qualifica e organiza a força de trabalho que fornece as fileiras industriais da cortiça, do papel, dos aglomerados, da serração e do mobiliário. Estas indústrias não são deslocalizáveis e exportam produtos com elevadíssima taxa de valor acrescentado nacional. O território florestal suporta uma parte da pecuária, produz caça e pesca, e é fonte de energia renovável, fixadora de carbono, promotora da melhoria do solo, é salvaguarda de biodiversidade, regula o regime hídrico e constitui paisagens para lazer, recreio e turismo. É um valor nacional avaliado em muitos milhares de milhões de euros. É também história, cultura, memória, silêncio, bem-estar e futuro.

Neste momento de crise, pode a floresta ajudar o País a reerguer-se, criando riqueza e emprego e contribuir para a prosperidade dos nossos filhos? Os signatários deste Manifesto defendem que Sim. Contudo, é imperioso que de forma persistente e consistente no espaço e no tempo, seja promovida e valorizada a gestão activa dos recursos florestais. A percepção do valor da floresta vem de longe e sublinha o facto de os principais grupos económicos portugueses terem a sua origem na floresta. Mas, nos últimos 30 anos as alterações sociais e as dinâmicas nos territórios florestais e rurais sucederam-se a um ritmo que ultrapassou a capacidade de gestão existente (conhecimento, pessoas, instituições). Somente parece ter havido capacidade de reagir aos problemas, atacando não as suas causas, mas os sintomas e as consequências. Por exemplo, sabendo que o problema dos incêndios só se resolve com a gestão profissional da floresta, o país tem reiteradamente insistido numa estratégia de combate ao fogo; o risco de incêndio agrava-se, há depleção do valor actual e da expectativa de rendimentos futuros dos territórios florestais.

O País, sendo pobre, não tem o direito de olhar de soslaio para a sua floresta, pondo em causa o seu futuro e a sua soberania.

A aprovação por unanimidade na Assembleia da República da Lei de Bases da Floresta constituiu um marco histórico. Pese, embora, este consenso alargado entre todas as forças políticas, as medidas, os instrumentos e os recursos financeiros sucessivamente disponibilizados não têm tido as necessárias consequências práticas, como se demonstra pela degradação da qualidade e quantidade do material lenhoso (revelado pelos inventários nacionais), o abandono dos espaços florestais (incluindo os públicos), os impactes dos incêndios e o descontrolo das pragas e doenças. Dos inúmeros e bem financiados planos e programas, quase todos têm demonstrado uma incapacidade crónica em concretizar as justas expectativas de um país com uma das mais altas produtividades florestais da Europa.

O que tem faltado? Na maior parte do território florestal, com excepção da agro-silvo-pastorícia do Sul, as iniciativas dispersam-se e fragmentam-se na pequenez da propriedade e no individualismo da nossa matriz cultural. Sem cortar este nó górdio e desenhar medidas que transformem a estrutura da propriedade, será impossível promover a eficiência económica dos dinheiros públicos e privados, cada vez mais escassos, e assegurar a competitividade das fileiras florestais.

Isto implica a necessidade de conduzir com urgência uma reestruturação fundiária sob o primado do interesse nacional, respeitando a propriedade privada. Esta reestruturação fundiária é decisiva, uma vez que mais de 90% das terras florestais são detidas por privados. Assim, o tema decisivo e prioritário da política florestal é a capacidade de assegurar que a propriedade florestal seja adequadamente gerida.

Tendo a floresta um papel estruturante, quer no plano territorial, quer económico, ambiental e social, a sua má gestão (ou ausência dela) é mais do que um desperdício: é uma irracionalidade civilizacional, que acrescenta risco a quem quer gerir bem, e obriga a comunidade nacional a despender somas brutais de recursos financeiros cada vez mais raros.

Neste manifesto defendemos a necessidade insubstituível de uma reforma fiscal inteligente e coerente que penalize essas situações e que estimule a gestão activa e profissional do recurso terra, premiando quem faz e quem assegura a perpetuidade das receitas. Focados na resolução das causas do problema, os estímulos devem visar a mobilização dos proprietários através do apoio técnico e profissional para gestão e venda agregada dos seus produtos (reforçando a via associativa), o desbloqueamento das ZIF (Zonas de Intervenção Florestal) e a disponibilização dos recursos do Fundo Florestal Permanente para alavancar financeiramente as iniciativas de gestão dos proprietários. A via fiscal deve estimular o mercado da terra (venda ou renda). De tudo isto resultará também a atracção do investimento e a constituição de poupança.

Em síntese, lança-se o repto à governância do País (Parlamento, Governo e Autarquias), para que se dedique, directamente pelo desenho das políticas públicas, e indirectamente pela indução das práticas de gestão e de engenharia, à resolução das causas profundas e estruturais que estão na base da degradação da floresta portuguesa. O Futuro de Portugal passa por aqui!


O texto Manifesto II - Outra Vez os Incêndios - In Expresso, caderno de Economia, pág 38, edição de 10/11/2012
Os signatários, por ordem alfabética (os nomes assinalados com ( * ) correspondem ao grupo dinamizador da iniciativa):

Alberto de Castro
Prof. Faculdade de Economia e Gestão/U.Católica Porto. Presidente AG Centro PINUS
Álvaro Amaro
Autarca. Antigo Secretário de Estado Agricultura e Deputado
Américo M. S. Carvalho Mendes
Prof. Faculdade de Economia e Gestão/U.Católica Porto. Presidente Direcção Ass. Florestal do Vale do Sousa
António Alberto Gonçalves FerreiraEngº Agrónomo. Empresário agrícola e produtor florestal
António Alberto Monteiro AlvesProf. Emérito do ISA. Antigo Vice-Reitor UTL.
António Loureiro (*)
Presidente UNIMADEIRAS.
Director da Assoc. Florestal Baixo Vouga e da ANEFA – Assoc. Nac. Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente
Armando CarvalhoEngº Florestal
Francisco Avillez
Prof. Emérito ISA. Coordenador científico da AGROGES
Francisco Carvalho GuerraProf. Catedrático Jubilado Universidade do Porto. Antigo Presidente C. R. Porto / Univ. Católica.
Presidente FORESTIS – Associação Florestal de Portugal
João Ferreira do Amaral
Prof. Catedrático do ISEG aposentado.
Presidente da Associação para a Competitividade da Indústria da Fileira Florestal – AIFF
João M. A. Soares ( * )
Antigo Director-Geral Florestas e Secretário Estado Florestas.
João Santos Pereira ( * )
Prof. Catedrático I.S. Agronomia. Membro CNADS
João Soveral
Engº Florestal. Antigo vice-presidente Instituto Florestal
Jorge Sampaio
Antigo Presidente da República
Lucílio Martins
Engº Florestal. Aposentado da DG Florestas
Luis Braga da Cruz
Engº Civil. Prof. Convidado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
L. Valente de Oliveira
Prof. Aposentado U.Porto. Antigo Presidente CCRNorte.
Antigo Ministro Educação e das Obras P. e Planeamento e Admin. Território
Luisa Schmidt
Profª ICS/Univ. Lisboa. Membro CNADS
Maria do Loreto Monteiro
Profª Coordenadora aposentada.
Presidente da Sociedade Portuguesa Ciências Florestais
Pedro Bingre
Prof. Instituto Politécnico de Coimbra
Tiago Oliveira ( * )Mestre em Gestão Recursos Naturais
Victor Louro ( * )Engº Florestal. Aposentado da DG Florestas.
Antigo Secretário de Estado Estruturação Agrária e Deputado

terça-feira, 25 de julho de 2017

As árvores enviam sinais de socorro para as aves quando os insectos as atacam

Os pássaros podem cheirar  uma árvore que está infectada por insectos por diferenças de compostos químicos emitidos pelas plantas. Um benefício mútuo para ambos!


Uma investigação da Estação Experimental de  Zonas Áridas demonstrou pela primeira vez que um pássaro, o  chapim-real (Parus major),  cheira quando uma árvore está infestada por lagartas. Estas aves são capazes de identificar quais as plantas que estão infectadas com insetos devido a algumas pistas  olfactivas que as árvores libertam.

Pesquisadores da Estação Experimental de Zonas Áridas (EEZA-CSIC) e do Centro de Ecologia Terrestre (NIOO) da Holanda descobriram que as aves que se alimentam de insetos são atraídos por árvores infectadas pelas lagartas da borboleta (Lepidoptera) e qual o mecanismo responsável por este comportamento.

"Antes do ataque das lagartas, as plantas desenvolvem uma resposta de defesa que inclui a libertação de compostos voláteis que as aves predatórias usam ​​para encontrar presas", diz SINC Luisa Mestre da Paz, principal autora do estudo e pesquisadora EEZA-CSIC.

"Este fenómeno tem sido estudado em artrópodes predadores, mas apenas em aves insetívoras, embora eles são um dos mais importantes predadores de insetos", continua.

Para conhecer esse mecanismo, os cientistas fizeram vários experiências com os chapins. Eles permitiram que as aves escolhessem entre uma árvore infectada por lagartas de lepidópteros e outra árvore não-infectada. Também nas suas  experiências evitaram quaisquer rasto químico proveniente das lagartas, para concluir que as aves são atraídas por sinais químicos emitidos pela árvore, e não pelas larvas.

"Os nossos resultados mostraram que chapins são capazes de discriminar entre as árvores infectadas e árvores não infectadas, como observamos que as aves visitavam pela primeira vez a árvore infectada e também fizeram mais visitas a árvores que tinham lagartas do que as árvores  não infectadas ", diz a pesquisador.

As aves foram atraídos por árvores infectadas, mesmo quando, pouco antes do experimento, removê-los lagartas e folhas danificadas por eles, mostrando que as aves são um sinal para reconhecer a árvore infectada.

Árvores infectados e não infectados diferem tanto na emissão de compostos voláteis, assim como na cor das folhas. Ambos visão e o cheiro podiam estar envolvidos na discriminação dos pássaros.

"No entanto, foi realizado uma segunda experiência para ver que tipo de sinal era utilizado pelas aves. Foi oferecido a ambos os chapins sinais isolados e descobriu-se que a atração permaneceu sobre as árvores infectadas onde as aves só podia sentir o cheiro das árvores, mas não pela visão ", referiu Mestre da Paz.

Isto implica que as aves podem cheirar o que a árvore está infectado por diferenças de compostos químicos emitidos pelas plantas.

Benefício mútuo para as aves e plantas

Segundo a pesquisadora, este é um benefício para os pássaros insetívoros que são predadores de topo e para as árvores, que assim as ajuda a se livrar dos insetos.

Do ponto de vista do pássaro, usam sinais químicos de plantas infectadas também é benéfico porque vai fornecer informações sobre a presença de alimentos. Isto é especialmente importante em períodos de reprodução, onde as aves não só deve encontrar comida para si mesmos, mas para seus filhotes.

"Esta evidência da capacidade das aves insetívoras de usar sinais químicos de plantas é muito importante, considerando que as taxas de predação destes animais são muito mais elevados do que os de artrópodes predadores. Também destaca a necessidade de considerar as aves insectívoras no controle biológico de pragas ", diz Mestre da Paz

Referencia bibliográfica:

Luisa Amo, Jeroen J. Jansen, Nicole M. van Dam, MarcelDicke y Marcel E. Visser. “Birds exploit herbivore-induced plant volatiles to locate herbivorous prey” Ecology Letters, (2013) doi: 10.1111/ele.12177.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

E estávamos em 2013- Ambientalistas querem “travar a desregulamentação radical das plantações intensivas na floresta”

As organizações ambientalistas LPN, Quercus, Geota, Fapas, Oikos, Gaia, A Rocha, Flamingo e SPEA apelam aos deputados da AR para que exijam uma apreciação parlamentar do decreto-lei 96/2013, relativo às ações de arborização e rearborização. As organizações consideram que o decreto é “potencialmente desastroso para o nosso país”, por reforçar “o desordenamento territorial e agroflorestal através da desregulamentação da plantação de espécies exóticas”.
Joe Curtin, Musetouch

domingo, 23 de julho de 2017

Um cisne negro que é um verdadeiro jardineiro! (com vídeo)

Corremos todos para ver cisnes num parque urbano e tal...só? Tirar umas fotos e vir embora? Certamente os(as) mais pacientes, irão com mais calma inteirar-se do seu ciclo de vida, sozinhos(as), ou com amigos(as) e filhos (as)? E se houvesse mais cisnes jardineiros nas nossas ruas? Para isso tínhamos que reformular quase tudo sobre a nossa mobilidade e repensar que realmente aceitamos acriticamente a ditadura do automóvel. Um vídeo real para reflectir e reagir, portanto!



Foi razoavelmente simples e levou o seu tempo e muita abertura de espírito na comunidade humana em que vive o nosso cisne negro. O (a) jardineiro (a)  adoptou o cisne desde cria e para o cisne bébé o adulto humano seria a "mãe". Portanto por imitação e por comportamento inato, tudo o que a "mãe" fazia,  o nosso cisne fez até chegar a adulto. Integrado na sociedade, tornou-se num belo jardineiro muito eficaz, sedutor  e mais: dá alimento aos peixes do lago!

sábado, 22 de julho de 2017

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Quercus e Acréscimo: Prevenção custaria 165 milhões por ano, fogos custam mil milhões

A prevenção de incêndios florestais custaria por ano 165 milhões de euros, quando os prejuízos resultantes dos fogos causam um prejuízo de mil milhões, seis vezes mais, segundo as contas das associações Quercus e Acréscimo.

| Economia

"É necessário, assim, mais investimento na prevenção e ordenamento florestal, de modo a inverter esta situação", diz-se num comunicado da Associação Nacional de Conservação da Natureza, Quercus, e da Associação de Promoção ao Investimento Florestal, Acréscimo.

Os cálculos das duas associações tiveram em conta custos associados à abertura da rede primária de gestão de combustíveis (faixas sem arborização, com a floresta planeada para diminuir a superfície percorrida pelos incêndios, proteger casas e estradas e isolar potenciais focos de incêndio), a abertura e beneficiação de caminhos florestais e a recuperação e restauro de casas florestais.

Para os 165 milhões foram ainda considerados, dizem as associações, os encargos com o apoio, por cinco anos, a equipas de Sapadores Florestais, em recursos humanos e materiais, "prevendo a criação de duas equipas por concelho, bem como com a contratação de vigilantes por um período de quatro meses ao ano (junho a setembro)".

E engloba-se ainda encargos com a arborização de 1% da área continental com espécies autóctones de baixa combustibilidade, a realização do cadastro florestal simplificado em um milhão de hectares e a recuperação de 10 mil hectares por ano de áreas ardidas.

Quercus e Acréscimo lembram um estudo de 2012 feito por 21 personalidades que estima em mil milhões de euros os prejuízos económicos causados pelos incêndios anualmente, mas salientam que o mesmo não contabiliza "os incalculáveis custos com a perda de vidas humanas" e os encargos ambientais e sociais.

Os incêndios levam, frisam, à delapidação de recursos naturais, com destaque para o solo, à depreciação do território, com impacte na paisagem e no turismo rural, e a prejuízos para a saúde pública, pelo aumento da poluição para a atmosfera e para o meio aquático.

Considerando urgente atuar sobre "este problema nacional", Quercus e Acréscimo apelam no comunicado a "mais investimento na prevenção e ordenamento florestal" e a "sanções para os municípios que não cumpram a legislação de defesa da floresta contra incêndios".

"É inadmissível que ano após ano exista cada vez mais investimento em combate aos incêndios do que na prevenção dos mesmos", dizem a Quercus e a Acréscimo.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Música do BioTerra: Alien Sex Fiend - Ignore The Machine


Sun arise come every morningSun arise come every morningBringing back the warmth to the ground!I live in Siberia,
Through no fault of my own.We're a blank generation,In the danger zoneParacidal slumbers from 7 to 23...Only the blind follow me.
Abyssinia in the morning,Breakfast in Berlin.Oh!You leave me dying...
'Cause everybody wants what everybody's gotAnd everybody's got what everybody wantsSoldier lies bleeding where a church once stoodIgnore the machineIgnore the machine.
Couldn't get to sleep this morningI watched the skyI couldn't seeThere weren't no warningI watched you burn last night.
'Cause everybody's got what everybody wantsEverybody wants what everybody's gotSoldier lies bleeding where a church once stoodIgnore the machineIgnore.
Everybody wants what everybody's gotAnd everybody's got what everybody needsSoldier lies bleedingOh you leave me dying.
Everybody's got what everybody wantsEverybody wants what everybody's gotEverybody wants what everybody's gotAnd everybody needs.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Agostinho da Silva- Textos Pedagógicos

Beatrix Whistler, 1857 - 1896

“(...) a amizade pela árvore, pelo riacho, pelo animal livre é indispensável para a formação de um ser humano que pretendemos amplo e nobre” - Agostinho da Silva, O Método Montessori (1939), in Textos Pedagógicos I, p.232.

"(...) the friendship for the tree, the brook, the free animal is crucial for the formation of a human being that we intend to be broad and noble"

Obrigado, Paulo Borges

segunda-feira, 17 de julho de 2017

As lições a retirar do colapso de civilizações no passado, por João Paulo Soares

Passado e Hoje. Old and Today, Julho de 2017- por João Soares

As lições a retirar do colapso de civilizações no passado
                                                                              Chassez le naturel, il revient au galop!

(Expulse o natural, ele volta a galope!)

O discurso proferido sobre as alterações climáticas em curso, o aquecimento global, pode incutir uma crença que é a vingança ou a revolta da natureza contra a artificialidade crescente do ambiente criado pelos seres humanos e que o natural se reafirma com força por meio das catástrofes. Furacões, ciclones, tornados, inundações e secas mostrariam haver uma natureza "lá fora", de cujos ciclos o homem se faz vítima. No entanto, como Jared Diamond defende no seu livro “Colapso”, parece mais razoável pensar de outra forma: humanos, não-humanos, atmosfera, oceanos integram-se num nível sistémico, intrincado, complexo. É o facto que o efeito-estufa ilumina. Não há vingança, e sim, revelação definitiva da quase organicidade da relação do homem com o meio. 

O "natural" é modificar o ambiente. Como bem frisou Richard Lewontin em “A Tripla Hélice”, qualquer espécie de ser vivo, ao utilizar recursos escassos do ambiente e devolvê-los em formas que não podem ser utilizadas novamente por indivíduos da própria espécie, está a modificar o ambiente de forma "natural". Nada mais comum que comer, e nada mais ilustrativo da destruição micro-operada por cada célula viva: o metabolismo transforma comida em restos, produtos a serem excretados.

No entanto, há algo de peculiar no "terceiro chimpanzé", o Homo sapiens, desde que ele "desenvolveu a inventividade, a eficácia e as habilidades de caçador há uns 50 mil anos".  A colonização humana de qualquer grande extensão de terra virgem sempre foi seguida de enorme impacto ambiental: derrube de florestas, extinção de grandes animais "que evoluíram sem temer os seres humanos e foram facilmente abatidos, ou que sucumbiram à mudança de habitat, introdução de espécies invasoras e doenças trazidas pelo homem". A mesma história se repetiu na Austrália, na América do Norte, na América do Sul, em Madagáscar, nas ilhas do Mediterrâneo, no Havai, na Nova Zelândia e em diversas outras ilhas do Pacífico. Segundo Diamond, descobertas recentes de arqueólogos, climatólogos, historiadores, paleontólogos e palinologistas (especialistas em pólen) têm confirmado a suspeita de suicídio ecológico não-intencional por parte das sociedades que entraram em colapso. 

Mas o autor não crê num cenário apocalíptico de extinção da humanidade ou da civilização industrial. "Tal colapso pode assumir diversas formas, como a disseminação mundial de doenças ou de guerras provocadas pela escassez de recursos naturais". Na sua "estrutura de cinco pontos" de possíveis factores capazes de contribuir para um colapso, quatro - danos ambientais, alterações do clima, vizinhança hostil e parceiros comerciais corruptos - "podem ou não se mostrar significativos para uma determinada sociedade. O quinto factor- as respostas da sociedade aos seus problemas ambientais - sempre se mostrou significativo". 

Fica também implícito, no que Diamond diz, que confiar em tecnologias capazes de salvar o mundo é uma abordagem temerária. Das civilizações que entraram em colapso no passado e as que correm risco de entrar no presente, muitas dispunham de sofisticados aparatos tecnológicos para os padrões de seu tempo. No seu livro demonstra que as civilizações que ainda perduram, região a região, ilhas ou países foi devido ao facto de encontrarem soluções de eficiência que muitas delas passam por uma cultura e atitude de conservação dos recursos naturais e de precaução por parte dessas populações. Também não se deve entregar às indústrias, às empresas, às escolas, aos tribunais, à academia e/ou ao governo como os únicos que se comprometam a mudar de atitude: "nós, o público, temos a responsabilidade final".

domingo, 16 de julho de 2017

A Ginkgo biloba alberga no seu interior uma alga verde unicelular


Ginkgo biloba é uma espécie arbórea, cujos ancestrais surgiram no final da Era Primária. Esta espécie chegou à actualidade, porque encontrou refúgio em vales profundos, quentes e húmidos, no Sudoeste da China, permanecendo inalterada desde há milénios.

Árvore de grande porte, de 25 a 40 metros de altura, alberga no interior das suas células uma alga verde unicelular, que participa no seu metabolismo. Esta associação rara é uma endossimbiose.

Quando Jocelyne T. Guiller (artigo científico aqui) procedia a estudos citológicos em G. biloba, observou que as suas células em cultura, desprovidas de parede, entravam em necrose em poucas semanas. Em paralelo, surgiam, neste meio, amontoados de formações esféricas de um verde brilhante.

Constatou, posteriormente, tratar-se de uma alga unicelular do género Coccomyxa. Posta a possibilidade de ter ocorrido contaminação externa do meio de cultura, a observação de intensa proliferação da alga, no interior de células de G. biloba em necrose, veio confirmar a origem endógena desta alga.

Observações feitas posteriormente permitiram detectar a existência de Coccomyxa, num estado celular transitório imaturo, em células não necrosadas de diferentes tecidos de G. biloba. Estas formas precursoras da alga não apresentam quaisquer organitos visíveis num citoplasma homogéneo. Supõe-se que a existência de formas imaturas da alga em células vivas de G. biloba se deve à repressão exercida pelo genoma da árvore sobre o genoma do intruso tolerado.

Este passa a poder manifestar-se quando as células daquela entram em necrose, possibilitando, então, a proliferação da alga. Esta relação simbiótica, que se revela estável, poderá ter começado no momento em que uma alga do género Coccomyxa, ocasionalmente alojada perto do gâmeta feminino, terá sido conduzida até ele com os gâmetas masculinos. Incluída no ovo, a alga terá resistido à digestão intracelular, ajustando o seu processo de divisão no interior do hospedeiro.

Estudos genéticos de amostras de Coccomyxa recolhidas em G. biloba, em diferentes locais do globo, demonstraram semelhanças genéticas entre estas algas. Estas semelhanças sugerem que este tipo de simbiose intracelular foi e continua a ser transmitida de geração em geração.

Adaptado de T. Guiller, J., Pour la Science, Fevereiro 2008

sábado, 15 de julho de 2017

António Vicente, um herói que plantou uma floresta de 200 km no estado de São Paulo

A primeira árvore que Vicente plantou foi um castanheiro.


António Vicente era chamado de louco pelos vizinhos.
Afinal, quem compraria um pedaço de terra a 200 km de São Paulo para começar a plantar árvores?
"Quando comecei a plantar, as pessoas me diziam: 'você não viverá para comer as frutas, porque essas árvores vão demorar 20 anos para crescer'", conta Vicente ao repórter Gibby Zobel, do programa Outlook, do Serviço Mundial da BBC.

"Eu respondia: 'Vou plantar essas sementes, porque alguém plantou as que estou comendo agora. Vou plantá-las para que outros possam comê-las."
Vicente, prestes a completar 84 anos, comprou seu terreno em 1973, uma época na qual o governo militar oferecia facilidades de crédito para investimentos em tecnologia agrícola, com o objetivo de impulsionar a agricultura.

Mas sua ideia era exatamente a oposta.
Criado numa família numerosa de agricultores, ele via com preocupação como a expansão dos campos destruía as fauna e flora locais, e como a falta de árvores afetava os recursos hídricos.
"Quando era criança, os agricultores cortavam as árvores para criar pastagens e pelo carvão. A água secou e nunca voltou", explica.

"Pensei comigo: 'a água é o bem mais valioso, ninguém fabrica água e a população não para de crescer. O que vai acontecer? Ficaremos sem água."
As florestas são fundamentais para a preservação da água porque absorvem e retém esta matéria-prima em suas raízes. Além disso, evitam a erosão do solo.

Recuperação da floresta
Quando tinha 14 anos, Vicente saiu do campo e passou a trabalhar como ferreiro na cidade.

Com o dinheiro da venda de seu negócio, pôde comprar 30 hectares em uma região de planície perto de São Francisco Xavier, distrito de 5 mil habitantes que faz parte de São José dos Campos, no interior de São Paulo.

"A vida na cidade não era fácil", lembra ele.
"Acabei tendo de viver debaixo de uma árvore porque não tinha dinheiro para o aluguel. Tomava banho no rio e vivia debaixo da árvore, cercado de raposas e ratos. Juntei muitas folhas e fiz uma cama, onde dormi", diz Vicente.

"Mas nunca passei fome. Comia sanduíches de banana no café da manhã, almoço e jantar", acrescenta.

Após retornar ao campo, começou a plantar, uma por uma, cada uma das árvores que hoje formam a floresta húmida tropical com cerca de 50 mil unidades.

'Nadando contra a corrente'
Vicente nadava contra a corrente: durante os últimos 30 anos, em que se dedicou a reflorestar a sua propriedade, cerca de 183 mil hectares de mata atlântica no Estado de São Paulo foram desflorestados para dar lugar à agricultura.
Segundo a Fundação Mata Atlântica SOS e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a mata atlântica cobria originalmente 69% do Estado de São Paulo.
Hoje, a proporção caiu para 14%.
E, ainda que esteja distante do pico de 2004, quando 27 mil hectares foram destruídos, o ritmo de desmatamento voltou a aumentar.
Entre agosto de 2015 e julho de 2016, por exemplo, foram destruídos 8 mil hectares de floresta - uma alta de 29% em relação ao ano anterior e o nível mais elevado desde 2008, segundo dados do Inpe.

Animais e água
Um quadro pendurado na parede da casa de Vicente serve de lembrança das mudanças que ele conseguiu com seu próprio esforço.
"Em 1973, não havia nada aqui, como você pode ver. Tudo era pastagem. Minha casa é a mais bonita de toda essa região, mas hoje não se pode tirar uma foto desse ângulo porque as árvores a encobrem, porque estão muito grandes", brinca Vicente.

Com o replantio, muitos animais reapareceram.
"Há tucanos, todo tipo de aves, pacas, esquilos, lagartos, gambás e, inclusive, javalis", enumera.
"Temos também uma onça pequena e uma jaguatirica, que come todas as galinhas", ri.
O mais importante, contudo, é que os cursos de água também voltaram a brotar.
Quando Vicente comprou o terreno, só havia uma fonte. Agora, há cerca de 20.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Journalism Fights for Survival in the Post-Truth Era


The news media is in trouble. The advertising-driven business model is on the brink of collapse. Trust in the press is at an all-time low. And now those two long-brewing concerns have been joined by an even larger existential crisis. In a post-fact era of fake news and filter bubbles, in which audiences cherry-pick the information and sources that match their own biases and dismiss the rest, the news media seems to have lost its power to shape public opinion.

It’s worth remembering, though, that as recently as 30 years ago, people worried that the press had entirely too much power. In 1988, Edward Herman and Noam Chomsky published a book called Manufacturing Consent, which argued that the US media puts a straitjacket on national discussion. The news, they argued, was determined by the small handful of media corporations capable of reaching a mass audience—a huge barrier to entry that kept smaller, independent voices out of the conversation. The corporations’ business model relied on national-brand advertisers, which tended to not support publications or stories they found controversial or distasteful. And journalists relied on the cooperation of high-ranking sources, a symbiotic relationship that prevented the press from publishing anything too oppositional. As a result, Chomsky and Herman wrote, “the raw material of news must pass through successive filters, leaving only the cleansed residue fit to print.” The result was a false national consensus, one that ignored outlying facts, voices, and ideas.

In the three decades since Herman and Chomsky leveled their critique, almost every aspect of the news industry has changed. National-brand advertising has given way to automated exchanges that place ads across thousands of sites, regardless of their content. Politicians no longer need to rely on journalists to reach their audiences but instead can speak to voters directly on Twitter. In fact, the ability to reach a national audience now belongs to everyone. There is nothing to prevent fringe ideas and arguments from entering the informational bloodstream—and nothing to stop them from spreading.

These developments have upended the business logic that once pushed journalists toward middle-of-the-road consensus. When there were only three national news broadcasts, each competed to attract the broadest audience and alienate as few potential viewers as possible. But with infinite news sources, audiences follow the outlets that speak most uniquely to their interests, beliefs, and emotions. Instead of appealing to the broad center of American political opinion, more news outlets are chasing passionate niches. As media theorist Clay Shirky says, they can’t rely on captive viewers but always have to hunt down new ones, “recruiting audiences rather than inheriting them.”

These trends have been in place since the dawn of the internet, but they were supercharged over the past couple of years as social media—and especially Facebook—emerged as a major news source. Media professionals’ already-eroding power to steer the national conversation has largely vanished. Before social media, a newspaper editor had the final say as to which stories were published and where they appeared. Today, readers have usurped that role. An editor can publish a story, but if nobody shares it, it might as well never have been written.

The Decline in News Jobs
The number of Americans whose job it is to “inform the public about news and events … for newspapers, magazines, websites, television, and radio” has decreased by nearly 10 percent over the past decade, according to the Bureau of Labor Statistics. The next 10 years aren’t looking any better.

If readers are the new publishers, the best way to get them to share a story is by appealing to their feelings—usually not the good ones. A recent paper in Human Communication Research found that anger was the “key mediating mechanism” determining whether someone shared information on Facebook; the more partisan and enraged someone was, the more likely they were to share political news online. And the stories they shared tended to make the people who read them even more furious. “You need to be radical in order to gain market share,” says Sam Lessin, a former vice president of product management at Facebook. “Reasonableness gets you no points.”

In other words, we have gone from a business model that manufactures consent to one that manufactures dissent—a system that pumps up conflict and outrage rather than watering it down.

This sounds dire. Heck, it is dire. But the answer is not to pine for the days when a handful of publications defined the limits of public discourse. That’s never coming back, and we shouldn’t want it to. Instead, smart news operations, like the ones profiled in these pages, are finding new ways to listen and respond to their audiences—rather than just telling people what to think. They’re using technology to create a fuller portrait of the world and figuring out how to get people to pay for good work. And the best of them are indeed creating really, really good work. As the past 30 years of press history shows, everything changes. Great journalism helps us understand how and why things change, and we need that now more than ever.

Jason Tanz is the site director at WIRED. He has written feature articles about the sharing economy, Internet celebrities, and videogame auteurs

quinta-feira, 13 de julho de 2017

O modelo energético que já chegou, mas ainda está para vir (artigo longo, mas excelente)


A necessidade de uma transformação no sistema energético é consensual. Contudo o mesmo não se pode dizer sobre os caminhos que tomará esta transição. Entre comunidades locais, movimentos sociais, governos e empresas do setor, as diferenças de posição e orientação são muitas e variadas.

No passado dia 1 de Março foi anunciada a construção do maior projeto de captação de energia solar em Portugal até à data e um dos vinte maiores do mundo, o Solara4. Com uma potência instalada de 220 MW, o projeto, no concelho de Alcoutim, Algarve, prevê a instalação de 2,4 milhões de painéis solares. O investimento correspondente, de 200 M€, provém maioritariamente de duas empresas: a China Triumph International Engineering, parte do grupo China National Building Material, controlado pelo Estado chinês e pelo grupo britânico Welink, que tem ligações fortes a este e a outros grupos chineses. Investimentos desta natureza, em fontes de energia renovável, parecem à primeira vista incontroversos, mas, como qualquer outro, impõem uma abordagem ponderada. De acordo com um comunicado da associação ambientalista Almargem, o projeto ocupará e destruirá completamente uma área de serra com 600 hectares, o equivalente a cerca de 520 campos de futebol. A associação acrescenta ainda que “Como é óbvio, a Associação Almargem apoia o incremento dos sistemas de produção de energia não dependentes de combustíveis fósseis. (…) Num território como o Algarve, é preferível que se opte por implementar centrais solares mais pequenas, em zonas agrícolas abandonadas ou sem valor conservacionista, perto dos locais de consumo, onde todos os intervenientes possam ter benefícios e os impactes negativos sejam consideravelmente muito mais reduzidos.”. Esta situação tipifica o tipo de dilemas que grandes projetos definidos com “sustentáveis” frequentemente levantam, mas que raramente são reconhecidos ou debatidos pelos seus proponentes.

Outro exemplo relevante neste contexto é o da produção de energia hidroelétrica. 10 anos após o lançamento do Plano Nacional de Barragens pelo governo de José Sócrates em 2007, subsistem ainda 3 aproveitamentos hidroelétricos dos 10 inicialmente planeados. À destruição ambiental e ao impacto social causados por estas grandes hidroelétricas, devemos necessariamente contrapor o facto de, todas juntas, estas barragens contribuírem com a irrisória parcela de 1,7% da produção elétrica de Portugal, de acordo com o grupo Rios Livres do GEOTA. A relação entre investimento, impacto e retorno de projetos como estes deve legitimamente levar-nos a questionar quer a visão que os rege, quer acima de tudo a sua adequação.

Subindo alguns degraus na escala dos potenciais custos e impactos associados a projetos energéticos, este ano foi também o ano em que a energia nuclear voltou a estar na ordem do dia. A Central Nuclear de Almaraz, junto à fronteira com Portugal, que há poucos dias sofreu mais uma paragem não programada, coloca questões para as quais não há respostas felizes: comunidades sem voto na matéria, são forçadas a viver sob a ameaça permanente de um desastre nuclear.
Projetos como estes permitem ainda assim aos seus promotores invocar o argumento de produzirem energia “renovável” ou, pelo menos, independente da combustão de hidrocarbonetos. Outros nem isso. Alheia à recusa de dezenas de movimentos sociais, associações ecologistas e comunidades afetadas de Norte a Sul de Portugal, a GALP tenciona este ano realizar o primeiro furo para a prospeção de hidrocarbonetos ao largo da Costa Alentejana. Em comum estes projetos têm o facto de serem de grande dimensão, de se destinarem à produção de algum tipo de energia e de serem produto do investimento ou de grandes empresas do sector energético, como a GALP ou a Iberdrola, ou de investimento público de estados, ou ambos. Sintomaticamente, têm também em comum o facto de não terem sido debatidos com as populações ou as comunidades dos locais onde se implementam, indo contra inúmeros relatórios e estudos que denunciam os impactos e as consequências sobre as mesmas e o ambiente em geral. Sem surpresa, quase todos foram motivo de mobilizações e de contestação durante anos. Estes e outros grandes empreendimentos, aos quais podemos chamar mega-projetos energéticos, tipificam uma certa agenda, alheia, no essencial, ao interesse popular e à participação comunitária, que caracteriza muita da política em geral e a política energética em particular. Não espanta portanto que sejam contestados um pouco por toda a Europa e pelo mundo fora. Projetos como o Southern Gas Corridor, o gasoduto que visa abastecer a Europa com gás a partir do Azerbaijão, a exploração de carvão lignite na região alemã da Renânia, os campos de gás de Groningen, na Holanda, ou as linhas de alta-tensão no norte da Catalunha, entre muitos outros, têm sido apontados como fontes de enormes impactos ambientais e sociais. Estes e outros projetos, para os quais se canalizam muitos milhões em fundos europeus e nacionais, são produto deste mesmo modelo de produção e consumo energético centralizado em grandes infra-estruturas sob o controlo de estados ou multinacionais, que marginaliza inevitavelmente as populações afectadas, através de processos de decisão totalmente opacos e não inclusivos, sobre os quais estas não têm qualquer controlo. O exemplo paradigmático desta tendência são as estratégias previstas no Pacote sobre Segurança Energética Sustentával, apresentado em 2016 pela Comissão Europeia, no qual, entre outras coisas, se se consagra a expansão do uso de gás natural na Europa. Na prática traduzir-se-á na canalização de biliões, através de inúmeros projetos de pequena, média e grande dimensão, incluindo a construção de novo gasodutos intercontinentais e o desenvolvimento de uma infra-estrutura europeia associada à importação, armazenamento e distribuição de gás natural, que vinculará sem debate real os europeus ao uso deste combustível durante décadas. Ao mesmo tempo oferece à indústria um tremendo incentivo para a continuação da extração do mesmo, com todas as consequências que isso acarretará. Contudo este modelo não só tem sido alvo de uma crescente chuva de críticas, como também tem motivado a proposta de inúmeras alternativas.

Um passeio pela Europa das cooperativas.
Face a esta política de cima para baixo, plataformas cidadãs, coletivos ecologistas, académicos, ambientalistas e comunidades afetadas têm contraposto e promovido conceitos como energia comunitária, cooperativas de energias renováveis, autossuficiência e autonomia energética, ou democracia e soberania energética, apontando os mesmos como dinâmicas incontornáveis para uma transição energética não só ambiental e socialmente sustentável, mas socialmente dinamizadora e emancipatória. Indo além de ideias e conceitos estas propostas têm-se materializado em iniciativas concretas com o intuito de desenvolver novas relações entre os sistemas energéticos e as comunidades, centradas em energias renováveis e numa visão da energia como um bem comum e essencial. A multiplicação de cooperativas de eletricidade renovável, projetos de energia comunitária e inúmeras experiências com tecnologias de uso livre e aberto é evidente.

De acordo com o site rescoop.eu, da Federação Europeia de Cooperativas de Energia Renovável, existem na Europa cerca de 2400 REScoops, localizadas maioritariamente na Europa Ocidental, tendo a Alemanha, a Dinamarca e a Áustria o maior número de cooperativas em funcionamento. Neste universo a federação representa cerca de 1200 destas iniciativas e desde que foi fundada, em 2013, os seus membros investiram cerca de 2 biliões de euros em instalações para a produção de energia, que somam uma capacidade instalada de 1 GW. Tratam-se, na sua maior parte, de cooperativas de consumo de energia elétrica de origem renovável sem fins lucrativos. São idealmente estruturas transparentes com processos internos democráticos para a tomada de decisões, que podem ainda ser uma forma de investir coletivamente em infraestruturas locais de produção energética renovável com o fim de beneficiar uma comunidade. Uns cliques no mapa interativo disponível no site e fazemos zoom-in sobre a Península Ibérica. Automaticamente surgem pontos como a SOM Energia na Catalunha, a Zencer na Andaluzia, a Goiener no País Basco, a Nosa Enerxia na Galiza e a Coopérnico em Portugal, entre algumas outras. As várias regiões de Espanha têm sido palco nos últimos anos de um autêntico boom de cooperativas, onde a Catalã SOM Energia, primeira a constituir-se em 2010, é a maior de todas elas. Para compreendermos as razões que levaram a este rápido desenvolvimento temos de olhar quer para a natureza do mercado espanhol, quer para o impacto da crise financeira. De acordo com um artigo na revista El Ecologista, a persistência da crise, combinada com a subida dos preços da eletricidade nos últimos anos, gerou escandalosos problemas de pobreza energética. Estima-se que, em 2012, pelo menos 7 milhões de pessoas tiveram de destinar uma quantidade desproporcionada dos seus rendimentos para pagar faturas de eletricidade. Paralelamente, a chamada liberalização do sector energético, em curso desde os anos 90, traduziu-se na criação de um oligopólio com amplas ramificações na política espanhola. As 5 maiores empresas de geração elétrica, agrupadas na Unesa, associação espanhola da indústria, são responsáveis por 76% da geração, 85% da comercialização e 98% da distribuição no país. Estas empresas têm influência direta na legislação aprovada, diabolizam as energias renováveis com o objetivo de manter os seus investimentos em centrais de ciclo combinado a gás natural e manipulam preços. Um artigo publicado no jornal espanhol Diagonal, no final de 2016, notava que o preço da energia pago pelas famílias espanholas esteve entre os mais altos da Europa. No primeiro semestre de 2016, segundo dados do Eurostat, estava nos 0,218 €/kWh, acima da média europeia de 0,206 €/kWh e acima de França e Suécia, mas abaixo de Portugal, com um preço médio da eletricidade de 0,23 €/kWh (fonte: Pordata). Estes valores traduziram-se em lucros, entre 2008 e 2015, na ordem dos 56 624 M€ para as três maiores elétricas espanholas, Endesa, Iberdrola e Gás Natural Fenosa. Este período não é apenas um espaço de tempo em que o preço da eletricidade não parou de aumentar, mas também o da crise económica. O facto de os que mais sofreram com a crise terem sido os mesmos a paga-la não evitou a tragédia de cerca de meio milhão de habitações com a luz cortada em 2015, número só ultrapassado em 2012, um dos anos mais violentos da crise, com quase 1,5 milhões de cortes de luz em Espanha. É neste contexto de monopólio, ganância e prepotência que a proposta das cooperativas ganhou terreno. O número de membros das cooperativas não mais parou de aumentar. A SOM Energia, um projeto local impulsionado por 150 sócios, evoluiu para uma cooperativa com quase 33500 sócios em 2017, organizados numa estrutura descentralizada com dezenas de grupos locais por todo o país. Outras cooperativas surgiram entretanto. A Goiener, no País Basco, conta já com mais de 6153 sócios, e a Nosa Enerxia, na Galiza com cerca de 300.

Em Portugal o sector elétrico é igualmente dominado por empresas monopolistas. Em 2016 a EDP, concessionária da rede de distribuição nacional, obteve um resultado líquido de 961 M€ (mais 5% que em 2015) e em outubro passado, poucos dias após a inauguração do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), gerido pela Fundação EDP, a empresa voltou aos cortes de abastecimento em bairros sociais. Um comunicado conjunto de associações de moradores de vários bairros da grande Lisboa descreve que no Bairro da Torre, em Loures, a EDP “cortou, sem qualquer aviso, o acesso à energia a cerca de 70 famílias que aí vivem, incluindo a iluminação pública.” Após o corte a Câmara disponibilizou dois geradores, mas, esgotado o gasóleo, as famílias voltaram a ficar sem luz, pois era-lhes impossível pagar o combustível. Num outro episódio a EDP colocou em tribunal a associação de moradores do bairro da Jamaika, no Seixal, exigindo o pagamento de uma avultada soma. No bairro vivem 215 famílias em habitações com humidade, parco saneamento, frequentes inundações e prédios degradados. Em causa está a recusa, por parte da EDP, em realizar contratos individuais aos moradores e exigir que a associação faça a gestão das faturas, situação que não colheu acordo entre moradores e gerou conflitos. Em 2013 a empresa tinha já cortado a eletricidade nos bairros do Lagarteiro e de Contumil, no Porto. De acordo com o 2.º relatório da União energética da Comissão Europeia, de fevereiro passado, o país com o preço mais alto da eletricidade era o Reino Unido, seguido de Portugal, Grécia, Espanha e Itália. Foi também nestes países mediterrânicos que, entre 2013 e 2015, o preço por MWh de eletricidade mais subiu. Os relatos da pobreza energética não se ficam por aqui, como conta Miguel Heleno na edição de fevereiro de 2016 da versão portuguesa do jornal Le Monde Diplomatique. Pelo menos 22% da população vive em casas com défices graves de isolamento térmico. Os mais vulneráveis são, naturalmente, os idosos, que em grande parte habitam em meios rurais ou urbanos envelhecidos. ainda um outro dado importante: o peso da eletricidade na energia consumida em Portugal é muito superior à média da UE. 61.2% das famílias usa aquecimento elétrico, o que as torna, na prática, reféns da eletricidade, e do seu preço, para o aquecimento.

Mas também em Portugal existem experiências alternativas. Uma das que tem recebido mais destaque é a Coopérnico, uma cooperativa para a produção e comercialização de energia renovável. Criada em 2013, conta com 636 membros e fornece mais de 300 contratos para a venda de eletricidade sustentável de fontes renováveis. Tem investido na instalação de inúmeras centrais solares em meio urbano e tem já concluídos com sucesso inúmeros projetos, totalizando investimento superior a 500000€. A maior instalação está localizada em Mangualde, com uma potência instalada de 86 kW. Curiosamente, outros exemplos interessantes remontam não a 2013, mas aos anos 30 do século passado. Existem ainda hoje em Portugal cerca de 10 cooperativas elétricas locais, a maioria no norte do país, que datam desse período. Estas cooperativas formaram parte de uma resposta frequentemente colectiva aos desafios da eletrificação do interior rural. Inúmeras deixaram de funcionar ao longo do século passado, à medida que a rede nacional se desenvolvia, nomeadamente durante os anos 80, período aziago a projetos desta natureza, mas as dez que sobrevivem são na maioria casos de sucesso a vários níveis. Cooperativas como a CELER, de Rebordosa, a A Lord de Lordelo, CEL de Loureiro ou a CEVE de Vale d’Este, entre outras, são exemplos vivos e vitais de eletrificação cooperativa vinculada às comunidades a que pertencem. São locais, enraizadas e representativas do seu território, da sua população e da sua história, para os quais contribuíram ao longo de décadas. Fornecem eletricidade a preços inferiores à média nacional, com uma qualidade de serviço superior, fruto da proximidade aos utente e membros, dão lucros que em grande medida revertem para a comunidade, entre outros aspetos a destacar. Naturalmente, a maior parte da eletricidade que fornecem não provém de fontes renováveis e, como organizações quase centenárias, terão alguma bagagem associada ao contexto sociopolítico que as envolve. Mas não custa imaginar que poderão adoptar com maior facilidade soluções renováveis de menor impacto do que as descritas atrás. Finalmente, o AECT Duero-Douro, uma organização transfronteiriça sem fins lucrativos devotada ao desenvolvimento da região, anunciou no início do ano a criação de um uma cooperativa transfronteiriça, a EFI-Duero Energy, em parceria com mais de 200 municípios e entidades de ambos os lados da fronteira, com a promessa de oferecer eletricidade a preço de custo, sem margem comercial e de combate ao oligopólio que domina os dois mercados. Ao contrário da Coopérnico que tem um compromisso claro com a energia renovável produzida localmente, estes projetos, pelo menos nesta fase, oferecem propostas essencialmente interessantes no que toca ao comportamento dos mercados e à integração comunitária de serviços.

Para lá das cooperativas
As diversas experiências e perspetivas cooperativas na área da energia têm sido alvo de um alargado debate e estudo quer no meio académico, quer por inúmeros grupos e coletivos dedicados à soberania energética, mas também por sindicatos e outras organizações políticas. O trabalho de Conrad Kunze e Sören Becker, investigadores alemães sobre modelos cooperativos de produção energética, realça o papel que movimentos sociais desempenham quando unem iniciativas de transição energética a propostas de decrescimento ou abrandamento económico. Assim, definem “projectos colectivos de energia renovável politicamente motivados”, ou seja, iniciativas que se posicionam para lá da mera geração de eletricidade ou calor a partir de fontes renováveis, mas que assumem uma dimensão política, através de estruturas que promovem a participação, a propriedade coletiva, bem como processos de tomada coletiva de decisões. Os investigadores lançam-se na identificação desses projetos na Europa, usando ainda outros critérios, como o compromisso com objetivos ecológicos ou a criação de emprego ao nível local. O exemplo da SOM Energia surge na lista, lado-a-lado com muitos outros projetos. Um deles começou em 2003, quando a comunidade de Machynlleth, no País de Gales, através da cooperativa Bro Dyfi Community Renewables, foi responsável pela instalação da primeira turbina eólica comunitária, comprada em segunda-mão, com uma potência de 75 kW. Para os investigadores, o projeto de energia eólica em Machynlleth segue uma agenda de decrescimento: fornece energia renovável gerada localmente, acompanhada pela tentativa de impactar o estilo de vida da comunidade em termos energéticos, sem seguir um modelo comercial tradicional. A vila é também o local onde, desde os anos 70, está instalado o Centro para a Tecnologia Alternativa (CAT, na sigla em inglês), um centro de educação e investigação em sustentabilidade. Inicialmente uma parte da energia produzida pelo gerador servia para alimentar o CAT, sendo o excesso de produção injetado na rede de distribuição local. De acordo com a página do projeto, toda a energia gerada hoje em dia é injetada na rede local e em 2010 a comunidade instalou uma segunda turbina de 500 kW.
Em 2013 Berlin foi palco de uma tentativa de compra e municipalização da rede de distribuição local de energia. A campanha que antecedeu o referendo, a 3 de novembro, foi dinamizada pela Berlin Energy Roundtable, uma aliança de ONG’s, grupos ambientalistas, ativistas, coletivos anti-gentrificação e profissionais de energias renováveis. A proposta do referendo era retirar a concessão da rede à Vatenfall, companhia pública sueca, que é proprietária da rede desde a sua privatização, em 1997. A empresa é particularmente mal vista na Alemanha, pelo facto de ser dona de diversas centrais nucleares e minas de lignite perto de Berlin e porque, em 2012, processou o governo alemão, pedindo biliões de euros de indemnização pela decisão de encerrar gradualmente centrais nucleares na sequência do desastre de Fukushima. A aliança propunha que a rede local viesse a ser propriedade de uma nova companhia publica de energia 100% renovável, de base comunitária, gerida pelos cidadãos, pelos próprios trabalhadores e membros da Câmara Municipal. A companhia estaria ainda orientada para uma redução geral do consumo energético na cidade e para a implementação de tarifas sociais de eletricidade que prevenissem a pobreza energética. A proposta, aprovada por 83% dos votantes, falhou ficando 21,000 votos atrás do resultado necessário para a sua implementação.
Estes dois modelos, os mega-projetos e projetos de pequena e média dimensão, assentes em ação e soberania comunitárias, são em grande medida antagónicos e fazem parte do autêntico turbilhão que percorre o sistema energético. É preciso ainda não esquecer os avanços tecnológicos da ultima década que têm tornado cada vez mais acessíveis módulos fotovoltaicos, painéis de energia solar térmica para a produção de águas quentes e turbinas eólicas adaptáveis a todos os regimes de ventos urbanos ou rurais. O custo da energia fotovoltaica, por exemplo, diminuiu 85% nos últimos 7 anos, de acordo com o relatório Carbon Tracker do Imperial College de Londres, ganhos que, à luz de avanços tecnológicos previsíveis, tenderão a aumentar ainda mais. Estes avanços tornam cada vez mais viáveis e relevantes quer soluções comerciais convencionais, quer, crucialmente, soluções locais e comunitárias sem fins lucrativos. Por outro lado, a indústria de combustíveis fósseis reinventa-se e redobra esforços para atrasar este progresso e a sua aplicação abrangente. A política europeia reflete claramente estas tensões. Se o Pacote sobre Segurança Energética Sustentável da UE, que mencionamos, pode ser descrito como uma “carta de amor” à indústria fóssil, o mais recente Winter Package: Clean Energy for All Europeans (Pacote de Inverno: Energia Limpa para Todos os Europeus) lançado em novembro passado, estabelece, entre outras coisas, as bases para uma muito maior abertura para com iniciativas locais e regionais de base comunitária ou cooperativa, focadas na produção de energia provinda de fontes renováveis. Estes dois pacotes de medidas representam o que a UE espera que seja visto como uma política estratégica multipolar e complementar. O problema é que claramente onde uns são filhos, outros são enteados. O primeiro representa um esforço estrutural, assente em infraestrutura construída ou a construir, com claras implicações a médio e longo prazo; enquanto o segundo, bem vindos que sejam alguns dos seus elementos constituintes, representa acima de tudo uma maior abertura institucional a alternativas. Enquanto isso, o planeta aquece…

Some like it hot.

Como cenário de fundo surgem as alterações climáticas e os seus impactos. 2016 foi o ano mais quente de que há registo e é muito provável que 2017 lhe tome o lugar. Na sequência do seu mais recente relatório anual que realçava estas tendências, David Carlson, diretor do programa de investigação climática global da WMO (Word Meteorological Organization) afirmou que “estamos aver alterações notáveis à escala planetária, que questionam os limites da nossa compreensão do sistema climático. Estamos realmente a entrar em terreno desconhecido”. Em perfeito contra-ciclo, no final de março correu na imprensa mundial uma fotografia de Donald Trump, ladeado de mineiros. Também ao seu lado, durante a assinatura do decreto que deita por terra o Clean Power Act, a legislação aprovada por Barack Obama para cortar as emissões de gases com efeito de estufa, estava ainda o recém-nomeado diretor da Agência de Proteção Ambiental, Scott Pruitt, personagem fortemente associado à indústria petrolífera e que rejeita o consenso científico em torno do aquecimento global. Dois meses antes, em janeiro, Trump tinha revertido outro marco da administração Obama, o cancelamento do Dakota Access Pipeline, conseguido após largos meses de protestos e de repressão de ativistas indígenas e ambientais. No entanto, o que é surpreendente em Trump não é o seu compromisso com a reativação das indústrias do petróleo, gás e carvão. A administração Obama, mesmo tendo aprovado medidas limitadas contra as alterações climáticas, nomeadamente no que toca ao carvão, foi um proponente e dinamizador inicial do gasoduto Keystone XL, um dos projetos potencialmente mais danosos da atualidade. Foi ainda durante o seu mandato que a indústria da fratura hidráulica teve o seu momento áureo, com o seu apoio declarado. Ainda assim, Trump devolve o American Dream à indústria fóssil com um assustador orgulho e consequências possivelmente devastadoras, pela mensagem que passa à indústria e ao mundo. 8 de novembro de 2016 não foi apenas o dia em que este ganhou as eleições nos EUA, mas também o segundo dia da COP22, a conferência das Nações Unidas para as alterações climáticas. Reunidos em Marraquexe, líderes e delegações mundiais congratulavam-se com a ratificação do Acordo de Paris, que visa impedir que a temperatura média do planeta não suba (idealmente) mais de 1,5º C, perante um coro de consternação de especialistas e cientistas que, louvando o passo em frente, não conseguiam deixar de reconhecer o irrealismo do mesmo, perante a falta de metas vinculantes e de mecanismos, nomeadamente face às reservas de combustíveis existentes e consumos já previstos. O acordo sugere um fluxo de muitos milhões para todo o tipo de investimentos energéticos, ao mesmo tempo que estudos recentes como o Emissions Gap Report 2016, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, indicam que mesmo cumprindo o estabelecido, o aumento ronde os 3ºC ou mais, o que teria inevitavelmente consequências desastrosas para o ecossistema global. O problema é que já passaram quase 8 anos desde a Conferência do clima em Copenhaga, no ano de 2009, 20 desde o Protocolo de Quioto e quase 30 desde o histórico testemunho do cientista da NASA, James Hansen, ao Congresso americano acerca do aquecimento global. As temperaturas médias do planeta não pararam de aumentar e estudos e notícias recentes começam a lançar sérias dúvidas sobre se não ultrapassámos já o ponto de não-retorno nos níveis de CO2 na atmosfera, para além do qual alterações catastróficas serão inevitáveis. Todas as estimativas e resultados previstos ao longo dos anos têm sido consistentemente ultrapassados, seja no que toca a temperaturas, gelo oceânico e polar ou outros indicadores, demonstrando que os modelos pecam por defeito e refletindo a natureza altamente complexa e dinâmica do sistema climático global. Se no plano puramente científico existe ainda incerteza, não no que toca ao fenómeno, mas à sua real magnitude, existem outros aspectos desta situação que são bem menos incertos. O site carbonmap.org mostra um dos aspetos mais perturbantes do atual modelo energético: as assimetrias em termos de acesso à energia entre os países do sul e do norte do globo e sua relação com a proveniência dessas fontes energéticas. Se é no hemisfério norte que se consome a maioria da energia, é no hemisfério sul que estão localizadas a maior quantidade de reservas de combustíveis. Contudo os efeitos de eventos climáticos extremos, as cheias e as mudanças profundas nos ecossistemas terão consequências diferentes e serão os mais pobres, em toda a parte, a pagar a fatura mais alta do modelo energético fóssil com especial ênfase no sul global. O problema é, ao mesmo tempo, muito complexo e extremamente simples. Não pode existir uma economia realmente “verde” que não seja também justa e fundamentalmente distinta da atual. À luz do escasso progresso das últimas décadas, as soluções parecem residir em grande parte nas comunidades e não nos líderes.

Mais fundo na transição energética.
A introdução do livro Transições Energéticas: Sustentabilidade e Democracia Energética, publicado em 2015 por elementos de alguns grupos de investigação (1) da Universidade do País Basco e pelo grupo Ekologistak Martxan, é uma rara e completa síntese das questões que se deveriam colocar a qualquer pessoa ou organização dedicada a pensar um novo sistema energético. Os autores analisam a transição energética na intersecção de questões não só ecológicas mas também sociais, políticas e económicas, trazendo claridade a um debate que muitas vezes esbarra na simplicidade de análises que se centram apenas nas consequências dos níveis de CO2 na atmosfera e na necessidade de mais energias renováveis. Mais do que simplesmente entender estas problemáticas de um ponto de vista puramente ecológico, estendem a discussão ao âmbito sistémico e socioeconómico da organização social:“Os recursos energéticos renováveis também não estão a salvo porque colocámos em perigo a sua disponibilidade através de uma utilização muito superior à sua taxa de renovação. E, claro, estamos a esgotar os depósitos de resíduos: já não sabemos o que fazer com o lixo, com os resíduos radioativos, com a contaminação que todos eles produzem, com as alterações climáticas nem com o CO2. Prosseguem, afirmando que se verifica “o esgotamento de um modelo político e económico injusto e insustentável. A crise da democracia liberal capitalista é palpável. Cada vez são menos os que confiam na classe política ou no sistema de representação. E nós também estamos esgotadas. Uma sociedade espremida pela exploração laboral, pela invisibilidade dos trabalhos de assistência, pelos ajustes estruturais e pelo culto do crescimento económico. Uma economia que gira em torno dos processos de acumulação e especulação financeira e se esquece da manutenção da vida, das pessoas, das comunidades e dos ecossistemas. Um sistema enraizado na injustiça em múltiplas escalas, que saqueia o Sul para o consumo do Norte e para o enriquecimento de companhias transnacionais e elites político económicas.”
No entanto o livro está longe de ser um compêndio de ideias catastróficas. Nesse sentido, consideram que uma das questões chave para a transição energética é “a capacidade de suprir a procura de energia atual das sociedades do norte através de energias renováveis” e referem os estudos de Carlos de Castro Corranza, físico da Universidade de Valladolid, para concluir que esta substituição não é possível. Acrescentam ainda que As energias renováveis também requerem a utilização de materiais não-renováveis e produzem uma série de impactos no território. O debate sobre a escala e a forma em que se desenvolvem as renováveis é algo central em todo o processo. O facto de que muitas organizações não considerem como renováveis as grandes hidroelétricas devido ao impactos irreversíveis que produzem, ou o lema ‘eólicas sim, mas não assim’ são reflexo da discussão sobre sustentabilidade ambiental das renováveis. Não é apenas o ‘que’, mas também o ‘como’ (e para quem e para quê). Portanto se o novo modelo deve ser renovável e ambientalmente sustentável, o decrescimento no consumo, por parte das comunidades e sociedades do Norte é indispensável”. Lançam-se então numa tentativa de definir o que poderá ser a Transição Energética, questionando-se se será uma revolução ou uma mudança suave. “(…) a transição que desejamos implica uma rutura nos processos de acumulação e de saque ambiental e humano, mas também uma desconstrução de muitas estruturas de dominação tanto externas como internas. Se queremos imaginar e construir horizontes ambientalmente mais sustentáveis e socialmente mais justos, é necessária também uma revolução cognitiva, social e cultural.” Por último, é preciso compreender quais serão os atores desta transição e qual a sua natureza e métodos. Se por um lado existem organizações e empresas que, tendo um papel central neste processo, atuam no âmbito do mercado, há ainda outras que são parte da sociedade civil e mesmo de governos locais ou dos próprios municípios. Para os autores o importante é que se tratem de “iniciativas nascidas desde baixo” e apontam os “movimentos sociais, as cooperativas e os governos municipais” como os agentes de mudança energética mais relevantes.
Talvez a questão central para a definição de quais os caminhos a tomar na transição energética tenha que ver com a forma como concebemos a energia. Cecile Blanchet, ativista e investigadora na Commons Network e colaboradora com a fundação P2P, no seu blog energycommonsblog.wordpress.com, deixa-nos duas visões diferentes sobre a energia. Quando a energia é uma mercadoria “é produzida para produzir lucros (mesmo que verdes): somos clientes/consumidores e o nosso poder de decisão é escolher entre diferentes companhias de energia. O incentivo neste caso é produzir a maior quantidade de energia possível (ou aumentar os preços) de forma a aumentar os lucros. Os preços são determinados ou pelo produtor (o dono da central) ou pelo mercado”. Por outro lado quando a energia é um bem comum “é produzida para responder a uma necessidade e somos produtores e consumidores. A isto é chamado ‘prosumers’. Podemos decidir juntamente com vizinhos qual o sistema que queremos. O incentivo é produzir o que é preciso e armazena-lo. Sendo um bem comum não significa que a energia é grátis mas que os preços podem ser adaptados às nossas necessidades (somos nós que a controlamos e usamo-la para promover justiça social e climática). Pensemos na água que é também um bem comum: tem um custo para o consumidor. Mas não vais fazer lucro a partir dela porque é considerada um direito humano. Devemos olhar para a energia da mesma maneira”
Notas:
(1) Grupos de investigação EKOPOL (Ekonomia Ekologikoa eta Ekologia Politikoa) e PARTE HARTUZ