A queima de biomassa nas fábricas de celulose contribui cada vez mais para os lucros das duas grandes empresas de pasta e papel a atuar em Portugal, a The Navigator Company e a Altri. Apesar de afirmarem que a queima de biomassa para produção de energia ajuda a combater as alterações climáticas e a reduzir o risco de incêndios florestais, um novo relatório publicado hoje por três ONGs portuguesas e duas internacionais contesta estas afirmações, e destaca os impactos significativos para o clima e no ambiente que são escondidos pela indústria.
De acordo com Alexandra Azevedo, Presidente de Quercus, “As celuloses sempre queimaram parte dos seus resíduos industriais para produzir energia, mas nos últimos anos os lucrativos subsídios públicos às energias renováveis encorajaram a construção de grandes e ineficientes centrais termoelétricas dedicadas à queima de biomassa mesmo ao lado das suas fábricas de celulose e a substituição de centrais de cogeração a gás fóssil pela queima de biomassa. Essas centrais precisam de muito mais madeira do que é produzida como sobrantes florestais e resíduos industriais pelas fábricas de celulose, exigindo que grandes quantidades de madeira adicional sejam trazidas diretamente das operações de exploração florestal. A existência de subsídios desacoplou a queima de biomassa florestal na maioria destas fábricas dos fluxos de sobrantes industriais da produção de pasta celulósica. Os subsídios servem de base a uma nova área de negócio para estas empresas”.
O relatório mostra como as celuloses estão a queimar mais madeira para produzir energia do que qualquer outro setor em Portugal. Em 2021, gerou 80% da eletricidade produzida a partir da queima de biomassa nas suas centrais de cogeração e termoelétricas, e possuía mais da metade da capacidade industrial de queima de biomassa dedicada à produção de eletricidade. Juntos, o setor queimou quase 3 milhões de toneladas de biomassa em 2021, quase 60% das quais provenientes diretamente de operações de exploração florestal, principalmente das extensas plantações de monoculturas de eucalipto em Portugal.
Sophie Bastable, da Environmental Paper Network, afirmou que: “Globalmente, os incentivos à eletricidade a partir da queima de biomassa, como os subsídios à energia renovável, abriram um novo fluxo de receita para a indústria de pasta e papel. Essa renda incentiva a intensificação da exploração florestal e a expansão das plantações de monoculturas de árvores, muitas vezes no lugar dos ecossistemas naturais. Estamos a ver esta tendência preocupante desenvolver-se, não só em Portugal, mas em todo o mundo – da América do Sul à África do Sul.”
Dois grandes empreendimentos são destacados no relatório como emblemáticos dos problemas causados pela queima em larga escala de biomassa para geração de energia. A primeira é a central eléctrica Figueira da Foz II, na fábrica de celulose CELBI da Altri (operada pela GreenVolt, uma subsidiária da Altri), que é totalmente dependente da biomassa florestal primária e que, segundo o relatório, funciona com uma eficiência alarmantemente baixa de cerca de 22%. A segunda é a nova caldeira de biomassa da The Navigator Company, também na Figueira da Foz, que substituiu uma central a gás fóssil e requer que quase metade da biomassa que queima seja proveniente diretamente das operações florestais.
Oliver Munnion, da Biofuelwatch, declarou: “Em vez da queima de biomassa nas fábricas de celulose ser um exemplo de economia circular, como a indústria afirma, é um processo destrutivo de sentido único. Mais e mais madeira está a ser queimada com eficiências muito baixas, o que emite cada vez mais carbono para a atmosfera. De acordo com o IPCC, a queima de biomassa resulta em emissões de carbono imediatas superiores às dos combustíveis fósseis, como gás, e essas emissões têm um impacto climático significativo por longos períodos de tempo, independentemente do tipo de biomassa que está a ser queimada. Isso não pode ser considerado verde ou renovável”.
As subscritoras do relatório também questionam as alegações de que a queima de biomassa florestal ajuda a reduzir o risco de incêndios florestais, um enorme problema social e ambiental a cada verão em Portugal. Paulo Castro, Presidente da Acréscimo, afirmou: “Na última década e meia houve um aumento crescente da quantidade de biomassa retirada das áreas florestais, tanto para queima em centrais termoeléctricas como para transformação em pellets de madeira. Mas, ao mesmo tempo, a quantidade de área ardida total a cada ano em Portugal mantém tendência de crescimento e as áreas ardidas em povoamentos florestais já ultrapassaram, no último quinquênio e em 2022, outros tipos de uso da terra como os matos. Esta pseudo-estratégia de redução de incêndio claramente não está a funcionar, muito pelo contrário”. Serafim Riem da Iris, realça: “A extração excessiva de biomassa está a reduzir o coberto arbóreo, a tornar os solos mais pobres, a provocar a perda de biodiversidade e a aumentar o risco de desertificação”.
As signatárias fazem três exigências principais ao governo português. Em primeiro lugar, estão a pedir a introdução de uma moratória imediata sobre a nova capacidade de produção de eletricidade a partir de biomassa, e terminar a sua elegibilidade para subsídios de energia renovável. Em segundo, estão a pedir limites para a queima de biomassa nas fábricas de celulose, de modo que nenhuma biomassa florestal primária seja usada como matéria-prima para a geração de energia. Por fim, pedem que os subsídios à geração de eletricidade a partir da biomassa sejam redirecionados para a geração de energia genuinamente renovável, medidas de eficiência energética e técnicas de redução do risco de incêndio que incentivem a conservação e regeneração dos solos e das florestas autóctones.
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