Era o vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas quando este organismo partilhou o Prémio Nobel da Paz de 2007 com o ex-vice-Presidente norte-americano Al Gore. Sete anos depois, o efeito do prémio começa a perder-se, mas o especialista diz ter “coisas novas para dizer”.
Foi convidado do II Congresso Mundial de História do Ambiente, que termina em Guimarães esta segunda-feira, e alertou para os paralelismos entre a conjuntura global actual e as situações críticas por que passaram as grandes civilizações da história antes do seu desaparecimento. Natural do Sri Lanka, Mohan Munasinghe é físico de formação.
E nós estamos num momento de consumo excessivo?
Do ponto de vista dos recursos naturais, estamos, enquanto espécie humana, a consumir excessivamente, já não a um nível regional, mas globalmente. O segundo factor desta equação é social: a ascensão das civilizações acontece em momentos de maior equidade e esforço partilhado na sua construção. O declínio, habitualmente, começa com o crescimento das iniquidades, com as elites a desfrutarem de um nível de vida muito mais alto do que o das massas. Hoje há paralelos preocupantes e as iniquidades estão a crescer.
Essas desigualdades reflectem-se no consumo de recursos?
Estamos a usar uma vez e meia a capacidade do planeta Terra. E em breve será duas vezes. Cerca de 85% dos recursos são consumidos pelos 20% mais ricos da população mundial. O resto dos 80% das pessoas está a consumir uma percentagem muito reduzida. Isto significa que os ricos do mundo estão a consumir mais do que um planeta Terra. A questão que se coloca é: onde estão os recursos para alimentar os pobres?
Esta é uma aprendizagem que os governos estejam prontos para fazer?
A minha experiência com governos é muito decepcionante. Provavelmente, não poderemos esperar que a mudança venha dos líderes. Em todas as grandes conferências mundiais, encontro após encontro, os líderes prometem isto e aquilo, mas nada está a ser feito, na prática. No entanto, se conseguirmos uma coligação da sociedade civil, dos líderes de comunidade, do sector empresarial, trabalhando com os governos, talvez possamos beneficiar das lições da História e colocar-nos no caminho da sustentabilidade.
Na Europa, a crise económica parece ter deixado estas questões num segundo plano. Esperava que isso acontecesse?
O papel da Europa é muito importante, porque esta desenvolveu um modelo policêntrico, que considero ser fundamental adoptar para resolver os desequilíbrios que o mundo enfrenta. Na União Europeia, existem grandes países como Alemanha, França e Reino Unido, mas há espaço para todos terem uma voz. A Europa pode ser a força mediadora entre os Estados Unidos e os BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China], de modo a fazer surgir um sistema político sustentável, que o seja também em termos ambientais, sociais e económicos.
A Europa ainda é policêntrica depois do que vimos acontecer durante a crise?
O que a crise financeira nos tem mostrado é que uma pequena plutocracia – os poderes financeiros – seguiram más políticas e ficaram à espera de que os contribuintes os resgatassem, o que tornou alguns países, como Portugal, Espanha e Grécia, economicamente frágeis. Mas em termos nacionais e políticos, a Europa é policêntrica, o que existe é uma concentração do poder pelas elites financeiras. Desse ponto de vista, a União Europeia está numa situação muito melhor do que os EUA.
Que papel pode um país pequeno como Portugal desempenhar?
Pode insistir nos seus direitos, não aceitar ser atacado pelos países de maior dimensão. Com a história e cultura que tem, com grande respeito pelo ambiente, pode ser restaurada uma economia saudável. Através do exemplo, com o contributo das universidades e de outras organizações, Portugal pode demonstrar ao mundo o que pode ser um caminho mais sustentável para o futuro.
Esteve na Cimeira de 1992 no Rio e na Rio+20 de 2012, que foi vista por muitos especialistas como uma oportunidade perdida. O que mudou no mundo nos últimos 20 anos que possam explicar os resultados limitados desta última conferência?
Antes disso, tinha participado na conferência de Estocolmo, em 1972, e esse era um tempo de grande esperança. A preocupação com o ambiente e a sustentabilidade estava a crescer e, entre 1972 e 1992, havia um caminho ascendente de esperança. Por isso, em 1992 tivemos a Agenda 21 e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. Mas, desde então, as pessoas começaram a ir no caminho contrário. No início do século XXI, surgem os Objectivos de Desenvolvimentos do Milénio, que eram muito menos ambiciosos do que o que traçámos em 1992. E mesmo esses oito objectivos eram muito limitados e não foram atingidos. Ou seja, reduzimos o alvo e mesmo assim não estamos a atingi-lo. O Rio+20 devia ter respondido a isto, mas só conseguimos que toda gente reconhecesse quais eram os problemas.
Depois faltaram as acções?
Os líderes que conseguiram comprometer-se com acções falharam de forma miserável. Temos uma lista de problemas, uma lista de potenciais soluções, mas as acções foram diferidas. Agora, fala-se na Agenda para o Desenvolvimento pós-2015, que é suposto produzir um plano de acção, mas é mais uma vez uma lista muito limitada.
O mundo vai precisar de uma nova grande conferência sobre esta matéria?
Neste momento, uma nova conferência não trará grande ajuda, porque atingimos um estádio de fadiga, particularmente entre os líderes mundiais. Defendo algo diferente: dar poder às pessoas. Dizer-lhes: quando sair desta sala, desligue a luz, plante uma árvore, coma menos carne. Toda a gente pode fazer alguma coisa. Não temos de esperar que o primeiro-ministro ou o Presidente nos digam o que fazer.
Propõe que se mude a escala de actuação?
Exactamente, passar para o nível intermédio de governação. Para os líderes, os problemas são demasiado grandes para assumirem o risco, mas a nível intermédio, estamos mais próximos dos problemas. E é aqui que temos que actuar.
Isso será suficiente?
Estamos no extremo de um precipício: ou podemos afastar-nos e sobreviver ou podemos cair pelo precipício. Para não cairmos no precipício, temos de trabalhar depressa. E não estou certo de que a minha proposta venha a dar resultados suficientemente rápidos.
Passaram sete anos desde o prémio Nobel da Paz. Sente que o efeito do prémio se perdeu?
O prémio dá-nos uma plataforma, mas tem um ciclo de vida muito curto. Pessoalmente, não dependo tanto dele, porque já tinha uma voz antes do prémio, mas o Nobel ajudou a incrementar o meu perfil a nível global.
Em termos mediáticos, foi bom ou mau partilhar o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) das Nações Unidas partilhar o prémio com Al Gore [ex-vice-Presidente dos EUA]?
Penso que foi muito bom. O que foi escrito na altura pela Academia Sueca é que o prémio foi entregue pela identificação de factos científicos e disseminação. Eu ajudei com a parte científica, a contribuição de Al Gore foi mais a disseminação. Ambos são importantes.
Criou o Instituto Munasinghe para o Desenvolvimento, no Sri Lanka, em 2011. Com que objectivo?
Somos um instituto muito pequeno, mas temos três áreas de acção: Damos bolsas a estudantes para estudos em áreas relacionadas como a sustentabilidade; temos programas de formação para o público em geral em vários países; e temos alguns trabalhos de investigação. Os três estão muito centrados em áreas como agricultura, energia ou recursos hídricos.
Que papel é que a educação pode desempenhar neste caminho para uma sociedade mais sustentável?
As universidades estão a formar os líderes do futuro e o problema hoje é que a sociedade tem os valores errados. Devido ao progresso científico, sentimos que podemos ignorar muitos dos constrangimentos que se nos colocam enquanto sociedade. Precisamos de um novo sistema de valores para a sustentabilidade, que tem que ser ensinado na universidade à nova geração de líderes. Mas também precisamos que isto chegue às escolas, desde crianças. Os exemplos que temos para as crianças verem são todos maus: a nossa geração ensinou-os a pedir emprestado, a enganar, a ter sucesso a qualquer custo.
Precisamos de uma geração para essa mudança?
Vamos precisar pelo menos de meia geração. O único aspecto positivo que encontro é que os mais jovens perceberam que estão a herdar um mundo arriscado, eles sabem que têm que fazer algumas mudanças muito depressa.
Veio a Portugal para uma conferência sobre o papel da História num futuro sustentável. O que podemos aprender com o passado?
Hoje os problemas sentem-se a uma escala global, quando antes estavam talvez a uma escala de um país ou de uma cidade. Os problemas que enfrentamos são mais complexos, mas a História é importante para guiar o nosso caminho para um desenvolvimento sustentável. Se olharmos para a ascensão e queda das civilizações no passado há sempre três factores críticos: a forma como a sociedade está organizada, a forma como a prosperidade é criada e partilhada e o ambiente que suporta todas as actividades sociais e económicas. Chamo-lhe o triângulo do desenvolvimento sustentável. As sociedades que floresceram são capazes de usar os recursos eficientemente e de uma forma sustentável e entram em colapso, habitualmente, por causa do consumo e do uso excessivo de um ou mais recursos.E nós estamos num momento de consumo excessivo?
Do ponto de vista dos recursos naturais, estamos, enquanto espécie humana, a consumir excessivamente, já não a um nível regional, mas globalmente. O segundo factor desta equação é social: a ascensão das civilizações acontece em momentos de maior equidade e esforço partilhado na sua construção. O declínio, habitualmente, começa com o crescimento das iniquidades, com as elites a desfrutarem de um nível de vida muito mais alto do que o das massas. Hoje há paralelos preocupantes e as iniquidades estão a crescer.
Essas desigualdades reflectem-se no consumo de recursos?
Estamos a usar uma vez e meia a capacidade do planeta Terra. E em breve será duas vezes. Cerca de 85% dos recursos são consumidos pelos 20% mais ricos da população mundial. O resto dos 80% das pessoas está a consumir uma percentagem muito reduzida. Isto significa que os ricos do mundo estão a consumir mais do que um planeta Terra. A questão que se coloca é: onde estão os recursos para alimentar os pobres?
Esta é uma aprendizagem que os governos estejam prontos para fazer?
A minha experiência com governos é muito decepcionante. Provavelmente, não poderemos esperar que a mudança venha dos líderes. Em todas as grandes conferências mundiais, encontro após encontro, os líderes prometem isto e aquilo, mas nada está a ser feito, na prática. No entanto, se conseguirmos uma coligação da sociedade civil, dos líderes de comunidade, do sector empresarial, trabalhando com os governos, talvez possamos beneficiar das lições da História e colocar-nos no caminho da sustentabilidade.
Na Europa, a crise económica parece ter deixado estas questões num segundo plano. Esperava que isso acontecesse?
O papel da Europa é muito importante, porque esta desenvolveu um modelo policêntrico, que considero ser fundamental adoptar para resolver os desequilíbrios que o mundo enfrenta. Na União Europeia, existem grandes países como Alemanha, França e Reino Unido, mas há espaço para todos terem uma voz. A Europa pode ser a força mediadora entre os Estados Unidos e os BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China], de modo a fazer surgir um sistema político sustentável, que o seja também em termos ambientais, sociais e económicos.
A Europa ainda é policêntrica depois do que vimos acontecer durante a crise?
O que a crise financeira nos tem mostrado é que uma pequena plutocracia – os poderes financeiros – seguiram más políticas e ficaram à espera de que os contribuintes os resgatassem, o que tornou alguns países, como Portugal, Espanha e Grécia, economicamente frágeis. Mas em termos nacionais e políticos, a Europa é policêntrica, o que existe é uma concentração do poder pelas elites financeiras. Desse ponto de vista, a União Europeia está numa situação muito melhor do que os EUA.
Mohan Munasinghe é físico de formação. Fonte: Público
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Que papel pode um país pequeno como Portugal desempenhar?
Pode insistir nos seus direitos, não aceitar ser atacado pelos países de maior dimensão. Com a história e cultura que tem, com grande respeito pelo ambiente, pode ser restaurada uma economia saudável. Através do exemplo, com o contributo das universidades e de outras organizações, Portugal pode demonstrar ao mundo o que pode ser um caminho mais sustentável para o futuro.
Esteve na Cimeira de 1992 no Rio e na Rio+20 de 2012, que foi vista por muitos especialistas como uma oportunidade perdida. O que mudou no mundo nos últimos 20 anos que possam explicar os resultados limitados desta última conferência?
Antes disso, tinha participado na conferência de Estocolmo, em 1972, e esse era um tempo de grande esperança. A preocupação com o ambiente e a sustentabilidade estava a crescer e, entre 1972 e 1992, havia um caminho ascendente de esperança. Por isso, em 1992 tivemos a Agenda 21 e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas. Mas, desde então, as pessoas começaram a ir no caminho contrário. No início do século XXI, surgem os Objectivos de Desenvolvimentos do Milénio, que eram muito menos ambiciosos do que o que traçámos em 1992. E mesmo esses oito objectivos eram muito limitados e não foram atingidos. Ou seja, reduzimos o alvo e mesmo assim não estamos a atingi-lo. O Rio+20 devia ter respondido a isto, mas só conseguimos que toda gente reconhecesse quais eram os problemas.
Depois faltaram as acções?
Os líderes que conseguiram comprometer-se com acções falharam de forma miserável. Temos uma lista de problemas, uma lista de potenciais soluções, mas as acções foram diferidas. Agora, fala-se na Agenda para o Desenvolvimento pós-2015, que é suposto produzir um plano de acção, mas é mais uma vez uma lista muito limitada.
O mundo vai precisar de uma nova grande conferência sobre esta matéria?
Neste momento, uma nova conferência não trará grande ajuda, porque atingimos um estádio de fadiga, particularmente entre os líderes mundiais. Defendo algo diferente: dar poder às pessoas. Dizer-lhes: quando sair desta sala, desligue a luz, plante uma árvore, coma menos carne. Toda a gente pode fazer alguma coisa. Não temos de esperar que o primeiro-ministro ou o Presidente nos digam o que fazer.
Propõe que se mude a escala de actuação?
Exactamente, passar para o nível intermédio de governação. Para os líderes, os problemas são demasiado grandes para assumirem o risco, mas a nível intermédio, estamos mais próximos dos problemas. E é aqui que temos que actuar.
Isso será suficiente?
Estamos no extremo de um precipício: ou podemos afastar-nos e sobreviver ou podemos cair pelo precipício. Para não cairmos no precipício, temos de trabalhar depressa. E não estou certo de que a minha proposta venha a dar resultados suficientemente rápidos.
Passaram sete anos desde o prémio Nobel da Paz. Sente que o efeito do prémio se perdeu?
O prémio dá-nos uma plataforma, mas tem um ciclo de vida muito curto. Pessoalmente, não dependo tanto dele, porque já tinha uma voz antes do prémio, mas o Nobel ajudou a incrementar o meu perfil a nível global.
Em termos mediáticos, foi bom ou mau partilhar o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) das Nações Unidas partilhar o prémio com Al Gore [ex-vice-Presidente dos EUA]?
Penso que foi muito bom. O que foi escrito na altura pela Academia Sueca é que o prémio foi entregue pela identificação de factos científicos e disseminação. Eu ajudei com a parte científica, a contribuição de Al Gore foi mais a disseminação. Ambos são importantes.
Criou o Instituto Munasinghe para o Desenvolvimento, no Sri Lanka, em 2011. Com que objectivo?
Somos um instituto muito pequeno, mas temos três áreas de acção: Damos bolsas a estudantes para estudos em áreas relacionadas como a sustentabilidade; temos programas de formação para o público em geral em vários países; e temos alguns trabalhos de investigação. Os três estão muito centrados em áreas como agricultura, energia ou recursos hídricos.
Que papel é que a educação pode desempenhar neste caminho para uma sociedade mais sustentável?
As universidades estão a formar os líderes do futuro e o problema hoje é que a sociedade tem os valores errados. Devido ao progresso científico, sentimos que podemos ignorar muitos dos constrangimentos que se nos colocam enquanto sociedade. Precisamos de um novo sistema de valores para a sustentabilidade, que tem que ser ensinado na universidade à nova geração de líderes. Mas também precisamos que isto chegue às escolas, desde crianças. Os exemplos que temos para as crianças verem são todos maus: a nossa geração ensinou-os a pedir emprestado, a enganar, a ter sucesso a qualquer custo.
Precisamos de uma geração para essa mudança?
Vamos precisar pelo menos de meia geração. O único aspecto positivo que encontro é que os mais jovens perceberam que estão a herdar um mundo arriscado, eles sabem que têm que fazer algumas mudanças muito depressa.
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Mohan Munasinghe (Página Oficial)
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